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O tsunami Jean Wyllys

Foto: Agência Brasil

Por Sergio Viula


Jean Wyllys de Matos Santos, nascido em Alagoinhas (BA) em 10 de março de 1974, é jornalista, professor universitário e exerceu dois mandatos seguidos na Câmara dos Deputados, tendo sido eleito pela primeira vez em 2010. 

Em 2018, Jean foi eleito para seu terceiro mandato, mas decidiu abdicar do cargo antes de assumir a vaga por causa de ameaças de morte contra si mesmo e contra sua família. Seu terceiro mandato começaria em 2019, mas no dia 24 de janeiro deste, Jean anunciou publicamente sua decisão de não voltar ao Brasil, por meio de um comunicado feito através da Folha de São Paulo e de seus canais pessoais nas redes sociais. (https://www1.folha.uol.com.br/poder/2019/01/com-medo-de-ameacas-jean-wyllys-do-psol-desiste-de-mandato-e-deixa-o-brasil.shtml)

Jean Wyllys é filiado ao PSOL (Partido Socialismo e Liberdade), do Rio de Janeiro, e exerceu seus três mandatos vinculado a esse partido.

O apoio popular a Jean Wyllys foi pequeno no começo, aumentou muito em seguida, mas decresceu em 2018, especialmente depois de uma ampla, contínua e cruel campanha difamatória que caracterizou todo o seu segundo mandato, bem como as eleições para o seu terceiro ciclo legislativo. 


Montanha-russa.

Em 2010, Jean teve sua menor votação, tendo sido beneficiado pelo excelente desempenho de Chico Alencar, também do PSOL. 

Em 2014, decolou, atingindo a marca de sétimo deputado mais votado para o cargo. 

Porém, nas eleições de 2018, Jean foi um dos últimos colocados, mesmo tendo trabalhado sempre com a maior lisura e competência. 

A razão para esse declínio nas urnas deve-se, muito provavelmente, à campanha difamatória que pessoas ligadas à ultra-direita e ao fundamentalismo evangélico e católico, dentro e fora da Câmara, promoveram contra ele.


Desempenho reconhecido

Sobre seu excelente desempenho como deputado, em 2015, a revista britânica The Economist classificou Wyllys como uma das 50 personalidades que mais lutam pela diversidade no mundo. Em 2012 e 2015, Jean foi eleito pelos internautas o melhor deputado federal do Brasil. (http://g1.globo.com/politica/noticia/2015/11/jean-wyllys-e-incluido-entre-50-nomes-que-defendem-diversidade-no-mundo.html)

2012: https://congressoemfoco.uol.com.br/especial/noticias/e-o-melhor-deputado-em-2012-e-jean-wyllys/

2015: http://www.politicaemfoco.com/jean-wyllys-e-escolhido-o-melhor-deputado-de-2015/


A abdicação do cargo, anunciada por Jean no dia 24 de janeiro, é um sintoma de que o Brasil anda muito doente. Porém, seu suplente, David Miranda, que também é gay, casado com outro homem, pai de dois filhos, e que já foi vereador no Rio de Janeiro, com excelente desempenho e com muita energia para defender pautas genuinamente democráticas, promete fazer a diferença a partir da lacuna deixada pela saída de Jean.

Jean Wyllys informou que seu foco agora estará sobre sua carreira acadêmica fora do Brasil.


David Miranda (esquerda) é casado com o jornalista americano Glenn Greenwald e tem dois filhos, adotados dois anos atrás



A despeito de sua abdicação deste mandato, que começaria agora em 2019, a carreira legislativa de Jean Wyllys deixa um legado de dezenas de projetos de lei apresentados na Câmara dos Deputados. Muitos são de sua exclusiva autoria, mas outros foram produzidos em co-autoria com Chico Alencar, Erika Kokay, entre outros parlamentares.

Destaco abaixo alguns de seus projetos de lei (PL), citando o ano e a condição em que se encontram na Câmara dos Deputados. 

Decidi colocar somente dois projetos de lei apresentados a cada ano (2011-2018), totalizando 16. Porém, ressalto que Jean apresentou muitos outros. 

