MEDO: DO ÚTIL AO NOCIVO
MEDO: DO ÚTIL AO NOCIVO
Texto republicado
Originalmente escrito em 19/04/2015
MEDO: DO ÚTIL AO NOCIVO
Um dos mais primitivos dispositivos de autopreservação é o medo: antes mesmo de nos tornarmos humanos, nossos ancestrais sentiam medo. Essa sensação era disparada intuitivamente. Não é preciso que um ser vivo tenha uma mente racional para que tenha medo. Os animais ao nosso redor, conquanto desprovidos de um cérebro tão evoluído quanto a nosso, sentem medo. O medo, portanto, precede o amor, que é uma emoção bem mais elaborada, e se manifesta desde muito cedo em nossas limitadas existências.
Mas qual é a utilidade do medo em termos de história evolutiva?
Obviamente, a autopreservação. Para que ocorra a perpetuação de uma espécie, é preciso que seus indivíduos sobrevivam para se reproduzir, para começo de conversa.
Além disso, quando associado à empatia, observada nas relações entre indivíduos de várias espécies, de acordo com as classificações que fazemos (insetos, peixes, anfíbios, répteis, mamíferos), o medo serve à proteção dos parceiros e da prole. Exemplo disso são os leões que defenderão seus clãs contra machos rivais que invadam seu território em busca de fêmeas, de caça, de água, etc. O leão líder do clã lutará para proteger suas parceiras e filhotes, porque sabe que, tão logo, o adversário conquiste aquele território, ele matará todos os seus descendentes e fecundará suas fêmeas para formar seu próprio clã.
Outro exemplo da combinação <medo + empatia> é o de diversas espécies de macacos que emitem guinchos específicos para avisar os parceiros que um predador ronda o bando.
E para não ficar só na classe dos mamíferos, vale lembrar que pássaros também emitem sons específicos para avisar outros sobre a presença de predadores.
Em todos esses casos, o medo se mostra útil, mas, como tudo em excesso, essa emoção também pode ser contraproducente. Um exemplo disso é quando a pessoa desenvolve fobias.
Fobias podem nascer de ansiedades excessivas, mas tudo isso pode estar relacionado à história pessoal de cada um, suas próprias experiências, o que absorveu de seu ambiente sócio-cultural. E é por isso que muitas pessoas têm medos (fobias) absolutamente injustificáveis, ainda que explicáveis a partir de todos esses mecanismos de condicionamento.
Quando algum oportunista percebe a existência dessas fobias, ele pode manipular as pessoas portadoras das mesmas, através de discursos que promovam o pânico social. Nós, brasileiras e brasileiros, não precisamos fazer muito esforço para ligarmos vários rostos/nomes a essa prática, especialmente nos círculos religiosos que infestam a mídia e a política brasileira. E o objetivo é multifacetado. Entre suas muitas facetas, estão a de se autopromover como uma espécie de “herói” indispensável à “guerra contra o mal”, cultivando o medo na sociedade de um modo geral, ao mesmo tempo em que instila o medo de sofrer por parte daquelas ou daqueles que são alvo daquela difamação. A saída nunca é o recolhimento, mas o enfrentamento com informação de qualidade e estímulo à genuína empatia.
O medo pode fazer muito mal ao próprio indivíduo, mas ele fará danos ainda maiores a outras pessoas quando se disparar outra emoção – esta ainda mais destrutiva: o ódio. A dinâmica é mais ou menos a seguinte:
Quando associo esse sentimento de medo a um determinado objeto, passo a tentar evitar esse objeto ao máximo, chegando a odiar até a mais remota possibilidade de me aproximar do objeto ao qual associei esse sentimento.
É por isso que fobias e ódios são dois sentimentos tão conectados. E, na maioria das vezes, são injustificados.
É assim que uma pessoa pode se tornar homofóbica sem jamais ter passado por qualquer experiência negativa com uma pessoa homossexual; transfóbica sem jamais ter travado qualquer relação (não necessariamente sexual) com alguém transexual ou travesti; xenofóbica sem sequer ter se dado a chance de conhecer melhor aquela etnia contra a qual se arma toda. E para mudar isso, é preciso que a pessoa primeiramente reconheça que tem esse sentimento e que não há razão para nutri-lo. Pode ser preciso até mesmo buscar ajuda de outras pessoas para supera-lo, mas como todo medo infundado, uma vez superado, o próprio indivíduo se perguntará como é que pôde sentir tal coisa por tanto tempo.
Isso é exatamente o que se dá com quem já teve medo de ir para o inferno, por exemplo, mas superou a crença religiosa em algum momento. A pergunta que fica é: como pude acreditar e sofrer por isso tão intensa e demoradamente?
