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Entrevista: Conheça Cris Lacerda e sua história de superação

Semana da Diversidade na Maré (2018) - Crédito: Agência de Notícias das Favelas - http://www.anf.org.br/semana-da-diversidade-na-mare/


O Grupo Conexão G desenvolve várias atividades no Complexo da Maré no Rio de Janeiro, como a Semana da Diversidade (foto e link acima). 

A seguir, você verá uma entrevista com Cris Lacerda, coordenadore de comunicação do Conexão G. 

O Blog Fora do Armário (BFA) deseja a todos, todas e todes uma ótima leitura.





BFA: Como foi sua infância e adolescência como menino gay?

CRIS: Eu tive uma infância e adolescência muito ruins. Sofri abuso aos 8 anos, por um vizinho que era amante da minha tia, cujos filhos eram da minha idade. A família soube do abuso, mas após a comoção inicial, nada foi feito. Com o tempo, o abuso passou a ser praticado por outros vizinhos do prédio em que eu morava e progrediu também para os garotos do condomínio habitacional em que morava.

Não me preocupo mais em saber se eu sou gay por causa dos abusos ou se realmente desenvolveria minha homossexualidade de forma mais natural. Porém, a despeito disso, desde muito cedo fazia as famosas “meinhas” com os garotos do condomínio. Mas, em casa, eu era duramente reprimido através de vigilância de fala, gestos, postura, vestimentas e brincadeiras; ou seja, não pude ser uma criança “viada”, sobretudo porque eu tenho irmã mais velha que me vigiava e não me deixava brincar com as meninas, e os garotos não queriam ser meus amigos.


Cris Lacerda aos 12 anos


Então minha infância e adolescência eram fazer meinhas na rua ou ficar em casa a ver desenhos, ler quadrinhos e livros. Tive uma infância solitária.

Aos 15 anos comecei a trabalhar no McDonald’s, puxado pela minha irmã que entrou lá antes, mas com menos de um ano acabou saindo para trabalhar em outro lugar. Eu continuei lá por três anos. Na minha relação com os colegas de trabalho, comecei a me envolver com os gays – fosse como amigos ou namorados - que trabalhavam lá e passei a ser bem mais afeminado. Aos 17 anos, minha família vendo esta mudança, veio falar comigo e ameaçou me expulsar de casa. Com medo entrei no armário, de onde só tive coragem de sair aos 32 anos.

[Nota do BFA: "meinha" é uma gíria que significa brincadeiras sexuais entre garotos]

BFA: Quando foi que você decidiu que era hora de sair do armário? Qual foi a gota d'água para você dizer chega?

CRIS: Eu tinha 32 anos e estava casado há quase dois anos, quando comecei a me relacionar às escondidas com meu “irmão de santo”. A gente ficou saindo por uns dois meses. Então, a paixão aumentou e eu resolvi assumir o relacionamento com ele. Me separei, aluguei uma casa e fui morar com o rapaz.

BFA: O que mudou na sua vida a sua saída do armário?

CRIS: O processo de mudança foi um bocado complicado. Em primeiro lugar, a família mais uma vez tentou me empurrar de volta para o armário com aquele discurso de família e sociedade, mas que não colou mais. 

Em segundo lugar, saí do barracão no qual trabalhava como médium, e muitos dos amigos que  eu tinha se afastaram (cerca de 90% deles), de outros eu mesmo preferi me afastar. 

Em terceiro lugar, o relacionamento não deu certo e, após três meses, nos separamos; foi uma situação muito traumática para mim e como consequência da frustração acabou me afundando no vício do álcool e da cocaína, (comecei a usar drogas ilícitas com 20 anos e só consegui parar aos 42 anos de idade). 

Por último, mesmo me assumindo como gay, eu era o cara discreto e fora do meio, que reproduzia muito machismo, homofobia e transfobia (eu só me descontruí a partir do momento que comecei a militar no movimento LGBTI+ organizado).


Cris Lacerda aos 42 anos


As mudanças positivas só começaram na minha vida realmente, após eu buscar ajuda em Narcóticos Anônimos - o que me ajudou a ficar limpo e mudar a minha vida.


BFA: Você está fazendo uma pós-graduação que dialoga com as temáticas LGBT+. Fale-nos um pouco sobre essa nova realização.

CRIS: Eu tomei conhecimento do curso através de um grupo do WhatsApp. Fiz a inscrição para o processo seletivo, passei pelas etapas e fui aprovado em 12º lugar. 

O curso era Cidades, Políticas Publicas e Movimentos Sociais e foi promovido pelo IPPUR/UFRJ. 

Entrei no curso como ativista LGBTI+ e ao longo do curso percebi que havia muito pouca produção acadêmica na área de planejamento urbano que abordasse a relação de LGBTI+ com os espações da cidade. Então procurei fazer um trabalho que pudesse mesclar a minha experiência como ativista e as teorias hegemônicas da área do planejamento.

BFA: Atualmente, você está trabalhando com o Grupo Conexão G. O que exatamente esse grupo faz e quais são os principais projetos do grupo no momento?

