Cinema nos 70: Wagner Montes viveu personagem que se relacionava com outro homem

Cinema nos 70: Wagner Montes viveu personagem que se relacionava com outro homem


Wagner Montes em A Morte Transparente



Por Sergio Viula


Poucos brasileiros sabem que, antes de se tornar um dos comunicadores mais populares da televisão, Wagner Montes (1954–2019) protagonizou um filme que confrontava diretamente tabus sociais, morais e sexuais da década de 1970. Muito antes de ser jurado do Show de Calouros, âncora de programas policialescos e político, Wagner era apenas um jovem de 23 anos tentando construir uma carreira artística — e foi nesse contexto que participou de uma obra tão ousada quanto inesperada.

Em 1977, ele estrelou A Morte Transparente, filme lançado no ano seguinte e que hoje se tornou uma raridade. A produção, pertencente à tradição marginal e policial da época, circulou pouco nos cinemas e quase desapareceu da memória coletiva. Mas seu enredo permanece impressionante pelo modo como aborda relações de poder e sexualidade num país ainda imerso em conservadorismo e censura.

No longa, Wagner interpreta Beto, um jovem que mantém uma amizade ambígua com um homem gay mais velho — um confidente, quase mentor, mas também alguém que lhe oferece presentes e dinheiro em troca de favores sexuais ocasionais. A obra, portanto, apresenta uma camada de complexidade emocional e social que raramente era explorada em filmes brasileiros dos anos 70, especialmente no que diz respeito à presença de personagens homossexuais com agência e importância dramática.

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Sinopse no site AdoroCinema:

Beto, um jovem gigolô playboy, convence seus amigos a invadir uma casa para violentar Marlene, uma rica mulher. Eles não conseguem completar a missão, mas a mulher acaba apaixonada por Beto, que retorna, tornando-se amante dela. O caso dos dois, porém, acabará envolvendo o marido de Marlene e causará problemas maiores que os dois podem resolver.

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Quando o filme chegou ao público em 1978, Wagner Montes já estava iniciando sua trajetória na televisão, trabalhando na TV Tupi. A ascensão rápida na mídia popular fez com que sua breve incursão no cinema ficasse de lado. Ele nunca mais atuou em nenhuma produção, possivelmente porque sua imagem pública, mais tarde associada à moralidade, ao discurso duro e à política, não combinava com o tipo de papel que interpretara no início de carreira.

Esse episódio esquecido levanta questões interessantes sobre memória, imagem pública e políticas de respeitabilidade. Também revela como temas ligados à homoafetividade, muitas vezes tratados com estigma ou silenciados, estiveram presentes na cultura brasileira muito antes de se tornarem pauta de debates mais amplos.

Curiosamente, a veia artística que Wagner não desenvolveu foi retomada na geração seguinte: seu filho Diego Montez se tornou ator, atuando em novelas, séries e musicais, construindo o tipo de carreira que Wagner ensaiou — mas abandonou — no fim dos anos 70.

Redescobrir A Morte Transparente é, portanto, revisitar uma parte pouco comentada da nossa história cultural. É também reconhecer que a trajetória de figuras públicas é sempre mais complexa do que a narrativa oficial que elas mesmas constroem. E, acima de tudo, lembrar que a presença LGBTQ+ nas artes brasileiras sempre existiu — ainda que, por vezes, nas entrelinhas.

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