O Orgulho Que Sussurra no Marrocos: Amor, Arte e Resistência LGBTQ+
O Orgulho Que Sussurra no Marrocos: Amor, Arte e Resistência LGBTQ+

Por Sergio Viula
O Marrocos guarda uma história queer silenciada, marcada por poesia, espiritualidade e resistência. Antes da chegada do colonialismo europeu e da imposição de códigos penais modernos, o amor entre homens era celebrado em versos, canções e danças. Hoje, apesar da repressão legal e social, coletivos, artistas e escritores continuam desafiando o silêncio, mostrando que o orgulho LGBTQ+ no país vem de longe e não vai calar.
No passado islâmico do Marrocos
Em Fez e Marrakech, poetas exaltavam a beleza de jovens rapazes em versos repletos de erotismo e espiritualidade.
Nas festas sufis, jovens dançavam com graça e mistério, desafiando o binarismo de gênero com arte e beleza.
A homossexualidade existia, mas foi reprimida com a chegada do colonialismo e, mais tarde, com o código penal moderno.
Entenda: as festas sufis
O sufismo é a vertente mística do Islã.
Os sufis buscavam uma conexão direta e amorosa com Deus por meio da música, da poesia, da dança e da contemplação.
Eles acreditavam que o amor — tanto humano quanto divino — era o caminho mais puro para alcançar o sagrado.
Nas festas sufis, conhecidas como hadra ou dhikr (lembrança de Deus), os participantes se reuniam em círculos, cantavam versos poéticos e giravam ao som de tambores e flautas, em uma espécie de transe espiritual.
Esses rituais não eram apenas religiosos: eram também expressões artísticas e sensuais, onde o corpo e a alma se misturavam na busca do êxtase divino.
Em cidades como Fez e Marrakech, poetas e músicos celebravam a beleza dos jovens — vistos como reflexos da beleza divina.
A linha entre o espiritual e o erótico era sutil: o amor entre homens, nesses poemas e danças, podia ser ao mesmo tempo místico e carnal.
Com o passar dos séculos, especialmente após o colonialismo europeu e a imposição de códigos morais mais rígidos, essa herança poética e sensual foi reprimida e reinterpretada como algo “pecaminoso”.
Mas as festas sufis — com sua música, dança e exaltação da beleza — continuam sendo um símbolo de uma espiritualidade livre, artística e profundamente humana.

Resistência e orgulho
Rapazes dançarinos: a sensualidade masculina admirada por outros homens.
Hoje, o artigo 489 do Código Penal marroquino estipula que a homossexualidade é crime, punível com até três anos de prisão.
Pessoas LGBTQ+ vivem com medo — perseguidas, presas, expostas. Mas ainda assim... resistem.
Entre os mais conhecidos estão os coletivos Kifkif e Aswat, símbolos da luta por visibilidade, dignidade e direitos humanos no país.
Kifkif, fundado em 2004, foi o primeiro grupo de defesa dos direitos LGBTQ+ do mundo árabe.
Seu nome vem da palavra árabe kifkif, que significa “igual”, refletindo sua missão de promover igualdade e respeito.
O coletivo nasceu na clandestinidade, criado por jovens marroquinos conectados pela internet.
Perseguidos, muitos se exilaram — especialmente na Espanha, onde o grupo foi oficialmente registrado como ONG.
De lá, o Kifkif atua publicando relatórios sobre violência e discriminação, oferecendo apoio psicológico e jurídico a vítimas e promovendo campanhas de conscientização sobre diversidade sexual no mundo árabe.
O coletivo Aswat (“Vozes” em árabe) surgiu em 2012 como uma plataforma anônima e colaborativa dentro do próprio Marrocos.
Formado por jovens ativistas e artistas queer, começou com um blog e uma página no Facebook, publicando depoimentos, artigos e vídeos sobre a vida LGBTQ+ no país.
O objetivo era criar um espaço seguro de expressão, especialmente para quem não podia se expor publicamente.
Mesmo sob risco de perseguição, o Aswat organiza campanhas online de visibilidade, empatia e resistência, além de denunciar prisões e abusos motivados pela homofobia.
Tanto o Kifkif quanto o Aswat atuam num ambiente de extrema hostilidade, mas continuam rompendo o silêncio com coragem, arte e solidariedade — inspirando novas gerações a imaginar um Marrocos mais livre.
Abdellah Taïa: amor, exílio e liberdade
Entre essas vozes de resistência, destaca-se Abdellah Taïa, o primeiro escritor marroquino a assumir publicamente sua homossexualidade.
Nascido em 1973, em Salé, Taïa cresceu em uma família numerosa e pobre, cercado por tradições islâmicas conservadoras. Desde cedo, encontrou refúgio nos livros e filmes que mostravam mundos onde arte, desejo e liberdade coexistiam.
Nos anos 1990, mudou-se para Paris, onde estudou literatura e começou a escrever sobre aquilo que conhecia de perto: o desejo entre homens, a solidão, a fé, o corpo e a marginalidade em uma sociedade conservadora.
Seu romance Salvation Army (L’Armée du Salut, 2006) retrata sua juventude queer no Marrocos e sua chegada à Europa, mostrando a luta para existir entre dois mundos. O livro foi adaptado para o cinema em 2013, dirigido pelo próprio Taïa — o primeiro filme marroquino dirigido por um homem abertamente gay.
Outras obras exploram temas como o amor impossível, o exílio, o desejo e a busca por dignidade:
Une mélancolie arabe (Uma Melancolia Árabe, 2008)
Le Jour du Roi (O Dia do Rei, 2010)
Celui qui est digne d’être aimé (Aquele que é Digno de Ser Amado, 2017)
Vivre à ta lumière (Viver à Tua Luz, 2022)
Em suas entrevistas e ensaios, Taïa afirma que ser gay e muçulmano não são identidades incompatíveis e que escrever é um ato político — uma forma de existir publicamente e com ternura, contra a invisibilidade. Hoje, ele é reconhecido como uma das vozes mais poderosas da literatura árabe francófona contemporânea.
O orgulho que sussurra

