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Observatório da Imprensa: O Estado laico em xeque






Sexta-feira, 26 de Julho de 2013 | ISSN 1519-7670 - Ano 17 - nº 756

‘OI’ NA TV

O Estado laico em xeque
Por Lilia Diniz em 26/07/2013 na edição 756

Fonte: https://www.observatoriodaimprensa.com.br/educacao-e-cidadania/caderno-da-cidadania/o_estado_laico_em_xeque/


Na semana em que o papa Francisco chegou ao Brasil para a Jornada Mundial da Juventude (JMJ), o Observatório da Imprensa exibido pela TV Brasil na terça-feira (23/7) discutiu a postura da mídia brasileira diante do preceito do Estado laico, tema tratado no programa em diversas ocasiões. Assegurada pela Constituição Federal, a laicidade é posta em xeque diariamente: das cédulas de real, que ostentam a frase “Deus é fiel”, ao crucifixo pendurado no plenário do Supremo Tribunal Federal, passando pelos recentes projetos de “cura gay” e “bolsa estupro”. Outra barreira à laicidade são os variados feriados religiosos do calendário brasileiro. No Rio de Janeiro, sede da JMJ, a prefeitura decretou dois dias de feriado integral e mais dois períodos parciais. Realizado desde 1986, o encontro de jovens católicos espera reunir, de acordo com estimativas dos organizadores, mais de 2 milhões de peregrinos de todo o mundo.

Alberto Dines recebeu no estúdio do Rio de Janeiro o historiador Daniel Aarão Reis. Professor titular de História Contemporânea do Departamento de História da Universidade Federal Fluminense (UFF), Aarão pesquisa a História das Esquerdas no Brasil. Em São Paulo participaram Jean Wyllys, deputado federal (PSOL-RJ), e o filósofo Roberto Romano. Autor de três livros, colunista da Carta Capital e do portal iGay, Jean Wyllys participa de movimentos que combatem a homofobia, a intolerância e o fundamentalismo religioso, entre outros temas. Roberto Romano é graduado em Filosofia pela Universidade de São Paulo (USP) e tem doutorado na Escola de Altos Estudos de Paris. É professor titular da Unicamp na área de Ética e Filosofia Política. Escreveu vários livros e artigos sobre ética e teoria do Estado.

No editorial que abre o programa (ver íntegra abaixo), Dines comentou que o Estado laico é “continuamente atravessado pela transformação da nossa mídia eletrônica em púlpito religioso”. Dines ressaltou que esse tema já foi tratado no programa por várias vezes: “Nossa insistência justifica-se duplamente: se o Estado democrático de direito é por obrigação isonômico, as concessões e a programação das emissoras de rádio e televisão devem obedecer aos mesmos critérios igualitários em matéria religiosa. Não é o que acontece”.

A reportagem exibida antes do debate no estúdio entrevistou Leonardo Maciel, presidente da RioEventos, órgão da prefeitura carioca encarregado dos preparativos da JMJ. Maciel explicou que o volume de fiéis confirmados para o encontro justifica o feriado: “É o maior evento que o país já recebeu. Não há na história do país um evento dessa magnitude, com essa quantidade de turistas que vem ao Rio de Janeiro. É impossível que um evento dessa magnitude, tal qual uma Olimpíada, chegar a uma cidade sem que essa cidade se adapte a isso, então você tem que tomar medidas para que [tudo] ocorra sem transtornos”. Maciel garantiu que a prefeitura apoia grandes iniciativas, independentemente do caráter religioso.


Romper a tradição


Para a professora de Filosofia da USP Roseli Fischmann, historicamente a laicidade do Estado brasileiro nunca chegou a se concretizar. “No Império era natural essa ligação íntima, uma ligação plena do Império e da igreja católica. Dentro dos governos que são aristocráticos, então isso se aplica. E, logicamente, quando se implanta a República, a primeira coisa a ser negada é essa, porque a República traz essa certeza de que todos somos livres e iguais. Esse é um ponto crucial. Se somos iguais, não há espaço para essa diferenciação da aristocracia desde o nascimento”, lembrou a professora. Para ela, a igreja católica continua solicitando não direitos, mas privilégios ao Estado.