CRIS: Eu conheço o Grupo Conexão G de Cidadania LGBT de Favelas há uns três anos, mas comecei a me aproximar do coletivo após a Parada LGBT da Maré, ano passado. Ao saber que tinha sido demitida da escola onde eu trabalhava, recebi o convite da Gilmara Cunha parar compor a equipe em janeiro deste ano.

O Conexão é a primeira ONG LGBT em território de favelas. Nosso trabalho busca dar visibilidade, formação, empregabilidade, informação e saúde às pessoas LGBTI+ que moram no Complexo da Maré e outras comunidades. Fazemos curso de capacitação, damos assistência social e encaminhamos demandas para órgãos públicos competentes. Atualmente, por conta da pandemia, estamos com campanhas de doação de recursos para distribuição de cestas básicas à nossa população, que é a mais atingida com a atual conjuntura de crise.

[Nota do BFA: As favelas que formam o Complexo da Maré, na cidade do Rio de Janeiro, são: Baixa do Sapateiro, Morro do Timbau, Parque Maré, Nova Maré, Nova Holanda, Rubens Vaz, Parque União, Conjunto Esperança, Conjunto Pinheiros, Vila do Pinheiro, Vila do João, 'Salsa e Merengue', Marcílio Dias, Roquete Pinto, Praia de Ramos, Bento Ribeiro Dantas.]

BFA: Como você vê a situação das pessoas LGBT+ em meio à crise causada pelo Covid-19, especialmente aquelas que moram em comunidades?

CRIS: Para os moradores de favelas, a pandemia, além da ausência de políticas de empregabilidade, educação, saúde, cultura e lazer - permeadas pela racionalidade da subalternização e da precarização - vem gerando um impacto brutal sobre a sua condição de subsistência, afetando a vida das pessoas no âmbito da direito à mobilidade, da diminuição da renda familiar, da fome, do duplo adoecimento e da dificuldade de acesso aos serviços de saúde que atendem estes territórios. Somado a tudo isso, existe um fator a mais, que é a negligência do poder público e a intensificação da violência que já acometia nossos territórios, uma vez que as operações policiais não pararam.

Para a população LGBTI+, sobretudo para a população trans, que compõe também o grupo de risco, basicamente por conta de sua dissidência do binarismo cis-heteronormativo (fazendo com que, muitas vezes, sequer possuam documentação que lhes permitiria acessar o auxílio emergencial “disponível” à população em geral), a ausência de políticas públicas de empregabilidade (o que força essas travestis e transexuais a continuarem nas ruas se prostituindo em meio à pandemia) e a estigmatização de acesso aos sistemas de saúde e proteção social. 

Assim, os corpos-subjetividades que estão à margem do modelo social normativo compõem significativa parcela de excluídos do reconhecimento do cidadão e das medidas de combate ao coronavírus. Além disso, a população LBGTQI+ está entre as mais vulneráveis aos riscos e danos à saúde provocados pela COVID-19 por terem menos acesso ao sistema de saúde de qualidade, além de constituírem-se em grupo alvo de uma variedade de doenças crônicas, sobretudo o HIV/AIDS.

BFA: O que tem sido feito para ajudar essas pessoas?

CRIS: Para tentar minimizar os impactos, os próprios moradores de favelas têm se mobilizado e criado alternativas de enfrentamento à proliferação da Covid-19. Essas ações se baseiam em algumas frentes como o compartilhamento e coleta de informações de prevenção e sintomas; recolhimento de doações para compra de alimentação e materiais de limpeza; medidas educativas sobre a importância do racionamento de água; monitoramento de pessoas que são consideradas do grupo de risco, entre outras ações coletivas que visam a garantir a vida e a dignidade dessas pessoas.

O Grupo Conexão G, também, logo no início do lançamento das medidas de contenção da epidemia, começou uma campanha de arrecadação de fundos para doação de cestas básicas com alimentos, materiais de limpeza e higiene e diversas outras ações no território da Maré. Trabalhando em parceria com as outras instituições do Complexo da Maré, o Conexão G conseguiu atender e entregar cestas básicas a cerca de 500 famílias LGBTI+ da comunidade, mas infelizmente ainda não foi possível alcançar todas.


Cris Lacerda, janeiro de 2020


Conheça essa iniciativa que visa à redução da incidência do Coronavírus no Complexo da Maré e dá início à construção da Casa da Diversidade: 

https://benfeitoria.com/lgbts-da-mare-unidos-contra-o-coronavirus-ff4



BFA: O que você gostaria de dizer que não tenha sido perguntado até aqui?

CRIS: Gostaria de falar um pouco da minha relação com o uso abusivo de drogas.

Comecei a usar maconha e cocaína com 20 anos. Usava de forma recreativa, mas, gradativamente, a droga foi tomando conta da minha vida até se tornar a única coisa que importava na minha vida. 

Após o término do namoro com o Rafael, me afundei muito mais no vício, o que me levou a ser morador de rua em 2010. 

Fui internado por duas vezes, entrei num grupo de ajuda mútua, mas foi só em 2015 que eu consegui manter a sobriedade e mudei a minha vida para melhor. Estou sóbrio e sem usar cocaína há 5 anos e 1 mês.

