Orgulho em Cingapura: da tradição dos bissu à resistência moderna
Orgulho em Cingapura: da tradição dos bissu à resistência moderna

por Sergio Viula
Entre essas tradições, destacavam-se os bissu — xamãs não binários das comunidades bugis (atuais Indonésia, Malásia e Singapura). Os bissu eram vistos como seres espiritualmente completos, por reunirem qualidades masculinas e femininas, e atuavam como mediadores entre o mundo humano e o espiritual. Sua presença simbolizava equilíbrio e poder sagrado, e sua identidade era aceita como parte natural da ordem social.
Com a dominação britânica, essa harmonia foi rompida. Vieram a imposição de valores vitorianos e a criminalização da homossexualidade. A Seção 377A do Código Penal passou a punir relações entre homens — mesmo com consentimento. Mesmo após a independência, em 1965, a lei permaneceu, servindo por décadas como instrumento de repressão.
Somente em 2022, após anos de mobilização e debate público, o Parlamento de Cingapura finalmente revogou a 377A. Contudo, a luta continua: no mesmo ano, uma emenda constitucional foi aprovada para impedir o reconhecimento do casamento LGBTQ+ no país.
Ainda assim, o orgulho cresce. O evento Pink Dot se tornou o maior símbolo dessa resistência colorida e pacífica.
Pink Dot: o coração do orgulho em Cingapura
O Pink Dot nasceu em 2009, inspirado nas Paradas do Orgulho de outros países, mas adaptado à realidade de Cingapura — onde manifestações públicas são rigidamente controladas. Realizado anualmente no Hong Lim Park, o único espaço onde protestos são permitidos, o evento convida pessoas LGBTQ+ e aliados a se vestirem de rosa (a cor que simboliza amor e diversidade) e formarem juntos um enorme ponto rosa — o pink dot — como expressão de solidariedade e orgulho.

Ao longo dos anos, o Pink Dot cresceu em visibilidade e impacto. De algumas centenas de participantes no início, passou a reunir dezenas de milhares de pessoas, incluindo diplomatas, artistas, empresas inclusivas e figuras públicas.
Mesmo enfrentando censura, restrições a patrocínios estrangeiros e vigilância do Estado, o movimento conseguiu abrir espaço para o diálogo público sobre diversidade e direitos humanos em uma sociedade conservadora.
Mais do que um evento, o Pink Dot é hoje um movimento cultural e social, que inspira campanhas, ações comunitárias e projetos de acolhimento em todo o país.
Vozes do orgulho em Cingapura

Alguns nomes se destacam por seu papel fundamental na luta pela igualdade e visibilidade LGBTQ+ no país:
Andrea Razali, modelo trans e ativista, usa sua visibilidade nas passarelas e nas redes sociais para educar sobre identidade de gênero e combater o estigma. Ela tem sido uma das vozes mais corajosas a discutir abertamente os desafios enfrentados por pessoas trans em Cingapura, tornando-se referência para jovens que buscam aceitação e autenticidade.
Theresa Goh, nadadora paralímpica queer e embaixadora do Pink Dot, conquistou medalhas internacionais e hoje dedica sua influência a promover inclusão e empoderamento LGBTQ+. Sua história inspira tanto pela superação física quanto pela força com que defende a visibilidade queer em espaços esportivos e públicos.
Eileena Lee, terapeuta lésbica e fundadora de espaços de acolhimento LGBTQ+, criou ambientes seguros para que pessoas queer possam conversar, se fortalecer e receber apoio psicológico. Ela é uma das pioneiras na criação de redes comunitárias que promovem o bem-estar mental e emocional da população LGBTQ+ em Cingapura.
Adrian Pang, ator renomado e apoiador ativo do movimento, tem usado sua influência cultural para defender a empatia e o respeito. Sua presença em eventos como o Pink Dot reforça a importância de aliados públicos, especialmente no meio artístico, para normalizar a diversidade e ampliar o alcance da mensagem de igualdade.
Política e representatividade: Vincent Wijeysingha
Além de ativistas e artistas, a política também tem sua voz na luta LGBTQ+ em Cingapura.
Vincent Wijeysingha, ex-membro do Singapore Democratic Party (SDP), tornou-se em 2013 o primeiro político em Singapura a se assumir publicamente gay. Ele declarou nas redes sociais: “And yes, I am gay”.