Só que enquanto sofria, esse mito parecia absolutamente real, não importando quão fantasiosa era a “realidade” que ele temia.
Por medo do inferno, famílias inteiras ficaram desprovidas de sustento, porque a pessoa de quem deviam ter herdado bens construídos em conjunto simplesmente doou tudo para a igreja em troca de indulgências que lhe garantissem a entrada no paraíso (leia-se ‘escapar do inferno’ ou pelo menos do ‘purgatório’).
Por medo de ficarem solteironas, mulheres de todas as classes sociais, etnias e/ou religiões já se submeteram a abusadores a quem passaram a chamar de maridos.
Por medo de envelhecerem sozinhos, muitos homens casam-se e fazem uma penca de filhos, só para descobrirem que isso não garante coisa alguma.
Por medo de adoecerem, muitas pessoas deixam de viver prazeres que tornariam a vida muito mais leve e feliz, valendo para tudo: da gastronomia ao sexo.
Por medo de pecarem, muitas pessoas deixam de se tratar através da medicina científica, buscando soluções espiritualizadas e inúteis que agravam seu estado ou levam-nas à morte.
Por medo do que vão dizer os outros, muitos deixam de fazer o que desejam de suas próprias vidas, só para descobrirem depois que nenhuma aprovação condicional vale a autonomia e a felicidade próprias que deixaram de viver.
Por medo da morte, muitas pessoas passam a vida inteira pensando em vidas pós-mundanas em mundos pós-terrenos de todo o tipo, deixando de viver a única vida que realmente terão, seja por pouco ou muito tempo.
E a lista segue…
Um dos mais primitivos dispositivos de autopreservação é o medo: antes mesmo de nos tornarmos humanos, nossos ancestrais sentiam medo. Essa sensação era disparada intuitivamente. Não é preciso que um ser vivo tenha uma mente racional para que tenha medo. Os animais ao nosso redor, conquanto desprovidos de um cérebro tão evoluído quanto a nosso, sentem medo. O medo, portanto, precede o amor, que é uma emoção bem mais elaborada, e se manifesta desde muito cedo em nossas limitadas existências.
Mas qual é a utilidade do medo em termos de história evolutiva?
Obviamente, a autopreservação. Para que ocorra a perpetuação de uma espécie, é preciso que seus indivíduos sobrevivam para se reproduzir, para começo de conversa.
Além disso, quando associado à empatia, observada nas relações entre indivíduos de várias espécies, de acordo com as classificações que fazemos (insetos, peixes, anfíbios, répteis, mamíferos), o medo serve à proteção dos parceiros e da prole. Exemplo disso são os leões que defenderão seus clãs contra machos rivais que invadam seu território em busca de fêmeas, de caça, de água, etc. O leão líder do clã lutará para proteger suas parceiras e filhotes, porque sabe que, tão logo, o adversário conquiste aquele território, ele matará todos os seus descendentes e fecundará suas fêmeas para formar seu próprio clã.
Outro exemplo da combinação <medo + empatia> é o de diversas espécies de macacos que emitem guinchos específicos para avisar os parceiros que um predador ronda o bando.
E para não ficar só na classe dos mamíferos, vale lembrar que pássaros também emitem sons específicos para avisar outros sobre a presença de predadores.
Em todos esses casos, o medo se mostra útil, mas, como tudo em excesso, essa emoção também pode ser contraproducente. Um exemplo disso é quando a pessoa desenvolve fobias.
Fobias podem nascer de ansiedades excessivas, mas tudo isso pode estar relacionado à história pessoal de cada um, suas próprias experiências, o que absorveu de seu ambiente sócio-cultural. E é por isso que muitas pessoas têm medos (fobias) absolutamente injustificáveis, ainda que explicáveis a partir de todos esses mecanismos de condicionamento.
Quando algum oportunista percebe a existência dessas fobias, ele pode manipular as pessoas portadoras das mesmas, através de discursos que promovam o pânico social. Nós, brasileiras e brasileiros, não precisamos fazer muito esforço para ligarmos vários rostos/nomes a essa prática, especialmente nos círculos religiosos que infestam a mídia e a política brasileira. E o objetivo é multifacetado. Entre suas muitas facetas, estão a de se autopromover como uma espécie de “herói” indispensável à “guerra contra o mal”, cultivando o medo na sociedade de um modo geral, ao mesmo tempo em que instila o medo de sofrer por parte daquelas ou daqueles que são alvo daquela difamação. A saída nunca é o recolhimento, mas o enfrentamento com informação de qualidade e estímulo à genuína empatia.
O medo pode fazer muito mal ao próprio indivíduo, mas ele fará danos ainda maiores a outras pessoas quando se disparar outra emoção – esta ainda mais destrutiva: o ódio. A dinâmica é mais ou menos a seguinte:
Quando associo esse sentimento de medo a um determinado objeto, passo a tentar evitar esse objeto ao máximo, chegando a odiar até a mais remota possibilidade de me aproximar do objeto ao qual associei esse sentimento.