BFA: Que mensagem você gostaria de deixar para pessoas LGBT+, sejam elas engajadas ou não no ativismo pró-LGBT+?

CRIS: Por mais que o mundo seja contra você, não desista da vida. O mundo nos odeia, então não podemos lhe dar o gosto da vitória. Nós existimos e resistimos, apesar de tudo. Ame-se sempre em primeiro lugar.


LEIA TAMBÉM ESSE TEXTO DE CRIS LACERDA:

COVID-19: SOCIEDADE CIVIL DÁ SUPORTE A POPULAÇÃO LGBTI+ EM FAVELAS CARIOCAS

https://www.brasildedireitos.org.br/noticias/608-covid-19-sociedade-civil-d-suporte-a-populao-lgbti-em-favelas-cariocas

TIM Convida Orgulho LGBT (assista aqui)

Não esqueça de avançar o vídeo para o minuto 26:20, 
que é quando começa a live (agora gravada)



Como parte das ações para celebrar o mês do Orgulho LGBT grandes nomes LGBTs, que representam a diversidade racial, geracional, gênero e pessoa com deficiência, discutem as conquistas e desafios da comunidade LGBT no mercado de trabalho, e dão dicas de como podemos combater a discriminação e contribuir para uma sociedade mais inclusiva.


Não esqueça de avançar o vídeo para o minuto 26:20, 
que é quando começa a live (agora gravada)


Mediação:
 
Rodrigo França – ator, filósofo e cientista social

Convidados:

Consuelo Cruz – Editora de Conteúdo GNT e líder do grupo de afinidade étnico-racial do grupo Globo
Lucas de Abreu Maia – Jornalista e cientista político
Maite Schneider – Co-fundadora da TransEmpregos
Reinaldo Bulgarelli – Secretário Executivo do Fórum de Empresas e Direitos LGBTI+
 
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Não esqueça de avançar o vídeo para o minuto 26:20, 
que é quando começa a live (agora gravada)

https://www.youtube.com/watch?v=zT0piXiWGGQ&list=LL6LwGcrcTEWxqpFqJQVZn_w

Legisladores do Gabão começam a descriminalizar a homossexualidade





O Gabão avança no processo de descriminalizar a homossexualidade no país.



Uma lei arcaica que criminalizava a homossexualidade está a um passo de ser finalmente extinta no Gabão.

48 membros do parlamento gabonês votaram pela revisão de uma lei que viola os direitos fundamentais das pessoas homossexuais no país. Entre os que se posicionaram contra essa correção de injustiças, o painel contabilizou 24 legisladores, além de outros 25 que se abstiveram do voto.

Essa vitória é o primeiro passo concreto para a derrubada da lei antigay que legitimava a violência estatal contra a comunidade homossexual e, por extensão, a comunidade LGBT+ como um todo.



Sylvia Bongo Ondimba, a esposa do presidente do Gabão Ali Bongo Ondimba, elogiou o resutlado, escrevendo no Twitter: "O Parlamento está restaurando um direito fundamental para seus cidadãos: que é o de amar, livremente, sem ser condenado."

O projeto de lei, porém, precisa passar pelo Senado para ser efetivamente incluído na legislação.


Libreville, Gabão


Vale lembrar que deixar de considerar as relações homossexuais como crime constitui-se no primeiro passo para o reconhecimento de todos os direitos civis da comunidade LGBT+ em qualquer país que ainda mantenha leis como essa que ainda vige no Gabão - esperamos que por muito pouco tempo agora.

Perguntaram-me se ser LGBT me define

Por Sergio Viula




Só queria dizer isso aí mesmo.


E para quem sabe ler em alemão, se houver curiosidade por causa da legenda da foto, aí vaí o link da matéria: 

https://www.dw.com/de/schwulenheilung-auf-dem-vormasch/a-40618005

🌈 Gay até sonhando 🌈

por Sergio Viula

Essa noite, tive um sonho muito interessante envolvendo várias questões, principalmente LGBT. Sei que contar sonhos é sempre uma forma se de expor ao olhar treinado do psicanalista ou do psicólogo. Mas, penso que esse sonho mereça ser compartilhado com meus leitores, pois pauta alguns pontos interessantes da experiência sexodiversa.

Deixa eu te contar

Entrei numa joalheria com a intenção de comprar algumas peças de presente para o Andre. Meu objetivo era fazer-lhe uma surpresa fora de qualquer data festiva. Pretendia ver algumas pulseiras masculinas e escolher dentre elas aquelas que combinassem com ele e que pudessem ser usadas separadamente ou combinadas em diversas ocasiões diferentes.

A consultora, linda e atenciosa, foi me mostrando as jóias e me encantando com cada uma. Enquanto eu ainda refletia sobre aquelas que eu levaria, ela me mostrou um colar belíssimo de esmeraldas circundadas por brilhantes. Ao que eu prontamente respondi com a franqueza que me é característica, especialmente quando se trata de dinheiro.

"Lindo, mas totalmente fora das minhas possibilidades orçamentárias."

