Não foi dessa vez: morrer não combinava com nossa agenda... lol
Marcos e eu no saguão do CCBB-Rio
Existe "coisa" mais sacana que a morte? Acredito que não. Ela não pede licença, costuma chegar sem avisar, e geralmente estraga prazeres. Digo "geralmente", porque há momentos em que morrer pode ser o fim de uma dor e não de um prazer. Eu mesmo preferiria morrer a viver vegetando ou conviver com dor intensa, sem a expectativa de alívio. Mas por que começar esse post falando sobre a morte? Porque, no sábado passado, ela quase pôs fim a uma noite que havia começado bem e que prometia muito.
Marcos e eu fomos assistir a uma peça sobre Hannah Arendt no Centro Cultural do Banco do Brasil (CCBB). Chegamos cedo, fomos à cafeteria do Centro Cultural dos Correios, porque o mezanino do CCBB estava fechado para reformas, e a cafeteria que fica no primeiro andar é muito desconfortável, uma vez que não oferece espaço suficiente para que o cliente se sente e curta um minuto de sossego - como deveria ser todo momento que envolve uma xícara de café ou cappuccino.
Quando voltamos do café, entramos na livraria do CCBB. Lá, tivemos a grata surpresa de encontrar Rafael, um querido que acaba de apresentar sua dissertação de mestrado e que está prestes a transformá-la em livro para lançamento em breve. Rafael me apresentou seu namorado e eu lhe apresentei o meu. :) As coincidências não pararam por aí: estávamos aguardando o início da mesma peça e nossos lugares (marcados já na compra dos ingressos) coincidiram de ser uns atrás dos outros - Marcos e eu nos sentamos uma fileira à frente de Rafael e de seu namorado. Inacreditável.
A peça foi absolutamente emocionante. Uma hora de texto na ponta da língua, timing perfeito entre as cenas, emoção à flor da pele.
Finda a peça, nos despedimos e tomamos caminhos diferentes.
Marcos e eu havíamos combinado com Danilo e Zico, um querido casal que acaba de se mudar para a Lapa, que nos encontraríamos com eles em seu apartamento depois da peça. Tomamos um táxi em frente ao CCBB e rumamos para lá.
Quando o táxi estava entrando na Av. Rio Branco, no cruzamento com a Presidente Vargas, com o sinal aberto para ele e fechado para os demais carros, um outro táxi veio à toda velocidade contra a nossa lateral, o mesmo lado em que Marcos estava sentado. Eu via o carro crescendo sem parar e pensava com meus botões: vai bater. Marcos ficou em choque pensando: vou morrer agora. Felizmente, o taxista conseguiu acelerar e desviar do táxi enlouquecido, mas um outro táxi já avançava o sinal numa pista que desembocava justamente diante de nós. Agora, nós é que bateríamos na lateral do outro. O taxista, muito controlado e com excelente reflexo, freou rápido o suficiente para se proteger atrás de um batente de concreto em frente a um canteiro que dividia as pistas. Ninguém se feriu. Os dois outros taxistas tomaram seus caminhos sem dizerem uma palavra, pois haviam avançado o sinal, cada um numa pista diferente - erros que poderiam ter custado nossas vidas e as deles.
Findo o suspense, Marcos comentava o susto e como havia pensado que morreria naquele momento. Jocosamente, ele disse: "Eu morreria nos teus braços."
Eu respondi: Muito apropriado depois de assistirmos uma peça de teatro - seria um final shakespeariano. Mas, provavelmente, eu morreria também, porque seriam duas pancadas: uma na lateral e outra na dianteira.
O motorista disse acertadamente: Isso acontece porque o pessoal acha que a essa hora da noite, num sábado, não se precisa esperar o sinal abrir. É aí que os acidentes acontecem. Felizmente, nada nos aconteceu, além do susto.
Concordamos e continuamos nosso caminho. Descemos na Av. Mem de Sá, coração da Lapa, e fomos nos encontrar com Zico e Danilo. Eles carinhosamente haviam colocado umas cervejas na geladeira e fizeram uns petiscos para beliscarmos, enquanto assistíamos clipes de música pop americana e de MPB entre uma conversa e outra. Ficamos com eles até chegarem duas amigas e um amigo que eles também estavam aguardando, pois iriam à festa chamada Gambiarra no Circo Voador. Nós, apesar de termos pensado previamente em ir, decidimos que não valia a pena esticarmos muito na rua, porque tanto Marcos como eu havíamos trabalhado muito durante a semana e tivemos alguns compromissos no sábado que nos desgastaram fisicamente, principalmente por causa das distâncias percorridas.
