Você sabia que a ancestralidade africana reconhecia a diversidade sexual e de gênero muito antes do Ocidente falar em LGBT?

Por Sergio Viula
Entre os Iorubás, Obatalá é considerado andrógino: pai e mãe da criação. Os Iorubás ocuparam principalmente a região onde ficam os atuais Nigéria, Benin e Togo. Posteriormente, foram forçados por escravagistas europeus a viver também nas Américas. Obatalá não tem gênero definido ou carrega características de ambos os gêneros.

Oxum e Oyá – orixás femininas – tinham relações entre si e também com Xangô. Os orixás Erinlé e Logunedé têm a relação homoafetiva mais celebrada entre algumas tradições. Erinlé, orixá das águas doces e da caça, seria companheiro amoroso e protetor de Logunedé — orixá jovem, andrógino, que vive metade do ano com Oxum (mãe) e metade com Oxóssi (pai).

No Brasil, em Cuba e no Haiti, religiões como o Candomblé mantêm viva essa herança. Aqui, gays, lésbicas e pessoas trans são pais e mães de santo. Tudo isso também é resistência.
Na Nigéria, a homofobia de Estado, alimentada pelo cristianismo e pelo islamismo, continua presente e atuante, mas a resistência também segue viva.
A diversidade antes do imperialismo europeu

Muito antes da chegada dos colonizadores, várias sociedades africanas reconheciam práticas homoafetivas e identidades de gênero diversas:
Egito Antigo: há registros de relações homoafetivas entre sacerdotes e até mesmo faraós, como em representações da tumba de Niankhkhnum e Khnumhotep, tidos como amantes.
Sudão Antigo (Núbia): sacerdotes de divindades locais muitas vezes viviam em comunidades que aceitavam práticas homoafetivas.
África do Sul pré-colonial: entre os Zulus e outros povos, havia relatos de relações entre guerreiros, vistas como parte da camaradagem e até com valor espiritual.
Madagascar: entre povos malgaxes, há registros históricos de aceitação de papéis de gênero fluidos.
Angola e Moçambique: cronistas portugueses registraram com espanto relações homoeróticas entre povos locais, que não as viam como pecado ou crime.
A perseguição europeia

Com a invasão europeia, vieram o cristianismo oficial, a imposição das leis das coroas coloniais e a repressão da diversidade. Tudo o que fosse considerado "sodomia" pela Igreja e pelos reis era perseguido. As religiões africanas foram demonizadas, práticas culturais foram apagadas e a homossexualidade passou a ser tratada como “vício” ou “pecado”, quando antes fazia parte da vida comunitária de muitos povos.
O fundamentalismo contemporâneo

Na atualidade, a homofobia em muitos países africanos não é apenas herança colonial. Ela também é alimentada por uma recente onda de fundamentalismo evangélico financiado por pastores americanos. Esses pregadores levam para países africanos discursos de ódio, demonizando a homossexualidade, incentivando legislações anti-LGBT e promovendo “pregações de cura gay”. Esse movimento tem fortalecido governos autoritários e criado uma atmosfera de perseguição ainda maior, especialmente em países como Uganda e Nigéria.
Situação atual dos direitos LGBT na África (2025)

O continente africano é diverso, mas também um dos mais desafiadores para pessoas LGBT. Segundo dados atualizados:
África do Sul: único país africano que garante igualdade constitucional para LGBT e reconhece o casamento homoafetivo.
Botsuana, Angola, Moçambique, Seychelles, Gabão, Lesoto: descriminalizaram relações homoafetivas, mas ainda não oferecem plenos direitos de união ou casamento.
Cabo Verde, São Tomé e Príncipe: não criminalizam e permitem alguma liberdade de expressão LGBT.
A maioria dos demais países africanos (Nigéria, Uganda, Tanzânia, Quênia, Egito, Sudão, etc.): criminalizam relações homoafetivas, com penas que vão de prisão à pena de morte (em países como Somália e Mauritânia).
Países sem qualquer direito garantido: em grande parte do continente, não há proteção legal contra discriminação, reconhecimento de uniões ou políticas públicas de inclusão.
Resistência e celebração

Apesar da violência institucional e do peso do fundamentalismo religioso, a diversidade africana resiste. Povos, religiões de matriz africana, movimentos sociais e ativistas continuam afirmando que a África sempre foi plural e que a homofobia é uma importação colonial. Celebrar essa memória é também lutar pela liberdade no presente.
Entre os protagonistas da luta LGBT no continente africano estão nomes de grande coragem e visibilidade: o queniano Binyavanga Wainaina, escritor gay e um dos intelectuais mais influentes da África, que assumiu publicamente sua orientação em um contexto de forte homofobia; a ugandense Kasha Jacqueline Nabagesera, lésbica e fundadora da ONG Freedom and Roam Uganda, premiada internacionalmente por sua militância; a transexual zambiana Ricky Nathanson, que enfrentou processos judiciais e perseguições após ser presa por usar um banheiro feminino, transformando sua resistência em bandeira de luta; e a ativista bissexual Siphokazi Mpofu, da África do Sul, que atua em projetos de apoio a mulheres negras LGBT.
Outros nomes igualmente inspiradores incluem o camaronês Eric Ohena Lembembe, jornalista gay brutalmente assassinado em 2013 por denunciar a violência homofóbica; a ganense Angel Maxine, primeira artista pop trans de Gana, que desafia as leis anti-LGBT do país por meio da música e da arte; a namibiana Friedel Dausab, ativista trans que liderou a ação judicial que descriminalizou as relações entre pessoas do mesmo sexo no país em 2023; o malauiano Gift Trapence, que atua na defesa dos direitos humanos e na luta contra o HIV entre populações marginalizadas; e o tunisiano Mounir Baatour, advogado gay e primeiro candidato abertamente homossexual à presidência no mundo árabe.
Essas figuras simbolizam a força de gays, lésbicas, trans e bissexuais africanos que desafiam a violência, enfrentam sistemas jurídicos e religiosos repressivos, e inspiram uma nova geração de resistência em todo o continente.
🏳️🌈 Da ancestralidade iorubá aos movimentos atuais, a luta LGBT na África é resistência, identidade e celebração!
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