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Linguagem neutra não-binária (trecho de uma live)

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 Por Sergio Viula Esse é um trecho de uma live feita com @Sviula a convite de @carolina_carolino no perfil das @carolinas_da_borborema no Instagram em 07/04/24. Esse é apenas um trecho da nossa conversa e se refere ao uso da linguagem neutra não-binária. A live completa pode ser vista aqui: https://www.instagram.com/reel/C5en-hhvjuq . Nessa live, além de linguagem não binária, discutimos a falsamente chamada "cura gay", o Movimento LGBT+ no Brasil, temas relacionados à orientação sexual e identidades de gênero.  O trecho abaixo é apenas um recorte da live, mas considero que seja muito interessante e relevante para as diversas discussões sobre linguagem neutra na atualidade. Confira e siga o perfil dos participantes no Instagram. Carolina Carolino e Sergio Viula 07/04/24 Instagram: @carolinas_da_borborema

DA WICCA AOS ATEUS: SEXODIVERSIDADE entre crentes e descrentes.




Nessa página, você encontrará algumas das principais religiões da atualidade e como elas lidam com as pessoas LGBT ou como estas transitam dentro delas.


Tem um post sobre ateus também.


Inspire-se, divirta-se, liberte-se! ^^




WICCA E SEXODIVERSIDADE












Por Sergio Viula
Originalmente publicado no AASA

wicca deus deusa

WICCA E SEXODIVERSIDADE

Essencialmente falando, a Wicca é uma religião que concentra sua fé e rituais no que se refere à Terra.
Fundada por Gerald Gardner, um funcionário público britânico, na década de 1940, a Wicca inclui divindades celtas (povo original da Inglaterra e seu entorno), bem como símbolos e dias especiais, geralmente ligados às estações do ano. A magia e outros componentes ocultistas/pagãos são parte integrante da Wicca, que também é conhecida como neopaganismo.
Em geral, os wiccanos acreditam numa divindade chamada “O Todo” ou “The One”. A divindade wiccana apresenta tanto aspectos masculinos como femininos. Por isso, é chamada de Deus de Deusa alternadamente. Como Deusa, a divindade é muitas vezes associada às Deusas Athena, Brigit, Ceridwen, Diana, Hécate, Ishtar, Isis, Vênus, etc. Como Deus, a divindade wiccana é associada aos Deuses Adonis, Apollo, Dionísio, Odin, Osíris, Pan, Thor, Zeus, etc.
Para os wiccanos, adoração do Deus ou Deusa é um ato de comunhão, mas eles acreditam que precisam do Deus/Deusa tanto que ele/ela precisa deles, numa curiosa forma de interdependência.
Uma vantagem da Wicca sobre religiões monoteístas de origem abraâmica é que, apesar dos wiccanos observarem uma cerimônia chamada Wiccaning para recém-nascidos, eles não obrigam a criança a seguir a Wicca de modo algum. O rito é mais uma forma de dar as boas-vindas à criança no seio da comunidade. Mais tarde, se o indivíduo quiser ser iniciado, ele pode se tornar um wiccano de fato. Esses rituais são geralmente chamados de Coven e não é o único. Wiccanos costumam ter rituais para diversas ocasiões, desde a passagem para a puberdade até a compra de uma casa, casamento e divórcio, menopausa, etc.
Os wiccanos fazem rituais em treze luas (Esbat) e têm oito Sabbats (quatro nos solstícios e equinócios e outros quatro principais a cada ano). Os solstícios e equinócios marcam posições do movimento aparente do sol e a incidência de raios solares na superfície terrestre, além de inaugurarem as estações do ano.
Os rituais wiccanos geralmente incluem: A escalação de um círculo – a consagração de um espaço sagrado. A invocação de uma divindade / divindades. O corpo do ritual, que pode envolver magia, feitiços, uma refeição comunitária, dança, leitura, canto, etc Fechamento ou banimento do círculo – restauração do espaço para uso comum. Uma coisa interessante é que nem sempre os wiccanos veem a Deusa ou seu consorte, o Deus chifrudo, como existências reais, alguns os veem como símbolos.
Outro ponto interessante é a ética wiccana, que é bem mais interessante do que a moralidade das religiões abraâmicas e seus derivados. Ela pode ser resumida em “faz o que desejas, desde que não prejudiques a ninguém”.

Sexualidade e gênero

A Wicca geralmente aceita a igualdade entre homens e mulheres, diferentemente de religiões centradas no homem, tais como o judaísmo, o cristianismo e o islamismo.
Quanto aos relacionamentos sexuais, a Wicca os vê como um presente da Deusa. Por isso, seus rituais podem incluir experiências corporais intensas, justamente por acreditarem que está tudo integrado e que o sexo pode andar pari passu com a devoção.
A Wicca geralmente aceita todas as orientações sexuais como normais e naturais, sejam heterossexuais, homossexuais ou bissexuais. Isso não quer dizer que todo wiccano iniciado chegue à comunidade neopagã com essas noções bem desenvolvidas em seu acervo mental/emocional. Por isso, é possível que ainda se encontrem nos círculos wiccanos gente que não se livrou do moralismo semítico e que ainda vive agrilhoada a preconceitos que não se sustentam diante da noção de natureza e liberdade.
Mas a própria Wicca já teve seus momentos de controvérsia sobre a homossexualidade. Alguns autores travaram discussões bastante discordantes no início da Wicca, tais como Gardner (considerado homofóbico) e Sanders (considerado não homofóbico). Essa disputa levou à primeira grande divisão dentro da Wicca. Contudo, para a maioria, a homossexualidade é tolerada e aceita, o que não elimina a ideia de macho + fêmea = criação que subjaz nos ritos wiccanos e que pode se caracterizar como uma hostilidade inerente contra a homossexualidade, sendo passível de eventuais manifestações.
A Wicca Gardneriana (Gardnerian Wicca) e outros grupos mais tradicionais formam seus covens em pares de macho e fêmea. Coven é o nome dado a um grupo de bruxos, que se unem num laço mágico, físico e emocional, sob o objetivo de louvar a Deusa e o Deus, tendo em comum um juramento de fidelidade à Wicca e ao grupo. Essa prática parece de formar covens baseados em pares heterossexuais parece ter surgido por influência de Gerald Gardner que escreveu que “a lei sempre foi a de que o poder tem que ser passado do homem para a mulher e da mulher para o homem, sendo a única exceção quando uma mãe inicia sua filha ou um pai inicia seu filho, porque eles são partes deles mesmos (a razão é que amor pode ocorrer entre pessoas que passam pelos ritos juntas)”.
Gardner foi acusado de ser homofóbico por Lois Bourne, um dos Sumo Sacerdotes do coven de Bricket Wood: “Gerald era homofóbico. Ele tinha um profundo ódio e desprezo pela homossexualidade que ele considerava como uma perversão repugnante e uma flagrante transgressão da lei natural…“Não existem bruxos homossexuais, e não é possível ser homossexual e bruxo”, Gerald quase gritava. Ninguém discutiu com ele. (Bourne, Lois Dancing with Witches. 2006.  London: Robert Hale, p.38. edição capa dura publicada pela primeira vez em 1998).
Na maior parte dos ramos da Wicca, todas as orientações sexuais são consideradas positivas e saudáveis, desde que sejam realizadas em amor. A orientação sexual, portanto, não é considerada como um problema. Por isso, muitas pessoas neopagãs LGBT sentiram-se atraídas pela Wicca. Afinal, ter seu relacionamento visto como igual ao de qualquer outra pessoa não é um luxo, é direito básico.
Quanto às questões de gênero, a mesclagem do feminino com o masculino na divindade wiccana não é suficiente para tornar tudo mais simples para as pessoas transexuais. E isso se dá pelo fato de ser a Wicca uma religião de fertilidade, cuja premissa é que a mesclagem do masculino com o feminino através do sexo cria a vida.
Por isso, a posição da mulher trans ou do homem trans pode ser delicada na perspectiva procriativa da religião. A mulher trans não tem útero e o homem trans não produz esperma. Assim, o imaginário da Wicca pode alienar a pessoa num espectro de estranheza, mesmo que não haja qualquer intenção ou tentativa de fazê-lo. Isso pode se tornar ainda mais difícil para aquelas pessoas que existem fora do binarismo de gênero, uma vez que muito da prática wiccana reforça o binarismo de gênero, pelo menos na superfície.
A Deusa diz em Charge of the Goddess: “Todos os atos de amor e de Prazer são Meus rituais” (Gardner, Gerald. Witchcraft and the Book of Shadows, 2004, Edited by A.R.Naylor. Thame, Oxfordshire: I-H-O Books, p.70.)
Portanto, todas as formas e expressões da sexualidade, desde que seja benéficas e consensuais, são aceitas. E é interessante que os wiccanos sintam-se tão integrados à natureza que se preocupem mais que a média com sua preservação.
Além disso, não são proselitistas no sentido em que atribuímos aos cristãos, por exemplo. Um wicanno nunca vai bater à porta de um não iniciado para lhe apresentar a Deusa/o Deus, e eles preferem que as pessoas sejam iniciadas depois dos 18 anos. Pessoalmente, como humanista, gosto de ver cada vez mais aceitação e celebração da diversidade humana e toda parte, inclusive nos círculos religiosos.
Como ateu, não vejo motivo para acreditar na Deusa ou no Deus da Wicca, assim como não vejo razão para crer em qualquer outra figura mítica, incluindo o Deus judaico-cristão e seus derivados. Não sinto a menor necessidade pessoal de fazer parte de qualquer comunidade de fé ou participar de qualquer rito.
No entanto, penso que incontáveis indivíduos não conseguem ou não pretendem viver sem algum vínculo com a religiosidade ou a espiritualidade dos que têm algum tipo de fé. A maioria não quer viver por sua própria conta e risco, e por isso sempre recorre a algo ou alguém para além de si mesma, ainda que não haja a menor evidência de que esse algo ou alguém esteja lá onde essa mesma maioria imagina que esteja, independentemente de onde seja esse lá.
Considero importante entender um pouco do que move as pessoas a fim de dialogar com elas da maneira mais clara e produtiva possível. Por isso, saber como pensam e se comportam os wiccanos e outros religiosos tem alguma relevância. Uma coisa é certa: o conhecimento não faz mal. Ateus resolvidos são refratários à magia. Afinal de contas, como poderia a combinação de elementos da natureza, dispostos de certa maneira, acompanhada de palavras ditas por um ser humano afetar sua própria vida, senão naquilo em que o auto sugestionamento poderia? Como poderia afetar outros, exceto quando esse outro acredita de tal maneira nisso que começa a agir como se isso fosse real e inevitável?
Isso é o máximo que a magia pode realizar e não é por algum poder inerente à mesma, senão por essa fraqueza humana que uns chamam de fé e outros de superstição, ambas nada mais do que imaginação revestida de intensas emoções. A imaginação humana faz o serviço, mas quem leva o crédito é a fé, sendo esta simplesmente mais um produto da imaginação humana.
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Com informações da Wikipedia e de site com perguntas mais frequentes respondidas por wiccanos.
* Sergio Viula foi pastor batista, é formado em filosofia, administrador do blog Fora do Armário www.foradoarmario.net, autor de Em Busca de Mim Mesmo, livro que fala sobre religião, sexualidade e ateísmo, é membro da Liga Humanista Secular do Brasil, e pode ser encontrado no Twitter em @SergioViula



Hinduísmo e Sexodiversidade




Por Sergio Viula
Originalmente publicado no AASA

*Com informações de sites diversificados
SHANON E SEEMA3
SHANON E SEEMA 2
SHANON E SEEMA
As maneiras de ver a homossexualidade no hinduísmo variam de acordo com cada grupo. Apesar de alguns textos hindus apresentarem algum conteúdo contra a homossexualidade, um número de histórias míticas hindus representam a experiência homossexual como natural e alegre.
Existem vários templos hindus que possuem figuras esculpidas que retratam tanto homens como mulheres mantendo relações homossexuais. Tanto relações sexuais entre pessoas do mesmo sexo quanto as variações de gênero foram representadas dentro do hinduísmo desde os tempos Védicos até hoje, seja em livros de leis, livros religiosos ou as assim chamadas narrativas míticas, comentários, pinturas e esculturas. Até que ponto essas representações abraçam ou rejeitam a homossexualidade tem sido objeto de disputa tanto dentro da religião como fora dela. Em 2009, o Concílio Hindu do Reino Unido (The United Kingdom Hindu Council) publicou uma declaração dizendo que “o Hinduísmo não condena a homossexualidade”, mas a Suprema Corte Indiana não seguiu essa linha de raciocínio, como você verá adiante.
Diferentemente do Ocidente, a sociedade hindu não tem tradicionalmente o conceito de “orientação sexual” que classifique os homens sobre a base de seu desejo. O que existe é um forte conceito de terceiro gênero, que é usado para descrever indivíduos que apresentam fortes elementos tanto de macho como de fêmea em si mesmos. De acordo com textos sânscritos como o Narada-smriti, o Sushruta Samhita, etc., esse terceiro sexo ou gênero inclui indivíduos convencionalmente denominadas homossexuais, transgêneros, bissexuais e intersexuais (LGBTI). O terceiro gênero é descrito em antigos textos Védicos como homens que têm uma natureza feminina, referindo-se a homens homossexuais ou que se identifiquem com o gênero feminino. O papel sexual ou de gênero das pessoas do terceiro gênero tem sido predominantemente associado com o fato de serem penetradas por homens, assim como o papel sexual e de gênero característico da masculinidade tem sido o de penetrar homens, mulheres e pessoas do terceiro gênero. Porém, o Kama Sutra claramente descreve os homens do terceiro gênero assumindo tanto identidades masculinas como femininas e desempenhando tanto papéis sexuais passivos como ativos.
O conceito hindu de homossexualidade busca quebrar essa distinção entre o terceiro gênero e os homens, e isolar a sexualidade entre homens do que seriam as pessoas do terceiro gênero, com todas as suas possíveis consequências negativas. Os homens indianos têm resistido longamente ao conceito de “gay”, mas têm sexo com homens sem se identificarem como “homossexuais”. Ativistas gays estão tentando introduzir um termo localmente aceitável para “homossexual” que seja tecnicamente difícil para os homens evitarem se eles fizerem sexo com homens. Mas essas tentativas têm falhado como se fossem apenas outro termo para “gay”. Nos últimos anos, porém, o conceito de “homossexualidade” finalmente lançou raízes. A definição moderna de LGBT consegue retratar com mais exatidão as crenças hindus antigas e não aquelas da era vitoriana.
O efeito colateral é que o desejo entre homens que era mais universal na Índia antes vai ficando cada vez mais isolado do ‘mainstream’, porque os homens estão se distanciando dele para evitar o estigma do “efeminado” ou do terceiro gênero associado à noção de “gay”.
Muitos intelectuais indianos e hindus apoiam publicamente os direitos civis LGBT. Alguns movimentos liberais de reforma hindu, especialmente no Ocidente, também apoiam a aceitação social de gays, lésbicas e outras minorias de gênero.
Comentando sobre a legislação a respeito da homossexualidade na Índia, Anil Bhanot, secretário geral do Concílio Hindu do Reino Unido disse: O ponto aqui é que a natureza homosexual é parte da lei natural de Deus; ela deve ser aceita pelo que é, nem mais nem menos. Os hindus são geralmente conservadores mas parece-me que na Índia antiga, eles até celebravam o sexo como uma parte desfrutável da procriação, onde sacerdotes eram convidados para cerimônias em suas casas para marcar o começo do processo. (http://news.rediff.com/report/2009/jul/03/hinduism-does-not-condemn-homosexuality.htm)
Legislação recente
Em 13 de dezembro de 2013, o Supremo Tribunal Indiano decidiu ratificar (manter) a criminalização da homossexualidade na Índia. Nota aqui.
Em 15 de abril de 2014, o Supremo Tribunal Indiano reconheceu a legitimidade do cidadão transexual indiano. Nota aqui.
Mahatma Gandhi: governo indiano comprou a coleção de missivas no ano passado na tentativa de ocultar o relacionamento homossexual do líder pacifista com o fisiculturista sul-africano Herman Kallenbach. Aqui.
Ser do terceiro gênero não é só alegria
O que se percebe é que a homofobia é muito mais um construto da mentalidade inglesa vitoriana que ficou impregnada na legislação indiana e na cultura popular do que fruto das tradições religiosas antigas. A transfobia não parece ser um grande problema, porque nesse ponto a cultura védica prevaleceu sobre a influência do dominador inglês.
De qualquer maneira, vê-se novamente como os discursos religiosos, especialmente do monoteísmo judaico-cristão no período de imperialismo britânico, assim como possivelmente a convivência com cristãos e muçulmanos nos últimos séculos conseguiram criar restrições às pessoas homoafetivas na Índia. A vida das pessoas transexuais também não é exatamente um mar de rosas.
Chamadas de Hijras (podem ter outros nomes, dependendo do dialeto), elas são mencionadas como um terceiro sexo e não podem agir como homens ou mulheres comuns. É muito comum que essas pessoas mantenham seus próprios quarteirões ou vizinhanas e desempenhem certas funções, tais como massagistas, cabelereiras, vendedoras de flores, empregadas domésticas, etc. São consideradas como semi-divinas. Alguns hindus acreditam que as pessoas do terceiro gênero ou do terceiro sexo têm poderes especiais que permitem que elas abençoem ou amaldiçoem os outros, mas essas crenças não são comuns a todas as divisões do hinduísmo. A maioria das pessoas do terceiro sexo/gênero não consegue realizar o simples sonho de casar e constituir uma família, mas o movimento LGBT indiano vai lutar para garantir esse e outros direitos básicos a esses seres humanos.
A cultura indiana na terra do Tio Sam
Nos Estados Unidos, uma indiana e uma americana casaram-se ao estilo indiano tradicional: Shannon e Seema uniram suas vidas no melhor estilo hindu. A história pode ser lida em português aqui (veja as fotos delas no início desse post):http://misteremister.com/shannon-seema-casamento-tradicional-indiano/
Tomara Shannon e Seema inspirem muitos indianos e indianas LGBT no mundo todo!
E que as pessoas aprendam a viver sem buscar a chancela dos deuses para viverem suas identidades e seus amores, mesmo que seja um dos 330 milhões de deuses hindus.
“Fé é imaginação carregada de afetividade. O problema é que depender do divino é como se agarrar a uma corda amarrada a um rocha imaginária: a imaginação é a corda, mas o divino não está lá.” (Sergio Viula)

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* Sergio Viula foi pastor batista, é formado em filosofia, administrador do blog Fora do Armário www.foradoarmario.net, autor de Em Busca de Mim Mesmo, livro que fala sobre religião, sexualidade e ateísmo, é membro da Liga Humanista Secular do Brasil, e pode ser encontrado no Twitter em @SergioViula




