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Como me livrei dos crentes "resgatadores de desviados"?

Por Sergio Viula




Quando saí do armário (adoro essa expressão!), no final de 2003, tive que enfrentar muitas situações absolutamente novas para mim. E não há cartilha que garanta uma jornada tranquila na vida, seja lá qual for o destino desejado, tive que ir construindo o caminho no próprio ato de caminhar. A única coisa certa, garantida, inegociável na minha cabeça era que eu nunca abandonaria meus filhos. Eles tinham 11 anos (a minha filha) e 9 anos (o meu filho). Nunca houve uma dúvida sequer de que eu faria qualquer coisa por eles.

Na verdade, ficar sem conviver diariamente com eles era a minha maior dor durante a separação, mas eu sabia que ela seria compensada de alguma forma pelos momentos que passaríamos juntos nos dias combinados dali para frente. Estava disposto a fazer o melhor que eu pudesse para que esse tempo fosse sempre lindo e inesquecível. E tem sido até hoje. Só que faz tempo que não tem dia marcado. ^^ Sou pai de dois adultos agora.

Claro que quando eu saí do armário, houve todo tipo de reação. Mas, nem todas as pessoas que eu conheço fizeram o jogo do "deixa disso", "volta para a igreja", "volta para Jesus", etc. Alguns parentes, amigos e vizinhos entenderam muito bem o que eu estava fazendo e nem se surpreenderam tanto, pois que já sabiam que eu era gay antes mesmo que eu dissesse. Essas pessoas se mostraram muito mais nobres. Todavia, no meu círculo mais íntimo, não foi tão simples assim.

Mas, eu tenho uma característica. Se tentarem me impedir de fazer algo que eu sei que é lícito e meu direito, eu enfrento o que for preciso para atingir meu alvo.

Assim, enfrentei tudo e todos que se puseram no meu caminho e segui adiante. Foi bem difícil começar tudo do zero. Alugar uma casa, comprar tudo o que eu precisava colocar dentro dela, arrumar um novo emprego - o anterior estava cheio de gente crente que conviveu comigo ainda como pastor.

A minha maior preocupação, todavia, era que eu tinha dois filhos pequenos para sustentar. E, apesar do dinheiro ser muito curto, eu nunca falhei com eles.

Sem a menor sombra de dúvida, nenhuma angústia gerada por tantos desafios ao mesmo tempo se comparava à alegria de finalmente poder ser e agir de acordo com a minha razão e com as minhas emoções, sem submetê-las a qualquer ditame heterossexista e/ou homofóbico, fossem os já conhecidos na família e na igreja ou fossem outros em formatos ainda desconhecidos por mim.

Por ter focado mais na alegria de estar livre desses ditames, em vez de pensar somente nas dores que os desafios ainda me impunham, fico perplexo até hoje quando vejo pessoas preferindo a aparente segurança de cadeias existenciais às variadas possibilidades de existência que a libertação de tudo isso nos permite.

Vejo muitas pessoas emaranhadas até os olhos no arame farpado da homofobia de seu círculo religioso. E tudo isso por causa da homofobia internalizada ou do medo que sentem da opinião alheia. Opinão de quem? De um bando de mortais que nem sabem conduzir a própria vida e ainda querem te ensinar a conduzir a sua? Isso é tão estúpido que nem sei como pude viver assim durante tanto tempo.

Alguns têm medo de dar de cara com um crente desses no meio da rua, caso se afastem desse círculo tóxico. Desde que eu saí do armário, nunca tive esse medo. Pelo contrário, já vi crente atravessando a rua para não ter que falar comigo. Sabe qual era a minha reação? Riso. É risível a fragilidade das crenças que essa gente considera tão vital.

Não que eu desejasse a companhia de gente diposta a me "infernizar" o juízo, mas eu não tinha nada a temer. Não fiquei devendo nada a eles. Claro que sempre houve um punhado de crentes que continuaram sendo cordiais comigo. Há alguns que eu prezo muito, inclusive, os quais me alegro em ver quando eventualmente visitamos meus pais ao mesmo tempo. Meus pais são crentes e continuam frequentando a primeira igreja que eu frequentei. Mas, esses definitivamente não fazem (pelo menos comigo) aquela famigerada linha "pentelhos ganhadores de almas".

Mas não foi sempre assim. No ínicio, os "resgatadores de desviados" vinham à minha casa. Nada surpreendente. Quantas vezes eu mesmo visitei enfermos, pessoas ausentes dos cultos ou assumidamente afastadas da igreja? Era de se esperar que eles fizessem pelo menos uma ou duas tentativas comigo também.

