Mostrando postagens com marcador homossexuais. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador homossexuais. Mostrar todas as postagens

Alguns equívocos do Moses

Por Sergio Viula

 

Este post tem por objetivo refletir sobre algumas declarações de João Luiz Santolin, presidente do Moses, durante um seminário promovido pelo Centro Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos (CLAM) em parceria com o Instituto de Estudos da Religião (ISER), conforme publicado no livro "Religião e Sexualidade: Convicções e Responsabilidades, organizado por Emerson Giumbelli, publicado pela Editora Garamond, 2005 (ISBN 8576170604, 9788576170600).

De acordo com Santolin, o Moses foi fundado em 1997. Ele está certo. Ele só não disse que isso aconteceu durante a Parada Gay celebrada no Rio de Janeiro, no referido ano. Também não disse que éramos três: Santolin, Liane França e eu (quem tiver dúvida, consulte o jornal O Globo, publicado no dia seguinte ao da passeata, pois nossos nomes estão lá no último parágrafo da matéria de cobertura da Parada Gay). Obviamente, ele não disse, devido ao constrangimento causado pela entrevista que dei em novembro de 2004 à revista Época, na qual disse abertamente que "curar" homossexuais é uma farsa, e que minha experiência com o Moses só confirma isso.

Segundo Santolin, o objetivo do Moses é celebrar a Deus como criador da sexualidade humana. Isso é questionável, especialmente levando-se em conta que o Moses toma o mito de Adão e Eva como relato verídico da criação do homem - o que, por si só, não nega a possibilidade da homossexualidade, pois a passagem se refere ao sexo genital, nada declarando sobre orientação sexual. Que existe macho (homens gays também são machos, pois têm pênis) e fêmeas (mulheres gays também são fêmeas, pois têm vagina), isso não se discute. O que não pode se pode ignorar é que sexo biológico é uma coisa e sexualidade (ou orientação sexual) é outra. Machos e fêmeas podem ser bissexuais, homossexuais ou heterossexuais.

Além disso, há o hermafrodita que apresenta características biológicas de macho e de fêmea ao mesmo tempo. Se deus é o criador da sexualidade humana, ele não parece ter vetado nenhuma dessas possibilidades, pois elas ocorrem naturalmente - e com mais frequência do que se imagina.

Santolin também colocou como objetivo do Moses reafirmar nossa fé em Jesus Cristo como redentor da família. Contudo, há que se perguntar de que "família" ele está falando. Se ele se refere à família formada por macho, fêmea e prole, esse modelo nunca foi o único. Em diversos grupos humanos houve e há casos de um homem com várias mulheres consideradas legítimas esposas. Há também (se bem que mais raro) casos em que uma mulher possui vários maridos considerados legítimos em seus grupos étnicos. Além disso, em muitos lares da atualidade filhos são criados por outros que não os pais biológicos.

Existem famílias totalmente fora desse padrãozinho reducionista que o Moses defende, como os casais onde cada filho é de um casamento e nenhum deles é filho igualmente do homem e da mulher que agora vivem juntos, mas a harmonia não é menor e nem maior do que em outros lares onde todos estão ligados consanguineamente. Há famílias de todos os tipos vivendo em harmonia ou em desajuste. Isso depende da maturidade e caráter de cada membro em suas respectivas famílias.

O objetivo de Santolin é, logicamente, o de opor-se ao casamento entre pessoas do mesmo sexo e à adoção de crianças pelos mesmos - o que é uma crueldade num mundo repleto de órfãos. Nem mesmo a Bíblia pode ser evocada para defender tais idéias reducionistas, pois os patriarcas judeus tinham mais de uma mulher.

Abraão teve Sara, Agar e Quetura, no mínimo. Jacó teve Lia, Raquel, as duas criadas destas e ainda transou com um suposta prostituta que era sua nora disfarçada, porque ele negou-lhe outro filho em casamento quando ela ficou viúva sem descendência. A lei do levirato obrigava-o a conceder-lhe um de seus filhos para levantar descendência ao falecido. Davi teve Bate-Seba (que era de outro homem, a quem ele matou depois de adulterar com ela) e ainda casou com Abigail, mulher de Nabal, a quem ele também matou por causa de uma ofensa. Parece que o rei gostava de cobiçar a mulher do próximo. Salomão teve mil, e por aí vai. Segundo a Bíblia, eles são "santos homens de Deus". Nenhum deles tinha família formada por um só homem uma só mulher e filhos. E o Moses vem falar de família segundo os padrões bíblicos???





Tradução:

Quadro 1: Meu filho, o casamento é uma tradição sagrada que tem que ser preservada.

Quadro 2: Então, a resposta é não. Você não pode tomar uma terceira concubina.


Santolin colocou como objetivo do Moses ressaltar a importância de um devido preparo por parte da liderança evangélica para ajudar pessoas nas questões envolvendo sexo e sexualidade. Que tipo de preparo? Preparo como o de Rozângela Justino, Silas Malafaia, o do próprio Santolin, que não passam de proselitistas fundamentalistas? Esse suposto "preparo" reforça o preconceito.

Os outros objetivos acabam sendo apenas extensão destes. Passemos aos pontos em que o Moses crê, segundo o Santolin.

Ele diz que o trabalho do Moses é centralizado no conhecimento de Deus e na obediência à sua Palavra, a Bíblia Sagrada. Isso levanta diversos questionamentos.

Primeiro, qual conhecimento de deus? De que deus ele está falando? Obviamente, o deus dos evangélicos, que exclui e persegue todos os outros deuses. Não são os deuses da umbanda, nem do candomblé, nem do hinduísmo, nem os deuses chineses, etc. É o deus judaico-cristão. O que ele esquece é que esse deus foi arbitrariamente eleito o único e todo-poderoso. Ele era apenas o deus de Abraão, assim como diversas outras pessoas tinham seus deuses pessoais. Por diversos fatores histórico-culturais, este deus acabou tornando-se o deus de uma nação inteira, mas não o tempo todo. Ele foi deposto, recolocado no altar, algumas vezes sozinho, outras ao lado de outros deuses - e disso a própria bíblia dá conta, se for o caso de citá-la.

Segundo, como garantir que a bíblia é a palavra de deus se nem mesmo temos certeza de que esse deus existe? Mas se ele existe, certamente a origem e a preservação dos livros que compõe a bílbia levantam muitos questionamentos.

