Repúdio à nota do Grupo Gay de Alagoas sobre TRANSFOBIA no Shopping Pátio Maceió


Sobre uma infeliz nota pública do Grupo Gay de Alagoas sobre a violência transfóbica praticada pelo Shopping Pátio Maceió contra Lanna Hellen.


Antes de qualquer outra coisa


O Blog Fora do Armário (administrado por Sergio Viula) e o portal Homofobia Mata (administrado por Eduardo Michels) vêm a público manifestar solidariedade para com Lana 𝐇𝐞𝐥𝐥𝐞𝐧, vítima de ataque racista transfóbico dentro do Shopping Pátio Maceió em Alagoas, no dia 03/01/2020.

Sem qualquer reserva ou ressalva, repudiamos a violência transfóbica perpetrada por seguranças daquele estabelecimento contra Lanna quando do exercício de seu legítimo direito ao uso do banheiro feminino, gênero com o qual se identifica e no qual se expressa cotidianamente.

Lanna é uma MULHER trans e, por causa de discriminação transfóbica da parte de seguranças a serviço do shopping, foi retirada à força do banheiro feminino e violentamente dominada quando se manifestou contra a violência praticada por tais "profissionais", sendo por isso mesmo ainda mais agredida, ao ponto de ser posta da porta para fora pelos seguranças, sem enquanto nenhuma ação para estancar tal violência foi efetivamente realizada pela administração do shopping.

Estamos alinhados com as organizações de defesa dos direitos LGBT, como a ANTRA (Associação Nacional de Travestis e Transexuais), entre outras, que representando especificamente as pessoas trans, saíram em defesa de Lanna Hellen sem qualquer hesitação.

Também folgamos em ver organizações que atuam na área do Direito se manifestando contraa esse ataque de cunho racista-transfóbico, crime inafiançável e imprescritível, como estabelecido pelo Supremo Tribunal Federal desde o ano passado.

Nossa perplexidade e repúdio

Isso, posto causa-nos estranheza e repulsa que o Grupo Gay de Alagoas, na pessoa de seu presidente Nildo Correia, ativista pelos Direitos LGBT com longa e profícua carreira nesse campo dentro do estado de Alagoas, tenha se apressado em emitir nota minimizando o depoimento/denúncia de Lanna Hellen - nota essa que chegou ao nosso conhecimento por iniciativa de seu autor em grupo de WhatsApp no dia de ontem, 04/01/2020.

Consideramos altamente relevante expressar nosso repúdio, ainda que de maneira concisa e sucinta, como se pode ver abaixo.

O texto da nota é reproduzido na íntegra e comentado ponto a ponto.

Destacamos que é lamentável precisarmos dizer a um grupo tão antigo quanto o Grupo Gay de Alagoas (doravante, GGAL) obviedades como as que enumeramos a seguir

Nota do GGAL:

"O *Grupo Gay de Alagoas - GGAL* , entidade percussora e fundadora do movimento LGBT+ alagoano informa."

"Só iremos nos manifestar em relação ao ocorrido ontem, 3/1/2020 no *Shopping Patio Maceió* , envolvendo *Lanna Hellen* , mulher trans alagoana, após ouvimos os dois lados."

Nosso repúdio:

Qual a razão de uma fala como essa? A nota já começa com um tom de "deixa disso", como se fosse uma tentativa de abrandar os ânimos daquelas e daqueles que demandam um posicionamento efetivamente proativo por parte de uma ONG que milita pelos Direitos LGBT.

Que organização séria, que trabalhe com noções básicas de Direitos Humanos, vai ouvir o agressor primeiro para depois decidir se defende a vítima?

O papel de uma organização de defesa dos Direitos LGBT é defender a vítima de LGBTfobia, não importando quais tenham sido as circunstâncias ou motivações do agressor, que, nesse caso, trata-se de uma poderosa corporação, capaz de mobilizar recursos milionários para se proteger das consequências de atos que possam ser considerados criminosos por uma corte.

Se alguém tem prerrogativas legítimas para decidir entre as partes, esse alguém é o juiz responsável pelo caso - isso se a vítima decidir protocolar processo jurídico ou se o Ministério Público tomar essa iniciativa por si mesmo

É lamentável ver um grupo que se arvora defensor dos Direitos LGBT, como o GGAL, condicionar suas ações a algum tipo de oitiva solidária para com os agressores, a título de parecer imparcial. Isso vai contra toda noção de amparo à vítima.

Infelizmente, essa predisposição em considerar a vítima como culpada de sua própria vitimização encontra eco em delegacias e outras repartições públicas, as quais deveriam primar por combater crimes como de homofobia e transfobia, mas frequentemente o tipificam de outras maneiras, deixando a vítima sem a possibilidade de obter a justiça que merece já no registro da própria ocorrência.

O GGAL não é um grupo principiante o inexperiente. Ele existe e subsiste num estado com alto nível de homofobia e transfobia letais, como já demonstrado por Eduardo Michels em sua pesquisa sobre homofobia é transfobia no Brasil do ano 2011 ao ano 2018, amplamente divulgada no portal Homofobia Mata

Nota do GGAL:


"Já conversamos com Lanna Hellen por telefone e estamos mantendo contato através do whatsapp, ao mesmo tempo em que informamos que oferecemos nosso amparato jurídico, psicológico, acolhimento social, e segunda-feira falaremos com ela pessoalmente."

