"Violência contra homossexuais" / Drauzio Varella

Drauzio Varella - Foto da Internet




DRAUZIO VARELLA

Violência contra homossexuais


 Folha de S.Paulo: "Violência contra homossexuais" / Drauzio Varella
São Paulo, sábado, 04 de dezembro de 2010

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Negar direitos a casais do mesmo sexo é imposição que vai contra princípios elementares de justiça
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A HOMOSSEXUALIDADE é uma ilha cercada de ignorância por todos os lados. Nesse sentido, não existe aspecto do comportamento humano que se lhe compare.

Não há descrição de civilização alguma, de qualquer época, que não faça referência a mulheres e a homens homossexuais. Apesar de tal constatação, esse comportamento ainda é chamado de antinatural.

Os que assim o julgam partem do princípio de que a natureza (leia-se Deus) criou os órgãos sexuais para a procriação; portanto, qualquer relacionamento que não envolva pênis e vagina vai contra ela (ou Ele).

Se partirmos de princípio tão frágil, como justificar a prática de sexo anal entre heterossexuais? E o sexo oral? E o beijo na boca? Deus não teria criado a boca para comer e a língua para articular palavras?

Se a homossexualidade fosse apenas uma perversão humana, não seria encontrada em outros animais. Desde o início do século 20, no entanto, ela tem sido descrita em grande variedade de invertebrados e em vertebrados, como répteis, pássaros e mamíferos.

Em alguma fase da vida de virtualmente todas as espécies de pássaros, ocorrem interações homossexuais que, pelo menos entre os machos, ocasionalmente terminam em orgasmo e ejaculação.

Comportamento homossexual foi documentado em fêmeas e machos de ao menos 71 espécies de mamíferos, incluindo ratos, camundongos, hamsters, cobaias, coelhos, porcos-espinhos, cães, gatos, cabritos, gado, porcos, antílopes, carneiros, macacos e até leões, os reis da selva.

A homossexualidade entre primatas não humanos está fartamente documentada na literatura científica. Já em 1914, Hamilton publicou no "Journal of Animal Behaviour" um estudo sobre as tendências sexuais em macacos e babuínos, no qual descreveu intercursos com contato vaginal entre as fêmeas e penetração anal entre os machos dessas espécies. Em 1917, Kempf relatou observações semelhantes.

Masturbação mútua e penetração anal estão no repertório sexual de todos os primatas já estudados, inclusive bonobos e chimpanzés, nossos parentes mais próximos.

Considerar contra a natureza as práticas homossexuais da espécie humana é ignorar todo o conhecimento adquirido pelos etologistas em mais de um século de pesquisas.

Os que se sentem pessoalmente ofendidos pela existência de homossexuais talvez imaginem que eles escolheram pertencer a essa minoria por mero capricho. Quer dizer, num belo dia, pensaram: eu poderia ser heterossexual, mas, como sou sem-vergonha, prefiro me relacionar com pessoas do mesmo sexo.

Não sejamos ridículos; quem escolheria a homossexualidade se pudesse ser como a maioria dominante? Se a vida já é dura para os heterossexuais, imagine para os outros.

A sexualidade não admite opções, simplesmente se impõe. Podemos controlar nosso comportamento; o desejo, jamais. O desejo brota da alma humana, indomável como a água que despenca da cachoeira.

Mais antiga do que a roda, a homossexualidade é tão legítima e inevitável quanto a heterossexualidade. Reprimi-la é ato de violência que deve ser punido de forma exemplar, como alguns países o fazem com o racismo.

Os que se sentem ultrajados pela presença de homossexuais que procurem no âmago das próprias inclinações sexuais as razões para justificar o ultraje. Ao contrário dos conturbados e inseguros, mulheres e homens em paz com a sexualidade pessoal aceitam a alheia com respeito e naturalidade.

Negar a pessoas do mesmo sexo permissão para viverem em uniões estáveis com os mesmos direitos das uniões heterossexuais é uma imposição abusiva que vai contra os princípios mais elementares de justiça social.

Os pastores de almas que se opõem ao casamento entre homossexuais têm o direito de recomendar a seus rebanhos que não o façam, mas não podem ser nazistas a ponto de pretender impor sua vontade aos mais esclarecidos.

Afinal, caro leitor, a menos que suas noites sejam atormentadas por fantasias sexuais inconfessáveis, que diferença faz se a colega de escritório é apaixonada por uma mulher? Se o vizinho dorme com outro homem? Se, ao morrer, o apartamento dele será herdado por um sobrinho ou pelo companheiro com quem viveu por 30 anos?


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COMENTÁRIO DESTE BLOGUEIRO


Drauzio Varella é sempre brilhante em conteúdo e forma quando comunica conhecimento. Vide a série dele no Fantástico; a mesma coisa no texto sobre o complexo prisonal do Carandirú. Isso para não falar das inumeráveis entrevistas, textos na Internet, videos no Youtube, etc. O médico sabe e divulga o que sabe; faz e faz bem o seu ofício. Ah, se todo médico tivesse esse nível de excelência profissional e compromisso social!

