Cazuza: Aniversário seria o de 58 anos hoje.
Doodle publicado pelo Google hoje, dia 04/04/2016.
Por Sergio Viula
Acordei, abri a Internet para começar as rotinas do dia, e dei de cara com o Doodle acima publicado pelo Google. Amei de cara. Era aniversário do Cazuza. Se estivesse vivo, faria 58 anos hoje. O mesmo cara que em 1985 encantou no Rock'n Rio, e em sua breve, mas frutífera carreira musical, arrastou multidões.
Rebelde, contestador, ora mal educado como um adolescente sem limites, ora gentil como uma criança carente, Cazuza me deslumbrava com seu jeito de ser.
Na verdade, os dois artistas brasileiros que mexiam comigo eram Lauro Corona (ator) e Cazuza (cantor). O primeiro, antes mesmo que eu soubesse o que era uma relação sexual. O segundo, bem depois da minha primeira transa.
Em 1985, quando ele cantou no Rock'n Rio, por exemplo, eu tinha meros 16 anos de idade. Já havia me relacionado com outros meninos - um deles dos 12 aos 14 anos. Infelizmente, no início dos 16, eu já havia entrado em contato com crenças fanáticas e carregadas de homofobia sistemática. Dois anos depois, em 1987, Cazuza descobria que era portador de uma doença recém-identificada conhecida como Síndrome da Imuno-Deficiência Adquirida (SIDA em português e AIDS em inglês).
Desde 1985, ele já vinha se sentindo doente. Provavelmente, contraiu o vírus no exterior, porque a epidemia estava bem no início. Em 1989, ele assumiu publicamente que era soropositivo e deu uma verdadeira aula de bravura na luta contra a doença, sendo fundamental a atitude de sua família, especialmente de Lucinha Araújo, sua mãe, que lutou por maior assistência às pessoas soropositivas, inclusive criando a Sociedade Viva Cazuza, que atende a crianças soropositivas.
Enquanto via Cazuza cada vez mais doente, minha tristeza aumentava, mas minha admiração também, especialmente por sua decisão de enfrentar tudo e todos de cabeça erguida. Por outro lado, proliferavam os discursos apocalípticos nas igrejas e através de sua variada mídia: editoras de livros, de jornais, de revistas, pregações, etc. Adolescente e confuso sobre coisas que a igreja em nada ajudava a esclarecer, só fazendo mais por confundir, sentia-me ainda mais impelido a me "converter a Cristo", como eles costumam dizer. Burrada total! Passei 18 anos enfiado num ambiente que nada tinha a ver comigo e que nunca teria.
Felizmente, ao final desses 18 anos, deixei toda essa perda de tempo e energia, assumindo o controle da minha vida, naquilo em que pensamos controlá-la. O que quero dizer é que parei de transferir para deuses e homens ungidos ou livros sagrados a responsabilidade pelas minhas decisões e o que fazer de mim mesmo.
Infelizmente, Cazuza morreu em 07 de julho de 1990. Mas, as contestações que ele fez e a inspiração que ele deixou para muitos ainda vivem em cada música, show gravado em vídeo, e na organização assistencial que leva seu nome.
Da identificação do vírus HIV até hoje, já se foram trinta anos, e muita gente boa já se foi também, mas muita coisa avançou na testagem, prevenção e tratamento. Não há cura. Então, o melhor é evitar pegar o vírus, mas, graças às tecnologias médico-farmacêuticas, é possível viver bem e por muitos anos mesmo carregando o vírus no próprio corpo. E se for tratado corretamente, a possibilidade do portador do vírus pegar doenças oportunistas, ou de seu parceiro ou parceira pegar o HIV são quase nulas.