No Marrocos, o orgulho ainda sussurra.
Ele não se manifesta em grandes paradas ou bandeiras abertas — ainda.
Mas existe nas palavras de poetas antigos, nas danças sufis e nas redes de resistência que acolhem e denunciam.
Ele respira na obra de Abdellah Taïa, que transformou dor e silêncio em literatura, cinema e coragem.
Ele sobrevive em cada jovem queer que ousa existir, amar e sonhar em um país que ainda tenta calar sua verdade.
O orgulho marroquino LGBTQ+ não desapareceu com a repressão.
Ele veio de longe, atravessou fronteiras e gerações, e não vai calar.

Marrocos: ancestralidade e diversidade
Por Sergio Viula
O Marrocos guarda uma história queer silenciada, marcada por poesia, espiritualidade e resistência. Antes da chegada do colonialismo europeu e da imposição de códigos penais modernos, o amor entre homens era celebrado em versos, canções e danças. Hoje, apesar da repressão legal e social, coletivos, artistas e escritores continuam desafiando o silêncio, mostrando que o orgulho LGBTQ+ no país vem de longe e não vai calar.
No passado islâmico do Marrocos
Em Fez e Marrakech, poetas exaltavam a beleza de jovens rapazes em versos repletos de erotismo e espiritualidade.
Nas festas sufis, jovens dançavam com graça e mistério, desafiando o binarismo de gênero com arte e beleza.
A homossexualidade existia, mas foi reprimida com a chegada do colonialismo e, mais tarde, com o código penal moderno.
Entenda: as festas sufis
O sufismo é a vertente mística do Islã.
Os sufis buscavam uma conexão direta e amorosa com Deus por meio da música, da poesia, da dança e da contemplação.
Eles acreditavam que o amor — tanto humano quanto divino — era o caminho mais puro para alcançar o sagrado.
Nas festas sufis, conhecidas como hadra ou dhikr (lembrança de Deus), os participantes se reuniam em círculos, cantavam versos poéticos e giravam ao som de tambores e flautas, em uma espécie de transe espiritual.
Esses rituais não eram apenas religiosos: eram também expressões artísticas e sensuais, onde o corpo e a alma se misturavam na busca do êxtase divino.
Em cidades como Fez e Marrakech, poetas e músicos celebravam a beleza dos jovens — vistos como reflexos da beleza divina.
A linha entre o espiritual e o erótico era sutil: o amor entre homens, nesses poemas e danças, podia ser ao mesmo tempo místico e carnal.
Com o passar dos séculos, especialmente após o colonialismo europeu e a imposição de códigos morais mais rígidos, essa herança poética e sensual foi reprimida e reinterpretada como algo “pecaminoso”.
Mas as festas sufis — com sua música, dança e exaltação da beleza — continuam sendo um símbolo de uma espiritualidade livre, artística e profundamente humana.

