
Kyle XY
Estava assistindo a série Kyle XY, apresentada pelo SBT com o charme de Celso Portiolli. Abaixo, uma sinopse para quem ainda não conhece a série, e em seguida um post de minha autoria:
Kyle é um adolescente de 16 anos que acorda numa floresta à beira de Seattle totalmente nu e sem nenhuma lembrança de sua vida antes daquilo. Kyle é como um bebê recém-nascido em sua falta de conhecimento da vida social humana: ele não conhece nem mesmo as coisas mais simples, como a maneira de comer ou beber, e não consegue se comunicar com outras pessoas.Quando Kyle caminha nu pelas ruas de uma cidadezinha próxima, é apanhado pela polícia. Como eles não conseguem encontrar seus registos, ele é levado para um lar infantil, onde se descobre que ele não possui o umbigo. Nicole Trager, uma terapeuta, se interessa por Kyle. Ela percebe que Kyle não pertence ao lar e leva-o para sua casa enquanto a polícia procura por sua família. A série acompanha Kyle e a família Trager à medida que Kyle se desenvolve socialmente e busca por respostas para o seu passado. (Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Kyle_XY)
Pois bem, depois de assistir o capítulo de hoje (08/06/09), e depois de pensar bastante sobre a vida, principalmente depois dos últimos acontecimentos (crise econômica nos países ricos, gripe suína, e vôo 447 da Air France caído no Atlântico), cheguei à conclusão de que a única coisa que fica é "esquecimento".
Kyle não lembra de sua origem, não lembra de sua data de nascimento, e não sabia nada sobre a vida e o comportamento humano até encontrar sua família adotiva. Os outros o consolavam dizendo que é melhor não ter o que lembrar do que não conseguir esquecer de certas coisas. Não sei qual das duas é a pior.
Não pude evitar pensar que, de fato, tudo é esquecimento. Viver é esquecer. Porém, não é esquecer porque a gente quer. É esquecer porque a gente não consegue lembrar pra sempre. E quem disse que existe o "pra sempre" em termos de vida humana? Tudo tem fim, e se não acabar durante a nossa existência, acaba ao fim dela, porque nenhum de nós é eterno.
Esquecemos a maior parte das coisas da infância antes mesmo de chegarmos à adolescência. Esquecemos nomes, telefones, endereços, datas importantes, gente que ainda vive, gente que já morreu.
Para completar a experiência de pensar sobre a vida como esquecimento, estive no Centro Cultural da Caixa Econômica. Visitei três exposições. Duas delas tentavam manter a memória via fotografia. Aliás, fotografar é simular a paralização, o congelamento de um instante. Mas mesmo a fotografia se perde com o tempo. Algumas não chegam nem a ser reveladas ou impressas. As que o são, amarelam, rasgam, molham, somem. Mas ali estavam fotografias produzidas por dois gênios: Cláudia Andujar e Edward Curtis. Ela fotografou os Yanomami. Ele registrou a vida e os hábitos de cerca de oitenta nações indígenas norte-americanas.

João Kulcsár, curador da exposição, explica que Claudia Andujar envolveu-se com a causa indígena desde a década de 70, quando começou a usar as imagens do seu convívio com os Yanomami como instrumento de luta pela preservação da cultura, focando no reconhecimento de suas terras, pelo Estado Brasileiro. Foi uma das fundadoras da Comissão pela Criação do Parque Yanomami em 1978. Claudia em sua procura interior leva para suas fotografias a compreensão, a angústia dos indígenas.
Para fazer um tabalho autoral, Claudia passou um longo período perambulando entre aldeias e floresta. Demorou dois anos antes de saber como transcrever em imagens o que observou e sentiu, assim compartilhou e nos ajudou a compreender melhor a cultura Yanomami.
João Kulcsár encerra dizendo que, por esse engajamento ético e profunda sensibilidade estética com os Yanomami, ela tornou-se referência fundamental para inspirar os fotógrafos contemporâneos.