Ela sorriu despretensiosamente, enquanto recolhia a jóia e a conduzia de volta a seu lugar de exposição.

Durante essa interação na loja, comecei a perceber que a consultora demonstrava interesse em mim. O modo como me olhava, falava e conduzia nossa conversa tinha todos os sinais de um flerte que respeitava a etiqueta da corte.

Comecei a me perguntar o que já havia me perguntado várias vezes depois de sair do armário. Sim, porque isso já havia me acontecido antes. "Será que ela não percebe que eu sou gay?"

E nesse meio tempo, eu pensava em Andre.

Talvez, eu devesse ter dito a ela desde  começo que o presente era para meu marido. Talvez, ela tenha me oferecido o colar de esmeraldas justamente para tentar descobrir se haveria uma mulher em minha vida. Afinal, se eu tivesse, provavelmente teria dito que o colar cairia muito bem nela. Talvez, revelasse até seu nome. Mas, como eu só disse que não cabia no meu orçamento, é provável que ela tivesse concluído que o caminho encontrava-se livre. 

Curiosamente, depois de algum tempo, ela mudou de atitude e deixou de flertar.


O sonho muda de lugar

De repente, eu me encontro na rua, andando numa calçada. De repente, avisto a consultora da joalheria encostada numa mureta que faz lembrar a mureta da Urca, mas sem praia. Ela não me vê. De repente, sua saia é sacudida pelo vento revelando mais do que ela provavelmente desejava. Sua virilha, aquela parte que fica acima da vagina onde crescem pelos, estava perfeitamente depilada. Sua pele era ainda mais alva ali. Porém, logo abaixo, algo inesperado se mostrava. Ela era dona de um pênis. Seus 'anexos' revelavam beleza e singeleza. Eu diria delicadeza mesmo, assim como tudo em seu corpo.

Não pude evitar uma breve sensação de surpresa. Ora, sendo gay e tendo conhecimento das trangeneridades, não me causou constrangimento aquela revelação. Pensei imediatamente no dilema daquela mulher. Comecei a fazer uma retrospectiva de nosso encontro na joalheria.
É possível que ela tenha se interessado por mim por acreditar que eu fosse um homem heterossexual, mas também é possível que ela tenha desistido de flertar por ter pensado que aquela seria uma guerra perdida. Talvez ela tenha feito a si mesma a pergunta que muitas mulheres trans se fazem o tempo todo enquanto correspondem ao flerte dos homens que as desejam.  Mas no meu caso, a corte partia dela. Isso poderia ter criado dúvidas sobre o desfecho de um possível êxito. Ela pode ter pensado o seguinte.

E quando chegasse a hora de nos despirmos ou de nos tocarmos intimamente? Ela pode ter previsto alguma possível grosseria de minha parte, quando o que, no fundo, me impediu de ceder aos encantos dela foi o fato de eu não ser heterossexual.

Além disso, ainda que ela fosse um homem como eu - o que não era o caso - eu estava comprometido com a pessoa que ocupava meus pensamentos durante todo o tempo em que avaliava as pulseiras masculinas de luxo que ela mesma me apresentava. Provavelmente, a consultora pensou que fossem para uso próprio.

Como não havíamos nos falado ali perto da mureta, continuei caminhando, já que ela não havia se dado conta da minha passagem.


Depois de acordar

Quando despertei, contei o sonho para o Andre sem deixar de pensar no que passam as mulheres trans quando se interessam por alguém ou quando são alvo do interesse de algum homem em seu cotidiano. Apesar de muitos homens heterossexuais e bissexuais as desejarem e se relacionarem com elas, dificilmente assumem a relação.

Claro que existem muitas mulheres trans namorando ou casadas, tanto com homens como com mulheres, pois a transgeneridade pode ser hétero, homo ou bi, assim como a cisgeneridade. No entanto, o número de mulheres trans sem parceiro ou parceira ainda é muito grande. Obviamente, refiro-me àquelas que desejam um relacionamento. Ninguém é obrigado a ter ninguém para ser feliz, mas não deveria ser privado de ter alguém se desejar viver a dois.

Gostaria que esses homens heterossexuais e bissexuais que já se apaixonaram ou poderão se apaixonar por uma mulher trans ou por uma travesti no futuro tivessem a mesma fibra moral que eu e Andre temos para assumirmos nosso amor e sermos fiéis a ele sem arrependimento ou temor algum.

Às mulheres trans de todas as formas, cores, sabores e amores, um beijo carinhoso recheado de admiração e solidariedade.


Que semana!

Por Sergio Viula







Que semana! Não é fácil ver o país afundando nas mãos de incompetentes e mal-intencionados.

Apesar deles, a vida segue.

Já são 2 meses e mais de uma semana em isolamento aqui em casa. Graças a isso, tenho conseguido manter o coronavírus longe de mim. Não brinco com isso, mas apesar da minha seriedade, nunca se pode ter certeza de que uma doença ficará fora do nosso corpo enquanto não houver uma vacina. Com ela, se esse miserável entrar, morre.

Parece que avanços fantásticos já estão sendo feitos por cientistas ligados a uma empresa de produção de vacinas nos EUA. Se tudo correr bem, é provável que tenhamos um meio imunização contra o Covid-19 antes do final do ano.

