Por que a decisão do Desembargador do Rio de Janeiro de autorizar o casamento direto faz uma enorme diferença?
por Sergio Viula
Devido a algumas idas e vindas de sites de notícias LGBT a respeito da possibilidade de se registrar casamento para pessoas do mesmo sexo direto nos cartórios, muita gente se pergunta se o casamento entre pessoas do mesmo sexo já pode ser realizado no estado Rio de Janeiro ou não.
Por isso, gostaria de chamar atenção para os seguintes pontos:
1º - Quem preferir fazer união civil pode. Ninguém é obrigado a casar.
2º - Quem já tem registro de união civil e quiser converter essa união em casamento, como já vinha sendo feito antes, pode.
3º - O que existe agora – e isso é, sim, motivo para celebrar – é a possibilidade de dar entrada direto no casamento, sem precisar fazer união civil primeiro.
4º - Sobre a possibilidade de algum juiz indeferir o pedido, é preciso dizer que ainda há essa possibilidade. Isso não é novidade. A novidade – repito – é que agora podemos solicitar o casamento direto.
Num estado cheio de fundamentalistas nas casas de lei, como é o caso do Rio de Janeiro, precisamos celebrar essa conquista, sem deixarmos de avançar em direção à igualdade em todos os sentidos.
5º - Voltando à questão do casamento direto, uma vez que este seja efetivado (e só levam 15 dias), a pessoa estará tão casada quanto qualquer casal heterossexual aos olhos da lei. Todos os direitos ficam automaticamente assegurados, porque não existem duas categorias de casamento na legislação. Desde que os dois/duas se casem, casados/casadas estarão, a menos que decidam se divorciar – os mesmos direitos que qualquer casal heterossexual desfruta.
Aqui é importante dizer que a união civil não foi criada para os gays, como uma subcategoria de casamento. A Constituição de 1988 já garantia esse direito para os heterossexuais muito antes que os LGBT conseguissem esse reconhecimento jurídico. Portanto, pessoas LGBT ou heterossexuais podem fazer a união civil nos mesmos termos desde que o STF estendeu esse direito aos casais homoafetivos em 2011. Desde então, a possibilidade de conversão de uniões civis em casamentos já era uma realidade. A novidade é que se possa fazer o casamento sem que seja preciso passar pela união civil. Vale ressaltar que os casais heterossexuais sempre puderam fazer isso, mas os casais homoafetivos só agora estão desfrutando esse direito. E mesmo assim, somente em 11 estados da federação.
Entre diversos direitos, o casamento garante aos cônjuges o direito de acompanhar o(a) parceiro(a) em caso de internação, manter patrimônio em caso de falecimento sem precisar de testamento, assinar como responsável pelo outro(a) em caso de incapacidade/inconsciência – tudo como qualquer casal heterossexual.
Quem é do Rio de Janeiro só precisa procurar o cartório e solicitar o casamento, aguardar 15 dias e ver o que acontece. Casou, casou. Não há diferença entre homo ou heterossexual.
Mesmo que algum juiz queira dificultar o registro, indeferindo o pedido, a maioria dos juízes fará o que já é consenso entre grande parte dos juristas. Isso é uma conquista. Agora, queremos chegar ao ponto de ser absolutamente garantido. Quem desdenha desse avanço, não entende a grandeza de uma decisão como essa por parte de um desembargador.
É fantástico ver o casamento igualitário aprovado em 14 países, sendo a França o mais recente. Agora, se lá o direito ao casamento igualitário foi defendido pelo próprio Presidente da República e aprovado pelo Congresso e pelo Senado, aqui no Brasil, a briga ganha outros contornos. O Congresso e o Senado estão empacados por causa das artimanhas de fundamentalistas e conservadores. A presidente Dilma está paralisada pelo medo de não ter governabilidade se fizer o que deve, em vez do que os chantagistas desejam. Ela deveria se envergonhar de renegar tanta luta histórica do próprio PT. Abandonados pela presidente e desprezados por grande parte dos parlamentares, os cidadãos LGBT só têm uma opção: Vencer essa luta de baixo para cima, apelando para os tribunais, especialmente ao STF, além de outras instituições e movimentos sociais.
Aqui no Brasil, a cidadania está avançando com o apoio do Judiciário. Lá, ela avançou com a iniciativa do Executivo e a adesão do Legislativo. Por isso, podemos ser considerados heróis. Somos minoria, não temos dinheiro, não temos a força e, felizmente, não temos o mau-caratismo necessário à chantagem – coisas que os setores mais conservadores e fundamentalistas têm de sobra – e mesmo assim em 11 estados do Brasil até hoje (25/04/13), o casamento direto nos cartórios é possível. Em 10 destes é absolutamente garantido.