É por isso que fobias e ódios são dois sentimentos tão conectados. E, na maioria das vezes, são injustificados.
É assim que uma pessoa pode se tornar homofóbica sem jamais ter passado por qualquer experiência negativa com uma pessoa homossexual; transfóbica sem jamais ter travado qualquer relação (não necessariamente sexual) com alguém transexual ou travesti; xenofóbica sem sequer ter se dado a chance de conhecer melhor aquela etnia contra a qual se arma toda. E para mudar isso, é preciso que a pessoa primeiramente reconheça que tem esse sentimento e que não há razão para nutri-lo. Pode ser preciso até mesmo buscar ajuda de outras pessoas para supera-lo, mas como todo medo infundado, uma vez superado, o próprio indivíduo se perguntará como é que pôde sentir tal coisa por tanto tempo.
Isso é exatamente o que se dá com quem já teve medo de ir para o inferno, por exemplo, mas superou a crença religiosa em algum momento. A pergunta que fica é: como pude acreditar e sofrer por isso tão intensa e demoradamente?
Só que enquanto sofria, esse mito parecia absolutamente real, não importando quão fantasiosa era a “realidade” que ele temia.
Por medo do inferno, famílias inteiras ficaram desprovidas de sustento, porque a pessoa de quem deviam ter herdado bens construídos em conjunto simplesmente doou tudo para a igreja em troca de indulgências que lhe garantissem a entrada no paraíso (leia-se ‘escapar do inferno’ ou pelo menos do ‘purgatório’).
Por medo de ficarem solteironas, mulheres de todas as classes sociais, etnias e/ou religiões já se submeteram a abusadores a quem passaram a chamar de maridos.
Por medo de envelhecerem sozinhos, muitos homens casam-se e fazem uma penca de filhos, só para descobrirem que isso não garante coisa alguma.
Por medo de adoecerem, muitas pessoas deixam de viver prazeres que tornariam a vida muito mais leve e feliz, valendo para tudo: da gastronomia ao sexo.
Por medo de pecarem, muitas pessoas deixam de se tratar através da medicina científica, buscando soluções espiritualizadas e inúteis que agravam seu estado ou levam-nas à morte.
Por medo do que vão dizer os outros, muitos deixam de fazer o que desejam de suas próprias vidas, só para descobrirem depois que nenhuma aprovação condicional vale a autonomia e a felicidade próprias que deixaram de viver.
Por medo da morte, muitas pessoas passam a vida inteira pensando em vidas pós-mundanas em mundos pós-terrenos de todo o tipo, deixando de viver a única vida que realmente terão, seja por pouco ou muito tempo.
E a lista segue…
Qual é o resumo da ópera?
Se o medo não se restringe a por em funcionamento reações que aumentem a probabilidade de nos autopreservarmos, ele é absoutamente dispensável e perigosamente paralisante. E que sentido há em preservar a vida se não for para vivê-la do modo mais realizado possível e em nosso próprio estilo.
Por outro lado, aquela prudência que acompanha o mais livre dos seres humanos é muito bem-vinda. Talvez, numa frase, eu me faça mais claro:
Viva tudo o que há para viver como se fosse seu último dia, mas deixe alguma provisão para amanhã, porque vai que você tenha o azar de sobreviver…
Se o medo não se restringe a por em funcionamento reações que aumentem a probabilidade de nos autopreservarmos, ele é absoutamente dispensável e perigosamente paralisante. E que sentido há em preservar a vida se não for para vivê-la do modo mais realizado possível e em nosso próprio estilo.
Por outro lado, aquela prudência que acompanha o mais livre dos seres humanos é muito bem-vinda. Talvez, numa frase, eu me faça mais claro:
Viva tudo o que há para viver como se fosse seu último dia, mas deixe alguma provisão para amanhã, porque vai que você tenha o azar de sobreviver…
Como diz o ditado popular, prudência e canja de galinha nunca fizeram mal a ninguém. Enquanto isso, o medo e suas crias já colocaram muita gente debaixo da terra de modo terrível e precoce.
E contra o medo infundado, a alegria. Por isso, fundamentalistas odeiam festas, música, arte, liberdade, prazer sexual, etc. Conservadores repressores costumam se juntar a eles. E para combater as ideias destrutivas desses obstinados, ofereçamos a alegria de sermos quem somos, sem pedirmos licença ou desculpas.
DIGA NÃO A TODAS AO MEDO DE SER FELIZ E ÀS FOBIAS IRRACIONAIS – TODAS, SEM EXCEÇÃO.
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