CONHECIMENTO SALVA, ESTUPIDEZ MATA, especialmente quando tem algum grau de fanatismo, principalmente religioso ou político.

Portanto, não morra na praia. ESPERE! Tudo o que for perdido ou deixar de ser ganho agora poderá ser recuperado, desde que você permaneça vivo.

Eu estou nessa vibe. Vem comigo!

Por que 17 de maio veio a ser o Dia Internacional de Combate à Homofobia?

Por Sergio Viula




Viva a diversidade... fora do armário, por favor!



Todo dia 17 de maio, celebra-se o Dia Internacional de Combate à Homofobia. Interessante é o que motivou a inclusão desse dia no calendário internacional. Não foi iniciativa de algum grupo de ativismo gay, apesar de muitos ativistas acumularem longa quilometragem no combate à homofobia naquela ocasião. Veja como foi,

A OMS (Organização Mundial de Saúde) retirou a homossexualidade da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID) e declarou que 17 de maio seria o dia oficial de mobilização contra qualquer forma de discriminação contra as pessoas homoafetivas.

Na prática, essa decisão sinaliza e celebra o fato de que amar ou se relacionar com alguém do mesmo sexo não carrega, em si, qualquer sinal de doença, e que a homossexualidade e seus afetos não são passíveis de modificação ou repressão.

A luta contra o preconceito contra pessoas homoafetivas trilhou e continua trilhando um árduo caminho de esclarecimento e conscientização, principalmente porque ainda existem instuições e/ou indivíduos que se esforçam em alimentar a ignorância e o ódio que ainda sustentam a homofobia em diversos círculos, especialmente em três instâncias com as quais o indivíduo entra em contato logo que chega ao mundo, como a família, ou muito cedo em sua infância, como a religião e a escola.

Criminalização da homofobia e da transfobia no Brasil

Em nosso país, segundo o portal do Senado, as primeiras proposições legislativas contra a patologização da homofobia e outras formas de discriminação foram apresentadas em 2010.

O portal do Senado diz que, nos últimos 10 anos, a Casa analisou 18 proposições - o que perfez a média de quase uma por ano.

Portal do Senado: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2020/05/15/brasil-celebra-no-domingo-o-dia-nacional-de-combate-a-homofobia

Esse tempo todo acrescido da quantidade de proposições sem uma decisão clara e definitiva contra a discriminação homofóbica e as violências decorrentes dela evidenciam a má vontade da maioria dos senadores e da presidência daquela casa ao longo de tempo para com o reconhecimento pleno da cidadania do indivíduo homoafetivo.

Na verdade, fica na conta de senadores ligados a setores homofobicamente supersticiosos da sociedade o impedimento da aprovação de qualquer proposição que visasse a criminalizar explicitamente a homofobia no Brasil - o que contraria frontalmente a natureza de nossa Constituição humanista e pluralista.

Todavia, graças a um extenso julgamento do Supremo Tribunal Federal, dividido em três sessões diferentes, a discriminação e as violências decorrentes da homofobia e da transfobia foram consideradas como crimes de ódio em paridade com os crimes de racismo 13 de junho de 2019.


O STF determinou que se cumpra a Constituição


Como diz o site Notícias STF, "o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu que houve omissão inconstitucional do Congresso Nacional por não editar lei que criminalize atos de homofobia e de transfobia. O julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 26, de relatoria do ministro Celso de Mello, e do Mandado de Injunção (MI) 4733, relatado pelo ministro Edson Fachin, foi concluído na tarde desta quinta-feira (13)." (grifo meu)

Notícias STF: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=414010

Naquela quinta-feira, 13 de junho de 2019, todos os ministros, exceto Marco Aurélio, reconheceram a mora do Congresso. Por mora, entenda-se lentidão injustificada.

Sobre isso, diz o site Notícias STF: "Por maioria, a Corte reconheceu a mora do Congresso Nacional para incriminar atos atentatórios a direitos fundamentais dos integrantes da comunidade LGBT. Os ministros Celso de Mello, Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes votaram pelo enquadramento da homofobia e da transfobia como tipo penal definido na Lei do Racismo (Lei 7.716/1989) até que o Congresso Nacional edite lei sobre a matéria. Nesse ponto, ficaram vencidos os ministros Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli, por entenderem que a conduta só pode ser punida mediante lei aprovada pelo Legislativo. O ministro Marco Aurélio não reconhecia a mora."

A decisão deixou claro que o Congresso não pode votar qualquer proposição que contradiga a decisão da Suprema Corte.

Em tempos de coronavírus, o arco-íris mostra sua cara (de máscara)

Na Polônia, país onde uma ala ferozmente homofóbica da igreja católica fomenta contínua discriminação contra a comunidade LGBT, inclusive com fortíssima influência sobre o governo, um casal encontrou um jeito bem-humorado e estratégico para enviar uma mensagem de amor em nome da comunidade homoafetiva daquele país.



