A convite da Associação da Parada do Orgulho LGBT de São Paulo (
APOGLBT SP), o presidente da Atea, Daniel Sottomaior, proferiu um discurso sobre Estado Laico durante o evento.
Segue abaixo a íntegra do discurso:
DISCURSO DO PRESIDENTE DA ATEA NA 21ª PARADA DO ORGULHO LGBT DE SÃO PAULO
“Bom dia, pessoal!
É um grande prazer e uma honra estar com vocês aqui hoje. Esta parada é provavelmente o maior evento do mundo com pessoas reunidas, ao vivo e a cores, pedindo laicidade para o Estado. Para quem milita pela laicidade há tantos anos, como eu, esta é uma visão esplêndida. Parabéns a todos que vieram aqui pedir “laicidade de verdade”. Nenhuma religião é lei!
Minha luta pessoal em defesa da laicidade começou há mais de dez anos. As organizações GLBT foram as únicas que me deram voz na época, o que me rendeu inúmeros convites para falar sobre o tema em seminários, congressos e outros eventos. A elas devo gratidão e reconhecimento por darem a devida importância a essa causa.
Hoje em dia presido a Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos, um grupo que tem importantes similaridades com a comunidade GLBT. Segundo uma pesquisa da Fundação Perseu Abramo, ateus são o grupo mais detestado do país. Por isso, muitos de nós também preferem ficar no armário a vida inteira. E a fonte que alimenta tanto o ódio a ateus como o ódio à diversidade sexual é o mesmo: a religião.
Por isso é tão importante manter a religião longe do Estado. No Brasil, faz muito tempo que o Estado não tem mais poder sobre a religião. Mas infelizmente, a religião continua tendo enorme poder sobre o Estado. E isso precisa acabar. O Estado não pode ser refém daqueles que estão interessados em nos marginalizar.
Em termos de laicidade, nossa constituição é um desastre. Seu preâmbulo tem uma citação religiosa. Ela estabelece o oferecimento de ensino religioso nas escolas públicas, dá imunidade fiscal para as instituições religiosas e o próprio artigo 19 que dispõe sobre a laicidade, abre uma enorme brecha para a religião sob a vaga rubrica de “interesse público”. Ora, o interesse público é laico!
E o resto da legislação brasileira não está em melhor estado. Poucas pessoas sabem, mas em 2010 o então presidente Lula assinou um acordo com a Sé de Roma (porque eu me recuso a chamá-la de santa sé). A chamada concordata com o Vaticano estabelece diversos privilégios para a igreja católica, incluindo o ensino religioso confessional em escolas públicas que está sendo questionado no Supremo.
A terceira versão do Plano Nacional dos Direitos Humanos, o PNDH-3, foi sancionada pela então presidente DIlma com um único veto: a proibição de símbolos religiosos em repartições públicas. As repartições públicas são rotineiramente utilizadas para afixação de símbolos religiosos e até para cultos religiosos. Existe uma profusão de feriados nacionais, estaduais e municipais de caráter religioso. E há rios de dinheiro correndo dos cofres públicos para patrocinar praças da bíblia, monumentos dizendo que “esta cidade é do senhor jesus”, shows religiosos e todo tipo de interesse religioso.
Muitas organizações religiosas têm usado seu dinheiro para eleger vereadores, deputados, senadores que trarão o retorno desse investimento através de legislação que privilegie grupos religiosos e suas ideologias. O poder legislativo foi tomado por representantes que querem um estado o mais religioso possível – desde que seja a religião deles, é claro.
O fundamental aqui é que temos que parar de fazer da laicidade apenas um discurso. Pedir por laicidade não trará laicidade. Precisamos, todos, tomar parte ativa. A Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos todos os anos tem lançado dezenas de representações ao Ministério Público e proposto ações junto aos tribunais para restabelecer a laicidade do nosso Estado. Mas, sozinha, a instituição pouco pode fazer. Recorrer ao Ministério Público e à justiça é uma via acessível a todos os cidadãos e todas as instituições interessadas nessa causa.
Convido todos vocês que me ouvem a participar do ativismo judicial, como pessoas físicas e como instituições. Escrevam suas representações ao Ministério Público. Postulem suas ações na justiça pedindo que o poder público se abstenha de promover a religião. E financiem as instituições que, como a Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos, estão lutando por essa causa. Juntem-se a nós e poderemos mudar a cara do país.
Muito obrigado!”
São Paulo, 18 de Junho de 2017.
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