Os judeus têm um testamento, os cristãos dois, mas nestes dois testamentos eles acabam divididos, ou seja, católicos têm mais livros, protestantes têm menos. Conclusão, os próprios monoteístas não se entendem e ainda querem que nós aceitemos esse tipo de afirmação vazia - que a suspeitíssima bíblia seja a palavra de um deus cuja existência e caráter são quase uma piada.

Aí, o Santolin vem com essa conversa de que o Moses crê que existe uma sexualidade proposta pela Palavra de Deus. Bem, eu já falei sobre isso no início, mas vale dizer que nunca existiu uma sexualidade só.

A sexualidade humana é múltipla. Nascer com pênis ou vagina diz muito pouco sobre isso, se é que diz alguma coisa. A "divinização" da heterossexualidade serviu a projetos de poder baseados em procriação e multiplicação de mão de obra e de contingentes para os exércitos de povos beligerantes. Os judeus viviam invadindo terras e dominando povos. Era de se esperar que eles valorizassem aquelas relações que gerassem. Por isso tanta preocupação com o sêmen. A própria masturbação era mal vista. Entre os crentes de hoje chega a ser proibida. Uma crueldade com os solteiros, especialmente os mais jovens.

A heterossexualidade é tão natural quanto a homossexualidade, a bissexualidade, dentre outras formas de sexualidade. Basta ler o livro da natureza para perceber isso. Mas o Moses e outros igrejeiros preferem ler o jornal de três mil anos atrás. Se nem o de ontem presta mais, imagine os "barbarismos" desta ultrapassada escritura judaica.

Quando o Santolin diz que o Moses também tem como objetivo ser uma voz de conscientização em favor dos valores da família heterossexual e monogâmica, e dos padrões bíblicos para a sexualidade humana. Os pressupostos teológicos, éticos e antropológicos do Moses estão ancorados na Bílbia, segundo a tradição cristã evangélica, ele só confirma o que eu disse no início. É tudo baseado no mito de Adão e Eva, e os valores deste tipo de família que ele propõe nunca foram os únicos quando se toma em conta os diversos tipos de sociedade que adotaram outros modelos de família.

O que vemos hoje em termos de possibilidades de amar e de se organizar como núcleo familiar é apenas fruto da racionalidade humana. Nenhum dogma pode ser maior do que o amor entre duas pessoas, seja qual for o sexo biológico, especialmente quando envolve a redenção social e econômica de crianças cujo destino seria a miséria e a morte se não encontrassem pais adotivos a tempo - o que não significa que qualquer casal deva adotar, seja hetero ou homossexual, pois muitos não têm estrutura emocional ou financeira para tal empreitada.

Sobre o trabalho de aconselhamento do Moses, Santolin disse o seguinte: Cerca de 95% dos que nos procuram para aconselhamento são frequentadores ou membros de igrejas evangélicas. Essa colocação já deveria levantar suspeitas por parte dos que a ouvem. Por que será que o evangelho que estes pastores vivem anunciando como poder de deus não resolve o "problema"? Será que só agora surgiu uma "solução"? Dois mil anos depois do nazareno surge o Moses e finalmente uma "solução"?

Ora, se o evangelho é suficiente, por quê esses cerca de 95% dos que procuram o Moses são exatamente os frequentadores de igrejas evangélicas? O que ele não disse é que muitos não são só "frequentadores", são líderes (pastores, diáconos, missionários, líderes de departamentos da igrejas, etc.).

Aí ele diz que o caminho é um conhecimento maior da Bíblia e da comunhão com Deus, o que é chamado pelo cristão de Discipulado. Mas não é exatamente isso que a maioria dessas pessoas recebeu a vida inteira ou, pelo menos, desde que chegaram à igreja? Ou o evangelho não faz a mínima diferença, ou a homossexualidade é tão natural que não adianta lutar contra o que é naturalmente dado. Se a homossexualidade é tão natural quanto a heterossexualidade, o resultado de tentar transformar homossexual em heterossexual será tão nulo quanto o inverso. É uma completa estupidez e perda de tempo. Mas não há o que mudar. Tudo que precisa ser feito é reconhecer a legitimidade de todas essas afetividades humanas. E ponto!

Ah, e por falar em um suposto plano de deus para a sexualidade humana e para a família, cabe perguntar por que é que esses ditos ex-gays quando se casam, matam um leão por dia para não voltarem a se relacionar com outro homem, e alguns nunca se casam, como é o caso do Santolin? Ele afirma tanto que o casamento é uma bênção e a forma de deus regular a sexualidade humana, mas ele mesmo não se submete ao jugo. Cada um decide o que fazer. Tudo bem. Ele pode não casar. Joia. Mas, então, que seja mais discreto quanto a esse tipo de afirmação. A veemência dele parece ser uma tentativa de convencer a si mesmo mais do que aos outros, uma vez que ele continua solteiríssimo...

Grupos e igrejas como o Moses acreditam que é melhor deixar estas crianças à sorte dos orfanatos...



... a vê-las felizes em lares de dois pais ou duas mães como estas sortudas aí embaixo:






Coluna de Flavia Oliveira no Jornal O Globo denuncia contradições no trato das pessoas LGBT no Brasil

https://oglobo.globo.com/brasil/imperdoavel-contradicao-13473441#ixzz39LhMDUPd

Vejam a coluna da Flavia Oliveira hoje. 

Está excelente.

Coloco aqui apenas um excerto:

Ao mesmo tempo em que reconhece — e, por vezes, festeja — direitos civis dos homossexuais na telinha e nas ruas, o país dá as costas a violações diárias de princípios constitucionais que deveriam alcançar todos os brasileiros. A Carta Magna cita no Artigo 3º que estão entre os objetivos fundamentais “construir uma sociedade livre, justa e solidária” e “promover o bem de todos, sem quaisquer formas de discriminação”. O texto se choca com políticas públicas hesitantes e estatísticas escabrosas de violência contra lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transsexuais.

https://oglobo.globo.com/brasil/imperdoavel-contradicao-13473441#ixzz39LhMDUPd

Travestis e homossexuais: Presença, ódio e impunidade

Foto: Internet


Travestis e homossexuais: Presença, ódio e impunidade

Por Rita Rodrigues
https://www.conjur.com.br/2012-fev-10/travestis-homossexuais-presenca-odio-impunidade/#autores

Enviado por Luiz Mott por e-mail

Na capital da Paraíba, segundo divulgou o IBGE, apenas em três bairros de João Pessoa não houve quem se declarasse viver em união homoafetiva no recenseamento de 2010: em 95% dos bairros que compõem João Pessoa houve quem se declarasse viver em união estável com companheira ou companheiro do mesmo sexo.

