"E, no entanto, amamos... - por Ricardo Rocha Aguieiras

Por Ricardo Rocha Aguieiras




"E, no entanto, amamos...


Como é difícil amar, né? Triste perceber que a grande maioria das pessoas vai morrer sem saber o que é amar. E, para os gays, é muito mais difícil, pelo óbvio preconceito e cerceamentos. Mas, no entanto, amamos. Aliás, já falei muito que a Luta Gay é a única revolução que é por amor. A única. Pelo direito de amar. Nenhuma outra luta, no mundo, se equipara à nossa, nesse quesito. E, também no entanto, nos negam, e tornam a negar, há infinitas desculpas e justificativas para impedirem tão forte e bela revolução.

Por isso, considero parceiros gays que se unem pelo amor verdadeiros heróis, enfrentam o mundo do contra, caminhamos na contramão e em tuneis escuros, onde não há luz no fim, pois a luz somos nós, gays. Gays que amam.

No passado recente era ainda mais difícil. Quantos dramas horríveis vimos com questões de herança em famílias onde existia um gay com companheiro, um deles morria e lá estava o egoísmo familiar, contrário do amor, exigindo todos os bens e deixando o companheiro de anos e anos na míngua , após a morte desse gay . Não importava se tinham adquirido bens juntos, o gay perdia tudo e, pelo preconceito e medo da exposição preferia sumir e se calar. Para as famílias só valiam os bens materiais deixados, nunca validaram o amor gay. Queriam tudo, independente de terem expulsado esse gay no passado. Hoje, ainda acontece, mas a Justiça, ainda bem, tem se posicionado em nosso favor na maioria dos casos.

Lembro-me do poeta Reinaldo Bayrão, companheiro de décadas do militante gay, escritor e artista plástico Darcy Penteado, uma das primeiras vítimas da Aids no Brasil. Darcy sempre foi rico. Retratou princesas e artistas da Hollywood de sua época. Seu apartamento numa cobertura na rua Teixeira da Silva, no bairro Jardins, em Sampa, era enorme e uma verdadeira festa lúdica, cheio de túneis com suas obras, lá os dois viviam em felicidade. Tive o privilégio de conhecer, tanto o espaço como os grandes seres que eram, Darcy e Reinaldo. Após a morte de Darcy, a família ficou com tudo e o Reinaldo foi para a rua. Durante alguns anos eu ainda o via, sempre bêbado, numa sauna gay que existe até hoje, a Termas Le Rouge 80. Sempre procuramos acolhimento nesses espaços que os outros, não gays, condenam com, novamente, um monte de “argumentos” e negam o preconceito, negam a homofobia, negam a gayfobia. Não fica bem na foto a verdade da alma.

Um dia, Reinaldo me disse: “eu sou homem de um homem só, de um homem só”. Eu sabia que ele se referia ao Darcy. Pouco depois, Reinaldo se matou.

E, no entanto, amamos. Quem sabe sentir, quem lê nas entrelinhas da vida e nas entrelinhas dos aplicativos de paquera gay, quem enxerga o fundo dos pixels de uma selfie, percebe o amor, ali, brotando mesmo em meio ao desespero e ao medo. Fortes que somos, nós, gays, pulamos esses obstáculos melhor que cavalo de corrida lá no Jóquei Clube, tudo para nos deparar com o escondido amor que há no olhar de outro gay. Ele , o amor, existe! Um dia, irão entender. E faremos outra revolução e outra ainda e mais outra. Sempre pelo amor. Cupidos também flecham Triângulos Rosa."

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