Roseli Fischmann destacou que o Estado é “de todos e de todas”, por isso a laicidade é importante: “Aquilo que é colocado, não quer dizer que se deva seguir. Nós vemos [isso], por exemplo, na discussão relativa à homossexualidade, só para pegar um exemplo recente que causou muito debate. [Aceitar] que exista esse reconhecimento da plena igualdade [não significa estar] de acordo ou querendo para si. É importante entender que a lei, por existir para todos e para todas, não se coloca como uma coisa impositiva, ao contrário: ela continua mantendo a possibilidade de escolha”.

O programa também entrevistou a professora Maria Clara Bingemer, do departamento de Teologia da PUC-Rio. A estudiosa explicou que os ocidentais, de maneira geral, estão marcados pelo cristianismo histórico porque esta corrente configurou, não só a fé e a religião, como também a cultura. “O comportamento dos cristãos sempre foi contra corrente. Acho que, por isso também, os órgãos públicos e a mídia ficam muito em cima da igreja, para ressaltar quando ela tropeça. E ela tropeça porque é humana”, disse a professora.


Laicismo e democracia


No debate no estúdio, o professor Roberto Romano explicou que o termo “laico” tem origem na palavra latina laos, que significa o povo, potência maior na democracia ateniense. Na Idade Média, implantou-se a doutrina de que quanto mais perto de Deus, mais alta a posição hierárquica na sociedade. “Embaixo de tudo estava o leigo, o laos, que não tinha direito nenhum e não tinha condição de ser autônomo. Essa doutrina que foi gerada no helenismo e na Idade Média veio até hoje. Em muitos Estados você tem essa visão bastante deturpada do povo como aquele que deve receber ordens e não tem dignidade. Isso quer dizer o seguinte: laicismo significa exatamente o sinônimo de democracia”, sintetizou Romano. Na ausência da laicidade, poderes “extra povo” dominam a cena política.

Para o professor, existem formas avançadas de laicismo, como nos Estados Unidos. Lá, igreja e Estado estão explicitamente separados, embora tenham ocorrido tentativas, sobretudo nos governos Bush, de “misturar as águas”. Roberto Romano ressaltou que um Estado laico absoluto será sempre difícil porque há uma permeabilidade das religiões na vida social e, por consequência, na estrutura do Estado. “Os religiosos elegem seus representantes no Executivo e no Legislativo e, portanto, procuram influenciar a vida política e estatal para as suas visões”, disse o filósofo. Roberto Romano ressaltou que a igreja católica, desde o século 19, se apresenta como uma conquistadora das massas:

“Esse evento do Rio de Janeiro não é diferente: é colocar a massa na rua para mostrar que a superioridade da igreja é inconteste em relação do Estado. É bom lembrar que no século 19 a igreja tomou o costume de dedicar países inteiros ao Sagrado Coração de Jesus, em expiação e reconhecimento da sua soberania eclesiástica. O Sacre Coeur de Paris é uma consagração da França pelos pecados da Comuna de Paris e da Revolução Francesa. O Equador foi consagrado ao Sagrado Coração de Jesus e o Cristo Redentor nada mais é do que isso. Se você olhar lá tem o Sagrado Coração de Jesus”, citou Romano.


As massas tomam a rua


Na avaliação de Dines, os feriados determinados pela prefeitura do Rio de Janeiro em razão da Jornada Mundial da Juventude acabam sendo um privilégio para a igreja católica. Daniel Aarão ressaltou que durante a instalação da República algumas lideranças, animadas pelos propósitos positivistas, idealizaram uma República laica, mas as tradições se mostraram mais fortes e acabaram predominando. A igreja católica continuou influindo através de canais e ramificações e condicionando o Estado na sua atuação. “Nesse megaevento do Rio de Janeiro eu acredito que seja prudente decretar o feriado porque os transportes da cidade não têm condições de [operar] em situação normal”, avaliou Aarão. O historiador ressaltou que em outros feriados católicos, como o de Nossa Senhora Aparecida, os não crentes e os ateus são obrigados a respeitar a data.