Na verdade, as coisas começaram a complicar para eles quando perceberam que eu não era nenhum coitadinho pedindo ajuda, que eu não era nenhum desviado com medinho de não ser arrebatado, que eu não tinha nenhum medo do que eles falavam sobre castigo ou inferno e também nenhum desejo de recompensas num céu tão imaginário quanto o inferno que o contrapõe. Na verdade, não acreditava mais em nada disso. E quando eles se deram conta de que eu não tinha a menor intenção de ganhar o mundo ou o céu, porque eu já tinha a mim mesmo, eles desistiram. Em vez deles me "desconfundirem" - pois, achavam que eu estava confuso -, eles é que saiam da minha casa com a cabeça cheia de pergutnas sem respostas. Afinal, o dogma não suporta escrutínio, não se sustenta diante da menor investigação destemida.

Sabem quantos crentes batem na minha porta hoje? Zero.

Sabem quantos tentam me levar de volta para igreja? Zero.

Sabem o que acontece quando algum desses crentes me encontra na rua? Eles não conseguem esconder a admiração por me verem bem: "Sergio, como você está bem! Quanto tempo! Você está ótimo." O que esses caras esperavam - que eu estivesse arrastando minha própria carcaça sob altas doses de algum calmante por causa de suas infantis pregações de um inferno que só existe na imaginação deles? "Ô, coitados..." - como diria Filó.



Filó: "Ô, coitado..."


Medo de quê?

Quando abordado por gente desagradável, você tem três opções: fingir que não viu, dar uma resposta torta ou simplesmente colocar a figura no bolso com toda educação, mas sem curvar a cabeça um milímetro sequer para sua idiotice.

Fico admirado com a capacidade do cérebro em ignorar a dor que sente ao viver aprisionado nessa teia de dogmas homofóbicos. Muita gente acredita que romper com tudo isso poderá causar sofrimento. Mas, minha gente, sofrimento é o que vocês têm vivido desde que se conhecem por gente, e tudo por causa dessas crenças detratoras de individualidades que atormentam todo e qualquer ser humano que ouse deixar os trilhos dessa mortífera ignorância.

Na verdade, essas crenças, pessoas e instituições, que parecem tão assustadoras para quem ainda lhes dá credito, perdem automaticamente seu poder quando você deixa de creditar-lhes o poder que você acha que elas têm por si mesmas ou que foi supostamente conferido por algum deus. Não! O poder que elas têm sobre você é somente o poder que você mesmo atribui a elas. O espaço que elas ocupam em sua vida é somente o espaço que você mesmo concede a elas sempre que pensa em coisas como: "O que vai dizer o pastor fulano?" ou "O que vão dizer os irmãos beltranos?"

A realidade é que quem pede licença para ser fiel a si mesmo será sempre escravo dos outros, a menos que rompa com esse padrão e assuma as rédeas de sua própria existência.

Quanto a mim, não serei escravo de ninguém. Já basta ter que me submeter a quatro "elementos" fundamentais para continuar vivo: comida, água, sono e oxigênio. Isso sem contar a dependência de vários órgãos cujas funções são vitais para a manutenção da vida. Não vai ser nenhum transformador de verdura em esterco ou de oxigênio em gás carbônico que vai me dizer quem eu sou ou como eu devo viver. E aqui, eu me refiro a esses patrulhadores da afetividade alheia.

É claro que eu me submeto àquilo que é racionalmente justificado e construído na mutalidade das nossas micro e macro sociedades. Mas, não há justificativa racional para dizer a uma pessoa gay que ela tem que ser heterossexual ou que ela é inferior a qualquer outra em função de sua sexualidade. Isso deve ser subvertido, não acatado.

Eu sou o que sou!

Atribuíram essa frase a um entre muitos outros deuses. Grande coisa! Qualquer um pode colocar na boca de qualquer ente imaginário palavras que ele nunca seria capaz de dizer. Mas a minha voz, seja em sua sonoridade natural ou na minha escrita, pode ser ouvida e conferida. Não preciso de porta-vozes, porque eu existo e me movimento pelo mundo. Não sou fruto da imaginação primitiva de ninguém.

Na verdade, todos somos o que somos, mesmo quando dizemos que somos outra coisa. E essa ruptura entre o real e o idealizado só causa problemas.

Hoje, eu posso dizer "Eu sou o que sou" sem reservas. Sou o que entendo de mim mesmo em todo lugar, seja em casa, no trabalho, na universidade, na fila do mercado. Não preciso e não admito me esconder de ninguém. Minhas redes sociais estão aí.