Se Cazuza tivesse contraído o vírus hoje, provavelmente viveria muitos anos sem grandes sofrimentos, mas somos filhos de nossas épocas. Hoje, morre mais gente de acidente vascular cerebral (AVC) e outras doenças cerebrovasculares no Brasil do que de qualquer outra doença. Em segundo lugar na lista de causas de mortes aparece o infarto agudo do miocárdio. Enquanto isso, de acordo com o Ministério da Saúde, a mortalidade provocada pelo vírus da AIDS caiu 13% na última década no País. Tudo isso, graças à ciência e trabalho de inclusão.
A quem interessar possa, sugiro a leitura de um post, onde falei rapidamente sobre Cazuza numa outra ocasião e sobre o surgimento do HIV. Reproduzo esse post ao final desse texto.
E que vivamos essa vida louca, essa vida breve, no mais das nossas potencialidades!
Beijo, Cazuza!
Sergio Viula
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Vida louca, vida breve
13/02/2016
Por Sergio Viula
Antes de tudo, quero pedir desculpas por não ter publicado nos últimos dois domingos, mas muita coisa aconteceu nessas duas semanas e não dei conta de tudo. Agradeço aos que sentiram falta e procuraram saber se estava tudo bem.
Fora de controle
A maioria de nós adora a sensação de estar no controle das coisas, mas, no fundo, isso não passa de mera ilusão. E quando não acreditamos que temos o domínio, tendemos a atribuir a condução de nossas vidas a deuses ou outros seres supostamente superiores. Esse é o teor da frase de para-choque de caminhão que diz: “eu dirijo, mas Deus me guia.” O fato é que nem nós nem deus algum está no controle do que quer que seja. A vida humana é breve, cheia de altos e baixos, cercada de riscos, e sempre passível de ser encerrada sem qualquer aviso prévio.
Isso, porém, não deve ser razão para desespero ou desmotivação. Pelo contrário, se podemos ter nossas vidas interrompidas a qualquer momento, eis aí mais um motivo para vivermos ainda mais intensamente cada momento disponível. E isso sem perder a tranquilidade de quem sabe que quando não há solução para uma ameaça à existência, não haverá oração ou pensamento positivo que nos valha.
Felizmente, graças ao desenvolvimento do conhecimento científico, já fomos capazes de coisas extraordinárias, ainda que nem sempre nos demos conta de sua grandeza. A prevenção ou cura de uma (nada) simples diarreia em crianças através do soro caseiro, já salvou bilhões da morte e é um bom exemplo disso. Existem outros muito mais complexos, mas esse mostra que as soluções para grandes problemas podem ser simples, mas nem sempre fáceis de serem encontradas. E mesmo com toda nossa ciência e tecnologia, um dia a morte chegará para nós também, com ou sem aviso prévio. E é aí que me lembro de uma canção de Cazuza: “Vida louca, vida, vida breve, já que eu não posso te levar, quero que você me leve…”
No final, ele diz: “Tô cansado de tanta babaquice, tanta caretice, dessa eterna falta do que falar. Vida louca vida, vida breve, já que eu não posso te levar, quero que você me leve..”
E é exatamente nessa “vibe” que me encontro. Na verdade, já faz algum tempo que venho vivendo assim. Viver o que há para ser vivido sem prejudicar ninguém, mas sem deixar que outros me digam como devo viver. Esses dias, disse a um amigo que decidi deixar de dançar a música alheia e tocar a minha própria. E é bem isso.
Dois pesos – a babaquice de muitos humanos
Falar de Cazuza e dessa música é lembrar de seu drama com o vírus da imunodeficiência adquirida. E quando o vírus HIV começou a infectar pessoas nos EUA, muita gente pensou e disse as maiores asneiras. De “castigo de Deus” e “praga gay” a “sinal do fim do mundo”, a estupidez típica dos desesperados ou maliciosos reinava, inclusive entre aqueles que deviam primar pela exatidão dos dados antes de espalhar superstições e boatos que imediatamente tornariam as vidas de muitos indivíduos infectados com o vírus uma experiência insuportável no momento em que mais precisavam de apoio.