Segundo os registros do IBGE, há em toda João Pessoa 718.919 domicílios. Destes, 396 apresentaram declaração de vida conjugal homoafetiva: "Dos 63 bairros de João Pessoa, 38 têm até cinco domicílios nestes moldes segundo a apuração."
 
Ocorre, porém, que na mesma Paraíba, em 19 de novembro de 2011 a Ong Movimento do Espírito Lilás (MEL) apurou que teria havido uma média mensal de 2 lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais assassinados na Paraíba, somente nos oito dos 223 municípios da Paraíba: “ Em dez meses, 18 pessoas foram mortas no estado [afirmou o presidente do MEL, Renan Palmeira]”

Dados compilados pelo histórico Grupo Gay da Bahia (BBG) dão conta que “a Paraíba está em segundo lugar no ranking nacional de crimes cometidos com motivação homofóbica. O estado de Pernambuco ocupa o primeiro lugar com 19 crimes. A Bahia e São Paulo dividem a terceira posição, cada um com 17 homicídios.”

Ainda segundo matéria publicada no sítio Gay 1 Brasil, integrantes da Ong MEL percorreram, por dois meses, às próprias expensas e em companhia de representantes da OAB, seccional da Paraíba, delegacias de 8 municípios do estado (Santa Rita, Sousa, Patos, Bananeiras, Campina Grande, Queimadas, Cabedelo e João Pessoa), levantando dados acerca dos delitos por motivação de ódio contra LGBTTs: “‘Não existe um levantamento oficial. Nós viajamos com recursos próprios para realizar a primeira parte do levantamento’, disse Renan Palmeira.”

Fato. Até o ano passado, apenas se podia contar com o trabalho sistemático (e por muitos anos incompreendido) do antropólogo fundador do GGB e principal responsável pela iniciativa da reunião das notícias veiculadas na imprensa sobre crimes vitimando homossexuais, travestis e transexuais. Hoje, nem isso. O acadêmico Luiz Mott comunicou publicamente em dezembro de 2011 que não mais faria essa compilação dos crimes de natureza homofóbica praticados (impunemente) no Brasil: “aviso pela última vez: transfiro à Secretaria de Direitos Humanos a responsabilidade pela manutenção do banco de dados sobre assassinatos de LGBT no Brasil.”

Desde o início dessa catalogação, divulgada em agosto de 1981, no Boletim nº 1 do GGB (MOTT, 2011, pág. 11), o Grupo deixava explícito que ela era certamente incompleta. No entanto, nesses já mais de 17 anos que se tem podido contar com linhas de financiamento (nacionais, internacionais) para pesquisas e projetos, jamais qualquer Ong ou núcleo acadêmico de pesquisa teve a iniciativa de tomar a si a tarefa de aperfeiçoar aquela compilação. A única pesquisa que se tem notícia a monitorar o encaminhamento dado pelas instituições policiais e judiciárias aos delitos originários pelo ódio a LGBTTs foi realizada pelos antropólogos Sérgio Carrara e Adriana R. B. Vianna, do IMS/UERJ, e divulgada em 2004.

Segundo informam, os pesquisadores partiram de notícias veiculadas em jornais e, em seguida, buscaram localizar os seus desdobramentos nos arquivos da polícia e do Judiciário fluminenses. Foram encontrados “105 registros de ocorrência e 57 processos, envolvendo 108 vítimas do sexo masculino que apareceram na imprensa como homossexuais” (CARRARA e VIANNA, 2004, p. 366, nota 5). Parte do mesmo contexto no qual, em 1992, por exemplo, 92% dos homicídios foram arquivados no município do Rio de Janeiro (Soares et al apud CARRARA e VIANNA, 2004, p. 372, nota 9), aqueles 105 registros de ocorrência resultaram em apenas 57 processos. Dos 23 discutidos no artigo, 15 foram arquivados; em 5 houve condenações; e em 3, absolvição (CARRARA e VIANNA, 2004, p. 366, nota 5 e p. 372).

Os 23 processos analisados tratam de crimes de latrocínio (art. 157 do CP). Para melhor observar e discutir as sociodinâmicas presentes nesse tipo penal quando homossexuais (masculinos) são as vítimas, em contexto onde a homossexualidade é culturalmente desqualificada, Carrara e Vianna trabalham a partir da noção de “crimes de lucro”, proposta por Ramos e Borges em 2001. Estes autores definem “crimes de lucro” como formas de violência que visam a obtenção de algum ganho – chantagem, extorsão, por exemplo (RAMOS e BORGES, 2001, 75). Conseqüência da fixação dos homossexuais no lugar da abjeção e da ignomínia, a engendrar relações pautadas pela clandestinidade, predominaram, nos casos presentes nos autos examinados, a assimetria socioeconômica e geracional entre os assassinos e suas vítimas. Em diversos deles os criminosos foram apresentados como “garotos de programa”, embora igualmente tenha-se verificado exceções a essa característica geral (CARRARA e VIANNA, 2004, p. 367 e nota 7).

Depois de examinarem os 23 processos criminais autuados entre 1981 e 1989, tendo homossexuais masculinos como vítimas, Carrara e Vianna concluíram que os campos policial e judiciário penal (neste incluídos advogados, promotores e magistrados) mostravam-se fortemente influenciados pelas noções fixadas “por psiquiatras, sexólogos e médicos-legistas ao longo do século XX, segundo as quais a homossexualidade era compreendida como doença ou anomalia” (CARRARA e VIANNA, 2004, p. 366). Essa forma de representação da homossexualidade (“a gramática ativo-passivo”, aliada às noções das vítimas como seres “melancólicos”, “tristes”, “solitários”, “promíscuos”, adictos ao sexo, degenerados, anômalos) marcava de forma determinante os discursos dos profissionais de ambos os campos e, via de conseqüência, os modos de desempenho das funções investigativa e julgadora.