Homem marroquino mostrando construções antigas em Marrakech.
Resistência e orgulho
Rapazes dançarinos: a sensualidade masculina admirada por outros homens.
Hoje, o artigo 489 do Código Penal marroquino estipula que a homossexualidade é crime, punível com até três anos de prisão.
Pessoas LGBTQ+ vivem com medo — perseguidas, presas, expostas. Mas ainda assim... resistem.
Kifkif e Aswat: as vozes da resistência marroquina
Mesmo sob leis que criminalizam o amor entre pessoas do mesmo sexo, surgiram no Marrocos grupos de resistência que desafiam o medo e a censura.
Mesmo sob leis que criminalizam o amor entre pessoas do mesmo sexo, surgiram no Marrocos grupos de resistência que desafiam o medo e a censura.
Entre os mais conhecidos estão os coletivos Kifkif e Aswat, símbolos da luta por visibilidade, dignidade e direitos humanos no país.
Kifkif, fundado em 2004, foi o primeiro grupo de defesa dos direitos LGBTQ+ do mundo árabe.
Seu nome vem da palavra árabe kifkif, que significa “igual”, refletindo sua missão de promover igualdade e respeito.
O coletivo nasceu na clandestinidade, criado por jovens marroquinos conectados pela internet.
Perseguidos, muitos se exilaram — especialmente na Espanha, onde o grupo foi oficialmente registrado como ONG.
De lá, o Kifkif atua publicando relatórios sobre violência e discriminação, oferecendo apoio psicológico e jurídico a vítimas e promovendo campanhas de conscientização sobre diversidade sexual no mundo árabe.
O coletivo Aswat (“Vozes” em árabe) surgiu em 2012 como uma plataforma anônima e colaborativa dentro do próprio Marrocos.
Formado por jovens ativistas e artistas queer, começou com um blog e uma página no Facebook, publicando depoimentos, artigos e vídeos sobre a vida LGBTQ+ no país.
O objetivo era criar um espaço seguro de expressão, especialmente para quem não podia se expor publicamente.
Mesmo sob risco de perseguição, o Aswat organiza campanhas online de visibilidade, empatia e resistência, além de denunciar prisões e abusos motivados pela homofobia.
Tanto o Kifkif quanto o Aswat atuam num ambiente de extrema hostilidade, mas continuam rompendo o silêncio com coragem, arte e solidariedade — inspirando novas gerações a imaginar um Marrocos mais livre.
Abdellah Taïa: amor, exílio e liberdade
Entre essas vozes de resistência, destaca-se Abdellah Taïa, o primeiro escritor marroquino a assumir publicamente sua homossexualidade.
Nascido em 1973, em Salé, Taïa cresceu em uma família numerosa e pobre, cercado por tradições islâmicas conservadoras. Desde cedo, encontrou refúgio nos livros e filmes que mostravam mundos onde arte, desejo e liberdade coexistiam.
Nos anos 1990, mudou-se para Paris, onde estudou literatura e começou a escrever sobre aquilo que conhecia de perto: o desejo entre homens, a solidão, a fé, o corpo e a marginalidade em uma sociedade conservadora.
Seu romance Salvation Army (L’Armée du Salut, 2006) retrata sua juventude queer no Marrocos e sua chegada à Europa, mostrando a luta para existir entre dois mundos. O livro foi adaptado para o cinema em 2013, dirigido pelo próprio Taïa — o primeiro filme marroquino dirigido por um homem abertamente gay.
Outras obras exploram temas como o amor impossível, o exílio, o desejo e a busca por dignidade:
Une mélancolie arabe (Uma Melancolia Árabe, 2008)
Le Jour du Roi (O Dia do Rei, 2010)
Celui qui est digne d’être aimé (Aquele que é Digno de Ser Amado, 2017)
Vivre à ta lumière (Viver à Tua Luz, 2022)
Em suas entrevistas e ensaios, Taïa afirma que ser gay e muçulmano não são identidades incompatíveis e que escrever é um ato político — uma forma de existir publicamente e com ternura, contra a invisibilidade. Hoje, ele é reconhecido como uma das vozes mais poderosas da literatura árabe francófona contemporânea.
O orgulho que sussurra

O amor vence!
No Marrocos, o orgulho ainda sussurra.
Ele não se manifesta em grandes paradas ou bandeiras abertas — ainda.
Mas existe nas palavras de poetas antigos, nas danças sufis e nas redes de resistência que acolhem e denunciam.
Ele respira na obra de Abdellah Taïa, que transformou dor e silêncio em literatura, cinema e coragem.
Ele sobrevive em cada jovem queer que ousa existir, amar e sonhar em um país que ainda tenta calar sua verdade.
O orgulho marroquino LGBTQ+ não desapareceu com a repressão.
Ele veio de longe, atravessou fronteiras e gerações, e não vai calar.










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