Kardecismo e homossexualidade







Por Sergio Viula

Publicado originalmente no AASA
Kardec
Divaldo Pereira Franco, considerado um dos maiores médiuns e oradores da espiritualidade (numa visão kardecista), é preletor com mais de 13.000 palestras em mais de 2.000 cidades de tosede da federação espírita brasileirado o Brasil e em 64 países do mundo. Como médium, publicou mais de 250 livros , com mais de 8 milhões de exemplares, em 16 idiomas.
Respondendo a diversas perguntas sobre “homossexualismo”, Divaldo Pereira Franco coloca como bastante clareza o que diz o pensamento espírita sobre isso.
Pergunta: Defina novamente o homossexualismo, pois não entendo a ligação espiritual com esse desvio.
Resposta de Divaldo Pereira Franco:“Digamos que é um homem – reencarna esse espírito como homem duas, cinco, dez vezes. E, de repente, ele tem necessidade de evoluir nos          hormDivaldo Pereira Francoônios femininos. Ele, então, vem como mulher, mas as suas tendências são masculinas, porque o espírito está acostumado ao comportamento masculino. O espírito vai imprimir no corpo feminino características masculinas. O espírito reencarna como mulher duas, vinte, trintavezes, e tem que se desenvolver como homem; as experiência do homem na vida pública vem num corpo masculino com algumas marcas femininas, trejeitos, modismos, sinais de feminilidade. Então, é uma postura homossexual, porque este ser vai se afinar com aqueles do seu mesmo sexo. Então, é curioso notar que vai procurar pessoas do seu mesmo sexo. Isso não quer dizer que se vá perverter. Poderá escolher somente, se for um homossexual masculino… procurará pessoas somente do sexo masculino e terá mais afinidade com homens. Se for do sexo masculino, preferirá o convívio com mulheres. Se ele, como homem que foi, agiu mal, usou o sexo como meio de promoção, corrompeu muitas jovens, ele reencarna em corpo feminino com essas inclinações masculinas, e apesar do corpo feminino, ele quererá conquistar mulheres para submetê-las: é o lesbianismo. Outras mulheres irão submeter-se, porque trazem também marcas. Em palavras singelas: se usamos mal o sexo masculino, voltamos num outro corpo feminino com tendências masculinas. Se usamos mal o sexo feminino, voltaremos num corpo masculino com tendências femininas. A opção moral, nós é que daremos.”
Apesar das palavras excepcionalmente inclusivas nesse vídeo (https://www.youtube.com/watch?v=yi5BjC0Guo8, quando comparadas com a atitude de outros religiosos, principalmente alguns católicos e protestantes, o ilustre orador apresenta alguns problemas inerentes ao pensamento espírita com relação à homossexualidade, como se pode ver logo de cara na citação acima. Baseado nessa fala dele, destaco os principais, a meu ver, logo abaixo:
  1. O “homossexualismo” (SIC) na “encarnação” atual é atribuído a erros heterossexuais cometidos em outras vidas, especialmente patifarias ligadas à sexualidade;
  2. O “homossexualismo” na encarnação atual é atribuído a uma espécie de “apego” ao sexo em que o indivíduo reencarnou diversas vezes seguidas; é como se fosse um condicionamento à sexualidade vivenciada em corpos de sexo diferente do corpo atual, como se fosse algo não superado, não totalmente descolado;
  3. A questão da opção moral é interessante, desde que eles entendam como moral para o homossexual, com o parceiro que combina com sua homoafetivadade, a mesma coisa que entendem para o heterossexual que combina com parceira heterossexual, ou seja, o casamento. Isso para condescender com a visão religiosa de sexualidade como exercida no matrimônio, porque se pensarmos realmente livremente o casamento não é condição para o exercício pleno da sexualidade, seja monogâmica ou não.
Vê-se nitidamente que o espiritismo kardecista continua trabalhando com categorias heteronormativas e cisgêneras, apesar dele não falar claramente sobre transexuais nesse trecho, mas sobre homossexuais. Há muita coisa sobre isso em outros livros e falas deste e de outros ‘mestres’ espíritas.
A favor do pensamento espírita em relação aos homossexuais, , mesmo com reservas ainda, destaco as palavras do ilustre orador em questão:
“O homossexualismo não é uma tara, não é uma doença, não é um castigo divino…”
Mas não posso concordar com o seguinte, porque simplesmente não há razão para dizer que há um espírito que vive independentemente do meu corpo e que escolhe em que corpo virá com o objetivo de evoluir espiritual ou moralmente.
Diz ele:
“… (o homossexualismo) é uma experiência evolutiva.”
Em seguida, Divaldo Pereira Franco complementa:
“O fato de um indivíduo ser homossexual não quer dizer que ele seja um pervertido. Como o fato de alguém ser heterossexual não quer dizer que seja um depravado. É um estágio de evolução.”
DE ONDE VEM A DOUTRINA ESPÍRITA E NO QUE CRÊ?
A doutrina espírita conhecida como Kardecismo é uma linha filosófico-religiosa codificada pelo pedagogo francês Hippolyte Léon Denizard Rivail. Allan Kardec era seu pseudônimo. Daí, o termo Kardecismo.
O Kardecismo se baseia em cinco obras fundamentais que foram escritas por Kardec: O Livro dos Espíritos, O Livro dos Médiuns, O Evangelho segundo o Espiritismo, O Céu e o Inferno e A Gênese. Além destas, existem obras complementares, como O Que é o Espiritismo?, Revista Espírita e Obras Póstumas.
O termo Espiritismo foi cunhado por Kardec em 1857.
Foi na obra “complementar” O Que é o Espiritismo que o codificador definiu o espiritismo como uma doutrina que trata da “natureza, origem e destino dos espíritos, bem como de suas relações com o mundo corporal e as consequências morais que dela emanam” e que fundamenta-se nas manifestações e nos ensinamentos dos espíritos.
Segundo o Censo do IBGE em 2010, 2,0% da população brasileira (cerca de 3,8 milhões) declaram-se espíritas.
Principais doutrinas espíritas, seguidas de notas minhas:
  1. Deus é uno. Rejeitam o dogma da Santíssima Trindade;
Sobre isso, não há evidência de Deus, seja ele uno, trino, pessoal ou impessoal.
  1. Todo o universo é criação de Deus e todos os seres racionais e irracionais, animados e inanimados, materiais e imateriais estão destinados a lei do progresso;
Se não há evidência de que exista um deus, por outro lado está muito claro que a vida evolui a partir de elementos e relações inerentes à matéria. Isso nada tem a ver com evoluções de uma suposta substância espiritual.
  1. Existência e imortalidade do espírito, compreendido como individualidade inteligente da Criação Divina que está ligado ao corpo físico através de um conectivo “semimaterial” denominado de perispírito;
Sobre a existência e imortalidade do espírito, que os kardecistas interpretam como sendo diferente de alma, mas outras religiões encaram como inseparáveis ou mesmo idênticos, vale a pena dar uma olhada nesse vídeo, depois que você ler esse post até o final:https://www.youtube.com/watch?v=gmxrf5ZWb3U (pause o vídeo quantas vezes achar necessário para ler com calma).
  1. Volta do espírito à matéria (reencarnação), tantas vezes quanto necessário, como o mecanismo natural para se alcançar o aperfeiçoamento material e moral, mas não até a perfeição absoluta que só a Deus pertence. Os espíritas rejeitam a crença na metempsicose, ou seja, o homem não reencarna em corpos de outros animas, de vegetais ou de minerais;
Diferente dos hindus que acreditam que o homem pode se tornar inseto, rato, pedra, planta e até mesmo um deus, os kardecistas acreditam que a reencarnação ocorre dentro dos limites da raça humana, e que dentro desse escopo, o espírito pode reencarnar sob as mais variadas características corpóreas: homem, mulher, portador de necessidades especiais físicas e mentais, etc. O problema é que, assim como os hindus, tudo isso não passa de especulação carregada de emoções despertadas principalmente pela noção de que todos morremos e pelas afetividades relacionadas a pessoas próximas que morreram. Não há prova cabal de qualquer uma dessas ideias.
  1. Todos os espíritos foram criados “simples e ignorantes” em sua origem, e destinados invariavelmente à perfeição, com aptidões idênticas para o bem ou para o mal, dado o livre-arbítrio;
Por que será que o deus de Kardec não criou o ser humano sábio e perfeito? Por que destinar uma “criatura simples e ignorante” à perfeição a duras penas (vide o sofrimento humano que o espiritismo tenta justificar com sua doutrina da justiça divina por meio da reencarnação e do karma)? Por que não fazê-la perfeita de pronto? Deus, portanto, é o responsável principal por todo sofrimento que há no mundo. Dirão os espíritas que isso é ignorância e demasiada simplificação, mas a realidade é que nenhuma tentativa malabarista de explicar a bondade e sabedoria de deus resiste ao mais simples escrutínio. Além disso, jogar o livre-arbítrio na cara dos seres humanos para explicar essa bagunça toda é apenas um recurso argumentativo desonesto. Não PODEM, não tem a CAPACIDADE de escolher sempre bem aqueles que são ignorantes e imperfeitos. Isso é um pensamento circular desonesto.
  1. Possibilidade de comunicação entre os espíritos encarnados (“vivos”) e os espíritos desencarnados (“mortos”), por meio da mediunidade, inclusive por meio da psicografia (quando o médium escreve sob a orientação/influência de um espírito desencarnado);
Esses supostos espíritos tagarelas que nem a morte do corpo faz calar nunca trouxeram qualquer revelação relevante e verificável. Quem lê os livros espíritas sem predisposição para crer sem bons motivos para isso logo vê que tais escritos podem ser muito emocionantes, mas não passam de literatura religiosa sem qualquer revelação extraordinária. Nenhuma palavra sobre o que fazer para resolver coisas do ponto de vista prático: nada sobre a cura do câncer, a aniquilação do HIV, uma dica sobre onde ocorrerá a próxima grande catástrofe, etc. Tudo é vago ou dito a posteriori, quando supostas informações vindas de algum pretenso espírito sabidinho já não se fazem necessárias.
  1. Lei de causa e efeito: nossa condição atual é resultado de nossos atos passados e nossos pensamentos, palavras e atos constroem diariamente nosso futuro;
Se ‘merda’ lhe acontece, a culpa é sua, a escolha foi sua, você tem o que merece, precisa ou decidiu experimentar nessa existência. Isso é uma doutrina cruel e extremamente injusta, não importa quão justa ela possa soar aos que desejam encontrar relações de causa e efeito em tudo, especialmente no que afeta o ser humano.
  1. Pluralidade dos mundos habitados materiais e espirituais: a Terra não é o único planeta com vida inteligente no universo, bem como os planetas possuem mundos espirituais habitados (por exemplo, Umbral, colônias espirituais e os planos espirituais superiores);
É bem provável que exista vida evoluída ou muito primitiva em outros planetas, tomando aqui a concepção darwiniana, é claro, não a kardecista. Isso, porém, não é necessariamente o que os livros espíritas e seus supostos mestres espirituais desencarnados querem dizer. Basta ver o que diz o livro Nosso Lar, que virou filme e ao qual fui assistir. Escrevi esse post logo depois de voltar do cinema em 22 de setembro de 2010. Vale a pena ler: www.foradoarmario.net/2010/09/nosso-lar-revelacao-espiritual.html O livro não é mais do que qualquer pessoa com alguma imaginação religiosamente influenciada não pudesse ter escrito.
  1. Jesus, criado por Deus, é o guia e modelo para toda a humanidade. Segundo o espiritismo, a moral cristã contida nos evangelhos canônicos é o maior roteiro ético-moral de que o homem possui, e a sua prática é a solução para todos os problemas humanos e o objetivo a ser atingido pela humanidade.
Os evangelhos canônicos (Mateus, Marcos, Lucas e João) são a solução para todos os problemas humanos? Não preciso nem discutir isso…
  1. Fora da caridade não há salvação. Para o espiritismo, a caridade consiste em benevolência para com todos, indulgência para as imperfeições dos outros e perdão das ofensas.
Essa ideia de que a caridade é meio de salvação esconde uma inverdade. Não estamos perdidos. Não precisamos ser salvos. Porém, como todos cometemos erros, ou seja, agimos de modos nem sempre construtivos, é sábio que sejamos tolerantes para com todos e que todos sejam tolerantes para conosco. Fazer o bem não tem que ser meio para se atingir perfeição. Fazer o que promove a felicidade humana, nossa e dos outros, no melhor das nossas possibilidades é simplesmente o único jeito de vivermos em paz e com aquela deliciosa sensação de realização pessoal e comunitária. É desprezível ter que receber recompensa, seja ela qual for, para que queiramos ou aceitemos viver assim, seja essa recompensa uma reencarnação em melhores condições ou um lugar em algum tipo de paraíso, seja ele qual for. O espiritismo continua trabalhando sobre a ideia de recompensa e castigo tanto quanto as religiões abraamicas, das quais ele também bebe, mesmo que troque esse castigo e essa recompensa de lugar.

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* Sergio Viula foi pastor batista, é formado em filosofia, administrador do blog Fora do Armário www.foradoarmario.net, autor de Em Busca de Mim Mesmo, livro que fala sobre religião, sexualidade e ateísmo, é membro da Liga Humanista Secular do Brasil, e pode ser encontrado no Twitter em @SergioViula




Adventistas e Sexodiversidade


Por Sergio Viula
Originalmente publicado no AASA
primeira igreja adventista do brasil

Um rápido panorama do adventismo

No Brasil são 1.561.071 membros da Igreja Adventista do Sétimo Dia (IASD) em 2010 sob a coordenação de sete Uniões que administram as Associações e Missões. As instituições da IASD do Brasil e de sete países latino-americanos formam a Divisão Sul Americana, com sede em Brasília, Distrito Federal.
O adventismo chegou no Brasil em 1884 através de publicações que chegaram pelo porto de Itajaí com destino à cidade de Brusque no interior de Santa Catarina. Em maio de 1893 chegou o primeiro missionário adventista, Alberto B. Stauffer que introduziu formalmente através da colportagem (venda direta de livros) os primeiros contatos com a população. Em abril de 1895 foi realizado o primeiro batismo em Piracicaba, SP, sendo Guilherme Stein Jr o primeiro converso. A primeira Igreja Adventista do Sétimo Dia em solo nacional foi estabelecida na região de Gaspar em Santa Catarina, em 1895, seguida por congregações no Rio de Janeiro e em Santa Maria de Jetibá e no Espírito Santo, todas no mesmo ano.
Com a fundação da gráfica adventista em 1905 em Taquari, RS (atual Casa Publicadora Brasileira, localizada em Tatuí-SP), o trabalho se estabeleceu entre os brasileiros e se expandiu em todos os estados. A primeira escola adventista no Brasil surgiu em 1896 na cidade de Curitiba. Em 2005 somam-se 393 escolas de ensino fundamental e 118 do ensino médio com o total de 111.453 alunos e seis instituições de Ensino Superior (IES) com mais de cinco mil alunos que tem no Centro Universitário Adventista de São Paulo, sua matriz educacional. O UNASP, como é conhecida esta IES, surgiu em 1915, no Capão Redondo, SP e hoje conta com três campi: na cidade de São Paulo, em Engenheiro Coelho, e Hortolândia.

O erro profético que deu origem ao Adventismo do Sétimo Dia

Os adventistas surgem no mundo a partir de um erro gravíssimo de Guilherme Miller, um pastor batista do estado de Nova Iorque. Ele gostava de estudar as profecias bíblicas e chegou a conclusão de que as palavras registradas em Daniel 8.14 se referiam à vinda de Cristo para “purificar o santuário”. Depois, calculando que cada um dos 2.300 dias representava um ano, tomou como ponto de partida a carta de regresso de Esdras e seus compatriotas a Jerusalém e 457 a.C., e chegou à conclusão de que Cristo voltaria à terra em 1843. Ele fez esses cálculos em 1818, ou seja, 25 anos antes do que ele acreditava que seria o ano da volta de Cristo.
Miller pregou ardorosamente que a volta de Cristo se daria em 1843. O resultado foi que milhares de crentes decidiram se preparar para o “fim do mundo” doando suas lavouras (as pessoas ainda estavam muito concentradas no meio rural). Ele chegou a determinar o dia: 21 de março de l843.
Quando o dia tão esperado chegou, nada acontece. Miller, então, decidiu revisar seus cálculos, concluindo que havia errado em um ano. A data certa devia ser no dia 21 de março de l844. O dia chegou, e nada. Novamente, ele estabeleceu uma nova data: dia 22 de outubro de mesmo ano. E, é claro, falhou de novo.
A falha fundamental é pensar que um morto ressuscitou e esta no céu esperando a ordem de papai para voltar como uma diva rodeada de anjos e com “efeitos especiais” que fariam inveja a qualquer diretor de Hollywood. Não haverá volta de Cristo em data alguma. Ponto.
Apesar de arrependido e tendo confessado seu erro em tentar calcular a volta de seu mestre, Miller não pode compensar as milhares de pessoas que tiveram prejuízos irreparáveis por seguirem sua estupidez.
Esse momento de espera frustrada foi chamado de “dia da grande desilusão”. Acontece que Hiram Edson, um fervoroso discípulo e amigo pessoal de Miller, teve uma “revelação”. Nela compreendeu que Miller não estava equivocado em relação à data, mas sim em relação ao local. Disse que Cristo havia entrado no dia anterior no santuário celestial, não no santuário terreno, que seria o dos judeus e estava destruído, para fazer uma obra de purificação ali. Edson partilhou com outros membros de seu grupo as “boas-novas”. Outros dois grupos se uniram a essa nova revelação: um dirigido por Joseph Bates que dava ênfase a guarda do Sábado e outro dirigido por Hellen G. White, que dava ênfase aos dons do Espírito.
As revelações de Helen White colaboraram muito para a formação das doutrinas dos adventistas, e seus escritos prolíficos contribuíram grandemente para a expansão da Igreja. Ela e seu esposo disseminaram amplamente seus ensinos proféticos e doutrinários por meio de revistas e livros. Embora a Igreja adventista afirme que a Bíblia é sua autoridade doutrinária, ainda crê que Deus inspirou Helen White em sua interpretação das Escrituras e em seus conselhos, conforme se encontram em seus livros.
De suas obras, a que é considerada obra-prima foi o livro “o grande conflito”. Entre outras obras, as mais importantes são: Vida de Jesus, Patriarcas e Profetas, Veredas de Cristo, O desejado de Todas as Nações.
Os adventistas do sétimo dia já usaram através dos tempos os seguintes títulos: Igreja Cristã Adventista (1855); Adventistas do Sétimo dia (1860); União da Vida e Advento (1864);Igreja de Deus Adventista (1866); Igrejas de Deus Jesus Cristo Adventistas (1921); Igreja Adventista Reformada; Igreja Adventista da Promessa; Igreja Adventista do sétimo dia ( Atual). Existem outros grupos como Igreja Adventista da Promessa, Igreja Adventista do pacto, etc, porém o mais importante é a Igreja Adventista do Sétimo dia, porque a guarda do sábado como dia santo é doutrina fundamental para essa igreja.

ADVENTISTAS E SEXODIVERSIDADE

Evento em 23 de março de 2014
Em 23 de março de 2014, na Cidade do Cabo, África do Sul, a Igreja Adventista do Sétimo Dia noticiou em seu site oficial a realização de um painel de três adventistas do sétimo dia que, segundo o site, “viveram um estilo de vida homossexual”. Como acontece com outras igrejas fundamentalistas, a abordagem é sempre negativa, ou seja, o ‘homossexualismo’ (sic) é pecado e deve ser deixado, e geralmente existe uma história dramática de abuso sexual para enfatizar a ‘anormalidade’ do que eles chamam de ‘comportamento’. O site reproduz a fala de um dos oradores:“Estamos aqui para ouvir os crentes contar as histórias de como Deus os redimiu.”
E acrescenta: “Knott convidou os membros do painel a compartilhar suas experiências em vários estágios diferentes da vida. Woolsey disse que ele cresceu em um ‘bom lar adventista’, mas foi molestado quando criança por um amigo da família. A partir de então, ele se achou cada vez mais focado em relações do mesmo sexo.”
A maioria das pessoas gays, lésbicas, bissexuais ou transexuais nunca foi molestada. E muita gente que já foi molestada nunca se sentiu atraída por pessoas do mesmo sexo. É de uma desonestidade sem limites querer associar uma violência cruel como essa a afetividade e identidade de pessoas que amam e desejam construir suas vidas ao lado de quem amam como qualquer outro ser humano. Nenhuma violência pode ser pior para alguém que é LGBT do que essa heteronormatividade que as próprias igrejas trabalham incansavelmente para sustentar. Nenhum abuso é pior o do que esse, e ninguém vai se tornar heterossexual por causa dele.

