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Márcio Retamero: "Troco minha homofobia pela sua corrupção"

Márcio Retamero: "Troco minha homofobia pela sua corrupção"


Por Márcio Retamero* em 26/05/2011


O dia de ontem foi amargo para a população LGBT brasileira, mas não é um dia para ser esquecido, pelo contrário, é dia para se lembrar e trazer à memória fatos políticos antes acontecidos, como no tempo da campanha eleitoral.

A Frente Parlamentar Evangélica, numa manobra política suja e equivocada, foi ao balcão de negócios no Palácio do Planalto e disse: "Troco minha homofobia pela sua corrupção". A presidente Dilma Rousseff aceitou de bom grado, afinal, a Frente Parlamentar Evangélica estava ameaçando não votar projetos do governo, trancar a pauta no Congresso, além de engrossar as fileiras da oposição que pedem as contas sobre o enriquecimento meteórico do ministro Antonio Palocci. Para blindar seu ministro, Dilma aceitou de bom grado, vender, mais uma vez, por muitas moedas de prata, as pessoas LGBT.

O deputado federal Anthony Garotinho (PR-RJ) confirmou em seguida à reunião no balcão de negócios do Palácio do Planalto que "a preocupação do governo com o risco de Palocci ser convocado a prestar esclarecimentos no Congresso foi usada pela bancada religiosa para cobrar a suspensão da distribuição do kit anti-homofobia do MEC".

O líder da Frente Parlamentar Evangélica, o deputado federal João Campos (PSDB-CE), também confirmou a barganha da homofobia pela corrupção. Declarou: "Nós reunimos, nesta terça-feira (24), a bancada evangélica e a católica, decidimos impor uma série de condições. Se o governo insistisse em manter o kit, bloquearíamos a votação na Câmara e apoiaríamos a convocação do ministro Palocci para dar explicações."

A presidente Dilma até foi elogiada pelo deputado representante da ditadura militar no Brasil, regime contra o qual lutou, inclusive pegando em armas! Jair Bolsonaro declarou: "sou obrigado a elogiar a presidente Dilma Rousseff".

Alguns militantes do movimento LGBT foram ao Twitter, Facebook e nas listas de debates dos grupos de militância LGBT no Yahoo para declararem que estavam surpresos, abatidos, enojados, decepcionados! Alguns se contentaram em referendar o "jogo político", dizendo que "as coisas são assim mesmo". Outros pediram "muita calma nessa hora, pois tem muitos equívocos no episódio"; outros pediam que os militantes se unissem contra nosso inimigo em comum, o fundamentalismo religioso, mas "o governo é nosso amigo" (?). Mui amigo!

Quanto vale a homofobia que faz sofrer e leva ao suicídio, além do assassinato de milhares de jovens e adolescentes LGBT? Para o governo Dilma, vale o ministro Antonio Palocci! Para os deputados da Frente Parlamentar Evangélica, vale a suspensão do kit anti-homofobia em troca do apoio à corrupção, sujando ainda mais suas mãos já sujas das porcarias que sabem produzir muito bem!

Quando eu soube da notícia, fiquei com raiva, muita raiva, mas esta logo passou depois que eu me lembrei: 

1) a carta compromisso que a presidente, então candidata, assinou com os evangélicos fundamentalistas, se comprometendo em vetar tudo que fosse projeto que ia de encontro "à liberdade religiosa, à liberdade de expressão e aos valores da família brasileira"; 

2) da sua aparição para comemorar a vitória ao lado do senador Magno Malta, posando para as câmeras dos fotógrafos e cinegrafistas e; 

3) no dia de sua posse, o cumprimento caloroso do bispo Edir Macedo e outros líderes religiosos, convidados para o ato.

Não, eu não me esqueci desses pequenos "detalhes" da campanha eleitoral e dos dias que se seguiram à vitória de Dilma Rousseff.

O dia de ontem foi amargo e abateu a todos e todas que sonham com uma escola sem homofobia, com uma sociedade curada da homofobia, com adolescentes e jovens libertos da homofobia internalizada e dos seus algozes homofóbicos. Se existe um caminho seguro para a cura da nossa sociedade da homofobia que nela reina, tal é o caminho da educação, da democratização do conhecimento, da aquisição de valores dos Direitos Humanos.