Wijeysingha concorreu nas eleições gerais de 2011, mas não foi eleito, e posteriormente deixou a política partidária para se dedicar à sociedade civil e à defesa dos direitos LGBTQ+. Mesmo sem ocupar um cargo no parlamento, sua visibilidade foi um marco histórico, mostrando que ser assumidamente LGBTQ+ é possível na política singapurense, embora ainda represente um desafio num contexto conservador.
Sua trajetória inspira não apenas candidatos e políticos, mas toda a comunidade queer, lembrando que a presença e a representação importam tanto quanto leis e políticas.
Resistência e esperança
Mesmo sem o reconhecimento do casamento igualitário, a comunidade LGBTQ+ de Cingapura segue erguendo sua bandeira com coragem e criatividade. Entre tradições espirituais como a dos bissu, movimentos culturais como o Pink Dot e pioneiros políticos como Vincent Wijeysingha, o país revela uma história de resistência — uma luta constante pela dignidade, pela liberdade e pelo direito de amar.
Conclusão: florescendo em terreno árido
Em um território pequeno, mas de cultura intensa, a coragem LGBTQ+ de Cingapura floresce mesmo sob vigilância e conservadorismo. É um lembrete poderoso de que o orgulho não depende apenas de leis ou reconhecimento estatal — ele nasce da união, da visibilidade e da persistência de quem se recusa a desaparecer.

Como os bissu de outrora, as pessoas queer de hoje continuam tecendo pontes entre mundos, inspirando novas gerações a celebrar quem são — e a construir, passo a passo, um futuro mais livre.
O Pink Dot, cada vez mais brilhante, mostra que onde há amor e resistência, há sempre caminho.

O Merlion - símbolo nacional
por Sergio Viula
Antes da colonização britânica, Cingapura fazia parte de culturas austronésias e malaias que reconheciam e respeitavam a diversidade de gênero.
Entre essas tradições, destacavam-se os bissu — xamãs não binários das comunidades bugis (atuais Indonésia, Malásia e Singapura). Os bissu eram vistos como seres espiritualmente completos, por reunirem qualidades masculinas e femininas, e atuavam como mediadores entre o mundo humano e o espiritual. Sua presença simbolizava equilíbrio e poder sagrado, e sua identidade era aceita como parte natural da ordem social.
Com a dominação britânica, essa harmonia foi rompida. Vieram a imposição de valores vitorianos e a criminalização da homossexualidade. A Seção 377A do Código Penal passou a punir relações entre homens — mesmo com consentimento. Mesmo após a independência, em 1965, a lei permaneceu, servindo por décadas como instrumento de repressão.
Somente em 2022, após anos de mobilização e debate público, o Parlamento de Cingapura finalmente revogou a 377A. Contudo, a luta continua: no mesmo ano, uma emenda constitucional foi aprovada para impedir o reconhecimento do casamento LGBTQ+ no país.
Ainda assim, o orgulho cresce. O evento Pink Dot se tornou o maior símbolo dessa resistência colorida e pacífica.
Pink Dot: o coração do orgulho em Cingapura
O Pink Dot nasceu em 2009, inspirado nas Paradas do Orgulho de outros países, mas adaptado à realidade de Cingapura — onde manifestações públicas são rigidamente controladas. Realizado anualmente no Hong Lim Park, o único espaço onde protestos são permitidos, o evento convida pessoas LGBTQ+ e aliados a se vestirem de rosa (a cor que simboliza amor e diversidade) e formarem juntos um enorme ponto rosa — o pink dot — como expressão de solidariedade e orgulho.