Artigo em 1 de novembro de 2013

rafael rossiApesar de todo disfarce de gentileza que palavras bem ensaiadas para despistar o preconceito possam oferecer, Rafael Rossi em um artigo sobre casamento e homossexualidade para o site oficial da Igreja Adventista do Sétimo Dia diz:
“Torna-se perigoso quando a homossexualidade é usada como uma ideologia sexista para se propagar por todo o mundo, querendo fazer a cabeça dos outros para seguirem e quem se opor a essa ideologia torna-se um alvo a ser perseguido do jeito que os militantes repudiam a perseguição contra eles. A homossexualidade não é o ideal de Deus para a vida humana. Por isso, é contrário ao pensamento bíblico fazer apologia de uma condição que não foi estipulada por Deus no inicio da criação do mundo e nem mesmo autorizada pela Bíblia.”
Um momento, quem disse que os homossexuais e o movimento LGBT pretendem propagar uma ideologia sexista? É justamente contra o sexismo que gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros vêm lutando há anos.
“A homossexualidade não é o ideal de Deus para a vida humana”, diz ele, e “por isso, é contrário ao pensamento bíblico fazer apologia de uma condição que não foi estipulada por Deus no inicio da criação do mundo e nem mesmo autorizada pela Bíblia.”
Existe coisa mais retrógrada? Por outro lado, como esperar de gente que quer controlar tudo na vida alheia, da dieta diária ao dia de descanso, que houvesse menos neurose no campo da sexualidade?
O autor do artigo continua:
“Homossexualidade e os princípios bíblicos são incompatíveis. Toda a pessoa que busca apoio e auxílio na Igreja Adventista do Sétimo Dia é bem acolhida. Deixamos claro a todos os que nos procuram que orientamos aos membros que sigam fielmente os preceitos bíblicos e que confiem em Deus para uma mudança de vida espiritualmente. Acreditamos que Deus é quem converte as pessoas e que pode efetuar uma mudança significativa, mas esta decisão é individual.”
Em outras palavras, você é bem-vindo desde que esteja disposto a se submeter aos ‘tratamentos’ da igreja para a mudança de seu desejo, identidade, afetividade, etc. É tipo: Igreja Adventista não é lugar de gente gay, lésbica, bissexual ou transgênero, mas se eles vierem e quiserem ser como nós, os “normais”, “santos”, “puros”, temos como dar um jeito em sua “perversão”.
Uma postura, porém, que eu quero destacar como correta, e que outras igrejas deveriam seguir é a que ele coloca no final do artigo:
“Com relação ao casamento homossexual, não estimulamos e nem aprovamos, mas não buscamos qualquer recurso jurídico junto às autoridades governamentais para impedir que leis específicas para estes grupos sejam criadas. Tampouco, por outro lado, fazemos movimentos para que estas leis existam.”
É isso aí. Vocês podem crer e agir como desejarem em relação à doutrinas de vocês em suas comunidades, mas não podem impedir que o Estado contemple a todos nas garantias jurídicas que todos os cidadãos e cada um deles, individualmente, merecem desfrutar.
Agora, vale lembrar os dados no início do artigo. Com tantas escolas de ensino fundamental e médio, assim como centros universitários, imaginem o estrago que os adventistas fazem na cabeça de crianças, adolescentes e jovens em todos esses espaços sob o comando da igreja. Isso sem falar na pseudociência que eles adoram divulgar: criacionismo, homeopatia, etc.
E para quem quiser ler mais sobre por que toda essa teologia anti-gay é furada, seja ela adventista, pentecostal, reformada, etc., sugiro a leitura de Em Busca de Mim Mesmo. O livro também será útil para quem já passou por esses procedimentos e ministérios de “conversão gay” ou quem ainda tem dúvidas sobre se deveria experimentar tais procedimentos ou não. Esse livro nasceu de minha experiência e observações enquanto atuava em um desses ministérios de “cura gay”. O conteúdo tem sido bem recebido tanto por pessoas LGBT como por pessoas heterossexuais. Fica a dica, então.
Assista também:

AS FALÁCIAS DA REVERSÃO SEXUAL

Sugiro o uso de fones de ouvido, porque o som do vídeo está bem baixo, mas com fone fica perfeitamente audível.
ANTES DE ENCERRAR, QUERO DEIXAR UMA MENSAGEM INADIÁVEL:
VOCÊ NÃO PRECISA DE RELIGIÃO PARA VIVER BEM E FELIZ. PELO CONTRÁRIO, PERTENCER A UMA RELIGIÃO COMO ESSA PODE LEVA-LO A DEPRESSÃO, ANSIEDADE E BAIXÍSSIMA AUTOESTIMA. CUIDADO: RELIGIÃO PODE FAZER MAL À SUA SAÚDE, ESPECIALMENTE SUA SAÚDE MENTAL.

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* Sergio Viula foi pastor batista, é formado em filosofia, administrador do blog Fora do Armário www.foradoarmario.net, autor de Em Busca de Mim Mesmo, livro que fala sobre religião, sexualidade e ateísmo, é membro da Liga Humanista Secular do Brasil, e pode ser encontrado no Twitter em @SergioViula


Os poderosos mórmons e os gays






mormon

IGREJA DOS SANTOS DOS ÚLTIMOS DIAS



Por Sergio Viula
Originalmente publicado no AASA
A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, popularmente conhecida como Igreja Mórmon, tinha no Brasil, em 31 de janeiro de 2015, de acordo com seu site oficial, 1.289.770 membros e contava com 06 templos.
Vale lembrar que os mórmons não funcionam como as típicas igrejas neopentecostais que se abrem em quaisquer garagens e “puxadinhos” em qualquer cidade do Brasil.
capela uruguaiana rio grande do sulApesar de sua beleza e organização, o que as pessoas geralmente chamam de templos são apenas capelas, como esta em Uruguaiana, RS (foto à direita)
Existem muitas dessas por todo o Brasil, mas o seis templos são obras faraônicas e estão presentes em seis capitais brasileiras, como você pode ver abaixo:
templo de são paulo  Templo de São Paulo
templo do recife Templo de Recife
templo de porto alegre Templo de Porto Alegre
templo de campinas Templo de Campinas
templo de curitiba Templo de Curitiba
templo de manaus Templo de Manaus
E pensar que esse império começou com a chegada de Roberto Lippelt e sua esposa, Augusta, ao Brasil em 1923.
Procedentes da Alemanha, eles se concentraram em alcançar aqueles que falavam alemão. Os primeiros “élderes” (equivalentes a pastores) vieram de Buenos Aires e falavam alemão também. Em 1929, os primeiros membros ingressaram na igreja. Dois anos depois, a primeira capela de propriedade da igreja mórmon na América do Sul foi dedicada em Joinville, precisamente em 25 de outubro de 1931.
O material de ensino da Igreja foi traduzido para o português em 1937. Seus principais livros, os que são considerados sagrados, são: a Bíblia, só que na Versão Inspirada, organizado pelo fundador da religião Joseph Smith; o Livro de Mórmon; Doutrinas e Pactos ou Doutrinas e Convênios, que são 163 “revelações” recebidas por Smith; e A Pérola de Grande Preço.
Os missionários começaram a ensinar mormonismo na língua portuguesa em 1938.
Em 1959, havia cerca de 3.700 membros no Brasil.
O templo de São Paulo, o primeiro de todos, foi dedicado em 30 de outubro de 1978 pelo Presidente Spencer W. Kimball. A partir de 1995, com 23 missões, o Brasil passou a ser o país com o maior número de missões fora dos Estados Unidos.
Em apenas 56 anos (1937 a 2015), a igreja mórmon cresceu de 3.700 para 1.289.770 membros, ou seja, mais que 348 mil por cento. Poucos negócios no mundo podem se gabar de tamanha façanha, seja em número de clientes ou em cifras.
Riqueza
A Igreja dos Santos dos Últimos Dias é bilionária. A agênciaReuters publicou o seguinte recentemente:
Confiando firmemente nos registros da igreja em países que requerem muito mais transparência do que os Estados Unidos, Cragun e Reuters estimam que a Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias receba 7 bilhões de dólares anualmente em dízimos e ofertas.
Ela é dona de templos e capelas que valem certca de 35 bilhões de dólares a redor do mundo, e controla fazendas, ranchos, shopping centers e outros investimentos comerciais que valem muito outros bilhões de dólares.
Quem são eles
A revista Super Interessante também já dedicou espaço a essa religião, como você poderá ver abaixo:
Os mórmons são orgulhosamente americanos. Tanto quanto o McDonald’s e a Coca-Cola. Eles acreditam, inclusive, que Jesus Cristo deu as caras, em carne e osso, na terra de Tio Sam logo depois de ressuscitar em Jerusalém.
Quem disse isso foi o então adolescente nova-iorquino Joseph Smith, em 1820, o primeiro profeta mórmon. Cristo, após a crucificação, teria subido ao céu e retornado, dias depois, ao seu corpo. Ficou aqui na Terra mais 40 dias, tendo reaparecido nos EUA, na região do Missouri. Smith jura de pés juntos que ouviu de um anjo a informação de que povos que viveram séculos atrás nos EUA receberam esse Cristo ressuscitado. O período teria ficado registrado em placas de ouro escritas por profetas que acompanharam Jesus no continente. Essas placas desapareceram – elas teriam sido levadas de volta a Deus pelas mãos do mesmo anjo. Um dos profetas, chamado Mórmon, compilou todos os relatos das placas e Smith, 18 séculos depois, teria recebido a missão divina de reescrever essa intrincada narrativa. Ele demorou 10 anos para publicar seus escritos, que deram origem ao Livro de Mórmon, impresso que, ao lado da Bíblia, orienta a religião até hoje.
Plano de salvação
A esperança mórmon de recompensa não é igual a dos cristãos católicos e protestantes. O plano de salvação deles inclui três níveis diferentes de glória, mas eles também reservam um lugar de trevas para satanás e seus colaboradores. A informação abaixo vem do site Missionários Mórmons:
Os Três Graus de Glória
Toda a humanidade é diferente. As pessoas não são apenas boas ou más, mas elas diferem uma da outra por diferentes graus de bondade e maldade. Por isso, Deus recompensará cada pessoa de acordo com o bem que tiverem feito e com a fé e confiança que mostrarem em Jesus Cristo. As pessoas que são valentes e fiéis e se arrependem de seus pecados receberão a maior recompensa, chamada de Vida Eterna, ou seja, voltar – literalmente – à presença de Deus, enquanto aqueles que não se arrependerem e que não tem fé em Jesus Cristo receberão graus de glória menores.
Esses graus são chamados pelos Mórmons de Os Três Graus de Glória. O Apóstolo Paulo mencionou sobre esses graus em 1 Coríntios 15:40-42: “E há corpos celestes e corpos terrestres, mas uma é a glória dos celestes e outra a dos terrestres. Uma é a glória do sol, e outra a glória da lua, e outra a glória das estrelas; porque uma estrela se difere em glória de outra estrela. Assim também é a ressurreição dos mortos. Semeia-se o corpo em corrupção; ressuscitará em incorrupção”.
O Profeta Joseph Smith revelou mais sobre esses graus de glória. Essa visão está registrada no livro de Doutrina e Convênios na seção 76. Os Mórmons chamam esses três graus de Reino Celestial, Reino Terrestrial e Reino Telestial.
O Reino Celestial
O Reino Celestial e o grau de glória mais elevado. É o que é geralmente chamado de “céu”. Aqueles que vão para lá são aqueles que aceitaram Jesus Cristo, acreditaram em seus ensinamentos, foram batizados e guardaram os Seus mandamentos. Eles arrependem de todos os seus pecados e através de sua fé eles são limpos de seus pecados. Eles herdam a vida eterna, o qual Jesus ensinou que é conhecer a Ele e a Deus (João 17:3). Essas pessoas recebem toda a glória e podem progredir e se tornar perfeitos assim como Deus e Jesus Cristo.
No Reino Celestial, as famílias podem viver juntas para sempre. Maridos e mulheres podem permanecer juntos para sempre. Eles habitam na presença de Deus e Seu Filho, Jesus Cristo. Esse Reino é simbolizado pela glória do sol.
O Reino Terrestrial
O Reino Terrestrial é o segundo grau de glória. Este é o local final para aquelas pessoas que não foram valentes na vida, mas ainda assim foram pessoas boas. Eram pessoas honrosas e justas, mas que não aceitaram Jesus Cristo como o seu Salvador. Esse Reino é simbolizado pela glória da Lua.
O Reino Telestial
O menor grau de glória é o Reino Telestial. Este é o local onde aqueles que rejeitaram Jesus Cristo e seu evangelho e que não se arrependeram de seus pecados ficarão. Aqueles que vão para esse lugar são os mentirosos, assassinos, fornicadores e todos aqueles que não se arrependeram de seus pecados. Esse Reino é simbolizado pela glória das estrelas.
Trevas Exteriores
Satanás e seus anjos serão lançados nas trevas exteriores, onde não há luz ou glória de Deus. Um pequeno grupo de pessoas, que rejeitam Jesus Cristo conscientemente e lutaram contra Ele, não receberão nenhuma glória ou salvação de Deus. Eles serão lançados nas Trevas Exteriores juntamente com Satanás. Essas pessoas são chamados de “Filhos da Perdição”.
Mórmons e Gays
Tradicionalmente, assim como outras doutrinas nascidas do monoteísmo judaico, a igreja mórmon condena a homossexualidade como comportamento pecaminoso. Os mórmons também acreditam que gays possam se tornar heterossexuais, atraindo as bênçãos de Deus através do casamento e da procriação – nada muito diferente do que dizem algumas igrejas evangélicas fundamentalistas por aí.
Mas em termos de mormonismo, isso é ainda mais previsível, uma vez que a doutrina de salvação deles inclui o povoamento de planetas através do relacionamento entre mórmons e suas rainhas-esposas.
Entretanto, existe um movimento de abertura dentro da própria Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias. Cito apenas alguns exemplos.
Em 2009, as lideranças mórmons também se manifestaram favoráveis ao projeto de lei contra discriminação por orientação sexual que tramitava no Conselho Municipal da cidade de Salt Lake City, a capital mundial do mormonismo.http://www.foradoarmario.net/2009/11/igreja-mormon-apoia-lei-contra.html
Em 2012, dei nota no Blog Fora do Armário sobre um projeto de aceitação familiar que estava sendo desenvolvido. O que motivou a ação foi o alto índice de suicídio entre jovens gays por causa da rejeição familiar e da comunidade religiosa.http://www.foradoarmario.net/2012/06/lancado-o-recurso-melhor-pratica-para.html
Também em 2012, um grupo de 300 mórmons participou da Parada do Orgulho LGBT de Salt Lake City, Utah.http://www.foradoarmario.net/2012/06/300-mormons-heterossexuais-apoiam.html
mormonsgayprideutah
Negros já foram oficialmente desprezados como malditos
Gays não são o único grupo discriminado. Afrodescendentes já foram considerados malditos e excluídos da igreja mórmon, como diz o blog IBC, um site de apologética cristã. O mais engraçado é que esses apologetas enxergam os absurdos alheios, mas não os seus próprios. De qualquer maneira, a informação é muito interessante:
Segundo a doutrina mórmon, uma só gota de sangue africano era suficiente para manter a maldição que recai sobre as pessoas de pele escura e desqualificar um possível candidato ao sacerdote. Qualquer um que fosse ordenado por engano estaria administrando ordenanças inválidas, assim atrapalhando seriamente a ordem da igreja. A igreja, explicou Richards, foi forçada a reconsiderar sua posição porque um “templo sagrado”, no valor de quatro milhões de dólares, estava para ser inaugurado em São Paulo em agosto daquele ano e a igreja teria de negar a entrada aos membros de origem africana.
Como resultado da decisão de 1978, a igreja tem crescido maciçamente no Brasil (em 1978 havia 55 mil membros; cinco anos depois a igreja alcançou 200 mil membros) e aberto novos trabalhos missionários em pelo menos dez países anteriormente fechados na África e no Caribe, além de trabalhos mais amplos entre os negros nos Estados Unidos e África. Na verdade, a Igreja Mórmon mudou a prática do sacerdócio em relação ao negro, contudo a sua doutrina continua racista. O público e os membros da igreja têm o direito de saber a verdade tal qual ela é (Jo 8:32).
Vale ressaltar que para quem é ateu ou agnóstico, nada disso faz o menor sentido. Algumas perguntas que ateus e agnósticos naturalmente se fazem:
  1. Por que as pessoas se submetem a esses jugos religiosos castradores?
  2. Por que acreditam em fábulas, sendo capazes de sacrificar a própria juventude a serviço desses mitos?
  3. Pior: como podem negar a si mesmas, querer ser algo diferente, negar o próprio corpo, renegar as alegrias e as dores da vida em nome de uma existência pós-mundana que nada mais é do que a negação da própria vida? – niilismo disfarçado de virtude.
Tudo isso é mera construção humana, fruto de mentes profundamente infelizes que ganharam respeito por meio da mitificação e da sublimação do medo, da culpa e do ressentimento contra tudo o que é terreno, corporal, humano.
Joseph Smith, assim como outros líderes religiosos nunca fizeram nada pela humanidade. Seu maior talento foi o parasitismo social. O fato de serem vistos como os mais dignos dos seres humanos só demonstra o perigoso grau de miopia que caracteriza uma esmagadora maioria dentre os seres humanos. E não é com essa miopia que contam todos os tipos de sacerdotes, pastores, anciãos, “élderes”, etc para seguirem parasitando comunidades e indivíduos?
Diante disso, sempre gosto de dizer que se não for possível livrar as pessoas do domínio religioso, então que pressionemos essas mesmas religiões a se tornarem mais humanas, menos preconceituosas e, consequentemente, menos destrutivas.
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* Sergio Viula foi pastor batista, é formado em filosofia, administrador do blog Fora do Armário www.foradoarmario.net, autor de Em Busca de Mim Mesmo, livro que fala sobre religião, sexualidade e ateísmo, é membro da Liga Humanista Secular do Brasil, e pode ser encontrado no Twitter em @SergioViula