Vale lembrar que não estou considerando aqui outros tipos de proposições legislativas, tais como PEC (Proposta de Emenda à Constituição), PLP (Projeto de Lei Complementar), etc. 

Trata-se apenas de uma pequena amostra dentre uma ampla variedade de peças legislativas produzidas, além de brilhantes pronunciamentos proferidos pelo deputado ao longo de dois profícuos mandatos (oito anos).

Antes de falarmos dos projetos de lei propriamente ditos, gostaria de sublinhar mais uma coisa: Os leitores interessados em conhecer o inteiro teor de cada projeto apresentado abaixo só precisam clicar nos números que se referem a cada PL, clicando em seguida no link inteiro teor dentro da página do próprio site da Câmara dos Deputados. Lá, poderão ver também quem são os co-autores, quando os houver, além de outras informações.


Alguns projetos de autoria 
ou co-autoria de Jean Wyllys:


PL 771/2011,  que visa a garantir direitos a pessoas com deficiência física e intelectual, inclusive empregabilidade. Ainda em tramitação.
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=495414

PL 2669/2011, que dispõe sobre diretrizes para o tratamento de doenças raras no âmbito do Sistema Único de Saúde. A Câmara arquivou esse projeto de lei, apesar de ser fundamental para pessoas acometidas por doenças raras cujo tratamento não se encontra facilmente. Quando se encontra, os preços na rede particular são proibitivos. Arquivado.
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=937537&filename=PL+2669/2011 

PL 3385/2012, que proíbe a consulta e aplica multa a Pessoa Jurídica de Direito Privado que pesquise em cadastros de inadimplência públicos ou privados nomes de candidatos a emprego para fins de seleção. Ainda em tramitação.
http://www2.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=536323

PL 4211/2012, que regulamenta a atividade dos profissionais do sexo (Lei Gabriela Leite). Aguardando comissão na Câmara.
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=551899

PL 5002/2013, que dispõe sobre o direito à identidade de gênero e altera o art. 58 da Lei nº 6.015 de 31 de dezembro de 1973. Projeto conhecido como Lei João W. Nery. Aguardando Parecer do Relator na Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM)
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=565315

PL 5120/2013, que altera artigos da da Lei nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002, a fim de reconhecer o casamento civil e a união estável entre pessoas do mesmo sexo. Ainda em tramitação.
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=567021

PL 7270/2014, que regula a produção, industrialização e comercialização de Cannabis (maconha). Ainda em tramitação.
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=608833

PL 7412/2014, que permite ao locatário escolher entre as três modalidades de garantia para contratos de aluguel: fiança, caução em dinheiro ou seguro de fiança locatícia. Ainda em tramitação.
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=612693

PL 315/2015, que insere no Decreto-lei n° 2.848 de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal - o crime de enriquecimento ilícito. Ainda em tramitação.
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=946487

PL 592/2015, que dispõe sobre a realização anual de atividades direcionadas ao enfrentamento do HIV/AIDS durante o mês de dezembro. Já transformado em norma jurídica.
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=964469

PL 6005/2016, que institui o programa "Escola livre" em todo o território nacional. Ainda em tramitação.
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=AFBF203AC4637B67A31C71DC0FE55F6A.proposicoesWebExterno2?codteor=1484506&filename=PL+6005/2016

PL 6297/2016, que altera a Lei 10.205, de 21 de março de 2001, que "regulamenta o § 4o do art. 199 da Constituição Federal, relativo à coleta, processamento, estocagem, distribuição e aplicação do sangue, seus componentes e derivados, estabelece o ordenamento institucional indispensável à execução adequada dessas atividades, e dá outras providências". Ainda em tramitação.
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2113829

PL 8181/2017, que revoga a reforma trabalhista efetivada pela lei 13.467, de 3 de julho de 2017, aprovada pelo Congresso Nacional por iniciativa do então presidente Michel Temer. Ainda em tramitação.
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2146736