O outro caminho, o caminho da criminalização da homofobia, poderá até colocar muita gente na cadeia (eu não creio nisso!), pode gerar muitas multas, mas jamais vai tratar o mal pela raiz a fim de extirpá-lo do tecido social.

Alguns líderes do movimento LGBT nesta altura do campeonato se apegam à semântica: "suspenso não é o mesmo que cancelado". Pois é, mas eu não acredito, e faz tempo, em coelhos de páscoa e papai Noel; até porque a Frente Parlamentar Evangélica pode ser fundamentalista, viver quase que na Idade Média, mas burra ela não é! Os que fazem parte dela sabem se organizar e jogar o sujo jogo da política, tanto que conseguiram!

No VIII Congresso LGBT do Congresso Nacional, participei da Mesa 01 de debates sobre o direito LGBT ao casamento civil. Ao meu lado, estava Preta Gil, a deputada Erika Kokai (PT/DF), dentre outros. Ouvi ali a senadora Marta Suplicy (PT/SP) dizer que se passaram 16 anos desde seu primeiro projeto de lei visando a ampliação dos direitos civis para a população LGBT e que até o presente momento, nada, nenhum projeto sequer foi aprovado pelo Congresso Nacional em prol dos direitos civis LGBT.

O motivo da inatividade do Congresso Nacional em relação á população LGBT é o mesmo desde então: a luta renhida dos fundamentalistas religiosos contra o avanço da cidadania LGBT no Brasil. A pergunta que não quer calar é: até quando, povo LGBT, continuaremos derrotados por eles? Até quando ABGLT e demais associações da militância, seremos derrotados por eles? Quando que daremos início ao nosso "Bash Back"? Quando enfrentaremos frente a frente o fundamentalismo religioso no Brasil?

As lésbicas e os gays cristãos, cansados de tanta sujeita e de ser massa de manobra, além de moeda de troca no balcão das negociatas politiqueiras, abatidos com a decisão da presidente Dilma de nos vender, mas não derrotados, se uniram no Rio de Janeiro.

A Igreja da Comunidade Metropolitana do RJ e o Diversidade Católica convocam o povo cristão LGBT e todos e todas que, neste momento estão indignados, para juntos realizarmos uma passeata-protesto no calçadão da praia de Ipanema, no posto 09, no próximo domingo, dia 29 de maio, às 10h.

Combateremos o bom combate e juntos rogaremos: caia sobre a Frente Parlamentar Evangélica, sobre o Palácio do Planalto, sobre os corruptos, sobre o fundamentalismo e fundamentalistas religiosos, o sangue das vítimas de homofobia no Brasil!

"Porque o grito existe; então eu grito!" (Clarice Lispector). Gritemos!



* Márcio Retamero, 37 anos, é teólogo e historiador, mestre em História Moderna pela UFF/Niterói. É pastor da Comunidade Betel/ICM RJ e da Igreja Presbiteriana da Praia de Botafogo. É autor de "O Banquete dos Excluídos" e "Pode a Bíblia Incluir?", ambos publicados pela Editora Metanoia. E-mail:marcio.retamero@gmail.com.


Fonte: A Capa

Igreja inclusiva prometendo cura divina para a AIDS?



Meus parabéns ao Rev. Marcio Retamero e às lideranças da Comunidade Betel, igreja inclusiva que demonstra um equilíbrio geralmente ausente em outras igrejas. Recebi esse comunicado numa das listas de discussão de que participo. O comunicado foi (muito bem!) escrito pelo diácono Gustavo, membro e oficial da Comunidade Betel. É alarmante, mas comprova o que eu já disse até no meu livro (Em Busca de Mim Mesmo), que algumas dessas igrejas inclusivas podem vir a ser grave problema para o próprio Movimento Gay brasileiro.

Veja o comunicado. Leia cuidadosamente para evitar interpretações erradas, e se tiver dúvida, não hesite em perguntar. Conversando é que a gente se entende, já diz o ditado.