Gays, travestis e transexuais no Budismo







Por Sergio Viula
Originalmente publicado no AASA
Budismo, sexodiversidade e transgeneridade

budismo
Devido à nossa familiaridade com os três monoteísmos mais influentes (judaísmo, cristianismo e islamismo), tendemos a pensar que outras religiões sejam indiferentes ou menos radicais para com a sexualidade humana, especialmente em seu aspecto diverso, bem como as variações de gênero. Esse, porém, é um pensamento equivocado. Na verdade, mesmo aquelas religiões menos beligerantes podem manter pressupostos – senão diretamente culpabilizadores e castradores – pelo menos redutores da beleza dessa diversidade e das alegrias que dela podem advir.
Assim sendo, gostaria de pensar sobre o budismo na coluna desse domingo. É óbvio que os budistas, especialmente nesse ambiente que chamamos de Ocidente, tendem a ser mais discretos que os monoteístas citados anteriormente. Mas será que isso significa que sejam menos preconceituosos quanto à sexualidade humana, especialmente à sexodiversidade?
A maior parte dos escritos budistas não distingue a atividade sexual entre pessoas do mesmo sexo daquelas realizadas entre pessoas de sexos diferentes. O que ambas têm em comum é a crença de que não conduzem ao crescimento espiritual.
No Brasil, a tradição mais influente foi a do budismo tibetano (ou budismo japonês), especialmente a corrente Zen, como pontua a revista IstoÉ em matéria de setembro de 2011 que fala sobre a crise do budismo no Brasil. No mundo todo, existem provavelmente mais de 100 escolas budistas diferentes, ou seja, sistemas de pensamento, interpretação ou preferência por determinados escritos.
Buda
Neste artigo, vou enfocar o budismo tailandês. A escolha pelo budismo tailandês se deve ao fato de ser este o maior país budista do mundo – 95% da população pratica essa religião – e por haver material reunido por pesquisadores ocidentais sobre suas crenças e práticas disponível para consulta. Além disso, o budismo na Tailândia é o Theravada ou Teravada – originário da Índia e mais antigo do mundo. Atualmente, o número de budistas teravada é superior a 100 milhões em todo o mundo, e em décadas recentes o teravada começou a lançar raízes no Ocidente. Outra curiosidade é que a Tailândia, dentre os países com maior número de budistas, é o que mais atrai turistas ocidentais, especialmente europeus.
De acordo com o censo do IBGE em 2010, os budistas no Brasil perfazem um total de 245.870 pessoas. O número parece pequeno, se comparado ao catolicismo, mas é interessante ressaltar que a comunidade budista brasileira é mais que o dobro da comunidade judaica, por exemplo, com algo mais de 107 mil pessoas.
Se os budistas divergem sobre determinados pontos, assim como qualquer outra religião com suas divisões internas, ele costuma ser bastante unívoco no que diz respeito aos vetos no campo da sexualidade – nada diferente de outras religiões.
parada gay Phuket Gay Pride Parade
O budismo tailandês utiliza o termo kathoey, ou katoey, para se referir a uma série de questões sexuais e de gênero, desde a transexualidade que transita do masculino para o feminino até a homossexualidade. Acontece que ser katoey é parte do Carma de uma pessoa. Isso significa que é katoey quem agiu de modo negativo, injusto ou mau em vidas anteriores, especificamente no campo sexual. Isso só é possível na crença budista, porque esta tem na reencarnação um pilar fundamental para seu funcionamento. Depreende-se disso que nasce katoey o indivíduo que fez algo ruim e merece sofrer para resgatar a dívida cármica, geralmente por causa de comportamento adúltero em vidas passadas. A lógica é a seguinte: como eles perturbaram casamentos em outras vidas, agora eles mesmos não conseguirão casar e passarão por outros sofrimentos decorrentes de ser um katoey.
Opa! Além da visão negativa, punitiva, destinada ao sofrimento que o budismo assume com essa crença de que um katoey é portador de dívidas cármicas, eles ainda criam aqui uma barreira ao avanço do direito ao casamento, pois se objetivo é justamente impedir que essas pessoas se casem, uma vez que perturbaram outros casamentos em vidas anteriores, como é que o budismo poderia assentir tranquilamente a esse direito? Ou seja, uma crença baseada numa interpretação preconceituosa da homossexualidade reforça esses mesmos preconceitos e acaba servindo de impedimento para o avanço de direitos civis básicos.
transexual
Essa restrição, porém, refere-se especificamente aos homossexuais, ou seja, homens que pretendem se casar com outros homens, porque no caso das mulheres transexuais (aquelas que nasceram em corpo masculino, mas fazem a transição para o feminino), na Tailândia, por exemplo, elas podem se casar com parceiros europeus, se isso for possível no país de seus cônjuges, e deixar o país. Vale lembrar que a Tailândia é uma monarquia constitucional que governa através de uma junta militar.
O Budismo Teravada, ou Theravada, é a mais antiga escola budista. Foi fundada na Índia e está presente na maioria dos países continentais do Sudeste Asiático, como no Sri Lanka, no Camboja, Laos, Birmânia, e na Tailândia, no sudoeste da China, Vietnã, Bangladesh, Malásia e Indonésia, e conquistou popularidade mais recentemente em Singapura e no Mundo Ocidental.
No budismo teravada, os monges fazem votos de celibato, e o autocontrole sobre os impulsos sexuais é idealizado como parte do caminho para o Nirvana.
De acordo com a concepção budista, o Nirvana pode ser entendido como a superação do apego aos sentidos do material e da ignorância e como a superação da existência, a pureza total. Uma vez atingido o nirvana, o budista ficaria livre do processo de contínuos renascimentos. Uma vez que viver é sofrer, ficar livre dos renascimentos é a maior bem-aventurança.
É curioso que na década de 1980, em resposta a crescente consciência de crise de AIDS, alguns escritores budistas tentaram se basear nos ensinos budistas para alegar que o comportamento homossexual era antinatural e antiético e demonstrava falta de autocontrole. Porém, outros estudiosos budistas argumentaram que o débito cármico só se acumula em torno de imoralidade heterossexual, justamente quando as noções patriarcais da propriedade do macho sobre sexualidade da fêmea é afetada, ou seja, por sexo pré-conjugal, que é “roubo da virgindade” da parte do pai daquela mulher por um homem. De acordo com essa visão, as dificuldades e dores experimentadas nas vidas em que haja variação de gênero (e aqui também de orientação sexual, é claro) são vistas como parte do débito a ser pago e como tal não acumulam novas dívidas cármicas.
PETER ANTHONY JACKSON Ph.D. (Melbourne, Austrália) é um pesquisador que nasceu em Sydney em 1956 e atualmente está trabalhando como o Research Fellow em história tailandesa na Universidade Nacional Australiana (Australian National University), Canberra. Seus livros incluem:
  1. Buddhadasa: A Buddhist Thinker for the Modern World (1988)
  2. Buddhism, Legitimation and Conflict: The Political Functions of Urban Thai Buddhism (1989)
  3. Dear Uncle Go: Male Homosexuality in Thailand (1995).
São do Dr. Peter Anthony Jackson as ideias que apresento a seguir:
O Tripitaka, o cânon do budismo Teravada, inclui o Vinava Pitaka, ou seja, as regras para a comunidade monástica, sendo dividido em um conjunto de regras para a comunidade masculina – o Bhikkhu Sangha – e um conjunto de regras para comunidade feminina – o Bhikkuni Sangha. Afinal, o budismo tem monges e monjas. O cânon também inclui o Sutta Pitaka, que contém os discursos proferidos pelo Buda a seus discípulos, admiradores e adversários, e o Abdhidhamma Pitaka, que é uma obra de composição posterior, que aprofunda os ensinamentos específicos da tradição Teravada, detalhando o processo de renascimento, processos mentais sutis, a prática meditativa, dentre outros assuntos.
Esse cânon budista contém numerosas referências ao comportamento sexual que atualmente seriam identificados como homoeróticos e associados a pessoas homossexuais e travestis, apesar de não fazerem as distinções que costumamos fazer hoje dia, mais de dois mil anos depois da composição desse cânon. Apesar de não receber um nome específico, a relação sexual entre homens aparece muitas vezes em muitos lugares na Vinayapitaka, o código de conduta monástico, sendo listada entre as muitas formas de atividade sexual explicitamente proibidas aos monges.
budistas tailandeses
Peter destaca que a cuidadosa exegese do Vinayapitaka pode fornecer perspectivas sobre as atitudes antigas do budismo para com o homoerotismo. Segundo ele, é importante que os relatos budistas sobre a homossexualidade sejam entendidos no contexto do desdém geral da religião e do absoluto desprezo pelo prazer sexual. É também necessário manter em mente que o budismo começou como uma ordem de celibatários masculinos, os sangha, e que o Vinaya é predominantemente um código de conduta clerical, não foi escrito para pessoas leigas.
No budismo todas as formas de sexualidade e de desejo têm que ser transcendidas para atingir o alvo religioso do nibbana, literalmente, a extinção do sofrimento. A primeira seção do Tripitaka, o Parajika Kandha do Vinayapitaka , oferece orientações detalhadas da prática do celibato clerical na forma dos exemplos geralmente explícitos dos tipos de má conduta sexual que levam à “derrota espiritual” (parajika) e à automática expulsão do sangha (o templo ou a comunidade de monges). Para citar uma formula geralmente repetida na seção do Vinaya, “Qualquer monge que tenha intercurso sexual é parajika, um derrotado, e não encontrará comunhão [no sangha]” (Vinaya, Vol. 1, p. 27, passim)
A precisão com que os monges são conduzidos e monitorados é demonstrada na definição canônica de “realização” na expressão “realização de intercurso sexual” que é descrito como um monge inserindo seu pênis numa vagina, boca, ânus, etc. “mesmo que seja tão profundo quanto o tamanho de uma semente de sésamo” (Vinaya, Vol. 1, p. 49).
Phra Buddhadasa, um dos líderes contemporâneos dos pensadores budistas na Tailândia, convoca os leigos a serem criteriosos e estabelecerem inteligência espiritualmente informada (Pali: sati-panna) e a ter sexo somente para reprodução. Além disso, ele defende que o mais alto ideal no casamento é que os cônjuges vivam juntos sem sexo, ou que o indivíduo adote a vida solitária dedicada ao alcance do nibbana como um ideal mais alto do que a vida conjugal (ibid. :35). De fato, Phra Buddhadasa defende que o casamento é um estágio da vida para aqueles que ainda não perceberam a verdade absoluta, dizendo que uma vez que a transitoriedade e a insatisfação mundana sejam compreendidas não haverá mais desejo por sexo. Ele dá um exemplo do Tripitaka (sem citar a fonte) de umas crianças de dez anos de idade no tempo de Buda tornando-se arahants, seres aperfeiçoados que atingiram o nibbana, e alega que esse mundo seria possível hoje se as crianças fossem educadas nos princípios budistas e fossem levadas a ver a verdade revelada pelo budismo. Phra Buddhadasa acrescenta que como adultos tais crianças não teriam interesse por sexo por causa de seu elevado status espiritual (ibid. :36-37).
Diferentes autores tailandeses usam o termo kathoey para se referirem a pelo menos quarto condições distintas abrangendo uma série de fenômenos físicos, psicológicos e emocionais que são geralmente divididos em sexo biológico (intersexuais, antigamente chamados hermafroditas), gênero psicológico (travestis e transexuais) e sexualidade (homossexuais). Originalmente, kathoey parece ter se referido a verdadeiros hermafroditas. Porém, veio a ser usado mais amplamente para se referir a pessoas que possuem ou assumem características físicas, comportamentais ou atitudinais geralmente atribuídas ao outro sexo. Os fenômenos complexos referidos pelo termo kathoey refletem as normas culturais tailandesas de masculinidade e feminilidade e as noções de papéis sexuais, comportamento de gênero e sexualidade apropriados, de acordo com a visão daquela cultura. Kathoey denota um tipo de pessoa, não simplesmente um tipo de comportamento. De fato, em diferentes contextos, o termo pode incluir um ou mais dos seguintes grupos:
  1. Hermafroditas (Pali: ubhatobyanjanaka; Tailandês: kathoey thae ou “verdadeiros kathoeys“): isto é, pessoas que em grau maior ou menor nascem com características de ambos os sexos ou desenvolvem essas características algum tempo depois do nascimento. Hermafroditas também incluem pessoas nascidas sem qualquer sexo claramente determinado (Pali: napumsakapandaka).
  1. Travestis ou transexuais (Pali: pandakaitthi- & purisa-ubhato byanjanaka; Tailandês: kathoey thiam ou “pseudo-kathoeys”): isto é, pessoas que são fisicamente macho ou fêmea mas preferem se vestir ou se comportar como alguém do outro sexo ou, no caso das pessoas transexuais, passar por tratamento hormonal e/ou cirurgia para mudar o corpo a fim de se aproximar das características físicas do outro gênero. No cânon Pali a transexualidade é descrita como uma mudança espontânea de sexo causada puramente por fatores psicológicos e sem requerer intervenção médica.
  1. Homossexuais (Pali: pandaka; Tailandês: varia entre kathoeygaytut, etc. para homens; kathoeys, tom, dee, etc., para mulheres): isto é, pessoas que são fisicamente masculinas ou femininas e são atraídas por pessoas do mesmo sexo.
O termo kathoey inclui homossexuais porque na Tailândia a homossexualidade, seguindo o modelo do hermafroditismo, é popularmente considerada como resultado de uma mistura psicológica dos gêneros. Isto é, dentro do contexto cultural tailandês, um homossexual masculino é geralmente considerado como tendo uma mente de mulher ou desejos de mulher, assim como uma lésbica é considerada como tendo uma mente de homem e desejos de homem. A mistura de gêneros denotada no termo kathoey pode, portanto, ser somente física, somente psicológica, ou uma combinação de ambas.
Os povos tailandeses adotaram o budismo Theravada por volta dos séculos onze e doze da era cristã. Se o budismo não foi a fonte da concepção popular tailandesa de kathoey, pelo menos ele reforçou um conceito cultural tailandês semelhante e pré-existente.
É interessante destacar que a mistura de fenômenos sexuais e de gênero denotada pelos termos ubhatobyanjanakapandaka e kathoey aconteceu tanto por causa do budismo canônico como das opiniões tradicionais tailandesas que eles representam como um suposto contínuo de desequilíbrio sexual e de gênero, que vai desde o puramente físico (hermafrodita) ao psicofísico (travesti, transexual) e o puramente psicológico (homossexual), mas dos três o que possui suposições cármicas muito desenvolvidas é o homossexual, ainda discutido hoje por autoridades no ensino budista por esse viés.
Já os termos ubhatobyanjanaka e pandaka denotam tipos de pessoas em vez de tipos de comportamento e são a priori categorias de gênero – denotando supostas deficiências ou aberrações na masculinidade ou feminilidade em vez de categorias que denotem a sexualidade. Isso fica claro quando o Vinaya se refere em algumas passagens ao comportamento homossexual entre monges que não são identificados como sendo ubhatobyanjanaka ou pandaka. Isto quer dizer que a homossexualidade não é a característica central definidora dessas duas categorias. Contudo, ainda é o caso de que aberrações de gênero como as pessoas ubhatobyanjanaka e pandaka sejam geralmente vistas como pessoas que se envolvem em comportamento homossexual.
Bunmi Methangkun, último líder da tradicionalista Fundação Abhidhamma em Bangkok diz o seguinte:
Mesmo que seja bem criado nessa vida ou nascido em uma família nobre ou como um filho da realeza, não importa quão prestigioso seja seu histórico, eles [pessoas que cometeram ofensas sexuais numa vida passada] não serão capazes de evitar tornarem-se misturados em questões sexuais desde idade muito tenra. Não importa o quanto seus pais os critiquem e não importa quão instruídos sejam, eles agirão facilmente no erro com relação ao sexo e não verão isso como perigoso, mas como algo normal (How Can People Be Kathoeys?, Abhidhamma Foundation, Bangkok, 2529 (1986), p. 121.
Bunmi sustenta que ser um kathoey está incluído numa lista de deficiências como nascer fisicamente defeituoso, ser mudo, louco, cego, surdo e intelectualmente incapaz (ibid.:265). O Buddha prescreveu que pessoas com quaisquer dessas deficiências, incluindo aquelas com sérios problemas de doenças, não deveriam ser ordenadas.
É curioso que Bunmi afirme que as ações e desejos que tenham uma causa involuntária com base nas consequências cármicas de mau comportamento sexual no passado não acarretarão quaisquer consequências cármicas no futuro. Essas consequências cármicas – ser um kathoey, nesse caso – estão resolvendo carma passado, não sendo fontes de acúmulo de carma futuro. De acordo com Bunmi, a atividade homossexual e o desejo de se envolver em atividade homossexual entram nessa categoria, não são pecaminosos e não atraem consequências cármicas. Seguindo um viés semelhante, ele diz:
Mudar o sexo de alguém não é pecaminoso (Pali: ducarita). Consequentemente, a intenção de mudar o sexo de alguém não pode ter qualquer consequência cármica. Mas a má conduta sexual (Tailandês: phit-kamé pecaminosa e pode levar a consequências num próximo nascimento (ibid. :306).
Nos escritos de Bunmi as únicas atividades sexuais que acumulam consequências cármicas futuras são as formas tradicionalmente consideradas como má conduta heterossexual. Bunmi diz que má conduta com uma pessoa de outro sexo tem consequências cármicas, porque “é como roubar, porque a pessoa responsável por aquela pessoa não deu permissão” (ibid. :308). Bunmi não se refere explicitamente às mulheres kathoeys ou a exemplos de má conduta sexual entre elas que possam leva-las a nascerem como mulheres kathoey. Todas as infrações morais apontadas por ele são cometidas por homens. O próprio uso que ele faz dessa analogia que compara adultério a roubo parece refletir uma visão das mulheres como propriedades dos homens. Também é digno de nota que em tailandês as palavras usadas para descrever os resultados de uma esposa ou criança sendo sexualmente manipulada sejam semelhantes aos termos usados para descrever os resultados de ser roubado. Bunmi descreve tanto o roubo como o adultério como kert sia hai—”causando uma perda ou dano (à riqueza, reputação, etc.)” (ibid.).
A opinião de Bunmi sobre as origens cármicas da homossexualidade e sobre ser um kathoey levaram-no a uma certa compaixão, só que com base numa certa condescendência. Bunmi diz:
A sociedade na Tailândia e quase todos os países no mundo não aceitam realmente os kathoeys. Isso é porque eles não conhecem as verdadeiras causas para se tornar um kathoey, que são extremamente dignas de pena (Bunmi 1986:42).
As pessoas que estudam e entendem o Abhidhamma não rirão ou ridicularização os kathoeys . . . Antes, se solidarizarão com eles e sentirão pena deles e encontrarão maneiras de ajuda-los até onde possam ser ajudados. Elas apontarão os caminhos para lidarem mais inteligentemente com os problemas da vida de modo que os kathoeys não repitam seus velhos erros, os quais poderiam leva-los à grande tristeza e pesar no futuro (ibid. :40).
Bunmi comenta que as pessoas tailandesas geralmente riem dos kathoeys mas elas não sabem que “aqueles que riem e ridicularizam os kathoeys foram eles mesmos kathoeys numa vida passada” (ibid.:251). Bunmi afirma que em alguma vida passada todos já nasceram como um kathoey porque todos já foram culpados de má conduta sexual em algum ponto de suas numerosas existências prévias. Ele sustenta que:
Se eles estudassem as causas de ser um kathoey, a vida da mente…todos aqueles que hoje riem e ridicularizam os kathoeys não seriam capazes de rir mais. Porque as mesmas pessoas que riem dos kathoeys foram elas mesmas kathoeys alguma vez. Absolutamente todos sem exceção já foram um kathoey, porque passamos por inúmeros ciclos de nascimento e morte, e não sabemos quantas vezes já fomos kathoeys em vidas passadas ou quantas vezes poderemos ser kathoeys no futuro (ibid. :258).
Bunmi aqui está argumentando que os kathoeys deveriam ser tratados com tolerância e compaixão, as quais as virtudes budistas consideram meritórias. Ele destaca que a sociedade tailandesa contemporânea geralmente falha em refletir a ética de sua ostensiva herança budista no caso dos kathoeysMas ainda que compassiva, as opiniões de Bunmi não conduzem à plena aceitação de travestis e homossexuais porque presumem que kathoeys são exemplos do que acontece a pessoas que quebram os códigos de conduta sexual. Até mesmo os intérpretes budistas compassivos ainda consideram ser homossexual ou kathoey como uma condição inerentemente definida por sofrimento, falta de aceitação, opróbrio social e outros problemas subsequentes que essas pessoas sofrem. É o sofrimento vivido pelos kathoeys que leva intérpretes budistas tradicionais como Bunmi a considerarem essa variação da sexualidade como uma consequência cármica de malfeitos sexuais passados. Estes intérpretes não consideram a possibilidade de que o sofrimento vivido por homossexuais não seja inerente a sua sexualidade, mas antes o resultado do ambiente intolerante da sociedade na qual vivem.
Pior ainda, seguindo a lógica cármica da causa da homossexualidade, o sofrimento dos homossexuais só pode ser suportado, não aliviado, porque é interpretado como resultado do passado do próprio indivíduo e continuará até que as consequências cármicas daqueles malfeitos tenham sido expurgadas. Bunmi e outros intérpretes consideram o sofrimento homossexual como um lembrete e uma lição moral das consequências infelizes da má conduta sexual durante uma determinada existência. Kathoeys podem ser dignos de pena e merecer empatia, mas na perspectiva do carma, eles ainda são produtos de imoralidade, ainda que numa vida passada. Isto quer dizer que num cosmos ideal povoado somente por pessoas morais, eles deixariam de existir.
O budismo é uma tradição complexa e não existe uma posição canônica ou escritural sancionada sobre a homossexualidade. Ao contrário, as escrituras Pali contém uma série de tendências divergentes que diversos intérpretes podem usar para desenvolver visões sobre a homossexualidade que variam de empáticas a antagônicas. Se um intérprete adotará uma atitude empática ou uma atitude crítica, isso dependerá de como ele considera a causa da homossexualidade – se externa ao indivíduo, ou seja, fruto de um carma construído numa vida anterior, ou como sendo imoral a própria conduta desse indivíduo katoey.
CONSIDERAÇÕES DE SERGIO VIULA
  1. O budismo, ainda que não tenha criado paraísos ou infernos pós-mundanos, ou seja, pós-morte, continua se apegando aos conceitos de bem e mal que tradicionalmente fundamentam a vigilância e a punição motivada por crenças religiosas. Essa punição pode ser feita pelas leis civis estabelecidas a partir do imaginário moralista desenvolvido pela própria religião ou absorvido da cultura local em que ela mesma se desenvolveu, mas também inclui a administração da justiça a partir de leis metafísicas, como é o caso do ciclo de reencarnações com o objetivo de alcançar a nibbana (o fim desse ciclo de samsara ou de reencarnações). Os pressupostos moralistas do budismo são semelhantes aos do judaísmo, do cristianismo e do islamismo. A diferença repousa no modo como esse moralismo é administrado. Os monoteísmos citados acreditam em juízo divino e em castigos e recompensas depois da morte. Porém, havendo arrependimento em vida, o transgressor será perdoado graças a práticas expiatórias diferentes em cada um daqueles sistemas. Caso contrário, enfrentará a terrível punição divina. Diferentemente dos monoteísmos semíticos, o budismo acredita na purificação dessas culpas através de sofrimentos vividos neste mundo. Não basta se arrepender, é preciso renascer, reencarnar, até que o débito cármico seja zerado. De qualquer modo, permanece a lógica de erro e virtude como condições para castigo e/ou recompensa, guardadas as diferenças já expostas entre essas diferentes visões religiosas.
  1. O budismo acaba criando uma aporia para os que pretendem conduzir suas vidas por seus ensinos. Precisam se manter fiéis às tradições, mas não podem evitar uma sociedade cada vez mais imbuída da lógica humanista-secularista que caracteriza a filosofia política contemporânea em grande medida. Se legitimarem os direitos civis da população LGBT estarão “aliviando” o sofrimento que essa mesma condição LGBT deveria enfrentar para resgatar seu carma e não voltar mais como kathoey na próxima vida. Se não legitimarem esses direitos, continuarão a viver como uma sociedade injusta, parcial e discriminatória.
  1. É digno de nota que a Tailândia seja o país que mais faz operações de adequação genital para transexuais no mundo. Só um hospital na Tailândia já operou mais de 200 mil tailandesas Isso é uma excelente notícia para as pessoas transexuais de lá e para as que podem viajar até lá para realizar essa operação quando não é permitida em seus países ou quando é difícil de ser obtida em sua terra-natal. Vale lembrar que no Brasil, esse procedimento pode ser realizado pelo SUS – o que coloca o Brasil à frente da maioria dos países. Porém, transexualidade e homossexualidade são coisas distintas. Só para exemplificar, o Irã, que é um país de governo muçulmano que condena gays ao enforcamento em praça pública, opera e casa mulheres transexuais. Quanto aos homens transexuais, parece que continuam invisíveis por lá. São muitas as assimetrias em todos esses países. Não se pode colocar tudo num pacote só.
dalai lama
  1. Enquanto isso, o Dalai Lama, líder budista tibetano, emitiu uma opinião que parece gay-friendly, mas na verdade reforçou que budistas gays não deveriam casar. A declaração, precipitadamente celebrada por muitos, é mais demagógica do que realmente progressista. Muitas outras citações do Dalai Lama continuam reiterando de que a homossexualidade resulta de carma negativo em vidas anteriores ou mesmo de imoralidade na vida atual. Essas citações aparentemente simpáticas (só que não) podem ser encontradas aqui.
  1. Em Portugal, durante as discussões sobre a aprovação do casamento gay em 2009 (felizmente, já é realidade em Portugal agora), o presidente da União Budista Nacional, Paulo Borges, disse o seguinte:
“De acordo com os princípios do budismo de pretender libertar a mente de tudo o que faz sofrer, nessa perspectiva, se o casamento entre pessoas do mesmo sexo contribuir para tornar alguém mais feliz então somos a favor”.
Mas ele mesmo ressaltou que existe uma posição dos budistas tibetanos, que alega que a relação sexual entre pessoas do mesmo sexo não é aconselhada para uma evolução espiritual, a questão não é moral: “é apenas quanto à progressão espiritual, ao nível energético”.
  1. Assim como no judaísmo, no cristianismo e até mesmo no islamismo existem seguidores pró-inclusão, no budismo eles também existem. Das três religiões citadas anteriormente, o islamismo é aquela cujos defensores da inclusão são os mais tímidos e talvez menos numerosos, devido ao nível de belicosidade de muitos círculos muçulmanos. Mas, no budismo, esse movimento vai crescendo a olhos vistos, especialmente no Brasil. Veja O Buda gay – Um estudo amplo sobre a visão budista da homossexualidade.
  1. No Brasil, algumas comunidades budistas fazem uma cerimônia especial para selar a união dos casais do mesmo sexo, desde que eles se casem no civil – o que é possível graças ao STF e ao CNJ. Veja que emocionante o primeiro casamento de budistas gays em Santa Catarina. Assista: https://www.facebook.com/video.php?v=597384526988620
    A Sociedade Sokka Gakai apoia:https://www.facebook.com/BsgiOficial
  1. Conquanto o budismo tenha a seu favor o não acreditar em deuses, anjos, demônios, céus e infernos, nem por isso fica isento de sua parcela de superstição, uma vez que acredita em carma e reencarnação. Isso também é uma crença infundada. Não há qualquer evidência para se afirmar a reencarnação, muito menos essa noção de dívidas cármicas de vidas anteriores. Ninguém sequer se lembra do que teria feito de errado numa suposta existência prévia de modo a evitar repetir o mesmo erro na atual. E se as pessoas reencarnam para atingir a libertação do ciclo reencarnatório e deixarem de existir, então a pergunta que fica é: por que a população mundial cresce exponencialmente em vez de diminuir. O correto, caso fosse verdadeira a crença budista, seria vermos menos gente no mundo, à medida que as pessoas atingissem a plenitude do desapego e saldassem todas as dívidas cármicas, mas não é isso que vemos. É exatamente o contrário. Só para dar uma ideia do que quero dizer, em 1950, a população mundial era de 2 bilhões e meio de pessoas. Estamos em 2015, apenas 65 anos depois, e a população mundial é de quase 7 bilhões de pessoas. Só aumenta. Não diminui. Onde está o fim de samsara – o fluxo de renascimentos no mundo? Vejam bem, trata-se de renascimentos não de criação de novos seres humanos. Era para o número de habitantes se manter idêntico ou diminuir, à medida que mais gente se libertasse de samsara (esse ciclo de reencarnações). Não era para aumentar, muito menos triplicar em apenas 65 anos (1950-2015).
Concluindo:
Criar ou manter preconceitos, discriminações, impedimentos à legitimação de direitos fundamentais, bem como perpetuar outras injustiças com base em crença religiosa é algo totalmente injustificável. Agora, é óbvio que os budistas poderão encontrar em sua própria crença motivos para a inclusão e celebração da diversidade. Só que nada disso seria possível se não fossem as pressões exercidas de muitas maneiras pelo livre pensamento, pelo o pensamento secularizado e pelo o pensamento humanista. Não é mérito da religião.
Nada menos que todos os direitos humanos! Nada mais e nada menos!
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* Sergio Viula foi pastor batista, é formado em filosofia, administrador do blog Fora do Armário www.foradoarmario.net, autor de Em Busca de Mim Mesmo, livro que fala sobre religião, sexualidade e ateísmo, é membro da Liga Humanista Secular do Brasil, e pode ser encontrado no Twitter em @SergioViula