Nosso repúdio:

Se o GGAL ofereceu o apoio que alega nesse parágrafo, por que não disseram apenas isso aos que supostamente lhe cobravam ações efetivas em defesa dessa mulher?

Teria sido menos prejudicial à vítima e a toda a comunidade trans, bem como as comunidades, lésbica gay e bissexual por extensão, se o GGA tivesse permanecido em silêncio, trabalhando diretamente com a vítima em vez de municiar seus algozes com o benefício da dúvida, apesar de tudo o que foi exposto em imagem e texto pela vítima e por outras pessoas que testemunharam as agressões.

Nota do GGAL:

"Comunicamos também que a direção do Shopping Pátio Maceió entrou em contato para marcar uma reunião, e a partir de terça veremos essa agenda, e o GGAL juntamente com outras instituições e seu setor jurídico se reunirá com a direção do Pátio, assim inclusive questionarmos sobre o treinamento dos seguranças, sobre quais campanhas de inclusão e apoio a diversidade o shopping já tomou ou tomará, qual foi a atitude do shopping em relação aos funcionários envolvidos, qual foi ou será a atitude do shopping em relação a vítima após a repercussão entre outros."

Nosso repúdio:

A direção do shopping, a mesma que não fez nada para estancar a violência de seus seguranças in loco, agora quer conversar, mas isso só depois que a repercussão negativa de tais agressões incendiou as redes sociais e, posteriormente, chamou a atenção da mídia mainstream, que reconheceu imediatamente a violação dos direitos de Lanna Hellen. Os grandes jornais e portais de notícias agiram em maior consonância com os Direitos Humanos do que o Grupo Gay de Alagoas ao emitir essa nota concedendo o benefício da dúvida aos agressores.

Além disso, o parágrafo da nota do GGAL transcrito acima faz parecer que o shopping está munido de muito boa vontade, e que talvez tudo não tenha passado de falta de orientação adequada para a equipe de segurança, quando, na verdade, muitos espaços como o Shopping Pátio Maceió são reconhecidamente espaços onde a homofobia e a transfobia se manifestam em atos que vão do assédio moral a casais homoafetivos caminhando de mãos dadas a violências como essa que sofreu Lanna Hellen.

A reunião nem foi marcada ainda, mas a nota já faz parecer que tem muita coisa em andamento, graças à suposta boa vontade do mesmo estabelecimento que assistiu a toda aquela violência contra Lanna sem fazer qualquer movimento no sentido de interrompê-la.

Nota do GGAL:

"Informamos que o GGAL preza pela ética, respeito e trabalha em defesa da verdade, e que não comunga e nem comungará com qualquer tipo de ação violenta, truculenta ou que fira a dignidade humana da população LGBT+, e se for constatado transfobia por parte da segurança do Shopping, além do excesso claro que se ver nas imagens, tomaremos as medidas cabíveis e pediremos na justiça a punição dos envolvidos e responsáveis."

"Att,"

" *__Nildo Correia - presidente do Grupo Gay de Alagoas - GGAL*_"


Nosso repúdio:

Nosso sentimento é de perplexidade e embaraço público pelo conteúdo veiculado pelo senhor Nildo Correia, presidente do GGAL, que parece ter escrito essa nota com muita pressa, visto que ela contém não somente equívocos quanto à abordagem do caso, mas também vários erros de português.

Outrossim, gostaríamos de dizer ao senhor Nildo Correia que nada disso é sobre ele, o grupo que ele preside ou aqueles que tenham lhe assistido na redação dessa desastrada nota. Não nos interessa a imagem que o GGAL queira atribuir a si mesmo ou manter de si mesmo, como expresso pelo autor da nota nesse parágrafo. Nada do que está acontecendo é sobre ele pessoalmente ou sua organização, ou qualquer outra.

O que está em jogo aqui é o direito de uma pessoa trans atingida profundamente em sua dignidade e brutalmente agredida por truculentos seguranças dentro de um estabelecimento cuja administração assistiu a tudo sem realizar qualquer ação para evitar ou interromper tal violência.

Por tudo o que foi exposto aqui, conclamamos a comunidade LGBT a continuar apoiando Lanna Hellen, inclusive com manifestações públicas, física ou virtualmente, a despeito do desserviço que certas organizações ditas LGBT possam prestar na sua ânsia de preservar sua suposta imagem de "bixa-sapa-bi-trans limpinhas e cheirosas" enquanto às vítimas de homotransfobia continuam tombando pelas ruas desse país.


Atenciosamente,

Sergio Viula 
Mestre em Linguística pela UERJ
e administrador do Blog Fora do Armário: 
https:foradoarmário.com


Eduardo Michels
Pós-graduado em direitos humanos pela FND/UFRJ
e administrador do Portal Homofobia Mata:
https://homoobiamata.wordpress.com



Rio de Janeiro, 05/01/2020.


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Comentários

  1. NÃO EXISTE DIREITOS HUMANOS SÓ PARA GAYS, DIREITOS HUMANOS É PARA TODAS AS PESSOAS HUMANAS, PARA TODOS OS SERES HUMANOS. Parabéns Sergio pela precisa e correta analise e por sua grande consciência humanista. (Eduardo Michels)

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    1. Obrigado, Nanani. Estamos juntos nessa luta pela vida, dignidade e liberdade. Beijos.

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