Jakub e David - poloneses combatendo o coronavírus e a homofobia

Jakub e David decidiram confeccionar e distribuir máscaras com as cores do arco-íris gratuitamente nas ruas de Gdańsk, Gdynia e Sopot. Para isso, Jakub pegou emprestada a máquina de costurar de sua avó. O casal produziu 300 máscaras.

Na Polônia, homofóbicos em diversos setores da sociedade se referem à homossexualidade como "praga gay". Então, Jakub e David acharam uma boa ideia mostrar que a suposta "praga gay" está ajudando a combater uma praga de verdade: o coronavírus.

Observtório IG: https://observatoriog.bol.uol.com.br/noticias/2020/04/casal-gay-distribui-mascaras-arco-iris-para-combater-coronavirus-e-homofobia

No Brasil, sob o comando de Nélio Georgini, a Coordenadoria da Diversidade Sexual da Prefeitura do Rio de Janeiro (CEDS-Rio) também distribuiu máscaras com as cores do arco-íris e promoveu ações de socorro a pessoas LGBT em situação de vulnerabilidade.


Nélio Georgini - Coordenador da CEDS-Rio

"Nossa ideia foi de conscientizar a população sobre a importância do uso das máscaras contra a propagação do coronavírus e, ao mesmo tempo, levar uma mensagem positiva contra a LGBTfobia e o preconceito, em meio à pandemia. Nós, que temos a experiência com trabalhos de prevenção às ISTs (Infecções Sexualmente Transmissíveis) que promovemos durante todo o ano, queremos usar nossa expertise para ganhar essa batalha contra a propagação do vírus" - explica o Coordenador Especial da Diversidade Sexual Nélio Georgini. 

Fonte: CEDS-Rio - https://prefeitura.rio/cidade/prefeitura-do-rio-produz-mascaras-de-prevencao-a-covid-19-com-a-bandeira-lgbt-para-lembrar-o-dia-internacional-de-combate-a-lgbtfobia/


Sangue bom

Depois que a epidemia de coronavírus ganhou proporção, a Dinamarca, a Irlanda do Norte e os Estados Unidos afrouxaram as restrições que impediam homens que fazem sexo com outros homens de doar sangue. A regra foi estabelecidas na década de 1980, quando pouco ainda se sabia sobre o HIV e a testagem ainda era bastante precária. Não existe razão para manter essa distinção atualmente, mas 50 países ainda o fazem.
Muito à frente desse trio, a Argentina acabou com essa discriminação em setembro de 2015 - mais de três anos antes do coronavírus contaminar o primeiro humano do planeta.


Parabéns, hermanos argentinos!

Agora, foi a vez do Brasil. Desde 2017, tramitava no STF uma ação que alegava inconstitucionalidade em relação à referida restrição. O atraso do julgamento em dois anos foi ocasionado pelo pedido de vistas (mais tempo para analisar) feito pelo ministro Gilmar Mendes na ocasião.



Mateus Cardoso, jovem gay que doou sangue
pela primeira vez depois da decisão do STF
Hemolagos, 13/05/20, Cabo Frio, na Região dos Lagos do Rio
Ele fez questão de registrar o momento. (Fonte: F11 Portal)

Retomado o julgamento em 1º de maio desse ano, Gilmar Mendes votou pela suspensão da restrição, tendo sido acompanhado pela maioria dos ministros do STF ao longo do julgamento que se encerrou em dia 08 de maio último. Gays podem doar sangue como todo mundo! Que tristeza termos que banir uma discriminação estúpida como essa a partir de uma ação judicial. Evolui, humanidade!

Fonte: https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/05/01/maioria-dos-ministros-do-stf-vota-pelo-fim-de-restricoes-a-doacao-de-sangue-por-gays.ghtml


"Cura gay" é fraude

A despatologização da homossexualidade pela OMS sofreu um momentâneo revés no Brasil, quando, em 2017, um juiz da 14ª Vara Federal do Distrito Federal concedeu liminar a autora de duas ações que visavam a anular a resolução do Conselho Federal de Psicologia, de 1 de janeiro de 1999, que proíbe os psicólogos de promoverem discriminação contra os homossexuais sob o pretexto de que a homossexualidade seja distúrbio ou que precise de tratamento.

A decisão foi criticada por juristas e outras pessoas ligadas ao Direito, além de vários setores da sociedade que viram nisso uma violação das atribuições do conselho regulador da profissão de psicólogo e uma agressão contra toda a população homoafetiva.

Além disso, tal decisão seguia na contramão de todos os países cientificamente desenvolvidos, os quais vêm aprovando leis contra a fraude da "cura gay" por não se justificar de modo algum, não funcionar de modo algum, e ainda causar danos psíquicos aos que se submetem a ela.

Felizmente, a decisão do tal juiz veio abaixo quando o Conselho Federal de Psicologia recorreu ao Supremo Tribunal Federal contra a referida liminar. Em 09 de abril de 2019, a ministra do STF Carmen Lúcia concedeu uma liminar que derrubava a decisão do juiz de instância inferior, que havia usurpado uma atribuição que diz respeito ao STF, conforme o artigo 102 da Constituição. Carmem Lúcia restabeleceu a proibição do Conselho Federal de Psicologia contra a terapia de reversão sexual, popularmente conhecida como “cura gay”.