Ateus e crentes em geral podem estranhar que num post eu critique tão duramente a religião, inclusive o cristianismo, e em outro, dê espaço para uma igreja inclusiva. Isso é muito simples de entender: Nunca defendi a supressão da religião como decreto. Isso é tolice e desrespeita os direitos humanos. Defendo o direito de dizer o que penso sobre aquilo que considero inconsistências do "mundo religioso". Por outro lado, valorizo as ações daqueles que trabalham pela inclusão e pelo esclarecimento. A Comunidade Betel é, na minha opinião, um das igrejas mais esclarecidas que conheço. Eles não têm medo de pensar! Não pregam o fanatismo religioso, não exploram financeiramente o povo, não prometem milagres, não vendem coisas como se fossem ungidas, etc. O pastor não é estrela. Os membros da igreja são engajados na luta pelos direitos dos LGBT, e todos são literalmente bem-vindos, seja o L, o G, o B ou os Ts!!! E a igreja está cheia de gente heterossexual.

Por essas e outras, respeito tanto o povo e o pastor de Betel! E tenho recebido o mesmo tratamento da parte deles, mesmo estando em pólos diferentes no que diz respeito à fé. Cristãos betelenses e um ateu numa relação de amor, respeito e cooperação. Isso não é extraordinário?

Veja o texto-denúncia do Diácono Gustavo:




Minha crítica ao movimento neo-inclusivo me levou aos tribunais. Não somente a mim, mas também o Leandro Rosetti e o Rev. Márcio Retamero, autores deste Blog. Quiseram nos calar, com a desculpa da calúnia, da difamação e de uma pseudo tentativa de cercear a liberdade de culto religioso. Tudo falácia! O processo foi encerrado, arquivado por falta de motivos válidos para prosseguir.

Teve gente vestindo a carapuça da deturpação do Evangelho, o da Inclusão, das doutrinas de multiplicação da desonestidade, do acúmulo ilícito do capital, alheio, claro!

Não podemos nos calar, como grita o Evangelho. Calar é concordar com a balbúrdia e com a exploração e alienação do outro. E o Evangelho de Jesus nos chama para ser sal, luz e libertação nas vidas dos que perecem.

Acusam-nos de fazer uma falsa apologética, baseada na inveja do crescimento, ou inchamento, das neo-igrejas e seus pseudo-evangelhos. Tola acusação! Não dá pra invejar, como crentes em Cristo Jesus, o que é a negação dos valores da vida, a negação da existência e a alienação do mundo. Pois, sabemos,
Cristo nos chamou para plantar os pés no mundo e não para nos perdermos na mística da mentira.

Ontem, no compartilhar comungado de vinhos, petiscos e papos, no santuário de vida da Lapa, me chega a notícia. Notícia esta que encheu meus olhos de lágrima, não de alegria, mas de profunda tristeza.

Sim, é isso mesmo, tem igreja neo-inclusiva na cidade do Rio de Janeiro prometendo curar o HIV, prometendo curar, “pela fé”, os soropositivos.

Agora, imaginam a quantidade de pessoas que podem ser frustradas com essas loucas promessas?! Quanta gente que pode se perder para sempre por conta deste evangelho de faz-de-contas! E quanta gente mais pode vir a se contaminar com o HIV, por acreditar nessas promessas irresponsáveis e
insanas!

É triste, lamentável saber de tanta deturpação e mentira por conta de um desejo egoísta de fama, sucesso e acumulação. É triste saber que lugares que
poderiam estar restaurando vidas, trazendo-as de volta à dignidade, estão egoisticamente pregando a ilusão religiosa e o desligamento da realidade da
vida.

AIDS não tem cura! Como crentes em Cristo devemos falar a verdade, e esta é a verdade. A cura da AIDS depende do empenho e da esponsabilidade de cada um de nós. Depende da prevenção, da luta contra a desinformação e o preconceito.

Antes de se prometer cura milagrosa para uma doença crônica como o HIV seria melhorar promover a cura emocional e espiritual dos portadores da doença, que podem e devem viver dignamente suas vidas, para a honra e glória do seu
Senhor.

Iludir pessoas fragilizadas, machucadas com as chagas sociais da AIDS, em troca de meia hora de poder, de “autoridade espiritual”, e de quinze minutos de fama em programas de TV popularescos, terá um custo. E esta conta será cobrada pelo Senhor, Justo Juiz, que não se deixa escarnecer e não deixa que se escarneça de seus pequeninos.

Promessas como estas são uma afronta à clarificação do entendimento. São um dos motivos para que confundam Igrejas Inclusivas sérias com modelos
deturpados das mesmas. Para que coloquem no mesmo saco de confusões os libertadores e os escravizadores, os que pregam a moral e a ética de Cristo e os falso-moralistas, os que pregam a verdade e os que pregam a ilusão alienante.