TESTEMUNHAS DE JEOVÁ E SEXODIVERSIDADE







Por Sergio Viula
Originalmente publicado no AASA

foto da sede das testemunhas de jeová no brooklyn



TESTEMUNHAS DE JEOVÁ E SEXODIVERSIDADE


Fundada por Charles Taze Russell no final do século 19, a religião conhecida como Testemunhas de Jeová é uma das mais totalitárias do mundo. Confundida por muitos com as igrejas evangélicas, a Sociedade Torre de Vigia de Bíblias e Tratados, ligada ao Corpo Governante contava 8.695.808 de membros em todo o mundo em 2020, organizados em 120.387 congregações, espalhadas por 240 países e territrórios, conforme o Relatório do ano de serviço 2020. [Online em 12/10/21 nesse link: https://www.jw.org/pt/testemunhas-de-jeova/perguntas-frequentes/numero-tj/)
Entre suas crenças mais conhecidas e repudiadas estão a de não doar e nem receber sangue sob hipótese alguma e a de não participar da vida cívica do país em que estejam inseridas. Porem, muitas outras crenças são estranhas à maioria das comunidades ditas cristãs. As Testemunhas de Jeová não se consideram ‘evangélicas’ quando termo é aplicado a igrejas protestantes mais recentes e pentecostais, mas gostam de se denominar cristãs, apesar de discordarem de uma série de dogmas adotados pelo mainstream do cristianismo histórico. Alguns exemplos são:
  1. Creem que somente 144 mil escolhidos por Cristo viverão no céu e pensam que estes sejam eleitos desde Adão até a volta de Cristo, sendo muitos deles Testemunhas de Jeová;
  2. Só participam da ‘ceia’ (pão e vinho) os que se sentem eleitos entre esses 144 mil, e só na páscoa. O problema é que o pão e o vinho consumidos ultrapassam em muito esse número. Conclusão: muita gente está blasfemando por não ser um dos escolhidos ou tem mais gente se sentindo escolhida do que Deus mesmo havia previsto;
  3. Não creem em inferno eterno;
  4. Enquanto o julgamento não acontece, as almas deixam de existir. Elas só serão ressuscitadas junto com o corpo para o julgamento.
  5. Não creem na imortalidade da alma, pois os ímpios deixarão de existir completamente depois de julgados;
  6. Creem na ressurreição dos justos para viverem na terra e não no céu;
  7. Os sodomitas nem sequer ressuscitarão para juízo. São aniquilados pela morte sem segundo tempo.
É esse sétimo ponto que me interessa discutir nesse momento.
A Sociedade Torre de Vigia orienta os Salões do Reino das Testemunhas de Jeová a ‘desassociarem’ qualquer pessoa que se assuma gay. Eles gostam de usar a palavra sodomita, fazendo referência à população da cidade de Sodoma, onde Ló, sobrinho de Abraão, morou com sua família ante que ela fosse supostamente destruída pelo juízo divino.
Uma vez que uma pessoa se assuma homossexual ou se encontre em relacionamento homoafetivo, ela é sumariamente desassociada, isto é, excluída, excomungada. Isso pode parecer coisa besta, mas não é. Para quem não crê que a Sociedade Torre de Vigia seja o Profeta de Deus na terra, é fácil sacudir os ombros para o que eles pensam e seguir com a vida numa boa, mas não é isso o que acontece com pessoas doutrinadas nessa seita.
O esquema é montado de tal maneira que cada indivíduo, bem como sua família, seja absolutamente comandado pelas lideranças. Se você acha que as igrejas evangélicas fazem isso com maestria, você não conhece as Testemunhas de Jeová o suficiente. Elas são hiperbolicamente piores do que qualquer igreja neopentecostal.
Depois de excluído, a pessoa homossexual e testemunha de Jeová ficará absolutamente isolada. Ninguém lhe dirigirá a palavra, seja no Salão do Reino ou em casa. Qualquer comunicação da família com ele se fará, quando muito, por bilhetes pregados na geladeira ou em algum outro ponto estratégico da casa.
Esse homem ou mulher homossexual acredita que será realmente aniquilado por Jeová. Não terá sequer um julgamento, se bem que tal julgamento seria apenas pró-forma, mesmo que houvesse, pois ele/ela já está condenado. Associado ao isolamento completo e perpétuo, essa crença na aniquilação sumária gera insuportáveis desejos suicidas. E essa é uma das razões pelas quais a taxa de suicídio entre as Testemunhas de Jeová é altíssima. A seita é tão ‘perfeccionista’, totalitária e segregadora que adoece a mente de seus seguidores como poucas outras poderiam fazer.
Imagine os pais de um bebê tendo que escolher entre a obediência incondicional ao que dizem que Jeová espera deles e uma transfusão que é a única chance de salvar seu filho.
Imagine uma família que ama seu filho ou sua filha desassociados por serem homossexuais, mas sabe que se demonstrar qualquer afeto atrairá o juízo de Jeová e poderá ser igualmente desassociada pela organização – o que corresponde a ser julgada pelo próprio Jeová.
Imagine um jovem que se consuma de autodesprezo motivado pelo ensino dessa seita, só porque ama alguém do mesmo sexo. Ele poderá até deixar de amar aquele outro rapaz um dia, mas nunca amará uma moça, exatamente como acontece com qualquer jovem heterossexual, que pode amar uma menina hoje e outra amanhã, mas nunca amará outro homem.
Imagine um jovem bissexual. As complicações podem ser ainda maiores. A confusão mental, idem.
Imagine um/uma travesti ou um/uma transexual. Esses indivíduos não ‘viram’ transgêneros no momento em que trocam a roupa que lhes designaram desde o nascimento. Eles são transgêneros desde que se conhecem por gente. Sofrem por anos até conseguirem dizer aos outros aquilo que sempre sentiram sobre si mesmos. Mas, se isso já pode ser melindroso (não deveria, mas geralmente é) numa família não dominada por essas crenças obtusas, imagine numa família de testemunhas de Jeová!
Já existem organizações de pessoas ex-testemunhas de Jeová. Também existem organizações de pessoas LGBT ex-testemunhas de Jeová. Geralmente, elas se propõem a ajudar as pessoas a superarem a crise de consciência gerada pela doutrinação da Sociedade Torre de Vigia. Isso não quer dizer que elas não acreditem mais no ensino como um todo. Não sejamos ingênuos em pensar que ex-TJ = ateu. Não é assim. Elas podem não pertencer mais àquele domínio, mas isso não significa que tenham se livrado completamente da crença. Algumas há que migram para outras religiões, mas isso é raro.
Esses dias, eu estava teclando com um rapaz que foi testemunha de Jeová. Ele viu uma entrevista minha no site da UOL e me procurou para me fazer algumas perguntas. Ele mesmo me contou o seguinte :
“Eu me batizei como Testemunha de Jeová em 2011, mas me afastei um ano e meio depois por ter sido duramente criticado, colocado para escanteio, e ter sido taxado de anticristo e apóstata por aqueles que se diziam meus irmãos, mas que não aceitavam o fato de uma pessoa interpretar os ‘princípios bíblicos’ de uma maneira que não fosse igual à deles. Eu sofri muito com isso e logo depois conheci um rapaz por quem me apaixonei. E foi nessa época que resolvi assumir que sou homossexual que passei a me questionar sobre a existência de Deus, especialmente porque uma das minhas tias, evangélica fervorosa, me chamou de amaldiçoado, visto que, segundo ela eu conheci a verdade da Bíblia e não a vivi mais.”
Em seguida, esse rapaz me disse que não tem mais problemas com a fé, visto que ainda acredita em Deus, mas sua história com as Testemunhas de Jeová o conduziu a sete tentativas de suicídio. Ele continua:
“Quanto à Bíblia, eu ainda creio em parte nela. Acredito que muita coisa ali foi mudada, e que junto ao preconceito e o patriarcalismo tão amplamente pregado por essas religiões, tem causado tanta coisa ruim que vemos aí. Para mim, o problema não é Deus; são essas malditas religiões!”
Bem, tenho que concordar (por razões diferentes) que o problema não é deus. Que problema ele causaria sozinho? Nenhum. Não pode fazer bem nem mal, causar dor ou prazer. Ele é apenas uma ideia que sem manipuladores (pregadores, crentes de toda a espécie, etc) não seria mais impressionante que qualquer deus asteca atualmente. Mas as religiões são as agências que manipulam as massas através dessa ideia (deus) e provocam todo tipo de males no mundo. Isso, porém, não significa que um mundo sem religião seria um mundo automaticamente livre de todos os males. Não. O ser humano é criativo demais para deixar de provocar dores porque uma ideia e suas agências simplesmente faliram.
Meu conselho às pessoas LGBT é o seguinte: sai dela, povo meu. 😉

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* Sergio Viula foi pastor batista, é formado em filosofia, administrador do blog Fora do Armário www.foradoarmario.net, autor de Em Busca de Mim Mesmo, livro que fala sobre religião, sexualidade e ateísmo, é membro da Liga Humanista Secular do Brasil, e pode ser encontrado no Twitter em @SergioViula





ATEU HOMOFÓBICO – UMA QUIMERA


Por Sergio Viula
Originalmente publicado no AASA

quimera

De um ateu para outros ateus ou a quem possa interessar.

Muitas quimeras já foram idealizadas por esse mundo afora, mas nenhuma é mais paradoxal do que um ateu que cultiva pensamentos homofóbicos ou palavras e posturas desse feitio. Felizmente, essas pessoas são vistas em número cada vez menor por aí. Alguns são muito barulhentos, mas não perfazem a maioria dos ateus. Alguns dos maiores nomes do ateísmo moderno são realmente pró-diversidade em todos os sentidos. O que me deixa perplexo é ver como os desafinados com a diversidade sexual não percebem que todo esse fervor anti-gay é herança da religião (ou das religiões) a que foram submetidos desde pequenos, bem como das instâncias – também influenciadas por estas – que se ocuparam de sua educação. Uma vez acriticamente internalizados, tais preconceitos contra a homossexualidade, a bissexualidade, a transexualidade, etc nunca foram esquadrinhados com o mesmo zelo racional com que tais precipitados ateus puseram à prova outros preconceitos e dogmas religiosos.
Metaforicamente falando, não adianta um ateu se livrar da cabeça (deus) e guardar o resto do cadáver (crenças preconceituosas e moralismo dogmático). É preciso se livrar do morto todo. Aliás, desse cadáver, que tanta gente tenta conservar, só se tira uma lição: a de que a vida não pode ser encaixotada por mandamentos, prescrições e ordenanças.
A ciência, por sua vez, não dita comportamento sexual (ou outros). Em outro campo, um dos prediletos da filosofia, uma ética da felicidade rechaça tais preconceitos, uma vez que o amor entre pessoas capazes de decidirem por si mesmas é absolutamente digno de existir, qualquer que seja a orientação sexual ou a identidade de gênero dos envolvidos. Tal postura ética diante da vida entende que as pessoas são livres para realizarem suas biografias, e estimula cada uma delas a construir sua própria história visando à realização pessoal, ao mesmo tempo em que conclama cada indivíduo a respeitar o espaço do outro, bem como suas possibilidades e seus direitos, de modo que este também possa experimentar o máximo de felicidade na vida.
E não me refiro a momentos de euforia; refiro-me àquela sensação de que se está vivendo o mais fielmente possível a si mesmo, somando-se a isto uma convivência politicamente correta com o outro.
Tal vivência nos coloca anos-luz à frente de qualquer pessoa guiada por mandamentos. E que ninguém se precipite: “viver de maneira politicamente correta” nada tem a ver com esse arremedo debochado que alguns espalham por aí, como se fossem muito originais em sua rebeldia contra o que é justo, belo e bom no sentido em que os gregos entendiam a virtude. Quem assim faz demonstra nem sequer ter compreendido o que significa a frase “o homem é um animal político”. Como esperar, então, que entenda o que é viver de modo politicamente correto?
Ainda de olho em nossa espécie, quando penso naquele humano mais primitivo, que, já sendo um de nós, vez por outra, se divertia despreocupadamente com o outro macho, ou nas primitivas fêmeas de nossa espécie que transavam com outras fêmeas, exatamente como fazem centenas de outras espécies, que se relacionam esporádica ou fixamente com membros do mesmo gênero em nossos dias, sem qualquer problematização desse gozo, não posso evitar um sorriso ironicamente condescendente para com os que já se acham muito distantes do Pentateuco ou das Epístolas Paulinas, enquanto continuam sendo assombrados por fantasmas dali emanados. Será que esses ateus pela metade, que ainda sustentam discursos religiosos, fazendo malabarismos hermenêuticos para não soarem tão dogmáticos quanto os crentes assumidos, isto é, para não soarem “cristãos” demais, não percebem a armadilha em que caíram? Como ousam se gabar de fundamentos tão lodacentos na construção de sua moralidade? Mesmo que utilizem um termo ou outro falsamente científico, com alguma retórica aparentemente irrefutável, será que não percebem que enfeitar o cadáver não o torna menos morto ou – ainda pior – não diminui seu potencial de contaminação para quem o carrega continuamente sobre as costas?
A relação sexual entre membros do mesmo gênero, dentro de uma mesma espécie, remonta aos primórdios da nossa história evolutiva e parece que vai permanecer entre nós enquanto esse bicho que a gente chama de humano não vier a ser outra coisa: alguma coisa que não transe, por exemplo. Porque, uma coisa se pode afirmar seguramente com base em nosso histórico: enquanto houver sexo, haverá bi/homo/heterossexualidade, como testemunha a história da sexualidade humana. Não há sinal de que o desejo entre iguais ou diferentes tenha sido problematizado pelos primeiros homens, assim como não o foi e nem o é por outros animais.
A herança maldita imposta pelas religiões monoteístas à sexualidade humana, por meio de suas crenças castradoras, mortificadoras, desnaturalizantes, não pode ter outro destino senão o completo descarte por parte daqueles que desejam pensar e agir de modo plenamente racional e humanista. As interpretações desses fenômenos da afetividade e da sexualidade humanas poderão ganhar novas cores no futuro, mas o fato de dois indivíduos do mesmo gênero transarem, identificados ou não por certas “etiquetas” ou certos “rótulos”, é e sempre será um fenômeno (aquilo que aparece, aquilo que acontece) inerente à humanidade. E, a menos que nossa espécie se extinga por circunstâncias cosmológicas previsíveis ou jamais pensadas, o mundo ainda será palco de muitos orgasmos entre pessoas do mesmo sexo e de sexos diferentes, exclusiva, simultânea ou alternadamente. E que diferença faz para a ordem natural se fulano e sicrano entendem isso ou complicam tudo? A natureza, inclusive a nossa, abrirá passagem e seguirá indiferente a todo o palavrório  dos descontentes com a falta de um mundinho organizado ‘catolicamente’ onde possam manter o esqueleto de deus no armário, só por via das dúvidas.
Agora, uma coisa é certa: Os seres humanos e suas comunidades serão muito mais felizes se viverem sob o comando de uma razão a serviço da felicidade humana, começando pela sua própria. E vejam que já existem vários religiosos experimentando essa liberdade, a despeito de sua crença no divino ou até mesmo por causa dela. Deviam se envergonhar de sua superficialidade, esses ateus quiméricos – muitos dos quais vivem ridicularizando as pessoas de fé tanto quanto ridicularizam os LGBT.
Já deu. Se não deu, devia ter dado – se é que me entendem.
SMILEY
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* Sergio Viula foi pastor batista, é formado em filosofia, administrador do blog Fora do Armário www.foradoarmario.net, autor de Em Busca de Mim Mesmo, livro que fala sobre religião, sexualidade e ateísmo, é membro da Liga Humanista Secular do Brasil, e pode ser encontrado no Twitter em @SergioViula