Daniel Aarão vê com naturalidade os movimentos de massa das igrejas, mas observou que as confissões não podem transformar os eventos um fator para colonizar o Estado: “O princípio da laicidade do Estado, ao contrário do que muitos religiosos entendem, não é um princípio antirreligioso. É um princípio a-religioso. Ele quer fazer da religião um assunto da esfera privada de cada um. Cada um pode ter a sua crença, pode sse manifestar na rua, em casa, onde quiser. O problema é manter o Estado neutro em relação às diversas confissões religiosas e também em relação àqueles que não têm religião nenhuma”.

O deputado Jean Wyllys destacou que, em todo o mundo, Estados colocaram o preceito da laicidade nas suas Constituições para poder impedir as guerras religiosas e dar alguma neutralidade ao Estado frente às diferentes crenças. De fato, a única Constituição radicalmente laica do Brasil foi a de 1891, após a proclamação da República. “É a única que não faz qualquer referência a Deus. De lá para cá a igreja católica renovou seus signos de influenciar o Estado e a palavra Deus voltou ao preâmbulo e a outras partes da Constituição. No Brasil, não só a igreja católica tenta solapar essa laicidade que implicaria uma neutralidade do Estado frente às crenças mas, recentemente, dos anos 1980 para cá, as igrejas neopentecostais vem renovando os seus meios de influenciar o Estado e de orientar as políticas públicas”, criticou o deputado.


Um Estado, muitas religiões


Na opinião de Wyllys, em um país com uma formação multicultural e plurirreligiosa como o Brasil, é inconcebível deixar que correntes religiosas majoritárias influenciem o Estado e suas políticas. Por outro lado, não se pode negar a tradição dos santos católicos no cotidiano: “Não quer dizer que no feriado de Nossa Senhora Aparecida todas as pessoas se dirijam à basílica. Muito pelo contrário, elas vão para o futebol, para a praia, elas aproveitam o feriado”. Para o deputado, não é possível separar toda a identidade e a cultura brasileira da influência das religiões, mas é preciso perseguir a laicidade em nome do Direito de crer e de não crer dos indivíduos. Formado dentro dos preceitos do catolicismo e admirador da arte sacra, o deputado diz que muito dos seus valores vêm do cristianismo.

Dines ponderou que existe uma inegável herança da religião na cultura brasileira, mas que as confissões devem se afastar do Estado. Um dos exemplos desta proximidade é a presença do deputado Marcos Feliciano à frente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara. Impregnado de doutrinas religiosas radicais, o pastor enfrentou forte oposição e, no entanto, permanece no cargo. Para o deputado Jean Wyllys, o fato é inaceitável: “Eu acho inadmissível tanto que a igreja católica tente influenciar as políticas de Estado quanto os neopentecostais, sobretudo os fundamentalistas religiosos como o deputado-pastor Marcos Feliciano, [queiram fazê-lo] sem considerar, por exemplo, o conhecimento, os saberes dos povos, a própria ciência moderna. Ele desconsidera tudo isso para fazer uma interpretação literal da Bíblia e tentar, a partir dela, legislar para um povo que é plurirreligioso”, sublinhou o deputado.

Jean Wyllys lembrou que, interessados na capacidade de transformar fiéis em eleitores, diversos partidos convidaram pastores carismáticos para fazer parte de seus quadros e ressaltou que a consequência disso para a laicidade do Estado é grave. “Esses pastores tomaram gosto pela política e começaram a desenvolver uma fantasia totalitarista de que vão transformar o Brasil em uma teocracia cristã. Isso é apavorante. Não é uma teoria da conspiração minha. Eu tenho visto isso todos os dias nos discursos feitos aqui”, disse o deputado. Para ele, a bancada neopentecostal fere os princípios da Constituição ao trabalhar contra a promoção do bem de todos, sem discriminação.

“Há deputados que subiram na tribuna da Câmara para dedicar o mandato a Jesus, por incrível que pareça, e para dizer que ele vai conduzir o mandato de acordo com o que está na Bíblia. Eu não tenho nada contra a Bíblia, pelo contrário, é um livro maravilhoso do ponto de vista literário e histórico, mas ele fundamenta a crença de um grupo de pessoas. Pode ser o grupo majoritário, mas ainda é de um grupo de pessoas”, afirmou o deputado. Para ele, é preciso defender as minorias das paixões das maiorias.


Os púlpitos eletrônicos


Alberto Dines # editorial do Observatório da Imprensa na TV nº 694, exibido em 23/7/2013

Bem-vindos ao Observatório da Imprensa.