PL 9208/2017, que altera a Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para dispor sobre o ensino religioso não confessional, de matrícula facultativa. Tem por objetivo, entre outros, garantir a liberdade de consciência e de crença, estabelecida no artigo 5º.  Ainda em tramitação.
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1626695&filename=PL+9208/2017

PL 9576/2018, que altera dispositivo da Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 - Lei de Execução Penal e cria espaços de vivência específicos para travestis e transexuais em estabelecimentos penais. Aguardando Parecer do Relator na Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM)
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2168138

PL 11168/2018, que cria a Campanha Permanente de Conscientização e de Enfrentamento ao Assédio e Violência Sexual contra as Mulheres. Aguardando Designação de Relator na Comissão de Viação e Transportes (CVT)
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2188959

Por meio dessa simples amostra, percebe-se a abrangência da luta do deputado para o aprimoramento das relações entre os cidadãos, das relações destes com instituições públicas e privadas, e para a garantia de direitos específicos pertinentes a mulheres, pessoas com necessidades especiais, encarcerados, trabalhadores em regime de CLT, combate à corrupção, garantia da laicidade dos espaços escolares juntamente com o respeito às crenças e à consciência de cada um, direitos das pessoas LGBT, tais como o casamento igualitário e o direito à livre expressão de gênero, tratamento de portadores de doenças raras, conscientização sobre HIV e apoio a soropositivos, liberdade de cátedra nas escolas e universidades, igualdade na triagem e testagem de sangue doado, e por aí vai.


Seminário LGBT na Câmara dos Deputados

Uma das iniciativas mais fantásticas realizadas na Câmara dos Deputados, a despeito das pressões feitas por parlamentares das bancadas fundamentalistas e daqueles ligados a alas ultraconservadoras, foram os Seminários LGBT promovidos por Jean Wyllys com apoio de Erika Kokay e outros deputados e deputadas que entendem a necessidade de se promover a cidadania das pessoas que pertencem a esse segmento estigmatizado e violentado de várias maneiras cotidianamente.

O último Seminário LGBT, realizado com a liderança de Jean Wyllys, foi o 15º, no ano de 2018, justamente o último ano de seu segundo mandato. 

Não deixe de conferir os vídeos e outras informações registrados durante esse evento aqui: 
https://www.xn--foradoarmrio-kbb.com/2018/06/veja-como-foi-o-15-seminario-lgbt-do.html

Reiteradas violências

O que fizeram com o deputado Wyllys é de uma violência vil e sem precedentes: ameaças contra ele próprio, mas também contra sua mãe, irmãos e outros familiares, inclusive promessas de estupro e degola. E tais ameaças não partiam de uma fonte única. Elas se tornaram onipresentes. 

Não bastasse isso, o assassinato de Marielle (vereadora do Rio de Janeiro pelo PSOL) e de Anderson (seu motorista) por milicianos, suspeitos de manterem conexões com políticos do próprio Palácio do Planalto, é um grave indício de que a vida do deputado corria risco dentro e fora dos espaços de trabalho. 

Tudo isso somado à difamação e às calúnias continuamente levantadas contra o deputado Jean Wyllys e espalhadas por gente que se empenha em sabotar o projeto civilizatório e democrático, ainda tão incipiente no Brasil, impôs ao deputado uma dura escolha: correr o sério risco de ser morto durante o novo mandato, tendo sua família igualmente atingida, ou deixar o cargo para salvar a própria vida e a de seus entes queridos.


Quem são essas pessoas?

Muito provavelmente, gente que lucra com a miséria e a violência; gente que vampiriza as mentes e os recursos de quem se rende a diversos tipos de fanatismo; gente que propaga o ódio. 

Estas são as pessoas que, por meio de discursos de ódio e de desprezo, abastecem suas próprias mentes doentias e a de outros psicopatas e sociopatas, sejam eles milicianos ou não, com fixações neuróticas contra Jean e tudo o que ele representa. Ao atacarem Jean, atacam a comunidade LGBT, negra, de religiões afro-brasileiras, etc. 