Por um lado, a sexualidade da vítima aparece majoritariamente vista no interior dessa moldura desqualificatória e culpabilizadora, enquanto que a dos agressores “nunca é problematizada de fato, uma vez que a capacidade de ser sexualmente ‘ativo’ os inclui na categoria mais geral de ‘homens’”, isto é, livres da classificação desqualificante de homossexuais (CARRARA e VIANNA, 2004, p. 381). Profundamente influenciados por tais representações sentenças ambivalentes foram produzidas:

Em pelo menos um dos casos, o assassinato do professor AVB, sua evocação com sucesso parece ter sido decisiva para a absolvição do réu confesso. Em um maior número de casos, ou porque a vítima não consegue ser inteiramente capturada nessa imagem ou porque para alguns juízes ela não justifica inocentar um assassino, os réus acabam condenados (CARRARA e VIANNA, 2004, p. 382).

Os achados nessa pesquisa nos levam à constatação de que, longe do ideal de neutralidade e imparcialidade difundido como sendo o seu modus operandi, o Judiciário na realidade de seu ofício cotidiano tem produzido decisões marcadamente influenciadas pelas pessoais representações da homossexualidade que seus agentes sejam portadores. Por ausência de pesquisas e dados estatísticos, não sabemos como o Judiciário tem enfrentado tais crimes em épocas mais recentes.

Tendo em vista a espiral ascendente dos delitos motivados pela representação desqualificadora e estigmatizante da homossexualidade e da travestilidade, é possível supor a permanência da impunidade específica, no grande oceano de impunidade geral que nos caracteriza. Fator que atua como elemento estimulador, ao lado dos discursos reprovadores das homossexualidades, que partem de personalidades públicas como determinados parlamentares e autoridades religiosas, que se notabilizaram por manifestações nesse sentido. Na opinião da Senadora Marta Suplicy, de 1995, quando ela apresentou o projeto de parceria civil homoafetiva, até os dias atuais, “o Brasil retrocedeu e muito. O Judiciário avançou e o Executivo avançou [...], ele avançou corajosamente, quem se apequena, quem tem medo, é o Legislativo. O Legislativo não avança.” (FILHO, 2011)

No canal de denúncias de violações dos direitos humanos instituído pelo Governo federal em janeiro de 2011, após seis meses o Módulo LGBT (disque 100) ostentava 560 reclamações – o que representa 3 por dia. Desse total, 20% se originaram em São Paulo. O Presidente da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Travestis e Transexuais – ABGLT -, Toni Reis, afirma tratar-se de um número muito elevado e grave, principalmente tomando em referência o fato de que o número da central de denúncia ainda não era de amplo conhecimento do público-alvo. Em novembro de 2011 o serviço contabilizava 1.067 denúncias. Destas, foram apuradas 3.455 violações. No topo aparecem a violência psicológica, com 46,5% e a discriminação, com 29,41% (DISQUE, 2011). A Ministra dos Direitos Humanos, Maria do Rosário, divulgou nota afirmando que “a situação é urgente e merece toda a nossa atenção para a promoção de um ambiente de paz e respeito à diversidade” (GAY1, 21/07/2011).

Alie-se a este quadro a capacidade que tem demonstrado o bloco religioso para inviabilizar a aprovação de todos os projetos de lei que contrariem a sua peculiar visão de mundo (aborto, aborto de fetos anencefálicos, reconhecimento das uniões homoafetivas, casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, adoção conjunta por parceiros homossexuais), inclusive a obstaculização do projeto que visa regulamentar o artigo 5º, inciso XLI da Constituição da República, fixando as sanções decorrentes das práticas discriminatórias também em razão de orientação sexual e identidade de gênero. Embora minoritário, tem conseguindo – desde o Congresso Constituinte, em 1987 – aparelhar o Congresso Nacional, assegurando a não aprovação de textos legislativos que promovam efetiva cidadania isonômica aos LGBTTs. Ao imporem sua visão de mundo sobre o Legislativo, terminam por impô-la sobre toda a nação.

Enquanto o Congresso Nacional brasileiro tem sido pautado pelas pessoais convicções religiosas de uma diminuta parcela de seus parlamentares (66 deputados e 3 senadores), são passados 24 anos desde que a Constituição estabeleceu o princípio da não discriminação, independentemente do motivo (artigo 3º, inc. IV c/c art. 5º, inciso XLI). No curso desse tempo, o mundo civilizado tem cada vez mais reconhecido as homossexualidades enquanto simples modalidade de orientação sexual e avançado na efetividade da cidadania isonômica em relação aos heterossexuais.

A Alta Comissária da ONU, Navy Pillay, já se manifestou expressamente sobre o continuado aumento dos crimes homofóbicos e exortou os governos nacionais a tomarem medidas para acabar com a discriminação e com o preconceito baseado na orientação sexual ou na identidade de gênero. Segundo Pillay, “Ninguém tem o direito de tratar um grupo de pessoas como sendo de menor valor, menos merecedores ou menos dignos de respeito” (ONU, 2011). Também o Ministro do STF, Carlos Ayres Britto, já se declarou publicamente favorável à criminalização da homofobia. Em sua opinião, trata-se de uma "prática que chafurda no lamaçal do ódio" (entrevista ao jornal Folha de São Paulo, em 04/07/2011):

O sr. é a favor de criminalizar a homofobia? Tenho [para mim] que sim. O homofóbico exacerba tanto o seu preconceito que o faz chafurdar no lamaçal do ódio. E o fato é que os crimes de ódio estão a meio palmo dos crimes de sangue.
 
Enquanto o Legislativo nacional segue dominado pelo projeto teocrático, apenas nos primeiros vinte dias desse ano de 2012 o Brasil supostamente fraterno já assassinou barbaramente 20 LGBTTs, sendo seis na Bahia, 4 na capital Salvador, cidade do histórico GGB. Única e exclusivamente em razão de sua orientação sexual e, em alguns casos, também pela sua identidade de gênero.

Essa continuada ascensão da violência homofóbica tem nos discursos desqualificadores e na ausência de lei complementar fixando o tipo penal e a sanção, os seus fatores mais graves, vez que fomentadores das agressões e sua impunidade, conforme conclui o fundador do Grupo Gay da Bahia, o antropólogo Luiz Mott (BARROS, 2012).
 