Esta edição foi gravada para ser exibida num dos feriados decretados pela prefeitura do Rio de Janeiro, para facilitar a mobilidade das legiões de jovens peregrinos de todas as partes do mundo que se reúnem no Rio na 28º Jornada Mundial da Juventude que, como sempre, será assistida pelo sumo pontífice.

É a primeira viagem ao exterior do primeiro papa nascido nas Américas, o jesuíta argentino Francisco, eleito em março deste ano. As emocionadas homenagens e as devoções produzidas por um evento religioso dessa dimensão constituem uma oportunidade para mostrar ao mundo um Rio de Janeiro diferente daquele que aparece durante o carnaval.

É também uma oportunidade para voltarmos a examinar, com a merecida seriedade, a questão do Estado secular e laico, previsto em nossa Constituição, e continuamente atravessado pela transformação da nossa mídia eletrônica em púlpito religioso pelas confissões majoritárias: católicos e evangélicos.

A nossa insistência justifica-se duplamente: se o Estado democrático de direito é por obrigação isonômico, as concessões e a programação das emissoras de rádio e televisão devem obedecer aos mesmos critérios igualitários em matéria religiosa.

Não é o que acontece. Além disso, qualquer fissura no edifício republicano – por mais insignificante que seja – tenderá a ser continuamente ampliada.

É um risco que não vale a pena correr, sobretudo em momentos tão tensos como os que estamos vivendo.

Para avaliar e refletir sobre uma questão tão delicada e transcendental, contamos com a colaboração do deputado federal Jean Wyllys, do filósofo Roberto Romano e, aqui ao meu lado, do historiador Daniel Aarão Reis.

Efetivar o Estado laico


Efetivar o Estado laico

Por Túlio Vianna


A Constituição estabeleceu um Estado no qual as liberdades de crença e culto são garantidas e a separação entre Estado e instituições religiosas é definida expressamente. Na prática, porém, a permissividade da política com a religião ainda é uma realidade a ser enfrentada Por Túlio Vianna

O monoteísmo não é nada democrático. A crença em um deus único pressupõe a negação da existência do deus do vizinho. Pior: pressupõe que os mandamentos do seu deus são mais justos que os do deus do vizinho. E é natural que todos aqueles que se arroguem o direito de falar em nome deste deus único e todo-poderoso não primem muito pelo pluralismo. Quem ousaria contestar alguém que fala em nome de um deus onipotente, onipresente e onisciente?

A história está repleta de casos de políticos que sustentaram seu poder em nome de Deus. A teoria do “Direito Divino dos Reis”, em voga no século XVII, deu a Luiz XIV a necessária fundamentação ideológica para tornar-se o maior monarca absolutista da França: “L`État c`est moi” (O Estado sou eu) é a frase que melhor sintetiza o poder do mandatário de Deus na Terra.

No século seguinte, a mão de Deus não evitou que as cabeças de seus representantes na Terra rolassem e só então os ideais iluministas de separação entre direito e religião começaram a prevalecer. Nascia, assim, a concepção de um Estado laico que viria a nortear as democracias ocidentais até hoje.

No Brasil, durante todo o Império, o catolicismo continuou sendo a religião oficial, e as demais eram apenas toleradas (art.5º da Constituição de 1824). Como Estado confessional, o imperador antes de ser aclamado jurava manter aquela religião (art.103) e cabia a ele nomear os bispos (art.102, XIV). Somente com a proclamação da República, o Brasil se tornou um Estado laico, garantindo assim a separação entre Estado e religião (art.72, §3º a 7º da Constituição de 1891).

A atual Constituição brasileira de 1988 não deixa dúvidas quanto ao caráter laico de nosso Estado, garantindo expressamente a liberdade de crença, a liberdade de culto e a liberdade de organização religiosa (art. 5, VI da CR) e estabelecendo claramente a separação entre Estado e religião (art.19, I, da CR).

E “nunca antes na história deste país” esta separação entre direito e religião foi tão importante. Com a expansão das religiões neo-pentecostais nos últimos anos, o catolicismo, que sempre foi francamente majoritário no Brasil, começou a perder espaço e os brasileiros começaram a deparar com os problemas típicos do pluralismo religioso.