Por meio dessas dinâmicas discursivas, tais doentes mentais e criminosos de carreira sentem-se plenamente legitimados em suas vontades assassinas. Alguns o fazem por fanatismo religioso e preconceitos arraigados em sua cultura, mas outros o fazem por ambição de poder e por dinheiro. Uma coisa, porém, não exclui a outra em muitos casos.

Jean fez bem em tomar a decisão de não retornar ao Brasil por um bom tempo. Seu sangue vale mais vivo e circulando nas veias do que morto e absorvido pelo solo nada gentil dessa pátria que talvez nunca tenha sido mãe de fato. Talvez, apenas uma irresponsável parideira. 

As calúnias são tantas que fica difícil lidar com todas, mas alguns casos foram identificados, documentados e levados ao tribunal. Relembro (abaixo) três deles que foram muito emblemáticos.



Caluniadores condenados na Justiça


1) Alexandre Frota, eleito para deputado federal em 2018: "O deputado federal eleito Alexandre Frota (PSL-SP) foi condenado a dois anos e 26 dias de prisão em regime aberto por injúria e difamação contra o parlamentar Jean Wyllys (PSOL-RJ). Na decisão, a juíza Adriana Freisleben de Zanetti, da 2ª Vara Federal de Osasco (SP), substituiu a pena de prisão por duas restritivas de direitos e também determinou o pagamento de 620 dias-multa de meio salário mínimo (cerca de 295.000 reais). Cabe recurso." (Fonte: Revista Veja - https://veja.abril.com.br/brasil/alexandre-frota-e-condenado-por-injuria-e-difamacao-contra-jean-wyllys/)

2) Padre José Cândido da Silva, do programa Questões de Fé, da TV Horizonte: "O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) condenou o padre José Cândido da Silva a indenizar o deputado federal Jean Wyllys por danos morais, após o clérigo espalhar fake news sobre o parlamentar. (...) O processo movido por Jean Wyllys contra José Cândido é precedente de um caso que aconteceu em 2015, quando o clérigo afirmou no programa 'Questões de Fé', na TV Horizonte, que o parlamentar do PSOL era o autor de um Projeto de Lei (PL) para legalizar a união entre humanos e animais." (Fonte: Catraca Livre - https://catracalivre.com.br/cidadania/padre-e-condenado-a-pagar-r-15-mil-a-jean-wyllys-por-fake-news/)

3) Deputada Carla Zambelli (PSL): "Carla Zambelli foi condenada a pagar R$ 40 mil após afirmar, com 'fake news', que deputado do PSOL defendia pedofilia e, agora, pede ajuda de seguidores (...) A deputada federal eleita por São Paulo, Carla Zambelli (PSL), está promovendo uma ‘vaquinha’ virtual para conseguir o valor de R$ 40 mil que foi condenada a pagar de indenização a Jean Wyllys após vincular o deputado a pedofilia com uma postagem que relacionava o político a uma declaração jamais dita por ele. (...) O falso projeto que jamais existiu, e também envolveu o nome da deputada federal Maria do Rosário (PT-RS), causou graves transtornos a Wyllys que precisou se manifestar em diversas ocasiões negando a existência do PL. (...)
Na sentença, o juiz Manuel Eduardo Pedroso Barros estipulou o valor de R$ 15 mil que deverá ser pago a Jean." (Fonte: Último Segundo - iG - https://ultimosegundo.ig.com.br/politica/2019-01-11/carla-zambelli-vaquinha.html)


As reações ao comunicado de Jean

A comoção solidária foi muito grande. Afinal, Jean conquistou amigas e amigos por toda parte, dentro e fora do Brasil. 

Por outro lado, seus inimigos festejaram sua saída como se fosse uma vitória para eles, quando, na verdade, trata-se de uma grande derrota para a democracia brasileira. 

Ver o presidente atual e seus filhos festejarem a inviabilização da atividade de um parlamentar honesto e comprometido com seu ofício, por meio de ameaças de morte outras vilezas, só reforça a ideia de que há algo de muito podre no clã Bolsonaro.