Diante de semelhante conjuntura, cabe a pergunta:

- Quantos mais precisarão ser assassinados e espancados, até que o Congresso aprove a Lei Antidiscriminação?

Referências:
  • BARROS, Ana Claudia. Bahia começa 2012 liderando ranking de assassinatos de homossexuais. Terra Magazine, 20/01/2012. Disponível em: http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI5569036-EI6578,00-Bahia+comeca+com+numero+recorde+de+assassinatos+de+homossexuais.html
  • CARRARA, Sérgio e VIANNA, Adriana R. B. “As vítimas do Desejo”: Os tribunais cariocas e a homossexualidade nos anos 1980. In: PISCITELLI, Adriana, GREGORI, Maria Filomena e CARRARA, Sérgio (orgs.). Sexualidades e Saberes: Convenções e Fronteiras. Rio de Janeiro: Garamond, 2004, p. 365-383.
  • COLAÇO, Rita. PLC 122/2006: O Parlamento, o Executivo, os Direitos Humanos, o fisiologismo e o obscurantismo religioso e cultural. Disponível em:
  • http://comerdematula.blogspot.com/2011/12/plc-1222006-o-parlamento-o-executivo-os.html
  • DISQUE Direitos Humanos. Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. http://www.sedh.gov.br/clientes/sedh/sedh/2011/12/22-dez-2011-orcamento-2012-para-populacao-lgbt-sera-64-maior-em-relacao-a-2011
  • ELEIÇÕES Hoje. 235 LGBTs assassinados até novembro. 14/12/2011. Disponível em: http://www.eleicoeshoje.com.br/235-lgbt-assassinados-novembro/#axzz1kgULKI00
  • FILHO, Hélio. Legislativo tem medo de avançar na questão LGBT, diz Marta. Mix Brasil, 05/04/2011. Disponível em: http://mixbrasil.uol.com.br/pride/politica/legislativo-tem-medo-de-avancar-na-questao-lgbt-critica-marta-suplicy.html#rmcl
  • GAY1. Em 6 meses o Disque 100 recebeu 560 denúncias de agressões a LGBTs. 21/07/2011. Disponível em: http://www.gay1.com.br/2011/07/em-6-meses-o-disque-100-recebeu-560.html#
  • GAY1. Cerca de dois LGBTs são mortos na Paraíba por mês. 19/10/2011. Disponível em: http://www.gay1.com.br/2011/07/em-6-meses-o-disque-100-recebeu-560.html#
  • GAY1. 95% dos bairros de João Pessoa têm domicílios com casais LGBTs. 16/11/2011. Disponível em: http://www.gay1.com.br/2011/07/em-6-meses-o-disque-100-recebeu-560.html#
  • GERALD. Marcelo. Dilma, a presidenta submissa. Sítio Eleições Hoje, 06/01/2012. Disponível em http://www.eleicoeshoje.com.br/dilma-presidenta-submissa/#axzz1kgULKI00.
  • JOYCE, Karla. Histórico do PLC 122/2006. Disponível em: http://www.plc122.com.br/historico-pl122/#axzz1lXz29X5p
  • MOTT, Luís (Editor). Boletim do Grupo Gay da Bahia 1981-2005. Salvador: Ed. GGB, 2011.
  • ONU. No Dia Internacional contra a Homofobia e a Transfobia, ONU alerta para aumento dos crimes homofóbicos, 17/05/2011. Disponível em: http://www.onu.org.br/no-dia-internacional-contra-a-homofobia-e-a-transfobia-onu-alerta-para-aumento-dos-crimes-homofobicos/
  • RAMOS, Silvia e BORGES, Doriam. Disque Defesa Homossexual: Números da violência. In: Violência e minorias sexuais. RJ: Comunicações do ISER, nº 56, Ano 20, 2001, p. 67-78.
  • RIOS, Roger Raupp. Notas sobre o substitutivo ao projeto de lei 122 (criminalização da homofobia). Disponível em: http://www.plc122.com.br/crticas-de-roger-raupp-rios/#ixzz1lYU6H4f4
  • SELIGMAN, Felipe e NUBLAT, Johanna. Pela 1ª vez, ministro do STF defende criminalização da homofobia. Jornal Folha de São Paulo, 04/07/2011. Disponível em: http://comerdematula.blogspot.com/2011/07/ayres-brito-min-do-stf-constituicao-e.html
  • VALENTINA. Exclusivíssimo do Valnaweb: Entrevista com Fátima Cleide - março 2011. Disponível em: http://memoriamhb.blogspot.com/2011/07/exclusivissimo-do-valnaweb-entrevista.html
  • VECCHIATI, Paulo Roberto Iotti. Críticas à proposta de nova emenda ao PLC 122/06. Disponível em:http://www.plc122.com.br/criticas-proposta-emenda-plc122/#axzz1lXz29X5p
  • Rita Rodrigues é é Graduada em Direito pela UFRJ; Doutoranda em História Social pela UFF e Mestre em Política Social (Proteção Social) pela mesma Universidade.
  • Revista Consultor Jurídico, 10 de fevereiro de 2012

Fonte:
https://www.conjur.com.br/2012-fev-10/travestis-homossexuais-presenca-odio-impunidade

Inquisição no Brasil: A perseguição aos homossexuais

Por que os homossexuais foram perseguidos pela Inquisição no Brasil?

Proporcionalmente, os gays constituíram o grupo social tratado com maior intolerância pelo Santo Ofício, mas apenas aqueles que praticaram a“sodomia perfeita” arderam nas fogueiras


Luiz Mott
24/10/2011




Depois dos cristãos-novos judaizantes, os homossexuais foram os mais perseguidos pela Inquisição portuguesa: trinta homens “sodomitas” foram queimados na fogueira. Proporcionalmente, os gays constituíram o grupo social tratado com maior intolerância por esse Monstrum Terribilem. Foram mais torturados e degredados que os demais condenados e, não bastasse, receberam as penas mais rigorosas. Metade foi condenada a remar para sempre nas galés del Rei.

Mas somente os praticantes do que a Inquisição classificava como “sodomia perfeita” ardiam nas fogueiras. Esta perfeição consistia “na penetração do membro viril desonesto no vaso traseiro com derramamento de semente de homem”. Os demais atos homoeróticos eram considerados pecados graves ou“molice”.