Divergências de crenças de um povo 90% cristão

Pesquisa Datafolha de maio de 2007 mostrou que 64% dos brasileiros se declaram católicos, 17% evangélicos pentecostais ou neo-pentecostais, 5% protestantes não pentecostais, 3% espíritas kardecistas, 1% umbandistas, 3% outra religião e 7% sem religião.

Poderíamos simplificar estes números e afirmar que o Brasil é um país 90% cristão, mas, na verdade, estas religiões divergem sobre pontos significativos de suas doutrinas, a começar por católicos e protestantes. Para os protestantes, a Bíblia é a única fonte de revelação de Deus e eles tendem a interpretá-la em sentido mais literal. Já os católicos acreditam também na Sagrada Tradição, isto é, nos ensinamentos orais transmitidos pelos cristãos ao longo dos séculos, como complementares ao texto bíblico. Daí surgem diferenças importantes: católicos adoram os santos e Maria, mãe de Cristo; os protestantes, não. Os católicos reconhecem o Papa como líder espiritual e acreditam nos sete sacramentos como instrumento para sua salvação; os protestantes creem que somente a fé em Jesus é capaz de salvá-los. Católicos interpretam o livro do Gênesis, que narra a história de Adão e Eva, como uma metáfora; alguns protestantes o interpretam literalmente e defendem o ensino do criacionismo na escola.

Mas há diferenças significativas também entre as Igrejas Protestantes históricas (Batistas, Luteranos, Presbiterianos, Metodistas e outras) e as Pentecostais (conhecidas no Brasil como evangélicas). A principal delas é a de que os pentecostais acreditam que o Espírito Santo continua a se manifestar nos dias de hoje, por meio das práticas de curas milagrosas, profecias e exorcismos, entre outras.

Há diferenças substanciais também entre o Pentecostalismo Clássico (Assembleia de Deus, Congregações Cristãs, Deus é Amor e outras) e o Movimento Neo-Pentecostal (Igreja Universal do Reino de Deus, Igreja Renascer em Cristo e outras). A primeira delas é visível: os pentecostais clássicos se vestem com roupas bastante formais por imposição das Igrejas: homens de terno; mulheres de saias longas e cabelos compridos. Outros usos e costumes rígidos normalmente são impostos aos fiéis, como por exemplo, não assistir à TV e não praticar esportes e, para as mulheres, não se depilar ou usar anticonceptivos. O conservadorismo é a tônica da doutrina pentecostal clássica, que se baseia no ascetismo e no sectarismo. Já os neo-pentecostais são bem mais liberais, não se vestem de forma determinada e têm como principal foco a Teologia da Prosperidade, que propugna que os fiéis têm o direito de desfrutar uma vida terrena com saúde e riquezas materiais. Para tanto, precisam demonstrar sua devoção a Deus doando suas economias de modo a se tornarem credores de Deus em uma dívida que será paga com a concessão das dádivas divinas. O sacrifício ascético do corpo é substituído por um sacrifício econômico em honra de Deus.

Finalmente, os neo-pentecostais têm uma divergência inconciliável com os espíritas. Ambos creem em manifestações sobrenaturais na vida cotidiana. Os espíritas acreditam na reencarnação e creem que estas manifestações são causadas por espíritos de pessoas comuns que faleceram e ainda não reencarnaram. Já os neo-pentecostais não acreditam em reencarnação e nem na possibilidade de os mortos se comunicarem com os vivos. Para eles, estes espíritos são na verdade manifestações do demônio e, portanto, precisam ser combatidos. Daí o motivo de tanta hostilidade entre evangélicos e espíritas: enquanto estes creem na possibilidade de conversar com os espíritos de parentes e amigos já falecidos, aqueles os acusam de conversar com demônios.

Neste contexto fervilhante de crenças, nada mais natural que se retomem as discussões sobre a importância do Estado laico. Enquanto o Brasil era um país com população quase que exclusivamente católica, a maioria simplesmente impunha suas crenças sobre a minoria que, de tão pequena, não levantava sua voz para lutar pelo Estado laico.