Sobre Edward Sheriff Curtis (fotógrafo e etnólogo que registrou em imagens cerca de 80 nações indígenas norte-americanas), João Kulcsár explica que entre 1901 e 1930, Curtis produziu mais de quatro mil imagens. Parte desse material foi reproduzido na coleção The North American Indian, uma das mais importantes e controversas representações tradicionais da cultura indígena. Curtis apresenta uma vida cultural não viciada por devastação e deslocações forçadas destas nações, tão comum o início do século XX.
Ao ver as fotos, não pude evitar pensar que aquelas imagens não eram apenas um trabalho artístico. Elas tinham como origem gente real. Gente que andava, caçava, dançava, fazia amor, pensava e produzia riquíssima cultura. Nenhuma daquelas pessoas, porém, existia mais. Milhares de outras, parentes suas, haviam sido destruídas, massacradas por invasores que se apoderaram de suas terras e riquezas. Aqueles poucos retratados ainda eram lembrados. Por quanto tempo, ninguém sabe? Mas o que era lembrado? Apenas aquele instante. Aquele momento da pose para foto. E o restante de suas vidas - lágrimas, sorrisos, dores, prazeres, pensamentos, invenções, cânticos, amizades, disputas? Nem sinal de lembrança. E quantos outros jamais tiveram um instante sequer registrado para a posteridade? Populações inteiras desvaneceram no tempo. A mesma realidade valendo para as nações indígenas norte-americanas e para a nação Yanomami, tribo de terras que vieram a ser chamadas Brasil.
Ontem foram eles. Amanhã seremos nós. Tudo acaba em esquecimento. História, fotografia, arte - tudo isso é tentativa de imortalização, manutenção do que é, por sua própria natureza, efêmero.

As pinturas são incríveis. Não pretendem retratar nada. Não estavam ali com objetivo de fixar imagens que doutra maneira seriam esquecidas no fluxo do tempo. Nada disso. A mistura de cores e o modo como elas parecem ser jogadas na tela falam muito mais da dinâmica da vida do que da estática de uma imagem fixa. A pintora explica em video que não tenta desenhar coisa alguma. Ela prepara as cores e aplica o pincel em movimentos aleatórios, geralmente pensando em alguma coisa que captou seu olhar em algum momento do dia, mas sem tentar "retratar" o objeto de seu olhar. A disciplina que ela mesma chama de doida é a de mergulhar em seu ateliê por horas antes de começar sua pintura propriamente dita. Ela prepara cores, troca objetos de lugar, experimenta o espaço física e emocionalmente.

Ronaldo Brito, comentando "Doida Discplina" diz que a atividade da pintura repotencializa o impulso de vida, e sua disciplina específica, insubstituível, consiste em aguçar, sempre em crescendo, uma curiosidade visual pródiga e incessante.

É disso que precisamos. Não podemos impedir o fluxo das coisas, fluxo esse que nos atropela e envolve por todos os lados. Não podemos evitar permanentemente o esquecimento das que já passaram. Todavia, podemos experimentar cada emoção como se fosse única, cada momento um privilégio que não se repete, cada paixão (não necessariamente amorosa) como um sinal de que continuamos vivos.
Cheguei à conclusão de que essa certeza de que tudo acaba em esquecimento não deve nos impedir de viver, experimentar, crescer. Deve, paradoxalmente, servir de lembrete de que, se não podemos lembrar pra sempre, também não podemos nos dar ao luxo de esquecer uma coisa: a vida não oferece bis!
Como dizia John Lennon: Imagine todas as pessoas vivendo para hoje.
Esquecimento?O que eu ia escrever?rs
ResponderExcluirTive q roubar uma frase incrivel desse post,vou usar na minha primeira exposicao,mais vc tem que dar o aval logico.
História, fotografia, arte - tudo isso é tentativa de imortalização, manutenção do que é, por sua própria natureza, efêmero.
Sergio Viula
A cada dia me sinto mais ultrapassado,mesmo usando essa tal modernidade diariamente,por isso tive que comentar como anonima e assinar no fim
Marcus Tavares
Φιλακια αγαπι μου
Oi, lindo! Que comentário carinhoso. Adorei! Pode usar a frase, sim. É um prazer saber que uma frase minha vai estar do outro lado do Atlântico através de você.
ResponderExcluirSucesso na exposição. Me conta depois como foi.
Beijo,
Sergio