Perseguição irregular

A sodomia, entretanto, não foi estigmatizada e perseguida em todos os tribunais do Santo Ofício da Espanha, nem mesmo pela Inquisição portuguesa em seus primeiros anos de instalação. Isto demonstra que inexplicáveis fatores históricos, políticos e culturais estariam por trás do maior ou menor radicalismo da homofobia católica.

Variações e contradições da condenação moral dos desvios sexuais refletem a condição pantanosa, imprecisa e ilógica do catolicismo em relação ao amor entre pessoas do mesmo sexo. As razões cruciais que levaram a Inquisição a perseguir os homossexuais masculinos teriam sido duas. Ao condenar à fogueira apenas os praticantes da cópula anal, os Inquisidores reforçavam a mesma maldição bíblica que condenava ao apedrejamento “o homem que dormir com outro homem como se fosse mulher”. Ou seja, o crime é derramar o sêmen no vaso“antinatural”, uma vez que judaísmo, cristianismo e islamismo se definem como essencialmente pronatalistas, quando o ato sexual se destina exclusivamente à reprodução. Daí a perseguição àqueles que ousassem ejacular fora do vaso natural da fecundação, uma insubordinação antinatalista inaceitável para povos dominados pelo dogma demográfico do “crescei e multiplicai-vos como as estrelas do céu e as areias do mar”.

A segunda razão tem a ver com o estilo de vida andrógino e irreverente, quiçá revolucionário, dos próprios sodomitas, chamados de “filhos da dissidência”. Eis o trecho de um discurso homofóbico lido num sermão de um Auto de Fé de Lisboa em 1645: “O crime de sodomia é gravíssimo e tão contagioso, que em breve tempo infecciona não só as casas, lugares, vilas e cidades, mas ainda Reinos inteiros! Sodoma quer dizer traição. Gomorra, rebelião. É tão contagiosa e perigosa a peste da sodomia, que haver nela compaixão é delito. Merece fogo e todo rigor, sem compaixão nem misericórdia!”


Luiz Mott é professor da Universidade Federal da Bahia e autor de Sexo proibido: virgens, gays e escravos nas garras da Inquisição (Papirus, 1988).


Saiba Mais:
TREVISAN, João Silvério. Devassos no Paraíso. São Paulo: Editora Record, 2000.
VAINFAS, Ronaldo. O Trópico dos pecados. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2010.

Luiz Mott

Dr. Drauzio Varela fala sobre homofobia

 "Violência contra homossexuais"



DRAUZIO VARELLA


Por Drauzio Varella
São Paulo, 04 de dezembro de 2010



Violência contra homossexuais

Negar direitos a casais do mesmo sexo é imposição que vai contra princípios elementares de justiça



A HOMOSSEXUALIDADE é uma ilha cercada de ignorância por todos os lados. Nesse sentido, não existe aspecto do comportamento humano que se lhe compare.

Não há descrição de civilização alguma, de qualquer época, que não faça referência a mulheres e a homens homossexuais. Apesar de tal constatação, esse comportamento ainda é chamado de antinatural.

Os que assim o julgam partem do princípio de que a natureza (leia-se Deus) criou os órgãos sexuais para a procriação; portanto, qualquer relacionamento que não envolva pênis e vagina vai contra ela (ou Ele).

Se partirmos de princípio tão frágil, como justificar a prática de sexo anal entre heterossexuais? E o sexo oral? E o beijo na boca? Deus não teria criado a boca para comer e a língua para articular palavras?

Se a homossexualidade fosse apenas uma perversão humana, não seria encontrada em outros animais. Desde o início do século 20, no entanto, ela tem sido descrita em grande variedade de invertebrados e em vertebrados, como répteis, pássaros e mamíferos.

Em alguma fase da vida de virtualmente todas as espécies de pássaros, ocorrem interações homossexuais que, pelo menos entre os machos, ocasionalmente terminam em orgasmo e ejaculação.

Comportamento homossexual foi documentado em fêmeas e machos de ao menos 71 espécies de mamíferos, incluindo ratos, camundongos, hamsters, cobaias, coelhos, porcos-espinhos, cães, gatos, cabritos, gado, porcos, antílopes, carneiros, macacos e até leões, os reis da selva.

A homossexualidade entre primatas não humanos está fartamente documentada na literatura científica. Já em 1914, Hamilton publicou no "Journal of Animal Behaviour" um estudo sobre as tendências sexuais em macacos e babuínos, no qual descreveu intercursos com contato vaginal entre as fêmeas e penetração anal entre os machos dessas espécies. Em 1917, Kempf relatou observações semelhantes.

Masturbação mútua e penetração anal estão no repertório sexual de todos os primatas já estudados, inclusive bonobos e chimpanzés, nossos parentes mais próximos.

Considerar contra a natureza as práticas homossexuais da espécie humana é ignorar todo o conhecimento adquirido pelos etologistas em mais de um século de pesquisas.

Os que se sentem pessoalmente ofendidos pela existência de homossexuais talvez imaginem que eles escolheram pertencer a essa minoria por mero capricho. Quer dizer, num belo dia, pensaram: eu poderia ser heterossexual, mas, como sou sem-vergonha, prefiro me relacionar com pessoas do mesmo sexo.

Não sejamos ridículos; quem escolheria a homossexualidade se pudesse ser como a maioria dominante? Se a vida já é dura para os heterossexuais, imagine para os outros.

A sexualidade não admite opções, simplesmente se impõe. Podemos controlar nosso comportamento; o desejo, jamais. O desejo brota da alma humana, indomável como a água que despenca da cachoeira.

Mais antiga do que a roda, a homossexualidade é tão legítima e inevitável quanto a heterossexualidade. Reprimi-la é ato de violência que deve ser punido de forma exemplar, como alguns países o fazem com o racismo.

Os que se sentem ultrajados pela presença de homossexuais que procurem no âmago das próprias inclinações sexuais as razões para justificar o ultraje. Ao contrário dos conturbados e inseguros, mulheres e homens em paz com a sexualidade pessoal aceitam a alheia com respeito e naturalidade.