Vista da janela da varanda do apartamento de Zico e Danilo
Voltamos para casa logo depois de conhecermos os amigos de Zico e Danilo. Mas, antes de embarcarmos de volta para casa, decidimos parar para jantar num restaurante japonês. Não estávamos com tanta fome, porque os petiscos na casa dos meninos já haviam nos saciado relativamente. É que o desejo pelo rango japinha já vinha solicitando satisfação desde o meio da semana.
Marcos, Zico, Danilo e eu no domingo que antecedeu nossa visita.
O bar é praticamente anexo ao prédio deles. Luxooo. hehehe
Depois do jantar, decidimos tentar a morte de novo (kkkk). Pegamos outro táxi e voltamos para casa. Que delícia podermos entrar em casa, tomar um banho e ir para a cama felizes por estarmos vivos e sem um arranhão. Já na cama, conversamos até duas e pouco da madrugada. No dia seguinte, havia uma mensagem escrita no azulejo da cozinha e uma carta de duas páginas colada ao lado - amor vertido em centenas de caracteres. Palavras ditas podem se perder rapidamente, mas as escritas geralmente resistem por mais tempo. Marcos leu cada linha e depois me abraçou enquanto eu ia escrevendo o texto da minha coluna dominical no AASA. Parei, abracei sua cintura, e disse mais meia-dúzia de chamegos. A doçura que emoldurava seus olhos ainda está aqui comigo, enquanto escrevo esse post.
Ah, sim. Só mais uma coisa. As pessoas costumam dizer que alguém só é ateu enquanto não passa aperto. Bem, eu sou ateu; Marcos, não. Mas podem perguntar a ele. Não gritei, não clamei por deus ou santo algum, não fiquei transtornado depois da experiência de quase-acidente-mortal. Simplesmente disse: "É por isso que precisamos viver todo dia como se fosse o último. Não adiar as coisas boas que a gente pode fazer, as coisas gostosas que a gente pode desfrutar, inclusive no amor." O motorista só ouvia. Marcos parecia meio surpreso com a minha calma e eu completamente solidário ao susto que ele levou. Seu coração ainda estava acelerado quando saímos do táxi. Que bom! Era sinal de que ele estava vivo e eu também. E o trauma é o resultado mais natural depois de uma situação dessas, obviamente. Qual é o ser vivo que não treme diante da morte quando ela parece iminente? Mas o fato de não termos gritado ou nos desesperado também colaborou para que o motorista não se distraísse naqueles dois segundos que fizeram toda a diferença.
Bem, nossa noite de sábado foi ótima do início ao fim, inclusive com essa driblada na dona morte. E por isso mesmo é que eu não poderia fechar esse post sem citar o poeta Renato Russo:
"É preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã, porque se você parar para pensar, na verdade, não há."
Uma vez acordei de madrugada sentindo uma forte dor no peito e dor de cabeça ao mesmo tempo. Pensei que ia morrer. Lembrei de uma tia que havia morrido uma semana antes inesperadamente. Queixou-se à família de dor no peito, foi deitar e não levantou mais. Bem, pensei que ia morrer, não tinha como pegar um ônibus e ir ao hospital naquele horário. Não rezei pra entidade nenhuma: apenas lembrei de tudo que me aborrecia e esperei a morte tranquilo pensando: estou livre dessas merdas.
ResponderExcluirMas as dores passaram e continuo vivo.
Isso aí, Edson. Viver é fantástico na maior parte do tempo.
ExcluirA bruxa tava solta no sábado, hein?! Mas ainda bem que vocês não sofreram um arranhão. Beijoca no ombro pra morte e muitos beijos pra vocês.
ExcluirCenas cotidianas e cheia de tensão. Muito romântico o incidente. Morri! Kkkkk Que os gritos sejam estridentes, mas por motivos que lhes tragam à tona o amor, que estampa cada linha deste texto. Felicidades ao casal!
ExcluirVlw, Bruno. Obrigado pelo lindo comentário. Abração, querido.
ExcluirVerdade, Katitia, e nem era Halloween ainda. hehehehehe
ResponderExcluirBeijos,
Sergio