Candomblé e pessoas LGBT





Por Sergio Viula
Originalmente publicado no AASA

candomblé

Candomblé e pessoas LGBT

Dando continuidade à serie de postagens sobre religião e sexodiversidade.

O Candomblé é uma religião derivada do animismo africano onde se cultuam os orixás, voduns ou nkisis, dependendo da nação. O Candomblé tem mais de três milhões de seguidores em todo o mundo, sendo o Brasil o país em que conta com mais adeptos.
Hoje em dia vemos os cultos a vários orixás numa mesma casa, mas esse é um fenômeno brasileiro, causado pela importação de escravos vindos de diferentes nações, pois cada nação africana praticava, originalmente, o culto a um único orixá. A figura do zelador de santo surge nas senzalas, sendo o homem chamado de babalorixá e a mulher de iyalorixá.
O Candomblé, assim como outras religiões de matriz africana, era proibido pela Igreja Católica e perseguido pela polícia. Dava cadeia cultuar os orixás no Brasil. A Revista de História tem um artigo interessante e amplo sobre isso. Isso, porém, acabou favorecendo o sincretismo entre os orixás do candomblé e os santos católicos – coisa que os puristas da tradição africana procuram desfazer hoje em dia. Atualmente, estima-se que 70 milhões de brasileiros frequentem os terreiros em algum momento da vida, mesmo que não seja um seguidor dedicado.
Sexodiversidade no Candomblé
Hoje em dia, o Candomblé aceita homossexuais amplamente. Curiosamente, já houve um período em que homens, fossem heterossexuais ou homossexuais, não podiam ser iniciados como rodantes (aqueles que entram em transe). Isto quer dizer que homens não podiam dançar nas rodas de Candomblé mesmo que entrassem em transe espontaneamente. O Candomblé, diferentemente dos monoteísmos abraâmicos foi, durante muito tempo, uma religião predominantemente matriarcal. Ainda hoje as mães-de-santo (ou zeladoras de santo), as iyalorixás são figuras marcantes.
joãozinho da goméia
No entanto, o homossexual Joãozinho da Goméia, reconhecido como o mais ousado homem a enfrentar as matriarcas para ocupar seu devido espaço, veio a galgar o sacerdócio e tornou-se internacionalmente reconhecido. Seu nome era João Alves de Torres Filho. Ele nasceu em Inhambupe, no dia 27 de março de 1914 e morreu em São Paulo, no dia 19 de março de 1971.
Joãozinho foi um sacerdote do Candomblé de Angola. Nenhum outro rivaliza com ele em popularidade até hoje, apesar de muitos homossexuais terem obtido reconhecimento nos terreiros. Ele é chamado de Joãozinho da Goméia por causa da rua para onde transferiu seu primeiro terreiro na Bahia.
Em 1948, Joãozinho da Goméia, migrou para o Rio de Janeiro, onde abriu sua casa de santo no município de Duque de Caxias, na Rua General Rondon, 360, onde atendia políticos, embaixadores, cônsules, o próprio Getúlio Vargas e a sogra de Juscelino Kubitschek, além de artistas como Ângela Maria, na época a “Rainha do Rádio”. Tudo isso fez com que passasse a frequentar a imprensa. Joãozinho era mesmo um vanguardista dentro de sua tradição religiosa, mas ele mesmo nunca falava de seus clientes. Eram seus filhos-de-santo que espalhavam essas notícias, orgulhosos de seu pai.
Depois de sua morte, seus assentamentos foram transferidos para uma nova Goméia, em Franco da Rocha, São Paulo, onde os ibás de seu Oxossi e de sua Iansã são cuidados e “alimentados”, e podem ser visitados pelos adeptos que fazem parte da família de santo.
Os Orixás e a diversidade sexual e de gênero
Muitos africanos tornaram-se intolerantes para com a homossexualidade e a transexualidade somente depois que religiões estrangeiras foram impostas sobre as culturas africanas. É fato que a invasão foi feita a duas mãos: de um lado a do estado europeu invasor e do outro a das igrejas aliadas e financiadas por esses mesmos Estados. Espanha, Portugal e França com a Igreja Católica; Holanda com a Igreja Reformada; Inglaterra com a Igreja Anglicana; e por aí vai.
Tradicionalmente, em muitas culturas africanas, homossexuais e transexuais eram reverenciados como espíritos dos deuses.
xangô
Xangô, o deus yorubá do trovão, era frequentemente descrito como um belo homem que se vestia como uma mulher e tinha seus cabelos trançados com acessórios femininos. Os sacerdotes de Xangô são todos homens, e ainda se vestem com aparatos femininos quando realizam rituais tradicionais.
Para o povo Yorubá, Oxumaré não é um orixá, mas sim um vodum, ou seja, uma entidade nascida antes mesmo da própria terra. Nos terreiros do Brasil, porém, vê-se Oxumaré muitas vezes cultuado como orixá. Ele é representado por uma serpente e um arco-íris no panteão yorubá. Oxumaré é visto como sendo diverso do gênero masculino ou como um ser transgênero, transexual. Oxumaré passa metade do ano como caçador e a outra metade como uma sereia, fazendo lembrar Logun-Edé, Ossaim e Erinlé – outros orixás que remetem à transgeneridade e à bissexualidade. (Nota: muito mais pode ser lido sobre esses orixás e a sexodiversidade e a transgeneridade em Queering Creolo Spiritual Traditions – uma amostra pode ser encontrada AQUIem inglês.).
É importante ressaltar que não existe qualquer relação entre “virar” num determinado orixá e ser gay, heterossexual, bissexual ou transgênero. O mais “heterossexual” dos orixás não transformará um gay em heterossexual assim como o mais “homossexual” dos orixás não transformará um heterossexual em gay. As pessoas são o que são. Entre os orixás, alguns eram exclusivamente heterossexuais. Outros, não. Exatamente como qualquer ser humano desde que esse bicho virou gente.
oxumaré
O que fica claro é que as religiões de matriz africana, já em seu nascedouro, têm razões para acolher e celebrar a sexodiversidade e a transgeneridade. Isso coloca essas religiões numa posição privilegiada se comparadas aos monoteísmos abraâmicos fundamentalmente machistas, homofóbicos e transfóbicos – só para citar três preconceitos inaceitáveis às mentes mais esclarecidas.
casamento gay e pai de santo
Enquanto, no Candomblé, mulheres (inclusive lésbicas), gays, bissexuais e transgêneros sempre foram bem-vindos nos terreiros e barracões, inclusive ocupando cargos elevados no sacerdócio, a Igreja Católica ainda discute, em pleno século 21, se mulheres podem atuar no ministério sacerdotal, se as pessoas LGBT podem ser ou não consideradas católicas plenas e aptas a formarem suas próprias famílias; muçulmanos continuam enforcando homens gays ou forçando-os à transexualização, como no caso do Irã; judeus ortodoxos não querem que as mulheres sequer rezem com os homens diante do Muro das Lamentações. E por aí vai. O movimento de inclusão da sexodiversidade e da transgeneridade nesses três monoteísmos é relativamente recente – datando do início da segunda metade do século 20 para cá. Isso contrasta fortemente com o Candomblé, em cujos terreiros já se via a presença de homossexuais atuantes desde 1870, conforme artigo do professor Jocélio Teles dos Santos, do Departamento de Antropologia/UFBA, intitulado Homossexualidade e candomblé.
ariadna candomblé
Isso não quer dizer que não haja gente preconceituosa dentro do Candomblé. Isso quer dizer que o panteão, as tradições orais e os rituais não produzem mecanismos institucionais de promoção do preconceito ou da discriminação por orientação sexual ou identidade de gênero. E nesse quesito, o Oscar de religião mais inclusiva desde a invasão portuguesa vai para o Candomblé. Sem contar que eles também têm a seu favor o fato de não conceberem a ideia de pecado. Em outras palavras, a ideia cristã de pecado não existe no Candomblé. Mas isso não significa que não exista um conceito onipresente de justiça na mentalidade candomblecista.
Claridalia
Mas nem tudo é só louvor. Ainda resta uma noção de que o sexo deve ser evitado durante a iniciação e as obrigações. Seria isso um resquício de moralismo católico? Provavelmente, uma vez que essa não parece ter sido uma preocupação na África ancestral.
Existe uma expressão usada pelo cultuadores dos orixás no Candomblé que é “corpo sujo”. Ela se refere ao corpo depois da relação sexual. Curioso, porque os orixás não têm nada contra o sexo. Ele faz parte da natureza e o orixá é natureza de acordo com as tradições africanas.
O que o Candomblé faz para purificar o corpo depois de uma relação sexual, antes que este entre em contato com o Orixá nos rituais, é prescrever um banho de erva (omim eró) e a abstinência de qualquer contato com o que pertence ao orixá de 12 a 24 horas. É considerado corpo limpo aquele que se absteve de sexo, bebidas e algumas outras coisas.
Uma experiência pessoal.
Conheci um rapaz que era filho de Oxalá. Ele era gay e nós ficamos juntos algumas vezes. Era muito bom estar com ele, mas havia um problema. Ele evitava sexo às sextas-feiras. A alegação era que esse era o dia do seu Orixá e ele precisava estar limpo. Não se tratava de alguma restrição a relações entre pessoas do mesmo sexo. O problema era preceito que ordenava a abstinência do ato sexual, fosse homo ou heterossexual, naquele dia da semana.
Ficamos algumas vezes em dias diferentes, mas houve uma ocasião em que a gente acabou se encontrando numa sexta-feira. Aquele foi o único dia em que o vi angustiado. Ele sabia que estava quebrando um preceito do orixá. Eu, sendo ateu, não sentia o menor remorso em aproveitar o que a vida me oferecia tão generosamente fosse qual fosse o dia. Mas, vê-lo angustiado acabou me sensibilizando.
O relacionamento durou muito, mas eu nunca esqueci essa experiência. Ele era um cara super do bem, mas não posso negar que mais uma vez pude reconhecer numa experiência cotidiana quão libertador pode ser viver livre de deuses, preceitos, rituais e outras coisas, sejam quais forem os deuses: Javé, Jesus, Alá, Oxalá, etc.
Contudo, preciso dizer que o Candomblé conta com muito mais respeito da minha parte, graças à sua abertura aos seres humanos exatamente como são. Se onde há igrejas fundamentalistas houvesse um terreiro de Candomblé e onde há um pastor televisivo houvesse um babalorixá ou uma iyalorixá, certamente NUNCA teríamos ouvido termos como “ex-gay”, “cura gay”, “pecado nefando”, “sodomia”, etc. Isso não é do feitio do Candomblé. Nunca foi e continua não sendo de seu feitio.
Crença em poções mágicas e problemas bem reais
albinos
Não podemos, por outro lado, ser ingênuos e pensar que tradições africanas são sempre tão belas e integradoras como o Candomblé no Brasil. Como exemplo do que a crença cega no sobrenatural pode fazer, cito o caso dos albinos da Tanzânia. Naquele país, alguns acreditam que poções feitas utilizando partes dos corpos dos albinos trariam sorte e riqueza. Isso tem gerado uma caçada a albinos, inclusive bebês, que são brutalmente assassinados para a preparação dessa poções. Em outras regiões, eles são cruelmente perseguidos para serem exterminados porque se acredita que os albinos sejam demoníacos e perigosos. Veja mais nessa matéria da BBC.
Resumo da ópera: em matéria de religião, nenhum povo está isento de seus próprios crimes em nome da crença. Se há pessoas que pensam não poder viver sem religião, sugiro que não colaborem para a manutenção de crenças que violem os direitos humanos dentro desses sistemas religiosos. Que trabalhem obstinadamente para que essas mesmas religiões sejam cada vez mais humanizadas, refletindo no seu dia a dia o mesmo “espírito” que se encontra na Declaração Universal dos Direitos Humanos. Só isso já resolveria a maior parte dos problemas que enfrentamos no planeta Terra e evitaria novas dores.
NOTA: Se não conseguir ver os posts anteriores nessa tela, clique em COLUNA DO VIULA na coluna da direita do vídeo, e desça a barra de rolagem até o post que deseja ler. Obrigado.
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* Sergio Viula foi pastor batista, é formado em filosofia, administrador do blog Fora do Armário www.foradoarmario.net, autor de Em Busca de Mim Mesmo, livro que fala sobre religião, sexualidade e ateísmo, é membro da Liga Humanista Secular do Brasil, e pode ser encontrado no Twitter em @SergioViula





A neurose cristã sobre a masturbação








Por Sergio Viula

Originalmente publicado no foradoarmario.net

masturbação
Por Sergio Viula
Todo domingo (dia do Senhor ^^), a Coluna do Viula traz algum tema com viés no campo da sexualidade, geralmente na sexodiversidade, mas enfocando alguma questão religiosa. No artigo de hoje, quero discorrer sobre a masturbação, a popularmente chamada punheta. Sei que punheta reporta logo ao estímulo do pênis, mas não deixarei de falar sobre a masturbação feminina – a famosa siririca. Há, porém, distinções a serem feitas aqui que vão além da glande e do clitóris.
Vejam bem, a Igreja Católica Romana (ICAR) condena a masturbação veementemente. É ensino oficial da ICAR em seu catecismo. A publicação pode ser encontrada em página oficial do Vaticano. Cito o trecho:
2352. Por masturbação entende-se a excitação voluntária dos órgão genitais, para daí retirar um prazer venéreo. «Na linha duma tradição constante, tanto o Magistério da Igreja como o sentido moral dos fiéis têm afirmado sem hesitação que a masturbação é um acto intrínseca e gravemente desordenado». «Seja qual for o motivo, o uso deliberado da faculdade sexual fora das normais relações conjugais contradiz a finalidade da mesma». O prazer sexual é ali procurado fora da «relação sexual requerida pela ordem moral, que é aquela que realiza, no contexto dum amor verdadeiro, o sentido integral da doação mútua e da procriação humana» (101).
Para formar um juízo justo sobre a responsabilidade moral dos sujeitos, e para orientar a acção pastoral, deverá ter-se em conta a imaturidade afectiva, a força de hábitos contraídos, o estado de angústia e outros factores psíquicos ou sociais que podem atenuar, ou até reduzir ao mínimo, a culpabilidade moral.
E na seção “Resumindo“, eles colocam explicitamente:
  1. Entre os pecados gravemente contrários à castidade, devem citar-se: a masturbação, a fornicação, a pornografia e as práticas homossexuais.
VEJAMOS A ORIGEM DESSE ENSINO
Afinal, de onde vem essa ideia que masturbação seja pecado? A origem desse erro interpretativo está na história de Onã, conforme registrada em Gênesis (sempre o Gênesis!!!), capítulo 38. Transcrevo a passagem abaixo e faço comentários entre colchetes para diferenciar o que diz o livro sagrado dos judeus, cristãos e muçulmanos – todos eles o reconhecem como divinamente inspirado – e o que eu tenho a dizer sobre cada versículo.