Este texto também é um alerta ao Movimento Homossexual Brasileiro. Para que permaneça atento aos desditos e à falta de informação gerados por grupos fundamentalistas que carregam de alguma forma o arco-íris como bandeira.


Isso não pode permanecer assim!

Difícil escrever, mas há de se escrever, pois, o silêncio há de ser cobrado, como omissão e falta de amor. Ainda que haja ameaças, ainda que sejamos
arrastados aos tribunais e perante os magistrados, não nos calaremos! Pois não há ninguém mais pra clamar, somos as próprias pedras que clamam (Lc
19:40), e clamam não por uma reforma, mas por uma revolução na história da Igreja de Jesus Cristo.


Assim profetizo!


Diác. Luiz Gustavo.
www.igrejainclusiva.blogspot.com

Palestra e Noite de Autógrafos com Sergio Viula na Comunidade Betel




A foto acima é da vizinhança da Comunidade Betel na Praia de Botafogo. Como você pode ver, à esquerda, existe uma agência do Banco Bradesco. É bem em frente à Praia de Botafogo mesmo. O templo fica no segundo andar de um prédio e está circulado em vermelho. Basta seguir as instruções abaixo da foto.

A palestra contará com uma apresentação em Data Show e será seguida de um bate-papo sobre assuntos relacionados ao livro com ênfase em dois conceitos: liberdade e ética. Não é pregação e, portanto, não se pretende verdade absoluta e nem se presta a convercer ninguém disso ou daquilo. A palestra será tudo menos chata. Acredite.

Muita gente fica perplexa, porque o convite foi feito por uma comunidade de fé e eu sou ateu. Outras pessoas vêem nisso uma capacidade dialogal acima da média entre o Rev. Marcio Retamero e o autor, Sergio Viula. Não é a primeira vez que um encontro entre ambos acontece, e todas as vezes que esses encontros aconteceram, todos cresceram um pouco mais, principalmente eu. ;)

Por isso, não importa se você é cristão, umbandista, candomblecista, espírita, etc., ou se você é ateu ou agnóstico; se você é homossexual, heterossexual, bissexual, transexual, transgênero, travesti. Tanto faz! Você é super bem-vindo. Tenho certeza de que esse encontro será enriquecido com a sua participação. Vamos aproveitar para nos revermos ou nos conhecermos (caso ainda não tenhamos nos visto). Pode ficar tranqüilo, mesmo que você tenha alguma reserva quanto aos ambientes religiosos, você vai descobrir que em Betel ninguém fica constrangido a ser diferente de si mesmo. Experiência própria. ;) E vocês sabem (por esse mesmo blog) o que eu penso sobre religiões, deuses, etc.

É DOMINGO, 20 DE FEVEREIRO de 2011, ÀS 17:30.

Será um prazer estar com você! Compareça.

Importante: Ninguém precisa se sentir constrangido a comprar o livro só por ter assistido a palestra. Uma coisa independe da outra. Agora, quem desejar comprar o livro pessoamente vai ter essa oportunidade. Aproveite! Não tenho a mínima ideia de quando teremos outra oportunidade assim.


Abraço forte!
Sergio Viula


P.S.: Galerinha do meu trabalho que prometeu ir... Estou contando com vocês, hein?! ;)

***************

Atualização em 23/03/25

Entrevista por Márcio Retamero com Sergio Viula para A Capa

A entrevista que concedi ao Pr. Marcio Retamero (Comunidade Betel - igreja inclusiva) foi a seguinte:


"Sair do armário vale a pena", diz ex-pastor Sergio Viula





http://www.acapa.com.br/site/

Por Márcio Retamero* 27/8/2009 - 12:55

Sergio Viula

Neste mês de agosto, a Comunidade Betel do Rio de Janeiro, igreja onde sou pastor, completou três anos de atividades públicas. Nesses três anos, conquistamos e fomos conquistados por muitos amigos muito especiais, dentre esses, Sérgio Viúla, que esteve entre nós no último domingo para falar sobre processo de libertação LGBT, "sair do armário" como dizemos popularmente.


