Centenário de Clóvis Moura: a voz que desmascarou o mito da democracia racial

Clóvis Moura: a voz que desmascarou o mito da democracia racial



Por Sergio Viula


Por muito tempo, o Brasil foi vendido ao mundo como uma nação onde brancos, negros e indígenas viveram “em harmonia”. Uma terra sem racismo. Uma sociedade onde a escravidão teria sido “mais branda” e a abolição, um gesto generoso. Essa narrativa oficial, repetida por décadas, serviu para esconder o verdadeiro rosto da desigualdade brasileira.

Foi contra essa versão romantizada da nossa história que se levantou Clóvis Moura — sociólogo, historiador, jornalista, poeta e militante. Nascido em Amarante (PI), em 1925, ele dedicou sua vida a desmontar o mito da democracia racial e a mostrar que a resistência negra foi força fundamental na formação do país.


Um intelectual radicalmente comprometido

Militante do Partido Comunista Brasileiro, Moura foi perseguido e preso durante o Golpe de Estado no Brasil em 1964, mas nunca deixou de produzir e lutar. Sua visão combinava uma leitura marxista da sociedade com a experiência concreta da população negra no Brasil.

Enquanto muitos falavam em “povo cordial”, Moura enxergava um país erguido sobre o trabalho forçado de milhões de pessoas escravizadas e estruturado para manter a população negra à margem — mesmo após a Lei Áurea.


Quilombos: resistência e poder negro

Em sua obra mais conhecida, Rebeliões da Senzala (1959), Clóvis Moura apresenta os quilombos como projetos políticos de liberdade. Eles não eram simples refúgios — eram experiências concretas de construção de sociedades alternativas, autônomas, antiescravistas.

O quilombo de Palmares, liderado por Zumbi dos Palmares, é apenas o exemplo mais conhecido de uma longa e poderosa tradição de resistência coletiva. Para Moura, esses movimentos não foram marginais, mas centrais na história do Brasil.


Racismo estrutural e luta de classes

Clóvis Moura foi pioneiro ao mostrar como o racismo no Brasil está ligado à exploração econômica. Em Dialética Radical do Brasil Negro, ele explica que a escravidão moldou as bases da sociedade brasileira e que, mesmo após sua abolição formal, os mecanismos de exclusão continuaram.

Os negros foram deixados de fora das oportunidades econômicas e políticas, enquanto imigrantes brancos eram incentivados a ocupar espaços privilegiados. Para ele, o racismo não é um resquício do passado, mas uma ferramenta funcional ao capitalismo brasileiro — usada para dividir e dominar.


Obras que marcaram a história

Além de Rebeliões da Senzala, Moura escreveu:

Sociologia do Negro Brasileiro

Dialética Radical do Brasil Negro

Os Quilombos e a Rebelião Negra

Brasil: Raízes do Protesto Negro

Sua obra influenciou o movimento negro brasileiro, acadêmicos, educadores e ativistas que continuam a lutar por igualdade racial e justiça social.


Frases que ecoam até hoje

“A escravidão não foi um acidente na história do Brasil. Foi sua base estruturante.”

“O negro nunca foi sujeito passivo da história. Foi protagonista de sua própria libertação.”

“A democracia racial não passa de um mito conveniente para as elites brancas.”


Um legado urgente

Clóvis Moura nos deixou em 2003, mas suas ideias seguem vivas — e necessárias. Num país onde o racismo ainda mata, exclui e silencia, revisitar sua obra é mais do que um exercício intelectual: é um ato político.

Ele nos ensina que a história do Brasil não pode ser contada sem a luta negra — e que enfrentar o racismo passa, também, por reescrever essa história com verdade e coragem.


Centenário de Clóvis Moura — 1925 >>> 2025

Este ano, 2025, marca 100 anos do nascimento de Clóvis Moura. O centenário está sendo lembrado em universidades, movimentos negros e instituições culturais por todo o Brasil.

Mais do que uma homenagem, o centenário reafirma a atualidade e a força política de seu pensamento — especialmente em um país que ainda enfrenta o racismo estrutural e tenta reescrever sua própria história a partir de vozes silenciadas.


Quer saber mais? Busque seus livros, participe de debates, apoie iniciativas negras e ajude a manter viva essa voz que ecoa resistência.

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