Em nota, o presidente do Conselho, Rogério Giannini, comemorou. "Decisão muito acertada e bem-vinda. Parabenizo todas e todos que defendem a sociedade e a psicologia brasileira", disse.

De fato, uma sociedade esclarecida e pluralista não pode se curvar a preconceitos, muito menos baseados em superstições que não se sustentam diante do conhecimento já acumulado e do exame racional.


Entrevista na UOL: 
https://www.facebook.com/OrgulhoGayBR/posts/2546827038878684/



Sobre isso, recomendo a leitura de um texto de minha autoria intitulado "A homossexualidade é racionalmente justificável?" Veja que a pergunta não é se a homofobia é justificável, mas se a homossexualidade se constitui como problema de qualquer ordem, para começo de conversa. E se a resposta for não, então não há por que tolerarmos qualquer tentativa de reprimir ou de modificar as pessoas homoafetivas por causa de seus afetos ou impedir que elas se realizem plenamente como tais. E aos que insistirem em prejudicar essas pessoas, admoestação. Se não for suficiente, o braço da lei!

Leia aqui: https://www.xn--foradoarmrio-kbb.com/2019/06/a-homossexualidade-e-racionalmente.html

Parece exagero? Então, veja mais sobre meu envolvimento com essa fraude chamada "cura gay" e o que tenho a dizer sobre isso. Essa entrevista foi concedida ao Conexão Jornalismo em 16 de janeiro de 2015.

Veja aqui: http://www.conexaojornalismo.com.br/todas-as-noticias/sergio-viula-pastor-que-pregava-cura-gay-afirma-que-tudo-e-uma-farsa-video-0-37038  





Faltam dois dias: minha teimosia em planejar o futuro, apesar de tudo

Por Sergio Viula




Por Sergio Viula

Hoje é quarta-feira, e eu sempre gostei das quartas-feiras. Talvez seja pela sensação de que, quando ela chega, já vivi metade da semana, mas ainda me resta metade dela para viver. 

Fico pensando se não é porque tenho a sensação de “realizado” e “realizável” ao mesmo tempo, ou seja, a metade que ficou para trás significa trabalho feito, emoções vividas, novas memórias registradas, enquanto a metade que está adiante significa possibilidades, coisas que poderão ser feitas do mesmo jeito ou de um modo totalmente diferente, tempo livre no final de semana, entre outras coisas. 

Essa quarta-feira, especificamente, se torna ainda mais significativa por ser a antevéspera do meu aniversário esse ano. Porém, se por um lado eu projeto o depois de amanhã, por outro, não sei sequer se terei amanhã. 

Nossa teimosia em planejar o futuro

Nosso irresistível impulso de  antecipar o futuro, planejá-lo ou organizá-lo [até mesmo de sofrê-lo ou gozá-lo], quando ele ainda nem existe de fato parece ser uma característica exclusiva do bicho humano. 

Não que outros animais não se antecipem ao porvir de alguma forma. Formigas acumulam comida, guaxinins e esquilos também. Mas será que suas mentes são capazes de raciocínios elaborados sobre o minuto seguinte? Talvez, sim. Talvez, não. De qualquer modo, até o presente momento, tudo indica que fora da nossa espécie, não há bicho capaz de projeções tão ricas em detalhes como as que a nossa imaginação é capaz de realizar, principalmente porque aliamos a ela a capacidade de operar logicamente e de fazer toda espécie de cálculo em quadros hipotéticos, os mais variados – coisa que só se tornou possível, em grande parte, graças à nossa evolução linguística. 

E se quisermos indicativos de como operamos essas projeções cotidianamente, basta darmos uma olhada na lavanderia ou na cozinha. Lavar a roupa que usaremos amanhã é evidência suficiente do que digo aqui. A dispensa na cozinha também. E isso para não mencionar agendas encadernadas ou virtuais, uma vez que nem todo mundo mantém uma. 

E disso às projeções como onde nosso planeta estará daqui a 100 milhões de anos, é só uma questão de especialização. Desculpem o redutor “só” nessa frase. Afinal, é um baita salto que nenhuma espécie conhecida foi capaz de dar até agora, mas vocês devem ter entendido o que quis dizer.

De qualquer modo, é curiosíssimo que até mesmo aqueles indivíduos que sabem perfeitamente não ter controle fático sobre a vida continuem projetando e planejando, sofrendo e gozando dias que ainda nem nasceram, como é o meu caso. 

Perspectiva + perspicácia + prudência = previdência.

Essa vontade de colocar alguma ordem no caos obstinado do jogo das probabilidades que caracteriza a [nossa] vida nos confere mais do que alguma sensação de segurança, mesmo que ilusória – ela possibilita a identificação ou construção de possíveis saídas de emergência quando as coisas complicarem para o nosso lado. 