Sérgio tem uma rica experiência de vida e no que diz respeito à religião e homossexualidade, ele é um mestre! Estudou Teologia, foi pastor batista, missionário e professor de seminário. Nesta fase, casou, é pai de dois filhos e fundou o Movimento pela Sexualidade Sadia (MOSES) junto com João Santolin. Trabalhando no MOSES, aos poucos foi percebendo o quão falaciosa é a tentativa de ser o que não é e, então, rompeu com tudo. Separou da esposa, saiu da igreja, deixou de ser pastor e assumiu sua homossexualidade. Concedeu uma bombástica entrevista à revista Época, revelando-se e também revelando a falácia do MOSES. Tornou-se ateu. Hoje é professor de inglês, estudante de Filosofia na UERJ, é dono do blog "Fora do Armário" e vive feliz ao lado do seu amor, Emanuel.

Para muitos cristãos fundamentalistas, Sergio é um desertor; para mim, Sergio é um profeta. Na entrevista que segue, Sergio compartilha conosco sua experiência de vida e visão de mundo.

Sergio, como aconteceu sua adesão à fé cristã e qual foi o ápice dessa trajetória?

Eu me converti na Igreja Missionária Evangélica Maranata durante um culto realizado no auditório da A.B.I. (Associação Brasileira de Imprensa). Depois de muito insistirem, dois amigos meus finalmente conseguiram me convencer a ir ao culto. Fui duas vezes, e na segunda vez entreguei-me publicamente a Cristo. Tinha apenas 16 anos de idade, mas levei tão a serio a decisão que rapidamente subi na hierarquia da igreja. Fui professor de EBD, líder de mocidade, missionário com a Operação Mobilização. Mais tarde, saí da Maranata e fui para outra igreja pentecostal, onde continuei trabalhando arduamente no ministério. Quando percebi que esta igreja desviara-se do que considerava bíblico, migrei para a Igreja Batista (CBB). Já havia me formado no Seminário Teológico Betel, no qual também lecionei. Fui ordenado pastor. Trabalhava como editor do jornal Desafio das Seitas, que era administrado pelo Centro de Pesquisas Religiosas (CPR). Fiz duas pós-graduações em missiologia no Seminário Teológico Betel em parceria com o Fuller Theological Seminary dos Estados Unidos. Fiz um Seminário de Liderança Avançada pelo Instituto Haggai em Cingapura. Este foi meu último grande feito como crente. Nenhum destes ministérios, porém, foi mais INÚTIL para o bem da humanidade do que o MOSES (Movimento pela Sexualidade Sadia), do qual eu fui um dos fundadores em 1997.

Você foi um dos fundadores do MOSES [Movimento pela Sexualidade Sadia] que prega a conversão de homossexuais em heterossexuais. Como foi o processo até você entender que essa conversão é uma falácia?

Diversas coisas aconteceram para que eu pudesse despertar do sono dogmático em que me encontrava. Primeiro, fui percebendo que eu mesmo - a despeito de toda fé e dedicação - não experimentara nenhuma mudança real. Depois, passei a prestar atenção à vida das inúmeras pessoas que nos procuravam e passavam pelos aconselhamentos, retiros, orações etc. Nenhuma delas havia mudado de fato. Só sabiam sofrer com a tensão entre o que diziam os fundamentalistas cristãos e o que desejavam de coração. Várias pessoas se envolveram com pessoas que estavam no MOSES. Várias vezes presenciei confrontações entre a liderança do MOSES e gente que havia transado com amigos conhecidos no ministério. Além daqueles que transavam fora e traziam suas histórias aos prantos para as sessões de aconselhamento.

O MOSES hoje me parece em declínio, não ouvimos mais falar de ações desta instituição. Você atribui isso a quê? Muitos pensam que sua entrevista à revista Época, naquele tempo, foi um duro golpe na instituição.

Certamente que a minha denúncia foi um divisor de águas. Não é todo dia que um homem com 18 anos de crença e ministério, fundador de um grupo de "reversão", pastor de uma igreja respeitada, com vasta experiência ministerial, vem a público e denuncia as falácias de uma organização e crença deste tipo. Os próprios crentes passaram a desconfiar daquela organização. Não só isso, mas entre a própria liderança já havia aqueles que se perguntavam por que as pessoas não mudavam realmente. Devem ter visto em tudo isso um ponto final para a pergunta. Porém, sempre há os saudosistas e não me admiraria se alguém retomasse o nome desta organização e sua proposta.