Negar a pessoas do mesmo sexo permissão para viverem em uniões estáveis com os mesmos direitos das uniões heterossexuais é uma imposição abusiva que vai contra os princípios mais elementares de justiça social.

Os pastores de almas que se opõem ao casamento entre homossexuais têm o direito de recomendar a seus rebanhos que não o façam, mas não podem ser nazistas a ponto de pretender impor sua vontade aos mais esclarecidos.

Afinal, caro leitor, a menos que suas noites sejam atormentadas por fantasias sexuais inconfessáveis, que diferença faz se a colega de escritório é apaixonada por uma mulher? Se o vizinho dorme com outro homem? Se, ao morrer, o apartamento dele será herdado por um sobrinho ou pelo companheiro com quem viveu por 30 anos?

Verdadeiras e Verdadeiros Transexuais Precisam ter a Chance de Fazer a Operação de Mudança de Sexo. Porém, ...

Roberta Close

Por Sergio Viula


A operação para mudança de sexo nunca foi tão acessível! E isso é uma tremenda conquista para a parte da população brasileira denominada transexual. Muito disso, porém, se deve à atuação do presidente Lula e seus ministros. Só as pessoas transexuais sabem quanto dói ter uma psique que não combina com o corpo – psique e soma não se harmonizam até que a pessoa transexual passe pela devida adequação do físico ao psíquico. Daí a importância dos tratamentos e das operações para mudança de sexo.

Dou todo meu (singelo) apoio a essas pessoas que finalmente alcançam paz existencial quando completam, com êxito, esse processo.

A maioria das transexuais anda entre nós, sem que percebamos facilmente que são transexuais, tamanha a identificação do aparente (o corpo) com o essencial (a identidade). Outras pessoas, por fatores genéticos e por questões de idade, dependendo de quantos anos têm quando começam o tratamento para a adequação do corpo, podem ainda ser notadas como algo entre o masculino e o feminino, apesar da mudança de genitália. Isso não faz diferença em termos de quão transexual alguém realmente é, se podemos dizer assim.

Logicamente, a pessoa pode ser verdadeiramente transexual, independentemente da aparência, porque o fenômeno da transexualidade é primeiramente intrínseco, e só depois se mostra externamente (ou não).

Dizendo isso, introduzo aqui uma distinção: existem verdadeiros transexuais e existem pessoas que procuram na operação de mudança de genitália uma forma de adequar sua homossexualidade (o máximo possível) à heterossexualidade normativa. Homossexualidade e transexualidade são duas coisas distintas.

Homossexual é o indivíduo, homem ou mulher, que se sente atraído por pessoas do mesmo gênero: homem por homem e mulher por mulher. Transexual é o indivíduo, homem ou mulher, que não se sente pertencente ao gênero que seu sexo biológico aparentemente lhe confere, ou seja, sente-se mulher, apesar de ter pênis, ou homem, apesar de ter vagina, e sofre por causa dessa diferenciação quando entra em contato com os próprios órgãos genitais, mesmo em situações simples como no ato de vestir-se, tomar banho, urinar.

Enquanto um homem gay pode curtir muito prazer com sua genitália (o mesmo valendo para uma mulher gay), o/a transexual - como tradicionalmente definido/a - não obtém prazer algum de sua genitália. Tudo que ela/ela sente pelo próprio órgão sexual é desgosto e repúdio. Essas pessoas, que são verdadeiramente transexuais, precisam da operação, dos tratamentos hormonais, do acompanhamento psicológico, médico, etc., até chegar ao final do processo, que geralmente leva uns dois anos, em média.

Todavia, existem aquelas pessoas que, movidas pela mídia e por toda propaganda que se faz em torno da operação de mudança de sexo, pensam ser essa a solução para uma questão de outra ordem. Essas pessoas (homossexuais, não transexuais verdadeiramente), premidas por diversos preconceitos introduzidos ao longo da infância, adolescência e que ainda podem acompanha-los na fase adulta, acabam vendo na operação de mudança de sexo, uma via de escape dos problemas que enfrentam por não gostarem de transar com pessoas do outro sexo. Sua afetividade é homossexual, mas acreditam que se mudarem de genitália estarão finalmente livres do preconceito que as persegue desde sempre. Neste caso, a operação é mera e trágica amputação, podendo gerar problemas futuros, inclusive arrependimento de ter operado. A operação, contudo, é irreversível, e por isso mesmo, não pode ser banalizada. Se alguém objetar que um pênis pode ser reimplantado, por exemplo, vale lembrar que ele muito provavelmente passará a ser mero objeto de decoração entre as pernas, porque não funcionará como funcionava antes: com ereções, sensações e ejaculações. Pode ser que a ciência ainda avance ao ponto de eliminar esse dilema.

Todavia, não se pode negar a um/uma transexual genuíno/a seu pedido de adequação por meio da operação, e tratamento para a transição entre sexos. Isso condenaria tal pessoa à completa infelicidade durante toda a sua existência. Uma vez que a medicina coloca essa possibilidade, como já fez com tantas outras, diante de nós, deve-se usar esse recurso para o bem dessas pessoas e, consequentemente, para maximizar os índices de felicidade de toda a sociedade, no final das contas. As operações estão cada vez mais avançadas, e, contudo, ainda existem muitos contratempos para o funcionamento pleno dos órgãos modificados, especialmente quando se passa da vagina ao pênis: tamanho e impossibilidade de ereção são duas dessas dificuldades. Em ambos os casos, também existe o problema da impossibilidade da produção de sêmen pelo transexual que fez a transição para homem e a impossibilidade de ovulação e gravidez pelo transexual que fez a transição para mulher.

Além disso, ainda existem muitos problemas de ordem legal e burocrática a serem resolvidos: documentação, direitos plenos como membro do gênero com o qual se identificam, casamento com pessoa do outro sexo, etc. Lógico que tudo isso ainda pode ser resolvido, mas enquanto ainda persistirem esses obstáculos, a pessoa transexual, mesmo já operada, e com toda a transição feita, ainda vai encontrar inúmeros problemas para sentir-se plenamente homem ou mulher, de acordo com seu caso. Todas essas questões, porém, podem ser resolvidas com legislação nova e apropriada.