Basta ver os crucifixos afixados nas paredes dos tribunais e órgãos públicos brasileiros. Se até então o símbolo do predomínio católico em nossos tribunais só incomodava à pequena minoria não-cristã da população, atualmente muitos protestantes já se insurgem contra ele. Infelizmente, em 2007, o Conselho Nacional de Justiça decidiu que os crucifixos nos tribunais não violam o princípio constitucional da laicidade, por se tratar de um costume já arraigado na tradição brasileira. Com este simplório argumento, os conselheiros do CNJ justificariam até mesmo a escravatura que, quando foi abolida em 1888, ainda era costume no Brasil. Se costume fosse fundamento jurídico para justificar o próprio costume, as mulheres ainda teriam que se casar virgens, não haveria o divórcio e o adultério ainda seria crime. Fato é que tribunais e órgãos públicos são mantidos com dinheiro público e não devem expressar as crenças pessoais de seus dirigentes. Os crucifixos não são, pois, apenas um símbolo do predomínio católico, mas antes de tudo de uma apropriação privada da coisa pública para a manifestação de crenças pessoais.

Ensino religioso nas escolas públicas

A questão atualmente mais polêmica que decorre do princípio constitucional da laicidade é a do ensino religioso, de matrícula facultativa, nas escolas públicas, previsto expressamente no art.210, §1º, da Constituição Brasileira.

O Acordo Brasil-Vaticano (Decreto 7.107/10) que em seu art.11, §1º, prevê “o ensino religioso, católico e de outras confissões religiosas” provocou imediata reação da sociedade civil ao colocar em risco a igualdade de tratamento entre as religiões. A constitucionalidade do dispositivo está sendo contestada atualmente no Supremo Tribunal Federal (ADI 4.439) pela Procuradoria-Geral da República, que defende corretamente que o ensino religioso no Brasil deva ser não-confessional, limitando-se, pois a um apanhado teórico da diversidade de religiões existentes em nosso país.

Melhor seria, porém, que o Estado deixasse cada família decidir sobre a melhor formação religiosa de seus filhos, matriculando-os em cursos fornecidos pelas próprias Igrejas e outras instituições religiosas. Uma emenda constitucional que abolisse o ensino religioso nas escolas públicas resolveria de vez a controvérsia relegando a formação religiosa para a esfera exclusivamente privada.

A meta do Estado laico


O Estado laico ainda é uma meta a ser perseguida pelo Direito brasileiro. Se na questão dos crucifixos e do ensino religioso, a manifestação de cristãos não-católicos tem sido decisiva para colocar em pauta os debates, as violações do princípio da laicidade tendem a ser menosprezadas quando há consenso entre católicos e protestantes.

Veja-se, por exemplo, o art.79, §1º, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, que prevê que “a Bíblia Sagrada deverá ficar, durante todo o tempo da sessão, sobre a mesa, à disposição de quem dela quiser fazer uso”. Se o Estado é de fato laico e a religião não deve ser fundamento da elaboração das leis, qual sentido há neste dispositivo? Se o deputado é cristão, que compre sua própria Bíblia e a leve consigo.

O nome do deus monoteísta tem sido usado sem maiores pudores na esfera pública, sob o argumento de que contemplaria todas as religiões. Alega-se que o preâmbulo da Constituição de 1988 se refere expressamente à “proteção de Deus” e, portanto, o ateísmo estaria excluído da liberdade de crença. Trata-se de um falso fundamento jurídico, já que o preâmbulo, por sua própria definição, é o texto que antecede a norma e, portanto, não faz parte dela. Em suma: não tem qualquer valor normativo.

A liberdade constitucional de crença é também uma liberdade de descrença, e ateus e agnósticos também são cidadãos brasileiros que devem ter seus direitos constitucionais respeitados. O mesmo se diga em relação aos politeístas, que acreditam em vários deuses e não aceitam a ideia de um deus onipotente, onisciente e onipresente.

Um bom exemplo do uso do nome de Deus com violação do princípio da laicidade é a expressão “Deus seja louvado” no dinheiro brasileiro. Como não incomoda à maioria da população, acaba sendo negligenciada em detrimento dos direitos constitucionais dos ateus, agnósticos e politeístas, que ainda não são bem representados no Brasil. Já se vê, porém, algumas destas expressões riscadas à caneta nas notas brasileiras, o que é uma clara manifestação de descontentamento com o desrespeito à descrença alheia.