Não apenas isso, mas acompanhar a movimentação de alguns indivíduos ligados ao partido do atual presidente (PSL) e de fundamentalistas evangélicos e católicos (só para citar dois dos mais evidentes e estridentes adversários de Jean), na produção e divulgação de uma nova calúnia contra ele, apenas um dia depois de seu comunicado de auto-exílio, é algo que mentes sadias nunca teriam sequer cogitado, muito menos ajudado a divulgar. Mas esses caluniadores profissionais se superaram. 

O que me espanta é que tal violência renovada deveria mobilizar todo e qualquer cidadão com o mínimo de racionalidade e empatia, mas o que percebi foi que o número de desequilibrados é muito maior do que eu poderia supor.


A mais nova calúnia

No dia 24 de janeiro, Jean informou que não assumiria o novo mandato. Já no dia 25 (apenas um dia depois), a Internet fervilhou com um vídeo publicado pela jornalista Regina Vilella, que teria dito, conforme informa o AM Post, que Jean era o mandante do atentado à faca contra Jair Bolsonaro durante as eleições presidenciais. (https://ampost.com.br/2019/01/jornalista-diz-que-jean-wyllys-e-mandante-de-atentado-a-bolsonaro/)

Trata-se de uma das mais estapafúrdias acusações contra Jean Wyllys, que sempre prezou o respeito pela vida humana, fazendo dos Direitos Universais do Ser Humano seu norte para tudo na vida. 

Não demorou para que fanáticos e bolsominhos de outras feituras aderissem a essa campanha caluniosa.

O vídeo já foi tirado do ar, mas o texto dessa matéria continua acessível aqui: 
https://ampost.com.br/2019/01/jornalista-diz-que-jean-wyllys-e-mandante-de-atentado-a-bolsonaro/

Por ataques difamatórios tão absurdos antes, durante e depois das eleições de 2018, e com a vitória de uma ala fascista que despreza completamente a vida humana e odeia abertamente o deputado Jean Wyllys, o parlamentar não se sente mais seguro para atuar na Câmara dos Deputados, e não dispõe de meios para garantir a segurança de seus familiares, os quais também têm sido ameaçados.


A reação de Bolsonaro e sua cria

Em vez de perderem o sono por causa de uma situação de instabilidade política como essa, o presidente e seus filhos (também políticos) festejaram. Não apenas isso, mas setores do Congresso Nacional também estão calados, o Ministério da Justiça e a polícia federal ainda não se pronunciaram sobre abrir-se uma investigação profunda, e a própria agência de comunicação do governo (a EBC) se omitiu. 

Enquanto isso, vários veículos internacionais deram ampla visibilidade ao caso, assim como diversos setores da mídia nacional. Afinal, trata-se da inviabilização do trabalho e do próprio trânsito cotidiano de um deputado democraticamente eleito. 


Na mídia internacional

1- The New York Times (EUA): “‘Eu preciso permanecer vivo’: Legislador brasileiro gay desiste do cargo em meio a ameaças.” - http://nyti.ms/2MwMNwG

2- Libération (França): “Deputado gay Jean Wyllys se exila após ameaças de morte - https://www.liberation.fr/france/2019/01/25/bresil-le-depute-gay-jean-wyllys-s-exile-apres-des-menaces-de-mort_1705275/

3- Deutsche Welle (Alemanha): “Deputado gay deixa o Brasil após ameaças de morte” - https://www.dw.com/de/homosexueller-abgeordneter-verl%C3%A4sst-brasilien-nach-todesdrohungen/a-47225784

4- Bloomberg (EUA): “Deputado Brasileiro renuncia, citando ameaças de morte” - https://www.bloomberg.com/news/articles/2019-01-24/gay-brazilian-congressman-resigns-his-seat-citing-death-threats

5- The Guardian (Reino Unido): ”Deputado Brasileiro assumidamente gay deixa o trabalho e o país depois de ameaças de morte” - https://www.theguardian.com/world/2019/jan/24/jean-wyllys-brazils-openly-gay-congressman-leaves-job-country-amid-death-threats


O que dizer da comunidade LGBT?

