CRIS: Eu tive uma infância e adolescência muito ruins. Sofri abuso aos 8 anos, por um vizinho que era amante da minha tia, cujos filhos eram da minha idade. A família soube do abuso, mas após a comoção inicial, nada foi feito. Com o tempo, o abuso passou a ser praticado por outros vizinhos do prédio em que eu morava e progrediu também para os garotos do condomínio habitacional em que morava.
Não me preocupo mais em saber se eu sou gay por causa dos abusos ou se realmente desenvolveria minha homossexualidade de forma mais natural. Porém, a despeito disso, desde muito cedo fazia as famosas “meinhas” com os garotos do condomínio. Mas, em casa, eu era duramente reprimido através de vigilância de fala, gestos, postura, vestimentas e brincadeiras; ou seja, não pude ser uma criança “viada”, sobretudo porque eu tenho irmã mais velha que me vigiava e não me deixava brincar com as meninas, e os garotos não queriam ser meus amigos.
Então minha infância e adolescência eram fazer meinhas na rua ou ficar em casa a ver desenhos, ler quadrinhos e livros. Tive uma infância solitária.
Aos 15 anos comecei a trabalhar no McDonald’s, puxado pela minha irmã que entrou lá antes, mas com menos de um ano acabou saindo para trabalhar em outro lugar. Eu continuei lá por três anos. Na minha relação com os colegas de trabalho, comecei a me envolver com os gays – fosse como amigos ou namorados - que trabalhavam lá e passei a ser bem mais afeminado. Aos 17 anos, minha família vendo esta mudança, veio falar comigo e ameaçou me expulsar de casa. Com medo entrei no armário, de onde só tive coragem de sair aos 32 anos.
CRIS: Eu tinha 32 anos e estava casado há quase dois anos, quando comecei a me relacionar às escondidas com meu “irmão de santo”. A gente ficou saindo por uns dois meses. Então, a paixão aumentou e eu resolvi assumir o relacionamento com ele. Me separei, aluguei uma casa e fui morar com o rapaz.
BFA: O que mudou na sua vida a sua saída do armário?
CRIS: O processo de mudança foi um bocado complicado. Em primeiro lugar, a família mais uma vez tentou me empurrar de volta para o armário com aquele discurso de família e sociedade, mas que não colou mais.
As mudanças positivas só começaram na minha vida realmente, após eu buscar ajuda em Narcóticos Anônimos - o que me ajudou a ficar limpo e mudar a minha vida.
BFA: Você está fazendo uma pós-graduação que dialoga com as temáticas LGBT+. Fale-nos um pouco sobre essa nova realização.
CRIS: Eu tomei conhecimento do curso através de um grupo do WhatsApp. Fiz a inscrição para o processo seletivo, passei pelas etapas e fui aprovado em 12º lugar.
CRIS: Eu conheço o Grupo Conexão G de Cidadania LGBT de Favelas há uns três anos, mas comecei a me aproximar do coletivo após a Parada LGBT da Maré, ano passado. Ao saber que tinha sido demitida da escola onde eu trabalhava, recebi o convite da Gilmara Cunha parar compor a equipe em janeiro deste ano.
O Conexão é a primeira ONG LGBT em território de favelas. Nosso trabalho busca dar visibilidade, formação, empregabilidade, informação e saúde às pessoas LGBTI+ que moram no Complexo da Maré e outras comunidades. Fazemos curso de capacitação, damos assistência social e encaminhamos demandas para órgãos públicos competentes. Atualmente, por conta da pandemia, estamos com campanhas de doação de recursos para distribuição de cestas básicas à nossa população, que é a mais atingida com a atual conjuntura de crise.
CRIS: Para os moradores de favelas, a pandemia, além da ausência de políticas de empregabilidade, educação, saúde, cultura e lazer - permeadas pela racionalidade da subalternização e da precarização - vem gerando um impacto brutal sobre a sua condição de subsistência, afetando a vida das pessoas no âmbito da direito à mobilidade, da diminuição da renda familiar, da fome, do duplo adoecimento e da dificuldade de acesso aos serviços de saúde que atendem estes territórios. Somado a tudo isso, existe um fator a mais, que é a negligência do poder público e a intensificação da violência que já acometia nossos territórios, uma vez que as operações policiais não pararam.
Para a população LGBTI+, sobretudo para a população trans, que compõe também o grupo de risco, basicamente por conta de sua dissidência do binarismo cis-heteronormativo (fazendo com que, muitas vezes, sequer possuam documentação que lhes permitiria acessar o auxílio emergencial “disponível” à população em geral), a ausência de políticas públicas de empregabilidade (o que força essas travestis e transexuais a continuarem nas ruas se prostituindo em meio à pandemia) e a estigmatização de acesso aos sistemas de saúde e proteção social.
BFA: O que tem sido feito para ajudar essas pessoas?
CRIS: Para tentar minimizar os impactos, os próprios moradores de favelas têm se mobilizado e criado alternativas de enfrentamento à proliferação da Covid-19. Essas ações se baseiam em algumas frentes como o compartilhamento e coleta de informações de prevenção e sintomas; recolhimento de doações para compra de alimentação e materiais de limpeza; medidas educativas sobre a importância do racionamento de água; monitoramento de pessoas que são consideradas do grupo de risco, entre outras ações coletivas que visam a garantir a vida e a dignidade dessas pessoas.
O Grupo Conexão G, também, logo no início do lançamento das medidas de contenção da epidemia, começou uma campanha de arrecadação de fundos para doação de cestas básicas com alimentos, materiais de limpeza e higiene e diversas outras ações no território da Maré. Trabalhando em parceria com as outras instituições do Complexo da Maré, o Conexão G conseguiu atender e entregar cestas básicas a cerca de 500 famílias LGBTI+ da comunidade, mas infelizmente ainda não foi possível alcançar todas.
CRIS: Gostaria de falar um pouco da minha relação com o uso abusivo de drogas.
Comecei a usar maconha e cocaína com 20 anos. Usava de forma recreativa, mas, gradativamente, a droga foi tomando conta da minha vida até se tornar a única coisa que importava na minha vida.
CRIS: Por mais que o mundo seja contra você, não desista da vida. O mundo nos odeia, então não podemos lhe dar o gosto da vitória. Nós existimos e resistimos, apesar de tudo. Ame-se sempre em primeiro lugar.




