Sair do armário é um duro processo! O título do seu blog é "Fora do Armário", e diz muito sobre a sua atual condição existencial. Como foi esse processo de sair do armário para você e para a sua família?


Foi duro. Fui perseguido por meus pais e irmãs, minha ex-mulher, incompreendido por "amigos", etc. Meus filhos foram surpreendentemente maduros, apesar de tão novos. Nunca deixaram de me amar e querer estar comigo. Deixei minha casa e tudo o que havia dentro dela nas mãos da minha ex-mulher por causa dos meus filhos. Comecei tudo do zero de novo. Arrumei novo emprego, porque a escola na qual lecionava estava nas mãos de gente da igreja batista, e a convivência ficou insustentável. Nunca me arrependi de ter saído do armário. Fui em frente. Batalhei. E por isso progredi para um emprego melhor, consegui minha casa própria, conheci Emanuel (com quem estou casado hoje), passei a morar perto dos meus filhos (que estão com minha mãe atualmente), meus pais passaram a aceitar a realidade e se dão bem comigo e com Emanuel atualmente. Estou colhendo a tranquilidade que plantei no meio da maior tempestade que enfrentei na vida. Valeu a pena!

Pesando tudo isso, apesar das lutas internas e externas, valeu a pena? O que você diria para alguém que deseja muito sair do armário, mas ainda não encontrou forças para isso?

Sair do armário vale a pena! É muito melhor viver 100% na autenticidade com relação à sua homoafetividade do que "de dia ser Maria e de noite ser João", como cantava o Chacrinha. A pessoa nem é realmente heterossexual e nem vive plenamente sua homossexualidade. Quando a gente é resolvido e assumido, a chantagem, a ameaça, as acusações indiretas e coisas semelhantes perdem totalmente o efeito. Você assume o controle de sua própria vida e desejo. Se tiver que mudar tudo para viver plenamente, mude! Eu mudei de emprego, de endereço, de amigos, mas ganhei qualidade de vida, tranquilidade e as condições necessárias para me realizar plenamente.

O ateísmo que hoje você professa é fruto de um processo de entendimento acerca da religião, sua natureza e papel social, ou reação emocional, portanto, reativa, a tudo o que você viveu na igreja evangélica? Como você de cristão passou a ateu?

Tudo isso junto. Compreendi que - essencialmente falando - o cristianismo não está em posição melhor do que qualquer outra religião atual ou antiga. A religião egípcia, grega, cananita pode ser encarada até como superior em alguns aspectos. Qual é o fundamento seguro, ou seja, evidente e infalível que me garante que Deus existe, ou que a Bíblia é uma revelação divina, ou que o céu existe, ou que o inferno seja real? Como saber seguramente que Jesus e não Maomé ou Buda é o caminho, a verdade e a vida? Quem me garante que Jesus - se existiu de fato - não foi meramente um judeu, inconformado e ressentido com os dominadores da época, que acabou sendo mitificado por seus seguidores como ainda hoje acontece com aqueles que inspiram os desesperados. O próprio Inri Cristo que vive no sul do Brasil e alega ser a reencarnação de Cristo tem seus seguidores. Pode parecer uma comparação ridícula, mas só soa ridícula, porque a carga emocional que cerca a figura de Jesus hoje é muito forte. Imagine como seria visto o Inri Cristo daqui a algumas décadas ou séculos se pudesse contar com todas as forças políticas, sociais e econômicas que levaram Jesus a se tornar o messias de milhões pessoas do lado de cá do mundo. Haveria quem acendesse fogueiras em nome dele! Emocionalmente falando, entender que não preciso dar contas a deus nenhum me liberou para ser eu mesmo e fazer de mim o melhor que eu possa. Se por um lado eu não tenho um fustigador celestial, por outro não tenho um onipotente provedor. Isso me libera para ser e fazer muito mais da vida! Deus não existe para cobrar, mas também não existe para dar nada. Não existe medo e nem esperança inútil. Restam a determinação em fazer da vida uma obra de arte e a ação prática na realização desta empreitada!

Como você analisa este fenômeno social das igrejas inclusivas?