Gênesis 38

 1 E aconteceu no mesmo tempo que Judá desceu de entre seus irmãos e entrou na casa de um homem de Adulão, cujo nome era Hira,
2 E viu Judá ali a filha de um homem cananeu, cujo nome era Sua; e tomou-a por mulher, e a possuiu.
[Momento piada: uma mulher com nome de Sua pode ser de qualquer um, não acham? Agora, falando sério: Judá era filho de Jacó e ascendente de Jesus, segundo o relato dos evangelho, mas vejam que ele toma uma mulher cananaeia – coisa que viria a ser proibida por Moisés mais tarde. Dá-lhe xenofobia dos infernos!]
E ela concebeu e deu à luz um filho, e chamou-lhe Er.
E tornou a conceber e deu à luz um filho, e chamou-lhe Onã.
[Prestem muita atenção ao nome desse sujeito, porque é de Onã que vem o termo onanismo que a Igreja medieval usou exaustivamente para se referir a qualquer prática sexual que não fosse pênis na vagina com a intenção de procriar – a pergunta que não quer calar: e as mulheres estéreis ou os homens estéreis? E as mulheres em menopausa? E os homens em andropausa? Teoricamente, sexo para eles estaria vedado pelo ensino de que só vale para reprodução, mas são bilhões de pessoas hoje!!!]
5 E continuou ainda e deu à luz um filho, e chamou-lhe Selá; e Judá estava em Quezibe, quando ela o deu à luz.
6 Judá, pois, tomou uma mulher para Er, o seu primogênito, e o seu nome era Tamar.
[Prestem atenção a essa Tamar que não tem nada a ver com o belíssimo projeto de proteção às tartarugas no Brasil. Ela vai desempenhar um papel fundamental nesse enredo.]
7 Er, porém, o primogênito de Judá, era mau aos olhos do Senhor, por isso o Senhor o matou.
[O deus do Velho Testamento, pai de Jesus, sempre vingativo, destrutivo, intolerante. Com ele, era bem ao estilo Malafaia: escreveu, não leu, o pau comeu… Ui!]
8 Então disse Judá a Onã: Toma a mulher do teu irmão, e casa-te com ela, e suscita descendência a teu irmão.
[Como Er não teve filhos com Tamar, esse costume, que mais tarde foi legitimado por Moisés como Lei do Levirato, obrigava o irmão mais próximo do primogênito, cronologicamente, a fazer sexo com a viúva do irmão (a cunhada!!!) para gerar um filho que levasse o nome do falecido, porque as riquezas da família, a manutenção do nome do defunto e até a divisão de terras dependia disso. Eis aí o germe do casamento. Não mudou tanto de lá para cá. A família patriarcal ainda está aí, mesmo que seja no imaginário das massas.]
9 Onã, porém, soube que esta descendência não havia de ser para ele; e aconteceu que, quando possuía a mulher de seu irmão, derramava o sêmen na terra, para não dar descendência a seu irmão.
[Onã estava gostando de dar essa trepadinha com a cunhada. Fazia o conhecido “coito interrompido”, ou seja, não ejaculava dentro dela. Assim, ele poderia continuar “tentando” suscitar descendência a seu irmão – o que,  na verdade, era tudo o que ele queria evitar. Aqui, ele tinha dois ganhos: menos gente com quem dividir a herança paterna e uma vagina disponível sob as bênçãos do patriarcado machista que via a mulher sempre como um meio, nunca como um fim em si mesma.]
10 E o que fazia era mau aos olhos do Senhor, pelo que também o matou.
[Jeová mata de novo. Mata mais do que jihadistas em campanha terrorista. Foi ele quem deixou Tamar viúva, porque matou seu marido, e agora acaba com a alegria de Onã porque ele deu uma de “espertinho pra cima de moi“. Como Judá ainda tinha outro filho, este seria a bola da vez nessa obstinada tentativa de garantir descendência ao primeiro filho, o tal do Er.]
11 Então disse Judá a Tamar sua nora: Fica-te viúva na casa de teu pai, até que Selá, meu filho, seja grande. Porquanto disse: Para que porventura não morra também este, como seus irmãos. Assim se foi Tamar e ficou na casa de seu pai.
[Pelo jeito, Tamar já estava ganhando o apelido de viúva negrao. Na visão de Judá, ela já tinha matado dois. Judá não queria que o terceiro também morresse. Tamar teve que passar a humilhação de ser “devolvida” ao pai, sim, porque casamento era um negócio entre homens – primeiro os pais, mas na falta do pai, o irmão mais velho, e na falta de irmão, um tio. A mulher era apenas a mercadoria negociada. Só que Judá, assim como Onã, estava apenas enrolando a pobre coitada (coitada várias vezes sem sucesso, porque para esses homens e mulheres primitivos, sucesso era conceber, gerar e parir.]
12  Passando-se pois muitos dias, morreu a filha de Sua, mulher de Judá; e depois de consolado Judá subiu aos tosquiadores das suas ovelhas em Timna, ele e Hira, seu amigo, o adulamita.
[Acontece que Judá ficou viúvo também, fez o luto, mas não estava broxa. Vejam o que acontece em seguida.]
13 E deram aviso a Tamar, dizendo: Eis que o teu sogro sobe a Timna, a tosquiar as suas ovelhas.
[Sempre tem um fofoqueiro ou fofoqueira para dar teu paradeiro. E olha que nem tinha Whatsapp para ficar seguindo os outros e pentelhando o tempo todo. Tamar ficou sabendo rapidinho como encontrar aquele cabra velho sem palavra.]
14 Então ela tirou de sobre si os vestidos da sua viuvez e cobriu-se com o véu, e envolveu-se, e assentou-se à entrada das duas fontes que estão no caminho de Timna, porque via que Selá já era grande, e ela não lhe fora dada por mulher.
[Observem que Tamar continuou viúva e solitária esse tempo todo, porque ela não podia se casar de novo, enquanto não desse descendente ao defunto e, quiçá, nem mesmo depois. Por isso, ela não viu alternativa, senão armar uma estratégia para pegar esse trapaceiro do sogro dela que não lhe deu o filho mais novo como macho por algumas noites até que ela finalmente fosse galada como se fosse um animal reprodutor. E por que, em nome de todos do deus inexistente, ela fazia questão de ser galada e reproduzir? Porque não havia nenhum sistema do qual a viúva pudesse tirar sustento. Se ela não tivesse filhos que herdassem o que era da família do sogro e sustentassem a mãe na velhice, ela estaria lascada. Só tinha duas opções para essas mulheres: prostituição, que não é lucrativa quando se é velha, e mendicância.]
15 E vendo-a Judá, teve-a por uma prostituta, porque ela tinha coberto o seu rosto.
[Não contem às muçulmanas nem às beatas católicas nem às irmãs da Igreja da Restauração ou da Congregação Cristã do Brasil que cobrir o rosto no tempo de Judá, no “sacratíssimo” livro  de Gênesis era o mesmo que se apresentar como prostituta… Ai, as santarronas de hoje – prefiro nem comentar…]
16 E dirigiu-se a ela no caminho, e disse: Vem, peço-te, deixa-me possuir-te. Porquanto não sabia que era sua nora. E ela disse: Que darás, para que possuas a mim?
[Jacó estava dizendo literalmente o seguinte: Deixa eu te comer. Só que ele não sabia que se tratava de Tamar, sua própria nora. Observe que ela cobrira o rosto. Para poder manter a farsa e pegar Judá em sua própria astúcia, a nora-disfarçada-de-prostituta quis acertar o preço primeiro. Fez bem: isso aqui não é sopão da Legião da Boa Vontade para comer de graça, não, minha gente!]
17 E ele disse: Eu te enviarei um cabrito do rebanho. E ela disse: Dar-me-ás penhor até que o envies?
[Vejam que Jacó pagou bem. A nora devia ser um piteco e ele devia estar louco de tesão sem mulher por tanto tempo. Um cabrito não era pouca coisa, não. De qualquer modo, ele era rico e isso não lhe pesava nada. Tamar pediu um penhor – uma garantia, porque se ele não mandasse o pagamento, ela poderia cobrar-lhe o cachê sem ser considerada uma caluniadora. Só que isso era parte do truque.]
18 Então ele disse: Que penhor é que te darei? E ela disse: O teu selo, e o teu cordão, e o cajado que está em tua mão. O que ele lhe deu, e possuiu-a, e ela concebeu dele.
[Jacó não sabia o que deixar: carteira de identidade ainda não existia; vale-transporte também não. Então, ela pediu seu selo (era como se assinava documentos na época), o cordão (provavelmente o que circundava a cintura) e o cajado (objeto usado por pastores de rebanho, como era o caso de Judá, que estava ali para fazer negócios no ramo da pecuária). Acertado o preço e o penhor, ela deu a perseguida para o velho-na-seca. Resultado: Tamar concebeu! Eita, velhinho fértil da peste, Sô! Foi uma só e pimba!]
19 E ela se levantou, e se foi e tirou de sobre si o seu véu, e vestiu os vestidos da sua viuvez.
[Tamar retomou sua vida normalmente, sem dizer qualquer coisa sobre o ocorrido a qualquer outra pessoa.]
20 E Judá enviou o cabrito por mão do seu amigo, o adulamita, para tomar o penhor da mão da mulher; porém não a achou.
[Judá foi honesto nesse ponto. Quis pagar mesmo e enviou o tal cabrito. Porém, Tamar já tinha se mandado para  casa de seu pai. Os objetos de Judá, porém, continuavam com ela.]
21 E perguntou aos homens daquele lugar dizendo: Onde está a prostituta que estava no caminho junto às duas fontes? E disseram: Aqui não esteve prostituta alguma.
22 E tornou-se a Judá e disse: Não a achei; e também disseram os homens daquele lugar: Aqui não esteve prostituta.
23 Então disse Judá: Deixa-a ficar com o penhor, para que porventura não caiamos em desprezo; eis que tenho enviado este cabrito; mas tu não a achaste.
[Veja a preocupação de Judá em não ser desprezado por dar calote numa prostituta. A rapaziada que frequenta os bordéis e outras zonas de meretrício devia aprender com Judá – está uma boa lição moral: pague o que deve, inclusive quando for a uma ou a um profissional do sexo. Claro, michês, included.]
24 E aconteceu que, quase três meses depois, deram aviso a Judá, dizendo: Tamar, tua nora, adulterou, e eis que está grávida do adultério. Então disse Judá: Tirai-a fora para que seja queimada.
[Tamar carregava o filho de Judá, mas ele não sabia que ia ser papai… Ai, que fofo! #soquenão. E por isso, não hesitou em condena-la à morte na fogueira. Parece até a Igreja Católica na Idade Média, não parece? Mas foi ele mesmo quem primeiro mentiu para ela prometendo o terceiro filho sem ter a menor intenção de cumprir sua promessa. Perjúrio!]
25 E tirando-a fora, ela mandou dizer a seu sogro: Do homem de quem são estas coisas eu concebi. E ela disse mais: Conhece, peço-te, de quem é este selo, e este cordão, e este cajado.
[Tamar poderia ter dito “não contavam com a minha astúcia”, mas ela nunca assistiu a um episódio sequer do pastelão mexicano. Então, ela simplesmente apresentou os objetos de Judá – o tal penhor pelo serviço de prostituta – e colocou Judá numa tremenda saia justa na frente de todos os moralistas de plantão, provavelmente tão hipócritas como o velhaco do sogro dela.]
26 E conheceu-os Judá e disse: Mais justa é ela do que eu, porquanto não a tenho dado a Selá meu filho. E nunca mais a conheceu.
[Judá parece muito humilde agora, mas a questão é: por que queriam queimar a mulher por adultério, mas nem chegaram a questionar o envolvimento do próprio Judá com uma suposta prostituta em sua viagem de negócios? Judá reconheceu que mentiu para Tamar e o caso se encerrou sem mais perdas de vidas.]
27 E aconteceu ao tempo de dar à luz que havia gêmeos em seu ventre;
[Gente, o cabra velho do Judá não fez só um, não – fez dois! Quem precisa de pílula azul quando tem Jeová a seu lado nas alcovas do meretrício, não é mesmo?]

AGORA QUAL É A MORAL DA HISTÓRIA?
A ICAR e suas filhas (sim, porque todas as igrejas protestantes e mesmo a igreja ortodoxa são filhas de igreja romana) condenam a masturbação com base no coito interrompido praticado por Onã. Mas o que tem  uma coisa a ver com a outra, afinal de contas? Nada! Segundo o relato bíblico, ele foi punido por se recusar a gerar descendente que fosse nomeado como filho de seu falecido irmão mais velho. Não foi o lançamento do sêmen no chão que gerou a polêmica! Foi a não-fecundação por motivos egoístas, muito provavelmente econômicos.
A ICAR e suas filhas assumem o pressuposto de que sêmen desperdiçado é pecado, porque os judeus antigos também acreditavam que havia um ser humano no sêmen apenas esperando para ser depositado no vaso feminino. A mulher era apenas o vaso onde ele era depositado para crescer e ser parido. Por isso, o crédito era do homem quando dava certo e da mulher quando dava errado: ela não foi um bom vaso para a excelente semente dele. Eles não tinham a menor ideia de espermatozoides, óvulos, cromossomos do pai e cromossomos da mãe. É uma estupidez falar contra a masturbação ou evita-la por causa disso.
Na verdade, a masturbação é um excelente meio de descarregar a energia sexual, especialmente para quem ainda é solteiro, mas mesmo para os casados, ela tem seus encantos e nunca deve ser completamente abolida. Pode ser praticada sozinho(a), a dois, e até em grupo (socializa, minha gente!). No casamento monogâmico, tem cônjuge que se diverte com trocando esses favorzinhos na cama.
Vale recordar que muitos povos antigos (alguns ainda existentes) praticavam a masturbação coletiva como forma de iniciação sexual e como ritual para garantir a fertilidade do solo e dos animais. Isso quer dizer que a masturbação que os monoteísmos condenaram, muitos animistas e politeístas celebraram ritualisticamente.
Mas, veja bem: se o problema das igrejas é com o desperdício de sêmen, está liberada a siririca!!! Afinal, a masturbação feminina não desperdiça sêmen. Não desperdiça nada! É só lucro. hehehehe
Aliás, é por isso que a ICAR sempre foi muito mais obcecada pelo combate às relações homossexuais masculinas do que as femininas. O motivo? SÊMEN!!!! Eles sempre se preocuparam com o sêmen que dois homens desperdiçam. Falam claramente sobre “vaso feminino” e “vaso masculino” quando discutem o que eles adoravam chamar de sodomia. O homem usando o vaso feminino = natural. O homem usando o vaso masculino = contra a natureza. Ai, que cansaço que dá isso…Fiscais do fiofó, empata-fodas de robe e crucifixo.
Fecho com um conselho absolutamente fundamental para sua saúde mental: Masturbe-se! Conheça seu corpo. Usufrua do prazer solitário sem ficar exclusivamente com essa gratificação maravilhosa. Afinal, existem prazeres no corpo alheio que não se encontram no meu e vice-versa. Masturbe-se pensando no objeto do seu prazer, sim, seja ele um homem, uma mulher ou os dois. Na verdade, você nem precisa de estímulos visuais. Os cegos de nascença se masturbam e nunca viram peito, bunda, pênis ou vagina. Agora, se você curte o visual, não faltam opções na internet, nas bancas de jornais, nos DVDs, etc.
Um lembrete importante aqui: se você é menor de idade, não acesse sites que não sejam para a sua faixa etária. Já o seu pênis ou a sua vagina é patrimônio seu. Explore-o(a) sem medo de ser feliz.
Outro lembrete importante: o prazer e a segurança não são autoexcludentes. Transe sempre com camisinha, independentemente do seu estado sorológico. Tudo na vida pode gerar problemas: comida, água, ar, solo. Sexo não é diferente. Por outro lado, tudo pode gerar prazer: a boa comida, a água pura, o solo sem produtos tóxicos ou microorganismos nocivos ao ser humano, e o sexo com camisinha. Temos uma vantagem que muitas gerações antes de nós não tiveram: a evolução do preservativo (o que é e como usar – vídeo). Hoje, ele é resistente, variado em tamanhos e texturas, além dos inúmeros lubrificantes compatíveis que existem em qualquer farmácia. E quem não tem grana pode solicita-los em qualquer posto de saúde gratuitamente. Leva na hora.  Quem perde com isso? Esses vírus, bactérias, fungos e parasitas que obstinadamente querem invadir nossos lindos corpinhos nessa eterna luta pela sobrevivência. E eles vêm de todos os lados – sexo não é exclusividade. Então, camisinha neles! E se você for desses/dessas que adoram transar com gente de sexo diferente do seu, você vai voltar para casa sem o medo de ter sido premiado com uma gravidez não planeja – prejuízo para os dois envolvidos, mas para a mulher ainda mais, porque é ela que carrega o “brinde” por nove meses, sente as dores do parto, do resguardo e muitas vezes ainda tem que correr atrás de painhopara garantir o reconhecimento da paternidade da criança que nunca foi consultada sobre a possibilidade de ser fecundada naquela transa irresponsável que os dois tiveram. Mas, mainhatambém tem a opção do preservativo feminino. Nunca viu como é ou como se usa. Tutorial com uma boneca aqui (vídeo).
Aliás, essa é outra dívida que a ICAR e muitas de suas filhas acumulam com a sociedade: elas fazem o caminho inverso ao da racionalidade (de novo!!!) e promovem campanhas contra a camisinha e o sexo entre pessoas em mútuo consentimento se não for dentro do mundinho falsamente arrumadinho do casamento e da família patriarcal.
Resumo da ópera: O vigor sexual e os prazeres que dele advém não duram para sempre – exatamente como tudo mais na vida. Aproveite enquanto pode! Eles estão bem ao alcance da sua mão. E não tem igreja, doutrina ou humano-pentelho que possa impedir o seu desfrute, a menos que você se submeta a esses “cintos de castidade virtuais” mas nada virtuosos. Tomara que não.
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* Sergio Viula foi pastor batista, é formado em filosofia, administrador do blog Fora do Armário www.foradoarmario.net, autor de Em Busca de Mim Mesmo, livro que fala sobre religião, sexualidade e ateísmo, é membro da Liga Humanista Secular do Brasil, e pode ser encontrado no Twitter em @SergioViula




O que a xenofobia judaica tem a ver com a homofobia dos três principais monoteísmos?




