Gays são caçados nas favelas do Rio pelo tráfico e pela milícia

Homossexuais são caçados por traficantes e milicianos nas favelas do Rio
Gays, lésbicas, travestis e pessoas trans são espancadas, torturadas, expulsas ou assassinadas por sua orientação sexual nas comunidades cariocas.
Rio de Janeiro – Eles não cometeram crime algum. Mas a decisão de viver abertamente sua homossexualidade foi suficiente para serem condenados à violência. Moradores de favelas da capital fluminense e da Baixada, integrantes da comunidade LGBTQIA+ vêm sendo perseguidos, humilhados, espancados, expulsos e até assassinados por traficantes e milicianos que controlam esses territórios.
Levantamento da ONG Conexão G, com sede no Complexo da Maré, aponta que pelo menos um homossexual é agredido por dia em comunidades carentes do Rio. A violência alimentada pelo preconceito tem crescido de forma alarmante.
Segundo dados do Grupo Gay da Bahia, o número de assassinatos de homossexuais no Brasil aumentou 55% entre 2007 e 2008, com 190 mortes registradas no período — uma média de mais de um homicídio a cada dois dias. Doze dessas vítimas estavam no Rio de Janeiro. Os números colocam o Brasil como o país mais homofóbico do mundo, à frente de México e Estados Unidos.
O medo vive no morro
O presidente do Conexão G, Gilmar Santos, afirma que a realidade pode ser ainda mais grave. “A maioria dos casos não é registrada. E mesmo quando vão à delegacia, muitas vítimas escondem sua orientação sexual por medo de mais violência”, diz.
Moradora do Morro da Providência por oito meses, a jovem Patrícia, de 24 anos, relata ameaças constantes. “Bandidos dizem que lésbicas só são assim porque não conheceram homens de verdade e prometem 'dar um jeito'. Muitas vivem fingindo ser heterossexuais para sobreviver”, conta.
Na Favela do Timbau, o travesti Marcela Soares, 40 anos, perdeu amigas assassinadas. “Já virou comum. Mas a gente não pode fazer nada, senão morre também”, desabafa. “Também somos humanos e exigimos respeito.”
‘Matar homossexual virou diversão’
A denúncia mais grave veio do presidente do Grupo Gay da Bahia, Marcelo Cerqueira, que chamou a situação de um “homocausto”. Ele ameaça levar o caso à ONU e à Comissão Interamericana de Direitos Humanos. “Não vamos assistir a esse massacre de braços cruzados”, afirma.
A psicóloga Sílvia Ramos, coordenadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania, observa que há poucos estudos sobre homofobia nas favelas, mas reconhece: “Ser homossexual numa comunidade dominada por facções ou milícia é muito mais perigoso do que em bairros de classe média”.
Em 2004, o governo federal criou o programa Brasil Sem Homofobia, com foco em cidadania e direitos humanos, mas os efeitos práticos ainda são limitados nas áreas mais vulneráveis.
Quando o preconceito queima
A violência não se restringe às comunidades dominadas pelo tráfico. Em áreas sob milícia, a brutalidade também impera. Em Nova Iguaçu, o professor Carlos (nome fictício), 26, escapou por pouco de um incêndio criminoso provocado por vizinhos que não aceitavam sua orientação sexual. “Estava dormindo quando acordei com a casa em chamas. Saí por uma janela, enquanto ouvi pessoas dizendo que 'veado tem que morrer'”, lembra.
Em Mesquita, a comerciante Jucyara Albuquerque, lésbica assumida desde os 16 anos, também foi vítima de agressão física. “Dois homens me espancaram no meu local de trabalho simplesmente por eu ser lésbica”, conta.
COMENTÁRIO DESTE BLOGUEIRO
A matéria do jornal O Dia é, por si só, um grito de socorro vindo das favelas cariocas. O que talvez tenha ficado de fora é um dado crucial: as favelas estão cheias de igrejas evangélicas que pregam o ódio disfarçado de salvação. Pequenas congregações, com pastores que mal sabem ler, mas que vociferam contra gays, lésbicas e trans, criam um terreno fértil para a homofobia virar norma. Não é difícil entender por que tantos traficantes e milicianos — nascidos e criados nesses ambientes — agem com tamanha brutalidade.
E o pior: eles têm armas. E, para quem já vive fora da lei, matar mais um “viado” ou uma “sapatão” é apenas mais um serviço sujo — incentivado em nome de uma “moral cristã” deturpada.
A omissão do Estado é cúmplice. Não se trata apenas de segurança pública: é sobre direitos humanos fundamentais sendo violados todos os dias. Os LGBTQIA+ dessas comunidades estão tentando sobreviver dentro da lei. Mas até quando? O que acontece quando o Estado abandona seus cidadãos? A história já mostrou: surgem justiceiros. E isso ninguém quer.
A única solução possível é a ação firme do Estado — com policiamento responsável, presença de políticas públicas, educação cidadã, e punição exemplar para quem comete crimes de ódio. Mas também é preciso mobilizar a sociedade, especialmente fora das favelas, para que a homofobia deixe de ser tolerada como “cultura local”.
Se nada for feito, esse “homocausto” vai continuar. E a culpa não será apenas de quem puxa o gatilho.
DISQUE 100
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