O paradoxal desta menção de Deus no dinheiro brasileiro é que a Bíblia narra (Mateus: 22, 21) uma passagem na qual Jesus rechaça uma tentativa de uso político de seus ensinamentos e reconhece a importância do Estado laico, referindo-se justamente à moeda romana: “Dai o que é de César a César, e o que é de Deus, a Deus”. Das duas, uma: ou o Deus cristão mudou de ideia nestes últimos dois mil anos ou seus representantes na Terra andam excedendo os limites da procuração por Ele outorgada.

Fonte:Revista Forum

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Homoafetividade e Democracia - Análise do Filósofo Paulo Ghiraldelli


INTERESSANTE PENSAMENTO. 
Vale a pena ver e pensar.

Mas não tire conclusões precipitadas. Aprenda a mastigar o pensamento cuidadosamente antes de absorvê-lo. ;)

Declaração sobre secularismo (excelente!)



Declaração sobre Secularismo

Autor: Ricardo Silvestre 
09 de junho de 2011



Neste último Domingo, a World Atheist Convention adoptou a seguinte declaração em secularismo e qual deve ser o lugar da religião na vida pública. Como o Portal Ateu – Movimento Ateísta Português (PAMAP) é um membro em pleno direito da Atheist Alliance International, fica a nossa Associação vinculada a esta declaração, com qual nos identificamos totalmente.

1. Liberdade pessoal


a) Liberdade de consciência, religião e crença é privada e sem limites. Liberdade de prática de religião deve ser limitada apenas no sentido que deve respeitar os direitos e as liberdades de outros.

b) Todas as pessoas devem ter a liberdade de participar igualmente no processo democrático.

c) Liberdade de expressão deve ser limitada apenas no sentido em que deve respeitar os direitos e liberdades de outros. Não existirá o direito “de não ser ofendido” na lei. Todas as leis de blasfémia, tanto implícitas como explicitas devem ser revogadas.

2. Democracia Secular


a) A soberania do Estado é derivada das pessoas e não de deus ou de deuses.

b) A única referência a religião na Constituição deve ser para definir que o Estado é secular

c) O Estado deve ter a sua base na democracia, direitos do Homem e a regra da lei. Decisões políticas devem ser formadas com ajuda da racionalidade e evidência, e não fé religiosa.

d) O Governo deve ser secular. O Estado deve ser estritamente neutral em questões de religiões ou da sua não prática, favorecendo ninguém em detrimento de outros.

e) A religião não deve ter qualquer ajuda especial no seu financiamento a nível social, como por exemplo, isenção do pagamento de impostos por actividades religiosas, ou não deve haver subsídios para promover religião ou suportar financeiramente a promoção de fé religiosa em escolas estatais.

f) Associação com uma religião não deve ser razão para ser-se nomeada para uma qualquer posição no Estado.

g) As leis não devem atribuir ou recusar qualquer direito, privilégio, poder ou imunidade, com base na fé religiosa ou na religião, ou na ausência de ambas.
 
3. Educação Secular

a) A educação proporcionada pelo Estado deve ser secular. Educação religiosa, deve ser limitada a educação sobre religião ou sobre a sua ausência.

b) As crianças devem ser ensinadas sobre a diversidade de religiões e de crenças filosóficas não religiosas.

c) As crianças devem ser educadas para pensar de uma forma crítica e em saber fazer a distinção entre fé e razão como um guia para o conhecimento. A ciência deve ser ensinada livre de qualquer interferência religiosa.
 
4. Uma lei para todos


a) Deve haver uma lei secular para todos, democraticamente decidida e aplicada de uma forma igualitária e sem qualquer jurisdição de tribunais religiosos em matérias civis ou de disputa familiar.

b) A lei não deve criminalizar a conduta privada devido à doutrina de uma qualquer religião achar essa conduta imoral, se essa conduta fizer respeito apenas aos direitos e liberdades de outros.

c) Funcionários ou empregadores do serviço público com crenças religiosas não podem descriminar qualquer outra pessoa com razões que não sejam essências para o cumprimento do trabalho em questão.
 
O original pode ser encontrado aqui em inglês: https://atheist.ie/2011/06/dublin-declaration-on-secularism-and-the-place-of-religion-in-public-life/

Post original: Portal Ateu.

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