Enquanto isso, muitas pessoas da comunidade LGBT e de organizações que lutam pelos direitos desse segmento populacional se manifestaram solidariamente ao deputado Jean Wyllys. 

Não obstante, houve quem pusesse em dúvida os motivos do parlamentar, desdenhando de sua dor. 

Para entender pelo menos em parte por quê isso aconteceu, basta lembrar que:

1) muitos indivíduos LGBT comuns já foram adulados pelo discurso de ódio de fascistas e fundamentalistas através dos mais diversos meios de comunicação (campanhas feitas por partidos antagônicos ao Jean e ao PSOL, perfis nas redes sociais, igrejas transformadas em plataformas de pregadores de ódio, mídia dominada por pastores fanáticos e corruptos, etc);

2) existem lideranças de organizações LGBT que deveriam priorizar as demandas desse segmento, mas que estão longe de defender os interesses da comunidade sexodiversa e transgênera, tendo sido cooptadas por partidos há muito tempo, muitos dos quais têm interesse no silenciamento de Jean Wyllys, seja pela morte ou pelo exílio. Outras, mesmo sem vínculo partidário, desprezam este ou aquele defensor dos interesses da comunidade LGBT, dependendo de sua filiação política.

3) o nível de conhecimento sobre temas ligados à política, economia, sociedade e especialmente às desigualdades em todos esses campos é baixíssimo no Brasil, inclusive entre muitos LGBT - o que faz com que um grande número de lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros permaneça indiferente ao que está acontecendo, ignorando os riscos que todos estamos correndo, mas principalmente os mais vulneráveis entre os segmentos considerados 'minoritários' sob diversos pontos-de-vista.

Devemos resistir sonoramente aos cínicos entre estes, ao mesmo tempo que procuramos esclarecer aqueles que ainda estejam agindo com base em informações falsas.


Até logo, Jean

A esse querido amigo de caráter ilibado e grande promotor dos direitos humanos para todos os humanos, o meu mais sincero abraço com votos de sucesso em sua carreira acadêmica. Que através dela, você continue promovendo as liberdades civis, as políticas afirmativas que visam ao bem-estar da população, o respeito pelo meio ambiente, inclusive no que diz respeito a conjugar avanços tecnológicos com sustentabilidade ambiental, bem como a democracia pluralista que deve caracterizar um Estado laico e de direito. 

E ao querido David Miranda, que agora assume o posto, desejo força, coragem, prudência e muito sucesso na produção de leis que garantam a preservação e o fortalecimento da democracia plena no Brasil.

Beijos coloridos, Jean Wyllys!

Sergio Viula








A "novidade" da divisão do Brasil - por Jean Wyllys

 
A "novidade" da divisão do Brasil


[um texto pra quem gosta de ler e para os fortes]

Fonte: https://www.facebook.com/jean.wyllys em 27/10/14.


Durante um debate organizado pelo jornal O Globo para analisar o resultado das eleições, para o qual fui convidado, o deputado estadual tucano Luiz Paulo Corrêa da Rocha afirmou que os governos do PT "dividiram o país" e que, portanto, é responsabilidade da presidenta Dilma, no seu segundo mandato, "voltar a uni-lo". Esta retórica - reproduzida em análises do resultado do segundo turno das eleições publicadas nos principais jornais do país - não é original do Brasil: está presente nos discursos da direita em todos os países da América Latina cujos governos, mesmo sem questionar as bases do modelo econômico neoliberal, desenvolveram políticas mais ou menos intensas de redistribuição da renda e melhoraram a qualidade de vida dos mais pobres, ou ampliaram os direitos de diferentes parcelas da população antes excluídas; todos esses governos são acusados por suas respectivas oposições à direita de "dividirem" seus respectivos países.

Essa retórica é, além de ressentida, arrogante - na medida em que age como se a totalidade dos eleitores não tivesse memória histórica nem acesso à informação - e desonesta quando busca esconder o fato de que todos esses países já estavam divididos há séculos. Foi o que respondi ao deputado tucano!

