Mostrando postagens com marcador História da Sexualidade no Brasil. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador História da Sexualidade no Brasil. Mostrar todas as postagens

O badalo do negão atiça imaginário erótico desde o Brasil colonial

Fonte da Ilustração: Internet




O badalo do negão atiça imaginário erótico desde o Brasil colonial



por Marcelo Cerqueira
Salvador, BA, domingo, 20 de novembro de 2011  


Um mito que veio da África passou pelo Brasil colonial é exótico, erótico e possivelmente não seja real que os homens negros apresentem melhor desempenho sexual que os homens brancos. Verdade ou não o que não faltam são expressões culturais das mais diversas orientações que fortalecem esse imaginário que negros sejam mais quentes que brancos. Homens gays e mulheres a partir desse aspecto cultural concebem os homens negros como sendo eles mais bem dotados tanto em cumprimento e espessura, têm glúteos mais firmes e salientes, são mais viris, possuem sabor diferenciado e cheio corporal capaz de apimentar ainda mais a relação sexual. Vox Populi Vox Dei.

Ações culturais populares que favoreçam essa mentalidade na Bahia não faltam e aparecem em cascatas. Um exemplo é a música “Lá vem o negão” da dupla Cravo e Canela executada pelas mais variadas bandas de pagode na Bahia é reveladora e é a exaltação dos dotes e do poder de sedução que possui o homem negro. “Lá vem o negão, Cheio de paixão, Te catá, te catá, te catá. Nem coroa ele perdoa não..” A música reforça o poder sexual afirmando o que seria uma negativa de que nem as mulheres que em tese “estariam fora da oferta” o negão libera, venha. Ninguém resiste ao poder sexual do negão. Outra canção ainda mais reveladora é da banda Muvuketo com o título “O badalo do negão” numa referência ao órgão sexual do homem negro sem nomeá-lo diretamente mas fazendo entender de forma dissimulada que é o pênis. “... Olha o badalo do negão!!! , badala, badala, badala” continua mais adiante exaltando que todos o volume “moí” do negão “...todo mundo quer ver o badalo do negão” e na visão da música o negão é democrático e mostra sem distinção pra quem quiser ver o seu “badalo” ou o “moí” que quer dizer volume.

Já que a força do hábito faz o monge. O mito acaba fazendo o marketing cultural e ática o desejo e a curiosidade sobre os possíveis dotes dos homens negros fazendo com que eles penetrem no competitivo mundo subjetivo do desejo sexual e erótico com um grande trunfo e em condição de superior ao seu possível concorrente que seria o homem branco, macho, adulto, rico e geralmente no comando. Nessa perspectiva em relação ao homem branco o negro em tese teria muito mais poder sobre as coisas reais como o cortejo e a cobiça desse universo paralelo e subjetivo, diferente da esfera do poder material e financeiro e talvez das escolhas concretas de união afetiva.

É fabuloso a capacidade com que as pessoas processam a cultura e as informações culturais, a forma com que elas brincam com esses valores. Os gays brincam com a música “A carne” interpretada por Elza Soares. A cantora que também é um ícone gay que deu forma a expressão “Dá a Elza” aludida a uns dos seus relacionamentos sexuais repete por cinco vezes a primeira estrofe da música. “A carne mais barata do mercado é a carne negra” diz a letra da música.

Em tese a canção entra em choque com os outros movimentos dos sambas e pagodes que valorizam através de suas letras “A carne negra”, ou melhor, o macho negro. O paralelo burlesco é feito usando a figura e atributos do vocalista da banda Harmonia do Samba de Salvador com o questionamento de que essa carne não é barata e a cultura fez dela algo valioso, cobiçado e precioso. Quanto seria o preço de 1kg de Xandi-dentro. Acredita-se não ser nada barato e nem acessível.

Engraçado e instigante essa perspectiva do imaginário popular algo que fortalece ainda mais a auto-estima dos homens negros, isso ai inclui os homens negros gays com identidade masculina que também são desejados por homens e mulheres. O sexo é uma ferramenta de poder muito usada ao longo da história entre os gêneros muitas vezes como atributo para alcançar poder, status social e nesse continuo para o sucesso financeiro pessoal, uma vasta literatura aborda com muita precisão esse tema ao longo dos anos. A pesquisadora Ligia Bellini em destacou em um estudo a existência de amor e de interesse entre escravos e senhores de engenhos no Recôncavo da Bahia colonial.

Falar sobre o desejo do outro ainda representa um desafio muito grande isso porque o universo sexual é coberto pelo manto da subjetividade e das variáveis sexuais. Aqui falamos de um aspecto cultural de um determinado segmento da população. Isso não significa que os machos brancos não tenham os seus atrativos e seus dotes excepcionais.

Nessa perspectiva de sexo desejo, branco, negro nesse período difícil do Brasil é possível imaginar que o olhar do português em relação aos negros sem dúvida tinha um víeis erótico muito forte diferente dos ingleses que colonizaram os Estados Unidos que preservaram restrições sociais e de contato físico com os negros. Os lusitanos, que de bobos não tinham nada já sabiam como eram o povo “de cor” e já tinha pratica com o Marrocos, a Guiné e depois a Índias, no Brasil foi à farra e essa farra é cantada em verso e prosa, seja nos sambas do Recôncavo ou nas letras picantes dos pagodes da Bahia.