Pink Dot
Ao longo dos anos, o Pink Dot cresceu em visibilidade e impacto. De algumas centenas de participantes no início, passou a reunir dezenas de milhares de pessoas, incluindo diplomatas, artistas, empresas inclusivas e figuras públicas.
Mesmo enfrentando censura, restrições a patrocínios estrangeiros e vigilância do Estado, o movimento conseguiu abrir espaço para o diálogo público sobre diversidade e direitos humanos em uma sociedade conservadora.
Mais do que um evento, o Pink Dot é hoje um movimento cultural e social, que inspira campanhas, ações comunitárias e projetos de acolhimento em todo o país.
Vozes do orgulho em Cingapura

Andrea Razali (acima, à esquerda), Tereza Goh (acima, à direita),
Elieena Lee (abaixo, à esquerda) e Andrian Peng (abaixo, à direita)
Alguns nomes se destacam por seu papel fundamental na luta pela igualdade e visibilidade LGBTQ+ no país:
Andrea Razali, modelo trans e ativista, usa sua visibilidade nas passarelas e nas redes sociais para educar sobre identidade de gênero e combater o estigma. Ela tem sido uma das vozes mais corajosas a discutir abertamente os desafios enfrentados por pessoas trans em Cingapura, tornando-se referência para jovens que buscam aceitação e autenticidade.
Theresa Goh, nadadora paralímpica queer e embaixadora do Pink Dot, conquistou medalhas internacionais e hoje dedica sua influência a promover inclusão e empoderamento LGBTQ+. Sua história inspira tanto pela superação física quanto pela força com que defende a visibilidade queer em espaços esportivos e públicos.
Eileena Lee, terapeuta lésbica e fundadora de espaços de acolhimento LGBTQ+, criou ambientes seguros para que pessoas queer possam conversar, se fortalecer e receber apoio psicológico. Ela é uma das pioneiras na criação de redes comunitárias que promovem o bem-estar mental e emocional da população LGBTQ+ em Cingapura.
Adrian Pang, ator renomado e apoiador ativo do movimento, tem usado sua influência cultural para defender a empatia e o respeito. Sua presença em eventos como o Pink Dot reforça a importância de aliados públicos, especialmente no meio artístico, para normalizar a diversidade e ampliar o alcance da mensagem de igualdade.
Política e representatividade: Vincent Wijeysingha
Além de ativistas e artistas, a política também tem sua voz na luta LGBTQ+ em Cingapura.
Vincent Wijeysingha, ex-membro do Singapore Democratic Party (SDP), tornou-se em 2013 o primeiro político em Singapura a se assumir publicamente gay. Ele declarou nas redes sociais: “And yes, I am gay”.

Vincent Wijeysingha
Sua trajetória inspira não apenas candidatos e políticos, mas toda a comunidade queer, lembrando que a presença e a representação importam tanto quanto leis e políticas.
Resistência e esperança
Mesmo sem o reconhecimento do casamento igualitário, a comunidade LGBTQ+ de Cingapura segue erguendo sua bandeira com coragem e criatividade. Entre tradições espirituais como a dos bissu, movimentos culturais como o Pink Dot e pioneiros políticos como Vincent Wijeysingha, o país revela uma história de resistência — uma luta constante pela dignidade, pela liberdade e pelo direito de amar.
Conclusão: florescendo em terreno árido
Em um território pequeno, mas de cultura intensa, a coragem LGBTQ+ de Cingapura floresce mesmo sob vigilância e conservadorismo. É um lembrete poderoso de que o orgulho não depende apenas de leis ou reconhecimento estatal — ele nasce da união, da visibilidade e da persistência de quem se recusa a desaparecer.

O amor vence!
Como os bissu de outrora, as pessoas queer de hoje continuam tecendo pontes entre mundos, inspirando novas gerações a celebrar quem são — e a construir, passo a passo, um futuro mais livre.
O Pink Dot, cada vez mais brilhante, mostra que onde há amor e resistência, há sempre caminho.
******************************










Comentários
Postar um comentário
Deixe suas impressões sobre este post aqui. Fique à vontade para dizer o que pensar. Todos os comentários serão lidos, respondidos e publicados, exceto quando estimularem preconceito ou fizerem pouco caso do sofrimento humano.