Se eu preferia que o Brasil tivesse um Executivo e um Legislativo como o da França? Sim. Mas nem se precisa ir tão longe. Basta olharmos para a Argentina e o Uruguai, nossos vizinhos. Em ambos os países, o casamento é assegurado a todos e todas. Mas, já que não vemos essa mesma competência e vontade política em certos governantes e legisladores do Brasil, façamos o que temos feito: lutemos com o apoio daqueles que são nobres e têm compreendido a nossa dor.
Até dois anos atrás viado e sapa não tinham sequer à união civil. Há alguns meses, passaram a ter o direito de se casar com seus parceiros e parceiras em alguns estados desse país. E este vai se tornar um direito em todo o território nacional em breve, mas talvez tenhamos que conquistar cada estado da federação individualmente até que a igualdade que a República nos promete e a Constituição nos garante seja efetivada (sem ressalvas) em todo o território brasileiro.
Tudo, porém, começa com amor próprio e uma vida que não admite viver nas sombras. Armário nunca mais!
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Um importante adendo. Texto do Dr. Wadih Damous sobre a decisão do Desembargador do RJ.
Via Jornal O Dia
Wadih Damous: Pela igualdade civil
Rio - Ao normatizar os pedidos de habilitação de casamento entre pessoas do mesmo sexo, o Judiciário fluminense perdeu uma boa oportunidade de regulamentar de vez esse direito civil, já conquistado em diversos estados brasileiros . Na prática, o provimento da Corregedoria-Geral do Tribunal de Justiça emitido recentemente sobre o procedimento a ser adotado deixou a decisão a cargo do juiz de cada cidade.
O que poderia ser um avanço significativo na garantia dos direitos para os casais de homossexuais, a exemplo da regulamentação ocorrida na Bahia, em São Paulo, no Mato Grosso do Sul e no Paraná, ficou na dependência de o magistrado local ser favorável ou não a essa modalidade de união, permitindo a simplificação dos trâmites burocráticos para a conversão da união estável em casamento civil.
De acordo com entidades de defesa dos direitos da população homoafetiva, o juiz competente do Registro Civil no Rio de Janeiro, por exemplo, é contrário ao procedimento, obrigando os casais de homossexuais que têm seus pedidos indeferidos a recorrer à segunda instância. Teresópolis, Nilópolis e outras cidades fluminenses contam com magistrados favoráveis. Para uniões entre heterossexuais, não havendo impedimento, o cartório emite a certidão e é só marcar o dia do casamento.
Mesmo assim, a normatização representa um passo adiante, ao respaldar o direito dos casais de pessoas de mesmo sexo de oficializar sua união. Só se lamenta que a Justiça tenha deixado passar a chance de promover a igualdade civil na formação de novos arranjos de casamento e de formação de famílias, uma realidade social à qual o Direito precisa estar adaptado.
Presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos da OAB
Rio - Ao normatizar os pedidos de habilitação de casamento entre pessoas do mesmo sexo, o Judiciário fluminense perdeu uma boa oportunidade de regulamentar de vez esse direito civil, já conquistado em diversos estados brasileiros . Na prática, o provimento da Corregedoria-Geral do Tribunal de Justiça emitido recentemente sobre o procedimento a ser adotado deixou a decisão a cargo do juiz de cada cidade.
O que poderia ser um avanço significativo na garantia dos direitos para os casais de homossexuais, a exemplo da regulamentação ocorrida na Bahia, em São Paulo, no Mato Grosso do Sul e no Paraná, ficou na dependência de o magistrado local ser favorável ou não a essa modalidade de união, permitindo a simplificação dos trâmites burocráticos para a conversão da união estável em casamento civil.
De acordo com entidades de defesa dos direitos da população homoafetiva, o juiz competente do Registro Civil no Rio de Janeiro, por exemplo, é contrário ao procedimento, obrigando os casais de homossexuais que têm seus pedidos indeferidos a recorrer à segunda instância. Teresópolis, Nilópolis e outras cidades fluminenses contam com magistrados favoráveis. Para uniões entre heterossexuais, não havendo impedimento, o cartório emite a certidão e é só marcar o dia do casamento.
Mesmo assim, a normatização representa um passo adiante, ao respaldar o direito dos casais de pessoas de mesmo sexo de oficializar sua união. Só se lamenta que a Justiça tenha deixado passar a chance de promover a igualdade civil na formação de novos arranjos de casamento e de formação de famílias, uma realidade social à qual o Direito precisa estar adaptado.
Presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos da OAB
Excelente texto e muito esclarecedor!
ResponderExcluirObrigado, Elisete. E agora, com a decisão do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), todo os cartórios do Brasil todo têm que realizar o casamento exatamente como o de todos. Vitória da igualdade!
ExcluirBeijo,
Viula