Marsupial da espécie Dasyuroides byrnei - por Spencer, 1896 – Kowari


Boas lições nos vêm da própria natureza 

Os marsupiais da espécie Dasyuroides byrnei parecem ser bons em evitar futuros riscos desnecessários. Eles constroem tocas com diversas entradas – o que previne seu encurralamento por predadores que eventualmente decidam fazer-lhes uma visitinha inesperada. Na contramão dessa lógica, bichos que fazem suas tocas com apenas uma entrada acabarão ficando sem saída quando alguma cobra faminta na vizinhança decidir ir às compras.

Quando relaxar?

Por isso, planejo, mesmo sabendo que as coisas podem não sair como eu esperava. Porém, essa verdade tem outro lado também, isto é, planejo muito, mas depois de fazer tudo o que podia, eu relaxo. E o faço sem desperdiçar meu tempo ou energia pedindo ajuda a amigos imaginários.

Nada de orações, preces, rezas, mandingas, correntes, simpatias ou quaisquer coisas do gênero. O que faço é ficar atento ao que acontece ao meu redor e às oportunidades de última hora que possam ser aproveitadas, minimizando o impacto do jogo momentaneamente desfavorável para mim. E não confundir nada disso com oportunismo do tipo que tira vantagem dos outros em prejuízo deles. Não. Pouca coisa me dá mais prazer do que não dever nada a ninguém, exceto o respeito que caracteriza qualquer cidadão com um mínimo de civilidade.

E relaxar foi exatamente o que fiz dentro de um avião da TAM na ponte aérea Rio-SP em 3 de junho de 2014, quando um desafortunado urubu, que voava bem diante dele em seus últimos segundos de vida, foi aspirado, inutilizando i

turbina completamente. Eu estava sentado na cadeira ao lado dela. Vi quando o equipamento sofreu o impacto, parando imediatamente. Mantive a serenidade, sabendo que nada havia que eu pudesse fazer, exceto manter o cinto afivelado e prestar atenção à possível máscara de oxigênio que poderia despencar diante de mim a qualquer momento, caso houvesse despressurização. Relembrei as instruções da aeromoça sobre como usar o assento como boia, caso houvesse aterrissagem sobre a água.

Fora isso, eu não tinha nada mais a fazer. Só havia uma pessoa capaz de resolver o problema: o piloto. Ninguém mais. E como eu não estava de posse do manche, felizmente, só me restava aguardar. 

Então, me recostei à poltrona e relaxei, só lamentando que, se eu morresse, não poderia beijar meus filhos de novo. Só pensava no futuro deles, mas não me deixei dominar por essa ideia. Na época, ainda não conhecia o Andre, meu amor. Se já o tivesse conhecido, isso acrescentaria outras preocupações à minha mente. 

Quanto à possibilidade de queda, eu provavelmente não sentiria coisa alguma, nem saberia que tinha morrido depois que isso acontecesse. Seria apenas como uma TV que se desliga quando alguém puxa o fio da tomada. 

Enquanto os passageiros ao meu redor quase morreram de um ataque cardíaco absolutamente inútil e desnecessário, o piloto manobrou o avião e fez o caminho de volta ao Galeão. 

Se ele tivesse fracassado, você não estaria lendo esse texto agora. Se eu tivesse infartado, mesmo com o avião estando a salvo no solo, também não. Ver tantas pessoas que acreditam em vida melhor após a morte se comportando tão desesperadamente diante da possibilidade de ficarem finalmente livres de um mundo que elas geralmente desprezam, seja em maior ou menor grau, acabou sendo um experimento em tempo real com duas conclusões distintas para mim: 

1. Esse pessoal que acredita em mundos pós-morte e seres espirituais não leva tudo isso tão a sério quanto alega.

2. Ateus de fato continuam ateus, mesmo em aviões que ameacem cair.


A cara que eu estou fazendo por dentro agora.


Faz diferença?

E que diferença faria isso se tivéssemos morrido? Nenhuma. 

Mas, faz muita diferença enquanto vivemos. Falo por mim mesmo. Repito: não falo em nome de ninguém. Porém, sei muito bem como é viver acreditando em um monte de bobagens, sempre niilistas em alguma medida, uma vez que negam o mundo, a vida e o corpo. E faz mais de 17 anos agora que sei como é viver livre de quaisquer superstições, principalmente aquelas baseadas em supostos livros sagrados, cuja ignorância e imoralidade ficam patentes aos olhos atentos de leitores capazes de pensar sem medo. 

A vida é curta, mas será melhor vivida na medida em que sua raridade e transitoriedade nos motivarem a aproveitá-la ao máximo em vez de adiarmos nossa felicidade para mundos tão improváveis quanto o Olimpo dos gregos, o Valhala dos vikings, ou o Sekhet-Aaru dos egípcios. A obsolescência dos paraísos desses povos aparentemente contrastante com a suposta validade dos paraísos cridos por muitos atualmente é só uma questão de tempo, mesmo que leve muito tempo. 

O ser humano troca de deuses e de sistemas de recompensa continuamente. Quem sabe um dia, ele cresça de uma vez e deixe essas infantilidades para trás? Quem viver, verá. ^^ 

Eu quero chegar aos 90 pelo menos, mas vivendo bem cada dia. Já estou praticamente a “seis minutos” nesse segundo tempo. Então, bola pra frente! 

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