Acho excelente que os homossexuais crentes tenham onde se reunir e cultuar. Não sou contra o culto. Apenas não cultuo. Entretanto, gosto mesmo é da postura de igrejas como a Comunidade Betel em Botafogo. É uma comunidade engajada na luta pelos direitos dos homossexuais, que gosta de pensar e não tem medo de idéias confrontadoras. Fico muito preocupado com as "igrejas-clone" de igrejas homofóbicas que apenas encaram a homossexualidade de uma forma positiva. Gay-friendly não significa sempre certo. Uma igreja simpatizante dos homossexuais que anestesia seus membros com doutrinas e práticas que os isolem da realidade social e política que os circunda não é diferente de qualquer outra, no que diz respeito à luta pela emancipação plena do cidadão homossexual.

Algumas igrejas históricas como Anglicana, Luterana (nos EUA) e Presbiteriana (na Escócia) estão reconhecendo a homossexualidade como algo natural. Tais igrejas já ordenam pastores e pastoras homossexuais e celebram os ritos de casamento. No seu entendimento enquanto teólogo, o que está acontecendo nestas igrejas é fruto do trabalho cada vez mais relevante da militância LGBT ou os teólogos resolveram admitir publicamente que a Bíblia não condena a homossexualidade?


A militância tem grande mérito nisso. As igrejas chamadas inclusivas estão assustando por seu crescimento - o que significa que muitas igrejas da ala tradicional estão perdendo membros. Eles são obrigados a parar e refletir sobre isso. Os teólogos muitas vezes pensam coisas diferentes daquelas que a maioria dos pregadores dizem em seus púlpitos. Saber que eles estão revendo seus conceitos é uma boa nova. Já houve tempo em que negro só se reunia em igreja de negro nos EUA. Isso é segregação. Quero ver o dia em que gays não tenham que frequentar e ministrar somente em igreja de gays. No dia que isso acontecer, podemos dizer que a segregação por orientação e identidade sexual é coisa do passado. Espero viver para ver.

Religião e política tem andado de mãos dadas no nosso país. O Brasil assinou um acordo bilateral com o Vaticano nos últimos meses e só cresce o número de políticos evangélicos. Nossos espaços públicos são cheios de imagens e ícones do cristianismo. O Estado Laico ainda é um sonho?

O Brasil é uma piada em diversos sentidos. Somos constitucionalmente laicos, mas na prática o sacerdócio dá muito palpite na vida pública. Qualquer pessoa pode professar a religião que quiser. Ateus também deveriam ser mais claros em relação ao seu ateísmo. Existe um armário para os ateus também. Ateus precisam assumir tranquilamente suas idéias. Isso faz diferença. Agora ninguém pode usar cargo político para favorecer grupos religiosos ou agremiações de qualquer espécie. Foi isso o que Édino Fonseca tentou fazer em 2004 e a Revista Época denunciou através da minha entrevista. Isso tem que acabar. Isso também é uma forma de corrupção. O Estado Secular de Direito é melhor, porque garante mais direitos para todos, inclusive para os religiosos. O dia em que uma religião tomar o poder, todas as outras estão perdidas. Vejam os exemplos históricos da Europa, do Oriente Médio e do Sul da Ásia.

As eleições estão chegando e, pelo atual desenho eleitoral, teremos duas mulheres que, embora façam parte da esquerda, são evangélicas e concorrerão para importantes cargos no Executivo. Falo da senadora Marina Silva e da atual vereadora Heloísa Helena. Você votaria em evangélicos ainda que de esquerda?

Dificilmente. A maioria dos crentes faria qualquer coisa para preservar aquilo em que crê. Isso é perigoso. Por outro lado, o fato de alguém ser ateu não garante que será bom governante. É preciso ver as propostas e o passado político de cada candidato(a). O próprio Barack Obama que tantas expectativas alimentou vem sendo alvo da crítica do movimento homossexual americano por não estar realmente fazendo avançar a luta pela conquista de direitos civis em território americano. É muito difícil acreditar nos políticos. Os homossexuais já foram massa de manobra nas mãos dessa gente por tantas vezes que já não dá para apostar em nenhum deles.


Estamos chegando ao fim de dois mandatos do presidente Lula e até o presente momento nenhuma lei que contemple a população LGBT foi aprovada no Congresso Nacional, ainda que a base do governo do "Brasil sem Homofobia" seja majoritária. Muitas palavras no papel e pouca ação efetiva? Analise.

