Povo Zulu (África do Sul): O Amor Entre Homens Antes da Colonização

Povo Zulu: O Amor Entre Homens Antes da Colonização

Antes da chegada dos colonizadores europeus, o povo Zulu já vivia uma rica diversidade de afetos — inclusive entre homens.


Guerreiros Zulus antes da invasão britãnica


Por Sergio Viula


Muito antes de a homofobia ser imposta pela moral cristã e pelas leis coloniais britânicas, o povo Zulu, na África do Sul, reconhecia e vivia o amor entre homens de forma natural. Jovens guerreiros praticavam os inkotshane — relacionamentos íntimos entre rapazes mais velhos e mais novos, marcados por carinho, troca de presentes e, muitas vezes, também por relações sexuais.

Esses laços não eram motivo de vergonha ou perseguição. Pelo contrário: eram compreendidos como parte do crescimento, da irmandade e da socialização masculina, sem que isso excluísse casamentos futuros com mulheres. A afetividade entre homens era parte da vida comunitária e espiritual — não uma transgressão.

Foi somente com a colonização britânica e a imposição da moral cristã europeia que o amor entre pessoas do mesmo sexo passou a ser condenado, criminalizado e perseguido. A homofobia, portanto, não é uma herança africana — é uma herança colonial.


Diversidade sexual e de gênero na cultura zulu

Pesquisas antropológicas reconhecidas, como as do historiador Stephen O. Murray e do antropólogo Will Roscoe, documentam a presença de relações homoafetivas e identidades de gênero diversas em várias sociedades africanas pré-coloniais, incluindo os Zulu. Murray e Roscoe demonstram que a sexualidade na África pré-cristã era fluida e integrada ao tecido social, sem as categorias rígidas impostas mais tarde pelos europeus.

Entre os Zulu, expressões de gênero não normativas também existiam, ainda que dentro de papéis culturais específicos. Alguns relatos históricos descrevem homens que assumiam tarefas tradicionalmente femininas ou papéis cerimoniais ambíguos, vistos como possuidores de forças espirituais especiais.


Guerreiros Zulu


O professor Marc Epprecht, da Queen’s University (Canadá), um dos maiores especialistas no tema, em sua obra Heterosexual Africa? The History of an Idea from the Age of Exploration to the Age of AIDS (2008), discute como o mito de uma “África naturalmente heterossexual” foi construído pelo olhar colonial. Epprecht mostra que os Zulu e outros povos do sul africano tinham múltiplas formas de afetividade e desejo, reconhecidas e socialmente mediadas antes da colonização.

Em português, estudos e traduções de pesquisadores como Carlos Serrano e Lívio Sansone ajudam a ampliar o entendimento sobre gênero e sexualidade nas culturas africanas e afro-diaspóricas, destacando o impacto do colonialismo na repressão desses modos de vida. Textos acadêmicos disponíveis em universidades brasileiras também tratam da influência das religiões tradicionais africanas na aceitação da diversidade sexual e espiritual, e de como isso foi apagado ou distorcido pela colonização.


Orgulho Zulu hoje

Atualmente, uma nova geração zulu — urbana, conectada e orgulhosa — está desafiando tabus e resgatando suas raízes ancestrais. O resgate da ancestralidade africana pré-colonial tem inspirado movimentos, artistas e intelectuais a celebrar o amor e a diversidade como parte essencial da identidade africana.



Entre essas vozes, destacam-se nomes como:


Zanele Muholi

🎨 Zanele Muholi, artista visual e ativista lésbica, que transforma a fotografia em ferramenta de resistência e visibilidade das comunidades negras e LGBTQ+ na África do Sul.


Thulasizwe Simelane


📰 Thulasizwe Simelane, jornalista gay que usa sua voz para promover representatividade e justiça social.


DICAS DE LIVROS COM ESSA TEMÁTICA:

Traduzindo a África Queer: https://www.amazon.com.br/Traduzindo-%C3%81frica-Queer-Sokari-Ekine/dp/8593646166

Traduzindo a África Queer II: https://www.amazon.com.br/Traduzindo-Africa-Queer-dissid%C3%AAncia-contextos/dp/658648104X 


O orgulho Zulu LGBTQ+ é também o orgulho de uma África que sempre foi plural, diversa e profundamente humana — muito antes de a colonização tentar apagar sua liberdade de amar.

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