por Sergio Viula
Essa noite, tive um sonho muito interessante envolvendo várias questões,
principalmente LGBT. Sei que contar sonhos é sempre uma forma se de expor ao
olhar treinado do psicanalista ou do psicólogo. Mas, penso que esse sonho
mereça ser compartilhado com meus leitores, pois pauta alguns pontos
interessantes da experiência sexodiversa.
Deixa eu te contar
Entrei numa joalheria com a intenção de comprar algumas peças de
presente para o Andre. Meu objetivo era fazer-lhe uma surpresa fora de qualquer
data festiva. Pretendia ver algumas pulseiras masculinas e escolher dentre elas
aquelas que combinassem com ele e que pudessem ser usadas separadamente ou
combinadas em diversas ocasiões diferentes.
A consultora, linda e atenciosa, foi me mostrando as jóias e me
encantando com cada uma. Enquanto eu ainda refletia sobre aquelas que eu
levaria, ela me mostrou um colar belíssimo de esmeraldas circundadas por
brilhantes. Ao que eu prontamente respondi com a franqueza que me é
característica, especialmente quando se trata de dinheiro.
"Lindo, mas totalmente fora das minhas possibilidades orçamentárias."
Ela sorriu despretensiosamente, enquanto recolhia a jóia e a conduzia de
volta a seu lugar de exposição.
Durante essa interação na loja, comecei a perceber que a consultora demonstrava
interesse em mim. O modo como me olhava, falava e conduzia nossa conversa tinha
todos os sinais de um flerte que respeitava a etiqueta da corte.
Comecei a me perguntar o que já havia me perguntado várias vezes depois
de sair do armário. Sim, porque isso já havia me acontecido antes. "Será que
ela não percebe que eu sou gay?"
E nesse meio tempo, eu pensava em Andre.
Talvez, eu devesse ter dito a ela desde começo que o presente era
para meu marido. Talvez, ela tenha me oferecido o colar de esmeraldas
justamente para tentar descobrir se haveria uma mulher em minha vida. Afinal,
se eu tivesse, provavelmente teria dito que o colar cairia muito bem nela. Talvez,
revelasse até seu nome. Mas, como eu só disse que não cabia no meu orçamento, é
provável que ela tivesse concluído que o caminho encontrava-se livre.
Curiosamente, depois de algum tempo, ela mudou de atitude e deixou de flertar.
O sonho muda de lugar
De repente, eu me encontro na rua, andando numa calçada. De repente,
avisto a consultora da joalheria encostada numa mureta que faz lembrar a mureta
da Urca, mas sem praia. Ela não me vê. De repente, sua saia é sacudida pelo
vento revelando mais do que ela provavelmente desejava. Sua virilha, aquela
parte que fica acima da vagina onde crescem pelos, estava perfeitamente depilada.
Sua pele era ainda mais alva ali. Porém, logo abaixo, algo inesperado se
mostrava. Ela era dona de um pênis. Seus 'anexos' revelavam beleza e singeleza.
Eu diria delicadeza mesmo, assim como tudo em seu corpo.
Não pude evitar uma breve sensação de surpresa. Ora, sendo gay e tendo
conhecimento das trangeneridades, não me causou constrangimento aquela
revelação. Pensei imediatamente no dilema daquela mulher. Comecei a fazer uma
retrospectiva de nosso encontro na joalheria.
É possível que ela tenha se interessado por mim por acreditar que eu
fosse um homem heterossexual, mas também é possível que ela tenha desistido de
flertar por ter pensado que aquela seria uma guerra perdida. Talvez ela
tenha feito a si mesma a pergunta que muitas mulheres trans se fazem o tempo
todo enquanto correspondem ao flerte dos homens que as desejam. Mas no meu caso, a corte partia dela. Isso poderia
ter criado dúvidas sobre o desfecho de um possível êxito. Ela pode ter pensado
o seguinte.
E quando chegasse a hora de nos despirmos ou de nos tocarmos intimamente?
Ela pode ter previsto alguma possível grosseria de minha parte, quando o que, no
fundo, me impediu de ceder aos encantos dela foi o fato de eu não ser heterossexual.
Além disso, ainda que ela fosse um homem como eu - o que não era o caso
- eu estava comprometido com a pessoa que ocupava meus pensamentos durante todo
o tempo em que avaliava as pulseiras masculinas de luxo que ela mesma me
apresentava. Provavelmente, a consultora pensou que fossem para uso próprio.
Como não havíamos nos falado ali perto da mureta, continuei caminhando,
já que ela não havia se dado conta da minha passagem.
Depois de acordar
Quando despertei,
contei o sonho para o Andre sem deixar de pensar no que passam as mulheres trans
quando se interessam por alguém ou quando são alvo do interesse de algum homem
em seu cotidiano. Apesar de muitos homens heterossexuais e bissexuais as
desejarem e se relacionarem com elas, dificilmente assumem a relação.
Claro que existem
muitas mulheres trans namorando ou casadas, tanto com homens como com mulheres,
pois a transgeneridade pode ser hétero, homo ou bi, assim como a cisgeneridade.
No entanto, o número de mulheres trans sem parceiro ou parceira ainda é muito
grande. Obviamente, refiro-me àquelas que desejam um relacionamento. Ninguém é
obrigado a ter ninguém para ser feliz, mas não deveria ser privado de ter
alguém se desejar viver a dois.
Gostaria que esses
homens heterossexuais e bissexuais que já se apaixonaram ou poderão se
apaixonar por uma mulher trans ou por uma travesti no futuro tivessem a mesma
fibra moral que eu e Andre temos para assumirmos nosso amor e sermos fiéis a
ele sem arrependimento ou temor algum.
Às mulheres trans de
todas as formas, cores, sabores e amores, um beijo carinhoso recheado de
admiração e solidariedade.
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