Sim, o Brasil está dividido. Em primeiro lugar, pela divisão de classes própria do capitalismo, que, em sua versão brasileira, está marcado pela herança escravocrata que nos dividiu - a princípio literalmente e, depois, metaforicamente - em "casa grande e a senzala". Ora, segundo o censo do IBGE de 2010, os 10% mais ricos da população ganharam, nesse ano, 44,5% do total de rendimentos; enquanto os 10% mais pobres receberam menos de 1,1%. Esses números significam que quem está na faixa mais pobre precisaria poupar a totalidade de seus recursos durante três anos e três meses para acumular a renda média mensal dos brasileiros que pertencem à faixa mais rica.
E esses dois "brasis" - o da casa grande e o da senzala - correspondem também a outras divisões igualmente históricas: o país branco e o preto; o país do sul-sudeste e o do norte-nordeste; o país do asfalto e o da favela; o dos jardins e do periferia; o país da empregada doméstica e o da patroa. A geografia de nossas cidades — "cidades partidas", para usar a expressão de Zuenir Ventura em livro nada recente e anterior à emergência do PT ao governo federal — está marcada por uma divisão tão evidente quanto naturalizada. No Rio de Janeiro, por exemplo, essa divisão tem uma expressão horizontal - materializada no túnel Rebouças que divide a cidade em zonas sul e norte ("Só falta reunir a zona norte à zona sul; iluminar a vida já que a morte cai do azul", cantou Lulu Santos muito antes de o PT pensar em fazer um presidente da república) - e outra vertical, em que a favela no morro é uma outra cidade dentro da cidade, com diferentes investimentos e serviços públicos e até leis ("Um dia desses eu tive um sonho em que havia começado a grande guerra entre o morro e a cidade", cantava Alceu Valença em plena era Fernando Henrique Cardoso).

Somos um país profundamente e historicamente dividido entre a opulência e a miséria, que não é apenas material, mas também espiritual ("A novidade era a guerra entre o feliz poeta e o esfomeado", diz o verso de Gilberto Gil cantado por Os Paralamas do Sucesso na década de 80). Ainda vivemos numa "Belíndia", com uma parte pequena da população vivendo como na Bélgica e outra parte, muito maior, vivendo como na Índia; mas esta divisão não é uma novidade introduzida pelo PT.

Ao contrário, neste país historicamente dividido, os governos petistas trilharam, apesar de todas as suas deficiências, um lento caminho de "reunificação" que permitiu desbotar as linhas das desigualdades social, racial e de gênero que nos dividem, estendendo a cidadania a milhões de pessoas.

Para continuarmos desbotando as linhas dessa desigualdade, precisamos acelerar mais nesse caminho, inclusive ultrapassando os limites impostos pelos acordos petistas com parte da elite econômica e financeira; das corporações comerciais e dos partidos políticos fisiologistas que compõe a base do governo no Congresso Nacional - acordos que asseguram a famigerada "governabilidade".

Por isso, a crítica que nós que nos colocamos à esquerda do PT fazemos é exatamente a oposta ao discurso dos tucanos e de boa parte da mídia: a conciliação entre os dois brasis não vai nascer do retrocesso na justiça social nem da privatização de estatais em favor dos lucros do livre mercado (em especial, do livre mercado financeiro) que assegura privilégios a uma casta; a conciliação entre os dois brasis vai nascer justamente da combinação de desenvolvimento econômico sustentável com a extensão da cidadania que fez nascer - e tanto irrita - o antipetismo. Em grande medida, é nessa compreensão que reside a diferença entre a oposição à esquerda, da qual faço parte, e a oposição à direita, representada principalmente pelos tucanos.