O texto dele reproduzido acima é maravilhoso! Entretanto, pouco antes de receber esse texto de um amigo hoje, eu estava vendo o jornal da Band e fiquei sabendo que um homossexual agredido por rapazes homofóbicos no início deste ano, que teve parte dos ossos do globo ocular dilacerados por golpes de soco inglês (apetrecho que multiplica o impacto do soco comum), voltou de uma viagem à Europa e reconheceu os agressores envolvidos em outra barbárie: aquela agressão contra três jovens na Av. Paulista, quando um deles foi atacado com uma lâmpada fluorescente. O homem voltou a procurar a polícia após reconhecer os criminosos e a situação deles ficou bem mais complicada agora.

Relembre o caso mais recente abaixo:

Texto de Cristiane Bomfim, Paulo Saldaña - O Estado de S.Paulo

Cinco jovens de classe média - um de 19 anos, um de 17 e três de 16 - foram detidos ontem de manhã na Avenida Paulista, sob acusação de terem agredido três pessoas com socos, chutes e golpes com lâmpadas fluorescentes. Na delegacia, foram identificados por outro rapaz, que contou ter sido agredido e assaltado pelo grupo. Duas vítimas disseram à polícia que teriam sido confundidos com homossexuais, e isso teria motivado a agressão.


Foto por Werther Santana
Violência: L.A.B. levou golpes de lâmpada fluorescente



Para o delegado titular do 5.º DP (Aclimação), José Matallo Neto, os ataques foram motivados por preconceito. "Talvez os agressores não gostem de pessoas afeminadas. As vítimas dizem ter sido chamadas de bicha, maricas. Isso tem de parar. Ninguém pode bater em alguém porque acha que é homossexual e porque não concorda."

Os cinco agressores vão responder por agressão gravíssima e roubo e ainda poderão, segundo o delegado, ser enquadrados no crime de formação de quadrilha. Os quatro menores - três de 16 anos e um de 17 - serão encaminhados para a Vara da Criança e Adolescente e deveriam passar a noite em uma unidade da Fundação Casa (antiga Febem).

O estudante Jonathan Lauton Domingues, de 19 anos, foi preso em flagrante. De acordo com o delegado, ele ainda pode responder por corrupção de menores e seria levado a um Centro de Detenção Provisória (CDP).

Então, é isso. A sociedade está ficando mais consciente sobre a homofobia daqueles que irracionalmente perseguem gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros. A polícia começa a dar demonstrações de competência e persistência em resolver os casos com a devida punição dos criminosos. E os homossexuais agredidos que tiveram coragem de encarar os procedimentos para registrar ocorrência e lutar por seus direitos estão de parabéns.

Já houve tempo em que os homossexuais se calavam e levavam as agressões para casa, remoendo o fato de se sentirem desamparados. E geralmente estavam. Isso mudou bastante e precisa continuar mudando. Orgulho gay também significa lutar por seus direitos na prática quando eles estão ameaçados ou são desrespeitados.

Com ou sem PLC 122, delegados, promotores e juízes precisam continuar sendo firmes no combate à intolerância. A punição também é pedagógica.

Fica aqui o recado de Drauzio Varella:

Os que se sentem ultrajados pela presença de homossexuais que procurem no âmago das próprias inclinações sexuais as razões para justificar o ultraje. Ao contrário dos conturbados e inseguros, mulheres e homens em paz com a sexualidade pessoal aceitam a alheia com respeito e naturalidade.

AMOR, SIM!
VIOLÊNCIA, NÃO!
O BRAÇO DA LEI AOS QUE PRATICAM A VIOLÊNCIA!

Comentários

  1. Obrigado, Serginho! Vc é um querido mesmo!

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  2. Dr.Drauzio Varella sempre soube das coisas. É obvio que ninguém escolhe ser homossexual mas se pudesse escolher eu certamente escolheria ser como sou ,HOMOSSEXUAL, nunca tive problemas comigo mesmo, os outros é que se incomodam. É certo que muitas vêzes as coisas não são muito fáceis porém lutando contra vc mesmo certamente nunca será feliz. Caetano Veloso tem uma frase que para mim é um lema: "cada um sabe a dor e a delicia de ser o que é" abr. Guilherme

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  3. Adorei seu comentário, Guilherme!!! Eu também - se fosse uma questão de querer continuar sendo gay ou deixar de ser - escolheria ser quem sou. Quando a gente está de bem consigo mesmo, a opinião dos outros é absolutamente irrelevante! Nosso amor - cujo nome ousamos e nos orgulhamos de dizer - é tão belo e gostoso quanto qualquer outro!

    Abraço forte, amigão.
    Sergio Viula

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  4. Concordo com todos..
    Mais um excelente post.
    E faço minhas as suas palavras:

    "Ah, se todo médico tivesse esse nível de excelência profissional e compromisso social!"

    Sou fã do Drauzio desde as suas reportagens exibidas pelo Fantástico.
    Depois de ler essa, fico ainda mais fã.
    Parabéns!

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  5. Disse tudo, Ewerton! Arrasou!!!

    Beijo grande,
    Sergio Viula

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