A minha máxima é composta pela junção de duas ideias básicas para o bom viver: "(1) Não abuse de ninguém nem permita ser abusado por quem quer que seja. (2) Fora isso, viva e deixe viver."

Por isso, estou onde estou hoje: Amando a pessoa que me ama, vivendo em harmonia com meus filhos, trabalhando no que gosto sem precisar me esconder, dizendo o que penso quando considero conveniente, outras vezes só observando, porque nem todo mundo merece a vibração das minhas pregas vocais.

Em outras palavras, estou de bem comigo mesmo e com aqueles que me respeitam. Aos demais, o oblívio.

O que eu ganho com isso? Sossego. E o que eu perco com isso: nada!

Algumas pessoas me perguntam: E se eu sofrer algum tipo de ameaça ou outra forma de violência.

Minha resposta é: Não se coloque em risco desnecessariamente, mas se alguém quiser importunar o seu sossego, tome o caminho da delegacia! A lei está aí. Faça uso dela. E se há duas coisas que as pessoas têm medo de perder, essas coisas são dinheiro e liberdade. Um simples processo com direito à indenização por dano moral tem o poder de colocar muita gente em seu devido lugar.

Se você ainda não fez esse movimento para fora do armário, faça. Mantenha perto de você apenas as pessoas que respeitam sua identidade.

Imagine poder viver plenamente o que você deseja se o que você deseja não causa dano algum a terceiros. E quem ficar incomodado com isso, que se phoda! O que pode ser mais libertador do que isso?

Faça o que só você pode fazer: Reivente sua vida, mas dessa vez com base no que você sabe de si mesmo, não no que os outros dizem de você. O caminho não será apenas azul e cor-de-rosa, mas nunca foi. Ou será que o seu cérebro ainda está enganando você - convencendo você que a masmorra na qual tem vivido é algo como uma suíte presidencial num hotel de luxo em alguma ilha paradisíaca do Caribe. Acorda enquanto é tempo. Despluga dessa matrix, bee.


Da escravidão do vício ao vício de ser escravizado




Ontem, dia 13 de maio, foi celebrado o Dia da Abolição da Escravatura no Brasil. Também foi dia de Preto Velho nas tradições afro-brasileiras. O belo negro e a bela negra, tais como são todos os filhos da África, foram reconhecidos como homens e mulheres livres. Daí até a inclusão plena, um longo caminho tem sido percorrido, porém ainda não concluído.

Num dia em que se celebra o pretenso fim da escravidão (ainda tem trabalho escravo no Brasil, lamentavelmente), decidi escrever esse post para falar, paradoxalmente, na abolição da liberdade - essa que se perde sempre que o corpo - bem como a consciência dele resultante - são submetidos a algum tipo de vício.

Irmãos gêmeos de uma mesma matriz (a cocaína), o crack e o oxi conseguiram ser piores que a mãe. Pouca coisa pode ser mais desagradável, degradante, horripilante do que ver esses humanos se arrastando em trapos, debaixo de uma camada espessa de sujeira, exalando o cheiro insuportável da mais absoluta degradação do corpo humano, só que ainda vivo. Será que existe algo pior do que essa gente perambulando e emporcalhando qualquer lugar onde possam vegetar dia e noite? Existe!!! O descaso do Estado, do empresariado e da sociedade civil como um todo.

Contudo, não consigo evitar uma pergunta que continua latejando na minha cabeça: "Pra quê?" Muita gente virá com "porquês", mas nenhum deles é suficiente em si mesmo. Pobreza e sofrimento precisam ser erradicados e isso depende muito do Estado, do empresariado e da sociedade civil. Entretanto, a pobreza e o sofrimento não são razões suficientes para a sujeição de si mesmo a essa irracionalidade completa.

Pra quê? - volto à vaca fria. Qual é o objetivo de queimar e inalar ou aspirar uma fumaça que surge de componentes químicos perigosíssimos, incluindo água de bateria, querosene, etc? Qual é o objetivo, propósito, ganho que se pode alcançar com a escravidão voluntariamente assumida que resulta do uso dessas e de outras drogas semelhantes?




Gente que anda como o povo da fictícia cidade de "Ensaios sobre a Cegueira", criada por José Saramago. Gente que vive podre de sujeira no corpo, no meio do lixo, definhando sob o pior dos odores que se pode exalar em vida.