É exatamente o que acabei de dizer. Se o Lula que é o presidente com maior aprovação popular e com aliados por todos os lados não fez nada de concreto no que diz respeito a mudar essa legislação heterossexista que está aí, como podemos acreditar que uma candidata do partido dele fará? Ele nem tem a desculpa de estar esperando o segundo mandato, como parece ser o caso de Obama. Ele já está apagando as luzes de seu gabinete, mas não acendeu nenhuma no fim do túnel dessa história de apatia política para com a comunidade gay brasileira.

Recentemente, uma travesti foi surrada publicamente por policiais na Parada Gay de Penedo, nas Alagoas. Em São Paulo, Marcelo Campos foi assassinado e uma bomba de fabricação caseira foi atirada contra gays. Somente no ano de 2009, segundo as estatísticas do Prof. Luiz Mott, já contamos com 108 assassinatos de homossexuais. No seu entendimento, a homofobia tem crescido ou tem mostrado a sua cara na medida em que os LGBTs saem da invisibilidade?

Está ficando mais evidente, mas sempre existiu. Todavia, não podemos recuar. O nazismo lançou mais de 300 mil homossexuais à morte em seus campos de concentração, além dos que saíram de lá para morrer aqui fora em conseqüência dos mau tratos. Não havia movimento gay na Alemanha para defendê-los até então. Hoje temos o privilégio de estar organizados e podermos falar e agir contra a violência homofóbica. Não podemos recuar. Devemos ser apenas mais cautelosos nessas concentrações, porque nem tudo é festa. Aliás, essa é uma luta política. Muita gente gay não tem noção disso. Quando falamos em direitos, falamos de vida, liberdade, segurança. Ser visível é o primeiro passo, mas não é o único. Talvez os homossexuais precisem fazer mais pressão. Mas como é que homossexuais enrustidos podem colaborar com isso? É preciso ser assumido para poder colocar a boca no trombone sem medo de ser visto por fulano ou sicrano. Gente enrustida não pode fazer isso, a menos que queira sair do armário em grande estilo. Por isso, sair do armário é muito mais do que um luxo reservado só para alguns. É dever de todos os que desejam uma sociedade melhor assumir seu desejo, orientação e identidade.

Como combater a homofobia internalizada e a social?

A homofobia internalizada tem que passar por uma transvaloração dos valores. O indivíduo tem que repensar seus pressupostos "morais", religiosos, sociais. A homofobia social deve ser combatida com campanhas educativas e com legislação rigorosa contra os agressores, seja verbalmente ou fisicamente.

A verdade realmente liberta?

A verdade liberta! Mas só deve ser entendido por verdade aquilo que possa ser evidentemente demonstrado e que se aplique a todas as situações daquele mesmo tipo em qualquer tempo e lugar. Por exemplo, não é verdade que a homossexualidade seja pecado, apesar de muita gente achar que isso seja verdade. Para aqueles que pensam ser verdade que a homossexualidade é pecado, a "verdade" é escravizante, porque não é VERDADE, de fato. Neste sentido, a VERDADE liberta. Quando o indivíduo perceber que a homossexualidade é universal, apresentando-se em mais de 300 espécies animais, perpassando toda a história da humanidade, sendo característica de gente que produziu muito mais do que a média no campo das artes, da política, da filosofia, da ciência, essa pessoa vai ser liberta da ignorância, do dogma escravizante. Neste sentido, verdade equivale a conhecimento verdadeiro. E o conhecimento (não a fé) realmente liberta! Transforma! Fecunda a vida! Vale a pena reavaliar o que se pensa e ousar pensar diferente e agir diferente quando se percebe que tudo não passava de um profundo e doloroso equívoco.


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* Márcio Retamero, 35 anos, é teólogo e historiador, mestre em História Moderna pela UFF/Niterói, RJ. É pastor da Comunidade Betel do Rio de Janeiro - uma Igreja Protestante Reformada e Inclusiva -, desde o ano de 2006. É, também, militante pela inclusão LGBT na Igreja Cristã e pelos Direitos Humanos. Conferencista sobre Teologia, Reforma Protestante, Inquisição, Igreja Inclusiva e Homofobia Cristã. Seu e-mail é: revretamero@betelrj.com.

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