Pensadas essas questões, não se pode negar que pessoas como Roberta Close, a transexual mais famosa do mundo, sentem-se muito mais felizes quando já fizeram todo o processo de transição, incluindo a mudança de genitália. Roberta foi muito corajosa desde sempre. E as transexuais brasileiras devem muito a ela em termos de conquistas de direitos, inclusive o de operar pelo SUS (Sistema Único de Saúde). Roberta Close teve que fazer a operação fora do Brasil, porque aqui ainda não era permitido. E se dependesse da insensibilidade dos fundamentalistas e moralistas reacionários, essa parcela da população continuaria esquecida, só sendo lembrada quando chegavam ao cúmulo do sofrimento existencial e tentavam se automutilar, cortando a própria genitália, no caso das transexuais que nasceram com pênis e almejavam ter vagina.



Roberto quando era criança (à esquerda) e depois como Roberta Close,
 já em transição, antes mesmo da operação.



Por tudo isso, parabéns a todos/todas os/as transexuais que lutaram tão bravamente por seus direitos e, não só conquistaram a possibilidade da adequação genital, mas também contribuíram para tornar a sociedade um ambiente existencialmente mais feliz, belo e equilibrado. Lembrando que uma transexual pode ser pré, pós ou nunca operada e deve ser respeitada no gênero com o qual se identifica a despeito de qualquer procedimento médico.

A decisão pelos procedimentos transexualizantes deve ser sempre da pessoa transexual. Os profissionais devem apenas indicar os melhores caminhos para o atingimento dos objetivos das pessoas transexuais em relação a seu próprio corpo. Nenhum profissional, seja qual for o campo, pode legitimamente dizer quem é e quem não é transexual.

Agora, você que é homem gay ou mulher lésbica, como diriam hoje "cis", ou seja, não é transmulher ou transhomem, supere a auto-homofobia e o preconceito homofóbico alheio, e seja feliz como homem que ama homens ou mulher que ama mulheres, e aprenda a usufruir todo prazer que seu corpo lhe proporciona.

É sempre bom lembrar que as pessoas transexuais podem ser homo, bi ou hetero. Orientação sexual e identidade de gênero são coisas distintas.

Por isso mesmo, homofobia internalizada não se cura na mesa de cirurgia. Se você é gay ou lésbica, aceite-se, ame-se, e orgulhe-se do seu amor! Se você é trans, faça o que considerar melhor para viver plenamente sua identidade e para viver o seu amor, seja ele por alguém do mesmo gênero, de outro gênero ou dos dois. ;)

Resumindo: Felicidade é viver de acordo com aquilo que melhor traduz você mesmo/mesma!

Seja feliz!







Leia: Crianças Transgêneres 👈👈👈


*************************

Para Papa, evitar comportamento gay é como salvar florestas


O Papa, as Florestas Tropicais e os “Perigos” da Diversidade Humana


ROMA – O Papa Bento XVI declarou que “salvar” a humanidade do comportamento homossexual ou transexual é tão importante quanto salvar as florestas tropicais do desmatamento. Segundo ele, a Igreja deve proteger o ser humano da “destruição de si mesmo”. Para o pontífice, existe uma “ecologia humana” a ser preservada — e isso inclui manter a ordem da criação expressa em homem e mulher, como narrado no Gênesis.

O discurso — proferido na Cúria, administração central do Vaticano — reforça mais uma vez a obsessão da Igreja com tudo o que escapa à heteronormatividade. Em outubro do mesmo ano, uma autoridade do Vaticano já havia chamado a homossexualidade de “desvio, irregularidade e ferida”. E mesmo tendo se posicionado contra penas legais a pessoas LGBT, o Vaticano se opôs à resolução da ONU sobre a descriminalização da homossexualidade, com o argumento de que termos como “orientação sexual” e “identidade de gênero” poderiam gerar incerteza jurídica.

Comentário deste blogueiro:

A Igreja ainda extrai sua moral sexual de um mito. Quando o papa fala da criação do homem e da mulher, está falando de Adão e Eva — figuras simbólicas de um texto religioso escrito há milênios. Como é possível que tantas aberrações sejam legitimadas com base em alegorias mitológicas?

A obsessão da Igreja com a sexualidade alheia beira o patológico. E é difícil não notar a hipocrisia: justamente em instituições clericais, onde a convivência com o próprio gênero é constante e o voto de castidade é exigido, a homossexualidade rola solta — só que em silêncio, nos bastidores, nos mosteiros e nas casas paroquiais que funcionam como verdadeiros bunkers da intimidade.

Afinal, quem está realmente colocando “o homem em risco”? A comunidade LGBT que luta por dignidade, ou as igrejas que sempre fizeram barganha com almas e corpos ao longo da história, muitas vezes com promessas de salvação pós-morte em troca de poder, riqueza e submissão?

Há muito tempo a Igreja deixou de ser apenas prostituta — hoje ela é cafetina. Domina igrejas mais novas com a mesma mentalidade medieval sobre sexualidade, mas com ferramentas contemporâneas de poder econômico e político. A preocupação do Vaticano não é com o “pecado”, mas com o controle.

Experiências Pessoais

Não falo apenas por ouvir dizer. Já tive minhas experiências com membros do clero que buscavam sexo escondido, com naturalidade, como se fosse parte de uma rotina paralela. Dois frades em contextos diferentes tentaram me seduzir — um em uma barraca de praia, outro em um shopping, achando que eu também era do “ofício”. Conheço gente que transa com padre depois da missa. Isso é mais comum do que as "ovelhinhas" imaginam.

Se fosse contar todos os casos, esse post viraria uma novena. Basta dizer que o discurso papal é cruel, desconectado da ciência, da realidade e do respeito humano. Carrega um cheiro de fogueira que não combina com uma sociedade que quer justiça, equilíbrio e saúde mental.

O que realmente importa?

A igualdade de direitos, o reconhecimento da dignidade das diversas formas de amor, e a liberdade de cada um viver sua verdade — isso sim traria menos sofrimento ao mundo. Não precisamos esperar que a Igreja acorde. Talvez ela nunca acorde. Mas nós, sim, podemos ser a mudança. Somos indivíduos políticos. Exijamos nossos direitos e votemos apenas em quem realmente representa os valores humanos universais.

A Igreja romana, herdeira do Império, parece ainda amar a tortura. E muita gente ainda faz como Pilatos: lava as mãos. Mas nós não. Nós reagimos.


 

Postagens mais visitadas