Na verdade, tratava-se apenas de um microrganismo sem qualquer ideologia embutida em seu DNA, mas logo se formaram ao redor dele os mais estapafúrdios discursos. Assim como o HIV, o Ebola também fez seu estrago fatal em muitos casos, mas foi controlado rapidamente. Agora o caos está sendo promovido pelo vírus Zika, que desafia os cientistas e apavora as grávidas por estar aparentemente associado à microcefalia em fetos. No entanto, não houve uma só manchete que atribuísse os males causados pelo vírus Zika a algum castigo divino contra a “obstinação humana em procriar”, apesar da superpopulação de 9 bilhões de “parasitas humanos” que causam todo tipo de malefícios ao planeta. Pelo contrário, Deus foi convenientemente deixado fora disso, apesar da desgraça que vem se abatendo sobre esses pobres fetos e essas gestantes. Mas, eu acho que é uma boa ideia colocá-lo em foco, porque a coisa fica bem feia para o lado de Deus quando lemos que Jesus teria dito: “Não se vendem dois passarinhos por um asse? No entanto, nenhum cai por terra sem a vontade de vosso Pai.” (Mateus 10:29) Um asse era uma moeda romana de bronze de pouco valor. Então, a lógica é que se dois passarinhos valem tão pouco e Deus supostamente cuida deles, ele certamente cuidará do ser humano com muito mais diligência.
Ora, se esse é o caso, por que a microcefalia em fetos causada por um estúpido vírus, afinal de contas? Será que Deus quer que essas crianças fiquem prejudicadas pelo resto de suas vidas? Alguns dirão: “De modo algum!” Então, porque ele não impede que isso aconteça? Por que ele – todo-poderoso como dizem que é – não impede que o vírus continue existindo ou simplesmente demita o mosquito da função de vetor? Vocês já sabem a resposta, mesmo que se recusem a dizê-la: Porque não há um deus no controle de nada disso.
Ah, sim, só para garantir que ninguém deixe de entender meu ponto aqui, quero deixar claro algumas coias:
1. HIV, Ebola e Zika vêm todos do mesmo lugar: da floresta.
2. Seres ditos sobrenaturais não provocam, não impedem e não curam doenças desencadeadas por esses vírus. Nossa esperança está no trabalho dos cientistas, assim como se deu com a prevenção ou cura de várias doenças: a paralisia infantil, as hepatites A e B, o sarampo, e assim por diante.
3. Esses e outros microrganismos que nos causam danos não servem a qualquer propósito mais elevado, assim como nós não servimos a nenhum propósito mais elevado para a vida das vacas quando comemos um bife.
Olhando para tudo isso, é inacreditável que muita gente ainda renuncie a vida em troca de uma recompensa que nunca virá, ou porque tem medo de pegar alguma doença, ou porque acredita que pode sofrer algum dano. Ora, renunciar a vida é o dano. Quando você é mortal, descartar ao que você não tem condições de recuperar é uma tremenda estupidez. O melhor nome que me vem à mente para isso é DESPERDÍCIO. Eu poderia dar outros bem mais agressivos, mas não temos tempo para isso, não é verdade?
Então, se o grande barato da vida é viver, o que você ainda está fazendo aí, criança? Vá viver, se aventurar, inventar, criar, curtir o que você gosta de fazer, porque um dos meus mais queridos poetas-cantores já disse que a vida é louca, que a vida é breve. Mas, isso não quer dizer que você não pode ou não não deve tomar as precauções possíveis. O que isso quer dizer é que de um jeito ou de outro, você vai parar um dia. Então, viva! E para sua inspiração ou só para matar a saudade, encerro esse post com Cazuza.
VIDEO: https://www.youtube.com/watch?v=wYZeAkIgGA0
Excelente. Saudade de Cazuza. Tempo bom.
ResponderExcluirObrigado, Katita! Saudade tb. ^^
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