O país está dividido também por outras linhas que a direita (por seu conservadorismo) e parte da esquerda (por uma leitura anacrônica do marxismo que secundariza todas as formas de opressão que não sejam a de classe) têm enormes dificuldades de enxergar. Está dividido entre homens e mulheres - estas recebem menores salários; têm menos chances de chegar a posições de poder; sofrem a violência de gênero e têm seus direitos sexuais e reprodutivos negados. Está dividido entre heterossexuais e "dissidentes sexuais" (LGBTs) - estes últimos têm inúmeros direitos civis negados; são alvo de discursos de ódio por parte de políticos e pastores fundamentalistas; sofrem violência e bullying desde crianças e são espancados e mortos a cada dia em crimes motivados por ódio. Está dividido entre cristãos e adeptos de religiões minoritárias (incluindo as de matriz africana) e ateus - os dois últimos grupos sofrem as consequências da crescente eliminação da laicidade do Estado, que pretende impor uma religião oficial e um código moral dogmáticos que resulta da leitura fundamentalista do texto bíblico. Está dividido entre brancos e não-brancos (pretos, pardos, indígenas e colônias de ciganos, asiáticos, judeus, turcos e libaneses) - a divisão em relação aos negros (pretos e pardos) tem estreita relação com a divisão de classes desde a época da escravidão e põe em os negros em inegável desvantagem que se materializa no alijamento de direitos e oportunidades.

Uma das mais fortes críticas que eu fiz ao governo do PT durante os últimos quatro anos foi quanto à sua omissão na tarefa de unir, também, esses brasis, por ter cedido à pressão dos setores mais conservadores que, nessa eleição, debandaram para o lado de Aécio Neves - foi também por essa debandada que eu decidi apoiar a Dilma no segundo turno.

Por fim, o país está dividido pelo discurso de ódio que a campanha de Aécio Neves ajudou a fortalecer, embora não o tenha produzido, já que esse discurso é muito mais velho que a campanha da coligação tucana. Esse discurso que hoje nos choca nas ruas e nas redes sociais, que expressa o ódio contra os pobres, os favelados, os nordestinos e todos os que melhoraram de vida nesses anos de governos petistas e, por isso, alguns no primeiro e outros no segundo turno, votaram na presidenta reeleita; esse discurso fascista, que, nos casos mais extremos, como o do coronel Telhada, deputado estadual do PSDB de São Paulo, chegou a propor a secessão do Sudeste como forma de se desfazer do povo nordestino; esse discurso que já estava de certa forma na boca de eleitores de Aécio Neves (embora outros eleitores mais progressistas do tucano relutassem em admitir isso, talvez por vergonha de seus companheiros de voto) e que foi expresso por "celebridades" em seus perfis nas redes sociais digitais, esse discurso foi que evocou a divisão histórica que separa nossas vidas e marca nosso imaginário.

O poeta Bráulio Tavares e Ivanildo Vilanova já haviam ironizado o discurso separatista que vem do sul-sudeste num repente gravado por Elba Ramalho na primeira metade dos anos 80 e cuja radiodifusão foi proibida pela ditadura militar moribunda: "Já que existe no Sul este conceito que o Nordeste é ruim, seco e ingrato; já que existe a separação de fato; é preciso torná-la de direito. Quando um dia qualquer isso for feito, todos dois vão lucrar imensamente, começando uma vida diferente da que a gente até hoje tem vivido. Imagine o Brasil ser dividido e o Nordeste ficar independente!".

Precisamos unir o Brasil, sim. Mas essa união não se fará com retóricas hipócritas, muito menos evitando os conflitos que muitas vezes são necessários para acabar com a própria divisão. Precisamos unir o Brasil acabando com as fronteiras que produzem exclusão e privilégio, opulência e miséria, opressores e oprimidos. Se de algo o PT é culpado não é de ter dividido o país, mas de ter feito muito menos do que muitos de nós esperávamos para uni-lo.

Os "podres poderes" que o PT não enfrentou como deveria, incorporando-os à sua base parlamentar e estrutura de governo, são os mesmos que a direita derrotada no domingo representa de forma mais direta. Temos de enfrentá-los; e, para isso, precisamos ter uma alternativa à esquerda que se proponha a mudar o atual estado de coisas, contrapondo as pressões do PSDB, do DEM e do PMDB sobre o PT e fazendo, do Brasil, o país verdadeiramente de todos.

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