Essas pessoas desfiguradas em todos os sentidos estão formando verdadeiras colônias de "cracudos", ou como são chamadas: Cracolândias. Na ânsia de fumar mais uma pedra. Gente que se entrega à miséria total. Pior: Governo, polícia e médicos têm sido incapazes de cuidar, reprimir e reintegrar socialmente esse povo.

No meio dessa miséria, entram uns pastores auto-intitulados de "recuperadores de viciados". Eles abrem "centros de recuperação" - qualquer casa ou sítio onde os viciados possam se acumular para cantar louvores , fazer orações, ouvir pregações, "exorcizar" seus "demônios".

É fato que algumas coisas mudam depois que eles entram nesses "centros de recuperação": tomam banho, vestem-se com roupas limpas, cortam o cabelo, barbeiam-se... e continuam orando, cantando, ouvindo pregações até começarem a pregar também. Porém, para garantir todo esse "bônus", eles tem que arcar com o "ônus" de saírem pelas ruas a pedir esmolas em ônibus e trens, carregando uma latinha metida a cofre e um folheto (que recolherão de volta depois que tiverem mendigado alguns trocados).

Ah, sim, eles pregam, e nessa prédica, falam o pior de si mesmos e o melhor de Jesus, da igreja e da "casa de recuperação". Depois, descem e pegam o próximo ônibus ou entram no próximo vagão de trem, repetindo esse ritual dia após dia, anos a fio, envelhecendo sem se integrarem ao mercado de trabalho. Não estudam, exceto o que o pastor indica nos círculos bíblicos; não trabalham com carteira assinada, e provavelmente exercerão esse mesmo "ministério da palavra" como único meio de subsistência, fazendo a roda girar de novo em torno do próprio eixo.

Dizendo a todos que deixaram a escravidão do vício, não percebem que nunca deixaram o vício da escravidão. Apenas trocaram de senhor, de capataz. Antes eram o crack, o oxi e outras drogas; agora são os dogmas religiosos. Antes, o traficante controlava a vida deles. Agora, é o sacerdote e o pastor que dominam suas consciências. Antes, o que ele ganhava ficava na droga. Agora, o que ele ganha fica na "obra". Antes, vivia marginalizado no vício. Agora, está viciado na marginalidade, pois continua sem emprego regulamentado, sem educação técnica ou acadêmica, sem um lar para chamar de seu, sem senso crítico a respeito do que acontece ao seu redor. Envergonha-se e gloria-se de seu passado a um só tempo, mas não consegue criar seu futuro a partir de aspirações mais humanistas, racionais, existencialmente mais relevantes. Contenta-se com a anestesiante esperança de entrar no céu e ser chamado filho de deus, depois de ter cansado de ser chamado de filho da p-u-t-a. Enquanto isso, casa-se, desde que a mulher (tem que ser um mulher, mesmo que ele seja gay) pense muito semelhantemente a ele e esteja disposta a gerar uma penca de filhos, aos quais mal vai conseguir criar.

Assumir a própria liberdade com todo o risco e potencial que ela apresenta pode ser desesperador, mas submeter-se à escravidão de uma substância química ou de uma crença alienante não é muito melhor. Esse pode ser exatamente um dos maiores riscos dessa mesma liberdade que essa gente tanto quer evitar. A droga e o dogma totalizantes podem ser exatamente a concretização dos maiores medos que esse indivíduo quer estancar, mas aos quais só faz alimentar.

Quer saber? Na vida existem coisas muito boas para que alguém se submeta ao crack, ao oxi ou ao "ópio" do dogma.




Pelo amor de Zeus, vai ler um livro! Vai curtir uma obra de arte! Vai ver um filme! Vai caminhar na praia! Vai fazer amor! Vai dormir uma boa noite de sono! Vai ver um show! Vai pescar! Vai trabalhar! Vai estudar! Vai pesquisar algo relevante para a vida, para a humanidade, para a felicidade própria e dos outros! Ou vai simplesmente tocar uma punheta ou um siririca! Só não vem encher meu saco com o fedor da "craco-cagalândia" ou com a pentelhação do testemunho dos "crentudos"!

Vão descobrir a alegria de serem donos de si mesmos!

Agora, se prefeituras, legisladores municipais, governos e legisladores estaduais se preocupassem tanto com os dependentes de crack e oxi quanto se preocupam em caçar vendedores ambulantes visando maior arrecadação de impostos sobre a circulação de mercadorias, as drogas talvez não estivessem devorando uma parte cada vez maior da sociedade brasileira, que por sua vez poderia ser inteligente o suficiente para, pelo menos, ficar longe dessa merda toda!

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