Da África à América Latina, do Oriente ao Ocidente: nós sempre estivemos aqui

Da África à América Latina, do Oriente ao Ocidente: nós sempre estivemos aqui


Por Sergio Viula


A presença LGBTQ+ não é um fenômeno moderno — ela atravessa milênios, culturas e continentes. De faraós a filósofos, de poetas a conquistadores, a diversidade sexual e de gênero sempre fez parte da experiência humana. Conhecer essas histórias é resgatar vozes silenciadas e mostrar que a luta por visibilidade e respeito não começou ontem: ela é tão antiga quanto a própria civilização.

Neste post, revisitamos figuras históricas e textos clássicos que comprovam que o amor e o desejo entre pessoas do mesmo sexo — assim como identidades de gênero não conformes — sempre existiram, apesar de tantas tentativas de apagamento.

O rei egípcio Neferkare


Imagem do Faraó e sua mãe


O faraó Neferkare, provavelmente Pepi II, passava madrugadas com seu general favorito Sasenet. Embora os registros sejam escassos, esse episódio é lembrado como um exemplo de relações homoafetivas na história do Egito Antigo.

Safo de Lesbos (Grécia, séc. VII a.C.)


Safo


Poetisa da ilha de Lesbos, Safo amava e escrevia sobre mulheres. Seu nome deu origem ao termo "lésbica". Seus poemas, embora fragmentados, sobreviveram ao tempo e continuam a inspirar gerações com suas celebrações do amor e da beleza feminina.

Alexandre, o Grande (Macedônia/Grécia, 356–323 a.C.)


Alexandre e Heféstion


Rei da Macedônia e conquistador de um dos maiores impérios da Antiguidade, Alexandre teve uma relação afetiva profunda com Heféstion, seu general e amigo de infância, além de esposas. A figura de Alexandre tornou-se símbolo de poder, conquista e também de ambiguidade sexual, desafiando noções rígidas de masculinidade.

Mizi Xia e o Duque Ling de Wei (China, séc. IV a.C.)


Mizi Xia e o Duque Ling de Wei


Na China Antiga, Mizi Xia era o jovem favorito do duque de Wei. Um episódio famoso conta que ele mordeu um pêssego e deu a metade ao duque, que interpretou o gesto como sinal de amor. Essa história deu origem à expressão “o amor do pêssego mordido” para designar relações homoeróticas na literatura chinesa.


O Kama Sutra e a diversidade na Índia Antiga


Kama Sutra


Escrito entre os séculos III e IV d.C. por Vatsyayana, o Kama Sutra vai muito além das práticas sexuais: é uma obra sobre amor, estética, comportamento social e papéis de gênero. Surpreendentemente, reconhece explicitamente relações homoafetivas e identidades que hoje associamos à diversidade sexual e de gênero.

No Livro II (“Sobre a União Sexual”), há uma seção intitulada “Sobre os toques e carícias mútuas entre homens”. Vatsyayana descreve dois grupos principais:

Homens que se comportam como mulheres (comparáveis a pessoas trans femininas ou efeminadas).

Homens que têm desejos por outros homens, mas mantêm aparência e comportamento masculinos.

Um trecho adaptado afirma:

“Há homens que praticam a arte [do amor] como as mulheres. São chamados de klibas. Eles imitam os gestos e falas das mulheres e ocupam o papel feminino no ato sexual.”

O Kama Sutra também menciona relações entre mulheres, descrevendo as Sváyambhú, mulheres que se ligam romanticamente e sexualmente a outras mulheres, e usa o termo Sahaja, traduzido como “natural”, sugerindo que esse desejo era visto como parte da natureza humana.

Outro trecho interpretado diz:

“Algumas mulheres se satisfazem mutuamente com carícias e beijos, ou usando objetos. Essas mulheres são chamadas de svayambhú, e seu desejo é inato.”

Além disso, o texto reconhece o “terceiro gênero”, chamado Napumsaka, categoria que incluía pessoas intersexo, trans, eunucos e outras identidades de gênero não tradicionais.
Conclusão: a história não nos apagará

Essas narrativas mostram que o amor e o desejo entre pessoas do mesmo sexo, assim como identidades de gênero diversas, não são invenções modernas nem “modismos”. Elas existiram em diferentes épocas e lugares, apesar das tentativas de apagamento impostas por moralismos, religiões e regimes políticos.

Recuperar essas histórias é um ato de resistência. É afirmar que nós sempre estivemos aqui — e continuaremos a estar.

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