LGBT no Japão: Uma jornada entre samurais, animes e ativismo moderno

 LGBT+ no Japão: Tradição, Silêncio e Resistência

Uma jornada entre samurais, animes e ativismo moderno




Por Sergio Viula


O Japão é um país de contrastes: tradição milenar e modernidade tecnológica coexistem lado a lado, assim como silêncio e visibilidade em questões de gênero e sexualidade. Por séculos, práticas e expressões LGBT+ foram celebradas em palácios, templos e palcos de teatro, mas a influência ocidental trouxe regras rígidas e tabus que moldaram uma sociedade conservadora. Hoje, entre animes, mangás e ativismo crescente, a comunidade LGBT+ japonesa luta para encontrar seu espaço, equilibrando orgulho, coragem e sutileza em um país que ainda navega entre passado e futuro.


Os samurais e a homoafetividade


O samurais e a homoafetividade


Na era dos samurais, o amor entre homens não apenas existia, mas era celebrado e até idealizado em certos contextos. A prática do shudō — literalmente "o caminho dos jovens" — unia guerreiros experientes a jovens aprendizes, combinando treinamento militar, filosofia, estética e companheirismo emocional. Embora envolvesse frequentemente uma dimensão afetiva e sexual, o shudō não era reduzido a isso: tratava-se também de uma forma de transmissão de valores e honra entre gerações, dentro de um código ético rígido que valorizava coragem, lealdade e disciplina. Textos da época descrevem essas relações com orgulho, e muitas crônicas as romantizam, mostrando que a homossexualidade era entendida de forma bem diferente da moralidade ocidental que chegaria ao Japão séculos depois.

O teatro e a fluidez de gênero


Nos palcos, especialmente no kabuki e em outros teatros tradicionais, a fluidez de gênero ganhou vida como parte essencial da estética e da performance. Um destaque eram os onnagata, atores homens que interpretavam papéis femininos com tanta sutileza e beleza que muitas vezes eram considerados o ideal de feminilidade, superando inclusive as mulheres reais aos olhos do público. Essa arte desafiava categorias rígidas de gênero, criando personagens que transitavam entre o masculino e o feminino, o humano e o divino, o trágico e o cômico. Além disso, o fascínio do público por esses atores ia além do palco, e registros históricos mostram que alguns onnagata mantinham relações afetivas e sexuais com admiradores e colegas, reforçando a ideia de que a identidade e a expressão de gênero eram muito mais fluidas na cultura japonesa pré-moderna do que seriam no período posterior, marcado pela influência ocidental.


A invasão europeia 

Com a ocidentalização no século 19, não vieram apenas os avanços tecnológicos e a abertura econômica, mas também o moralismo europeu, fortemente influenciado pelo cristianismo e pelo ideal vitoriano de “respeitabilidade”. Até então, o Japão havia mantido uma relação relativamente naturalizada com a homoafetividade e a fluidez de gênero, mas a partir da Restauração Meiji (1868), o país buscava ser visto como uma nação moderna e “civilizada” aos olhos do Ocidente. Isso levou à importação não só de indústrias e sistemas políticos, mas também de códigos jurídicos e morais que passaram a enquadrar as relações LGBT+ como imorais ou até mesmo criminosas. 


O imperadro Meiji


O Imperador Meiji tentou equilibrar tradição e modernidade, promovendo uma identidade nacional que preservasse elementos culturais japoneses enquanto adotava padrões ocidentais. No entanto, as pressões externas e internas foram tão intensas que a moralidade sexual japonesa sofreu uma ruptura profunda: práticas antes aceitas passaram a ser silenciadas ou condenadas, e a homoafetividade, outrora celebrada em textos literários e nas artes, foi empurrada para os bastidores da vida social. Essa transformação abriu caminho para mais de um século de conservadorismo em questões de sexualidade e gênero, cujas marcas permanecem visíveis até hoje na cultura e na legislação japonesa.


Cultura pop e presença LGBT

Hoje, personagens LGBT+ aparecem com destaque em animes, mangás e na cultura pop japonesa. Ainda assim, a realidade social exige silêncio e discrição de muitas pessoas, já que o casamento igualitário ainda não é reconhecido no país — apesar de tribunais já terem declarado a proibição inconstitucional, pressionando o governo por mudanças.


Matsuko Deluxe

Kodo Nishimura

Nomes como Matsuko Deluxe e Kodo Nishimura se destacam como símbolos de resistência e autenticidade, inspirando uma nova geração a desafiar estereótipos e buscar igualdade. Matsuko Deluxe, apresentador e comentarista de TV conhecido por seu humor afiado e personalidade extravagante, tornou-se um dos rostos mais visíveis da diversidade no entretenimento japonês. Já Kodo Nishimura, monge budista e maquiador internacional, une espiritualidade e liberdade de expressão, levando mensagens de aceitação e amor-próprio para além das fronteiras japonesas.




Pessoas transgêneras no Japão


Em 2009, na Tailândia, durante o concurso Miss International Queen, a transexual Ai Haruna foi eleita a mulher trans mais linda do mundo. Foi a primeira vez que uma pessoa Japonesa ganhou esse título.

As pessoas trans no Japão enfrentam uma realidade contraditória: por um lado, a visibilidade aumentou com figuras públicas e a crescente discussão sobre direitos; por outro, a legislação ainda exige condições como cirurgia de redesignação sexual e esterilização para a mudança legal de gênero — uma norma criticada por organizações de direitos humanos e que pressiona indivíduos a decisões irreversíveis. Apesar disso, há avanços na mídia e na sociedade civil, com mais pessoas trans assumindo posições de destaque e conquistando espaços antes impensáveis.


Lésbicas japonesas


As atrizes Ayaka Ichinose, de 34 anos, e Akane Sugimori, de 28 — ambas vestidas de branco — disseram “sim” diante de cerca de 80 parentes e amigos (19/05/25). O casamento não tem validade legal, mas chama as autoridades à atenção no sentido de aprovar uma lei que o garanta.


Para as lésbicas, a invisibilidade é talvez o maior desafio. Enquanto os homens gays têm ganhado algum reconhecimento na cultura pop, mulheres lésbicas muitas vezes são retratadas de forma estereotipada ou hipersexualizada em mídias voltadas para o público masculino. Na vida real, muitas enfrentam a pressão de casamentos heterossexuais arranjados e a falta de representatividade, embora grupos ativistas e espaços seguros — como bares e coletivos feministas — estejam mudando lentamente esse cenário.


Organizações de defesa dos direitos LGBT

Diversas organizações LGBT+ no Japão têm desempenhado papéis cruciais para apoiar a comunidade e promover direitos iguais. Grupos como a J-ALL trabalham em políticas públicas e lobby legislativo, enquanto a Nijiiro Diversity foca na inclusão de pessoas LGBT+ no ambiente de trabalho. Eventos como o Tokyo Rainbow Pride e iniciativas da Pride House Tokyo fortalecem a visibilidade, oferecem suporte a famílias LGBT+ e criam espaços seguros para encontros e celebrações. Essas organizações, entre outras, ajudam a construir redes de solidariedade, educação e resistência frente a desafios culturais e legais.


Manifestação pró-LGBT no Japão


O ativismo no Japão mostra que, mesmo em um contexto histórico de conservadorismo e silenciamento, há força, criatividade e coragem na luta LGBT+. A cada passo, seja na mídia, na política ou nas ruas, a comunidade reafirma seu direito de existir e celebrar quem é.

No Japão, como em todo o mundo, ser LGBT+ é resistir, brilhar e reivindicar orgulho — e essa luz jamais será apagada.

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