Por Sergio Viula
Originalmente publicado no AASA
moisés bezerro de ouro

Com vistas a criar e manter uma identidade nacional, os judeus recorreram ao conceito de raça eleita. Entretanto, a simples ideia de que Jeová teria escolhido Abraão, seu filho Isaque e seu neto Jacó para darem origem a um povo separado – significado primordial da palavra santo – já colocava o povo judeu em contraposição a todo e qualquer povo que não fosse judeu, obviamente.
Porque és povo santo ao Senhor teu Deus; e o Senhor te escolheu, de todos os povos que há sobre a face da terra, para lhe seres o seu próprio povo.Deuteronômio 14:2
O desprezo pelo não judeu, ou seja, o gentio, aquele que é de outras gentes da terra, fica claro quando Jeová proíbe que os judeus comam animal que morra espontaneamente, mas permite que os judeus o sirvam como alimento ao estrangeiro ou o vendam a este:
Não comereis nenhum animal morto; ao estrangeiro, que está dentro das tuas portas, o darás a comer, ou o venderás ao estranho, porquanto és povo santo ao Senhor teu Deus. (…) Deuteronômio 14:21
A preocupação dos escritores bíblicos era sempre a de que os judeus agissem de modo diferente, não necessariamente melhor, que os povos ao seu redor. De fato, muitas leis judaicas eram extremamente cruéis e tendenciosas. Mas, Moisés e a classe sacerdotal fazia questão que seus súditos fossem fiéis aos estatutos de Jeová, afinal essa era a garantia de que suas despensas estariam sempre cheias e prole alimentada, uma vez que eles comiam das oferendas feitas no tabernáculo e, mais adiante, no templo de Salomão. O trabalho dos sacerdotes e seus assistentes era intermediar os sacrifícios. E no caso de ofertas pacíficas, ou seja, que não fossem holocaustos, eles ganhavam uma parte. O grifo é meu:
Falou mais o Senhor a Moisés, dizendo: Fala aos filhos de Israel, dizendo: Quem oferecer ao Senhor o seu sacrifício pacífico, trará a sua oferta ao Senhor do seu sacrifício pacífico.
As suas próprias mãos trarão as ofertas queimadas do Senhor; a gordura do peito com o peito trará para movê-lo por oferta movida perante o Senhor. E o sacerdote queimará a gordura sobre o altar,porém o peito será de Arão e de seus filhos. 
Levítico 7:28-31
Sobre a exigência de que os judeus mantivessem hábitos e costumes diferentes dos povos ao redor, Moisés diz o seguinte:
Não fareis segundo as obras da terra do Egito, em que habitastes, nem fareis segundo as obras da terra de Canaã, para a qual vos levo, nem andareis nos seus estatutos. Levítico 18:3
Israel, nome que um anjo supostamente teria dado a Jacó – afinal, era melhor ser chamado de “aquele que luta com Deus e prevalece” (Israel) do que “suplantador”, “usurpador” (Jacó) – veio a ser o nome do povo exclusivo de Deus; exclusividade da qual só os judeus se gabavam. Agora, imagine um povo supostamente santo, ou seja, separado dos demais para a glória de Jeová, cujo nome, cada vez que fosse mencionado, trouxesse à mente a ideia de quem tenta “furar fila”, “passar à frente”, “tomar o lugar de outro”. Não admira que tenham inventado essa história de Jacó lutando com anjo.
Então disse: Não te chamarás mais Jacó, mas Israel; pois como príncipe lutaste com Deus e com os homens, e prevaleceste. Gênesis 32:28
Foi essa mentalidade separatista, um verdadeiro apartheidinternacional e inter-racial, de outros povos que gerou uma moral exterminadora das diferenças na teoria e na práxis judaica. Até, porque Israel não tinha território. As terras que eles estavam para invadir e usurpar (ah, Jacó!) eram de outros povos, instalados ali havia séculos. Vejamos o caso emblemático dos midianitas. Vejam que nenhum daqueles homens sobrou:
E pelejaram contra os midianitas, como o Senhor ordenara a Moisés; e mataram a todos os homens. Números 31:7
Só teve um problema: Os guerreiros de Israel pouparam as mulheres e as crianças. Moisés e o sacerdote Eleazar reprovaram esse ato de “misericórdia”, que não era tão bondoso assim. Na verdade, o interesse era de ordem sexual e escravagista. Mas, de novo, o temor de Moisés e do sacerdote Eleazar era que as mulheres ensinassem os filhos e as filhas de Israel a viverem como os filhos e as filhas de Midiã. Então, a ordem de Moisés foi clara:
Agora, pois, matai todo o homem entre as crianças, e matai toda a mulher que conheceu algum homem, deitando-se com ele. Porém, todas as meninas que não conheceram algum homem, deitando-se com ele, deixai-as viver para vós. Números 31:17-18
Esse “deixai-as viver para vós” significava literalmente que os homens de Israel poderiam desvirginar as meninas midianitas. Será que isso parece humanista o suficiente para você? Bem, não deveria.
O mais irônico é que o próprio Moisés, quando fugia do Egito, casou-se com Zípora, uma mulher midianita, filha de um sacerdote de Midiã chamado Reuel. Nem isso demoveria o sanguinário Moisés de praticar tanta violência contra o povo de sua própria esposa e de seu sogro, a quem ele devia a vida, pois foi ele quem o acolhera no meio do deserto quando fugia do Egito depois de matar um egípcio que maltratava um hebreu. Ah, e só para constar, seu primeiro filho, Gérson, também nasceu na terra de Midiã. (Êxodo 2:1-25)
Esse ato de poupar as virgens para uso próprio colaborou para fortalecer a ideia de que virgindade é símbolo de pureza. Se elas são consideradas mais puras porque são virgens, então, a abstinência sexual é uma forma de santidade. Não demora muito e logo se deriva daí que o ato sexual deve ser praticado dentro de limites muito rígidos e claramente estabelecidos pela lei mosaica. Mas outros aspectos da vida dos judeus não deixavam de ser afetados pela ascese javista: a dieta, a indumentária, a higiene pessoal, a quem a mãe deu à luz – menino ou menina. Sim, porque até isso entrava na lista de impurezas.
Aqui está o que diz Levítico 12:2-8. As partes em colchetes são comentários meus.
Fala aos filhos de Israel, dizendo: Se uma mulher conceber e der à luz um menino, será imunda sete dias, assim como nos dias da separação da sua enfermidade, será imunda.
E no dia oitavo se circuncidará ao menino a carne do seu prepúcio.
[Entenda-se por “dias da separação da sua enfermidade” os dias do seu ciclo menstrual. Vejam que a menstruação era considerada uma terrível impureza e o parto também. Maria fez cumpriu todas essas exigências quando teve Jesus. Era ela imunda? A Igreja Católica diz que ela era virgem antes do parto, permanecendo virgem depois dele – imaculada, ou seja, sem mancha, impureza ou pecado. Contudo, ela seguiu esse procedimento com relação a si mesma e ao menino Jesus, ispis letteris. E agora, José?]
Depois ficará ela trinta e três dias no sangue da sua purificação; nenhuma coisa santa tocará e não entrará no santuário até que se cumpram os dias da sua purificação.
[Mulher em resguardo, assim como a menstruada, não participava de culto, nada de missa, nada de igreja. Você conhece alguma que siga isso hoje? Obviamente, não. Quando ficam em casa, fazem-no por conveniência, não por ascese.]
Mas, se der à luz uma menina será imunda duas semanas, como na sua separação; depois ficará sessenta e seis dias no sangue da sua purificação.
[Ou seja, se a infeliz da parturiente tivesse um filho macho, ficava imunda metade do tempo: uma semana. Mas se tivesse uma fêmea, ficava imunda por duas semanas. As meninas já nasciam rotuladas como sendo um fardo maior que os meninos.]
E, quando forem cumpridos os dias da sua purificação por filho ou por filha, trará um cordeiro de um ano por holocausto, e um pombinho ou uma rola para expiação do pecado, diante da porta da tenda da congregação, ao sacerdote.
[A rola é o pássaro, hein, gente! Não tem nada a ver com a rola do marido. Piadinhas à parte, esses animais eram sacrificados de modo muito semelhante aos costumes de vários povos ao redor, inclusive os africanos que sacrificam aos Orixás. Nisso, Jeová não era tão diferente dos demais Deuses, mas a oferta tinha que ser feita no tabernáculo – em qualquer outro lugar seria abominação – e realizada por um sacerdote da família de Arão, irmão de Moisés, de acordo com as prescrições para esses holocaustos no Levítico. No final das contas, muito furdunço para nada!]
O qual o oferecerá perante o Senhor, e por ela fará propiciação; e será limpa do fluxo do seu sangue; esta é a lei da que der à luz menino ou menina.
[A mulher só se tornava limpa de novo depois desse sacrifício de sangue. Cada vez que uma judia paria, vários animais morriam. O que tem o Flu com as valsas? kkk]
Mas, se em sua mão não houver recursos para um cordeiro, então tomará duas rolas, ou dois pombinhos, um para o holocausto e outro para a propiciação do pecado; assim o sacerdote por ela fará expiação, e será limpa.
[Como Maria e José eram pobres, foi exatamente essa oferta que eles fizeram, como se vê em Lucas 2:21-24: “E, quando os oito dias foram cumpridos, para circuncidar o menino, foi-lhe dado o nome de Jesus, que pelo anjo lhe fora posto antes de ser concebido. E, cumprindo-se os dias da purificação dela, segundo a lei de Moisés, o levaram a Jerusalém, para o apresentarem ao Senhor (Segundo o que está escrito na lei do Senhor: Todo o macho primogênito será consagrado ao Senhor); e para darem a oferta segundo o disposto na lei do Senhor: Um par de rolas ou dois pombinhos.” ]
Na tentativa de separar Israel dos outros povos e seus costumes, Moisés chamou de abominação coisas tão díspares quanto comida e sexo, principalmente porque os costumes desses povos estavam geralmente associados ao culto a outros Deuses – e cultuar outros Deuses significava prestar obediência a outros sacerdotes, videntes, oráculos que não os da tribo de Levi, que não por coincidência era justamente a tribo de Moisés, Arão e Miriã – todos filhos de Joquebede, como dizem os livros de Êxodo 6:26 e de Números:
E o nome da mulher de Anrão era Joquebede, filha de Levi, a qual nasceu a Levi no Egito; e de Anrão ela teve Arão, e Moisés, e Miriã, irmã deles.Números 26:59
Vejamos alguns exemplos de abominação segundo a lei mosaica:
Todo o inseto que voa, que anda sobre quatro pés, será para vós uma abominação. Levítico 11:20
[Mas, espere um momento: não existem insetos de quatro patas. Moisés precisava ter prestado mais atenção às aulas de biologia. Pior que ele repetiu isso três versículos adiante, em Levítico 11:23]
Todo o [peixe] que não tem barbatanas ou escamas, nas águas, será para vós abominaçãoLevítico 11:12
[Filé de cação é abominação, hein, galera!]
Mas todo o que não tem barbatanas, nem escamas, nos mares e nos rios, todo o réptil das águas, e todo o ser vivente que há nas águas, estes serão para vós abominação. Levítico 11:10
[Casquinha de siri, risoto de camarão, moqueca de arraia, entre outras iguarias deliciosas da culinária brasileira, são abominações. Povo capixaba, baiano, carioca, cearense está todo perdido. Amazonense, paraense e outros povos que vivem perto de grandes rios e no pantanal estão lascados, porque o que eles já comeram de peixe sem escama na vida não está no gibi –tudo abominação!]
Também todo o réptil, que se arrasta sobre a terra, será abominação; não se comeráLevítico 11:41
[Quem já comeu cobra está roubado.]
Não sacrificarás ao SENHOR teu Deus, boi ou gado miúdo em que haja defeito ou alguma coisa má; pois abominação é ao SENHOR teu Deus.Deuteronômio 17:1
[Boi manco, bode cego, só para citar dois exemplos, eram abominação, mas não foi Deus quem os fez assim? Vai entender…]
As imagens de escultura de seus deuses queimarás a fogo; a prata e o ouro que estão sobre elas não cobiçarás, nem os tomarás para ti, para que não te enlaces neles; pois abominação é ao Senhor teu Deus.Deuteronômio 7:25
[Ah, os bons católicos espanhóis que se apoderaram do ouro, da prata e das pedras preciosas que compunham as esculturas de deuses astecas, maias e incas! Eles não imaginavam que até esses metais e pedras preciosas eram abominação. E tem muito desse ouro nas próprias igrejas da Santa Madre, inclusive no Vaticano.]
Quando também um homem se deitar com outro homem, como com mulher, ambos fizeram abominação; certamente morrerão; o seu sangue será sobre eles. Levítico 20:13
[Ah, observem que a palavra abominação que os crentes de hoje tanto gostam de atribuir às relações homossexuais era a mesma usada se referir ao camarão, ao siri e à arraia? Detalhe: Vejam que não há menção às mulheres que se deitam com outras mulheres como se fossem homens. A questão primordial aqui era a homoafetividade (termo que eles desconheciam completamente). A questão era de outra ordem: a preocupação era com o “desperdício” de sêmen. Sobre isso, recomendo a leitura de uma post meu no Blog Fora do Armário.]
Não trarás o salário da prostituta nem preço de um sodomita à casa do Senhor teu Deus por qualquer voto; porque ambos são igualmente abominação ao Senhor teu Deus. Deuteronômio 23:18
[Aqui a prostituta e o sodomita são postos juntos, porque a única noção que os judeus tinham das relações entre homens era a da prostituição motivada por interesses econômicos ou prostituição ritual, inclusive masculina, durante os cultos aos Deuses da fertilidade. De novo, Jeová não admite concorrentes.]
Nem te deitarás com um animal, para te contaminares com ele; nem a mulher se porá perante um animal, para ajuntar-se com ele; confusãoé. Levítico 18:23
[Auto láááá! A palavra para o sexo com animais é simplesmente confusão. O quêêêê??? Vejam o meu grifo lá. Quer dizer que oferecer um bezerro manco é abominação, mas trepar com ele é só confusão?? E tem gente que leva a sério essa joça?]
Bem, voltando à premissa básica desse artigo, tudo o que Israel fez para se diferenciar de outros povos poderia ser considerado hoje como tendo sido motivado por xenofobia. Não foi mero etnocentrismo, porque não se trata apenas de julgar outras culturas a partir da sua, o que já é suficientemente problemático, mas de exterminar todo modo de viver que não se encaixe na paranoia mosaica.
O cristianismo e o islamismo, crias não desejadas do judaísmo, têm seguido essa mesma linha no que diz respeito à sexualidade, especialmente à homossexualidade. Felizmente, percebendo a insensatez das interpretações literais desses textos, com aplicações diretas sobre os direitos civis de lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros (LGBT), muitos rabinos têm tomado uma posição pró-casamento igualitário. Transcrevo abaixo um texto que eu considero muito interessante para essa discussão. O artigo é de autoria de Ivan Paulo Salgado sobre isso, postado no site deconchinha:
A ação menos controversa e mais comum tomada pelos reconstrucionistas, conservadores, e os reformistas é apoiar a igualdade civil para gays e lésbicas. O CCAR, Conselho Rabínico Reformista, a partir 1977, passou a descriminalizar o sexo homossexual e acabou com toda a discriminação baseada na orientação sexual.
Mas como contornar a proibição aparentemente inequívoca bíblica contra a homossexualidade? Muitos que procuram estabelecer plenos direitos religiosos para gays e lésbicas apontam a natureza involuntária da homossexualidade. Os halakhic (legalistas) acreditam que como a homossexualidade se refere a alguém que, embora ordenado a fazer algo, realmente não consiga obedecer. Como no judaísmo, só se pode responsabilizar uma pessoa quanto a suas obrigações religiosas se ela pode livremente optar por cumprir. Assim, algumas autoridades judaicas argumentam que a homossexualidade não é escolhida, assim não pode ser proibida.
Na verdade, o movimento da Reforma do Judaísmo não condena o sexo homossexual, e as pessoas abertamente homossexuais são elegíveis para admissão em escolas rabínicas. Além disso, o movimento de Reforma aprova cerimônias rabínicas de casamentos entre pessoas do mesmo sexo. No entanto, eles não consideram o casamento homossexual como equivalente ao casamento heterossexual. Considerando que o casamento heterossexual é referido como Kiddushin (palavra hebraica para santo). Mesmo assim há rabinos que aplicam este termo para relações homossexuais.
Daniel Siegel, o diretor da escola rabínica ALEPH argumenta que Aliança para a Renovação Judaica, aprovou o casamento homossexual especificamente porque que a santidade não deve ser limitada apenas a certas pessoas e a determinadas relações. No Judaísmo reconstrucionista, o casamento homossexual é considerado um valor religioso. Usando esse princípio como ponto de partida, Rebecca Alpert argumentou que a recusa do governo israelense em reconhecer o casamento homossexual viola as liberdades religiosas.
Alguns rabinos do movimento conservador também se apoiam no conceito de que um indivíduo não tem nenhuma escolha real quanto ao sexo homossexual. Em dezembro de 2006, Comitê do Movimento Conservador aprovou duas teshuvot (posições) contraditórias sobre a homossexualidade. Rabinos, sinagogas e outras instituições conservadoras podem não permitir cerimônias de casamento homossexuais e não contratar rabinos ou cantores abertamente gays ou lésbicas. Por outro lado, podem simplesmente optar por fazê-lo. Ambas as posições são consideradas válidas.
Nos últimos anos, tem havido uma maior consciência da presença de gays e lésbicas nas tradicionais comunidades judaicas. Numerosas organizações e grupos de apoio existem para gays que estão interessados em manter um estilo de vida tradicional judaica. Steven Greenberg, rabino ortodoxo, educador e gay escreve e ministra palestras sobre as possibilidades de gays e lésbicas na comunidade ortodoxa. Finalmente, o documentário “Trembling Before G-d” (Tremendo perante Deus), sobre gays judeus ortodoxos, teve um impacto significativo no aumento da consciência sobre a homossexualidade no mundo ortodoxo Judeu.
Gostaria de ressaltar, antes de encerrar, que este movimento pró-revisão e pró-inclusão também está se dando nos dois outros monoteísmos: o cristianismo e o islamismo. Basta, a título de exemplificação, citar a Igreja Anglicana na Inglaterra, a Igreja da Escócia (de linha presbiteriana) e a Igreja Presbiteriana dos EUA. Mas há outras, especialmente aquelas criadas com uma visão inclusiva desde o final da década de 60, como é o caso daMetropolitan Community Church, fundada por Troy Perry.
Entre os islâmicos, esse movimento ainda é muito embrionário, mas sinaliza que há uma demanda interna, muitas vezes silenciada a ferro e fogo. Vejam a reportagem Paris terá primeira mesquita na Europa aberta aos homossexuais. E também uma postagem de abril de 2012, no Blog Fora do Armário que reproduzia notícia sobre o casamento de dois homens, realizado por um imã numa cerimônia íntima.
Isso acontece porque nenhuma dessas religiões é um bloco monolítico. Existem judeus, cristãos e muçulmanos progressistas e secularizados o suficiente para quererem reformas baseadas em princípios humanistas. Já os literalistas não são sempre tão literalistas assim. Eles ignoram tudo o que consideram conveniente ignorar. Um exemplo interessante é a proibição mosaica de que pessoas com necessidades especiais sejam sacerdotes, pastores ou o que o valha. O legislador foi muito claro em Levítico 21:17-20:
Fala a Arão, dizendo: Ninguém da tua descendência, nas suas gerações, em que houver algum defeito, se chegará a oferecer o pão do seu Deus.
[Oferecer o pão do seu Deus = exercer o sacerdócio no tabernáculo.]
Pois nenhum homem em quem houver alguma deformidade se chegará; como homem cego, ou coxo, ou de nariz chato, ou de membros demasiadamente compridos,
[Homens com necessidades especiais não podem ser sacerdotes, segundo a lei mosaica. Mas, um momento… nariz chato é defeito? Quem é padre ou pastor africano ou afrodescendente, dá um glória a Deus aí! E o que a mulherada está fazendo no pastorado e no sacerdócio de algumas igrejas protestantes? Moisés jamais autorizou mulheres no ministério sacerdotal. Eita, religião machista do cacete, literalmente.]
Ou homem que tiver quebrado o pé, ou a mão quebrada, ou corcunda, ou anão, ou que tiver defeito no olho, ou sarna, ou impigem, ou que tiver testículo mutilado.
[Testículo??? O que isso tem a ver com o exercício do sacerdócio? Pastor com vitiligo também está perdido, porque isso era visto como defeito impeditivo. Ué, anão não pode ser sacerdote ou pastor? Outra coisa, eu conheço pastor corcunda numa igreja neopentecostal que eu frequentei quando era novo convertido. E agora?]
A desculpa que eles usam quando alguém cita essas passagens absurdas é que isso fazia parte da velha aliança. Segundo eles, o sacrifício de Cristo – veja a necessidade de sempre se matar alguém para obter o favor divino, e mesmo que Cristo tenha sido o último, lá está a Eucaristia para renovar o horror da crucificação a cada missa ou culto – aboliu tudo isso ou quase tudo, porque quando se trata de relações sexuais entre pessoas do mesmo sexo, eles querem manter o veto e expandi-lo para as lésbicas que nem sequer são citadas ali. Além disso, os conceitos contemporâneos de homossexualidade, direitos civis, casamento igualitário e famílias homoparentais são coisas com as quais Moisés nem sonhava, e que pertencem a uma moral e a uma ética que Moisés seria incapaz de conceber.
Todavia, seus sucessores tentam tornar tudo isso menos estúpido num mundo muito mais esclarecido do que aquele em que escravos supersticiosos passaram a invasores inflados pela crença de que eram o povo de propriedade exclusiva de Deus que podia matar, saquear, escravizar e fazer muitas outras coisasnada abomináveis (#sóquenão), desde que fosse para a maior glória de Jeová e para o fortalecimento do único povo portador de sua revelação – os próprios judeus.
De fato, há muita coisa a ser resgatada nesse passado (não tão distante) horripilante e cruel do judaísmo e de seus dois robustos filhotes, o cristianismo e o islamismo, mas eu prefiro deixar os mortos enterrarem seus próprios mortos, porque vive mais leve quem carrega menos peso. E religião, em última análise, é peso morto. Há, contudo, pessoas LGBT que encontram caminhos religiosos não castradores da sexodiversidade ou das identidades transgêneras. Algumas têm trabalhado duro para mudar a cara feia dos três grandes monoteísmos, bem como de religiões animistas ou politeístas que porventura tenham bebido em fontes homofóbicas e transfóbicas ao longo dos séculos.
Na verdade, tudo isso faz parte do direito humano à liberdade de crença e de agremiação. Felizmente, porém, muitas pessoas LGBT cresceram como ateias e assim permanecem, havendo também aquelas que vieram a ser ateias a partir de sua própria experiência religiosa submetida ao crivo incontornável do ceticismo. Pessoalmente, figuro nesse último segmento, valendo dizer que qualquer condescendência minha para com a ideia de que Deus ou Deuses disseram isso ou aquilo se dá apenas para o bem do argumento que norteia esse artigo. Penso que falar com Deus não faz de ninguém um doido, mas se ele responder, procure um psiquiatra.
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* Sergio Viula foi pastor batista, é formado em filosofia, administrador do blog Fora do Armário www.foradoarmario.net, autor de Em Busca de Mim Mesmo, livro que fala sobre religião, sexualidade e ateísmo, é membro da Liga Humanista Secular do Brasil, e pode ser encontrado no Twitter em @SergioViula

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