História da Sexualidade no Brasil - artigo por Luiz Mott



História da Sexualidade no Brasil (1)


por Luiz Mott



Resumo


Quando um antropólogo aborda o tema sexualidade, o primeiro mandamento a ser enfatizado é que, enquanto no reino animal irracional as funções sexuais são determinadas fundamentalmente pelo instinto, a sexualidade humana se manifesta através de padrões culturais historicamente determinados, donde sua dinamicidade temporal e diversidade espacial e performática. A sexualidade humana é uma constructo cultural, tanto quanto os hábitos alimentares e corporais. Nascemos machos e fêmeas e a sociedade nos faz homens e mulheres. Mais ainda: o ser masculino e o ser feminino variam enorme-mente de cultura para cultura, modificando-se substantivamente ao longo das gerações dentro de uma mesma sociedade. Discutimos neste ensaio basicamente a construção histórica da sexualidade brasileira, destacando a presença primacial de três complexas matrizes sexuais: o modelo sexual hegemônico dos donos do poder, representado pela moral judaico-cristã fortemente marcada pela sexofobia, e os modelos periféricos indígena e africano, dominados por multifacetada pluralidade cultural e grande permissividade relacional. Concluímos mostrando a relação estrutural entre escravidão e o machismo.

Modelo Hegemônico Judaico-Cristão

O traço definidor da moral sexual judaico-cristã é a sexo-fobia. Diferentemente de outras culturas, onde deuses e sacerdotes praticavam toda sorte de "perversões sexuais" consideradas ou neutras do ponto de vista moral, ou mesmo virtuosas - a religião judaica prima pela dificuldade em conviver com os "vícios da carne". Javé - diferentemente dos Orixás, de Apolo e Tupã, é um deus assexuado. O céu judaico-cristão -tão diverso dos congêneres dos muçulmanos e germanos - é um paraíso assexual, onde os que na terra foram virgens ou celibatários estarão mais próximos do trono do Cordeiro e da Virgem Maria.

Como traços cardeais da cultura sexual abraâmica, salientam-se o tabu da nudez, o machismo, o patriarcado, a monogamia e indissolubilidade do matrimônio como alicerces da família nuclear, a noção de honra e a virgindade pré-nupcial como requisito para as alianças matrimoniais.

Modelo tão rígido comportou, desde os tempos bíblicos, espaço para os desvios, que mesmo castigados alguns até com o apedreja-mento ou a fogueira, fizeram parte integrante do modus vivendi de nossos antepassados. Adultério, concubinato, sodomia e violência sexual - todos condenados pelos rabinos e sacerdotes - nem por isto foram completamente eliminados do orbe cristão, e abundam nos arquivos os processos civis e religiosos contra tais pecadores, personagens freqüentes em nosso passado colonial. Uma das representações mentais mais interessantes e persistentes entre nossos ante-passados ibéricos transplantada para o Novo Mundo foi o que os teólogos chamavam "heresia contra a fornicação simples" em razão da qual inúmeros colonos de norte a sul do Brasil foram denunciados à Santa Inquisição, por defenderem a proposição herética de que não eram pecado os atos sexuais entre pessoas desimpedidas (i.e., que não fossem casadas, virgens ou que tivessem votos religiosos). Outros, igualmente investigados pela sanha inquisitorial, eram acusados de propalarem que "era melhor se casar do que ser padre", em franca oposição ao ensinamento do donzelo Apóstolo Paulo.

Não bastassem as ameaças representadas pelos "heterodoxos" descendentes dos primitivos colonizadores, a moralidade imposta pelo Levítico e Catecismo Romano sofreu seu mais grave embate através do confronto de outros modelos sexuais, aos quais chamamos de "periféricos", posto terem sido tratados sempre como marginais por parte dos donos do poder hegemônico. Referimo-nos às matrizes sexuais indígena e africana.


Matrizes periféricas: Índios e Africanos


É incorreta a suposição de que índios e africanos ostentassem, cada etnia per si, uma conduta sexual homogênea. O correto é falarmos de "sexualidades indígenas" e "sexualidades africanas" posto coexistirem, lado a lado, na Ameríndia e no Continente Africano, centenas e centenas de padrões sexuais completa-mente diversos e às vezes antagônicos. Em comum, podemos detectar duas macro-tendências: a enorme diversidade estrutural destas sexualidades e uma menor rigidez repressiva, levando-se em o conta que se tratam de sociedades ágrafas e pour cause, baseadas em tradição oral menos rígida se comparada com sociedades dominadas por códigos e leis escritas - algumas - delas, como a judaica, mandamentos escritos em tábuas de pedra e re-veladas pela própria divindade.

Se tomarmos como inspiração a sexualidade dos índios Tupinambá, a primeira constatação, que tanto chocou os cronistas coloniais, é a relação absolutamente neutra que tais silvícolas mantinham com a nudez, além de primarem por desbragada luxúria, falando constantemente entre si de suas "sujidades", incansáveis em procurar variegados gozos eróticos, conhecendo diversos afrodisíacos e magias sexuais, que os cristãos interpretaram como coisas do Diabo. Polígamos, tais nativos praticavam uma espécie de gerontocracia sexual onde os mais velhos guerreiros, aqueles que tinham matado o maior número de inimigos, tinham maior acesso às mulheres mais jovens. Não só os Tupinambá, como diversas outras tribos nas três Américas, abrigavam em suas al-deias grande número de "invertidos sexuais " de ambos os sexos, chamando aos homossexuais masculinos de "tibira" e às lésbicas de "çacoaimbeguira".

Quanto à sexualidade dos africanos que vieram escravizados pa-ra o Novo Mundo, os traços mais comuns, que aproximariam a enorme diversidade cultural das centenas de etnias envolvidas na diáspora negra, seriam, além da poligamia poligínica, a prática de mutilações sexuais geralmente associadas a ritos de iniciação na infância ou puberdade. Se tomarmos como exemplo algumas etnias do antigo Reino de Benin - de onde procedeu a mais importante leva de africanos no último século do escravismo, notamos como elementos característicos de sua sexualidade a grande liberdade sexual das crianças e adolescentes, tolerância à masturbação recíproca, prática da circuncisão dos meninos e clitoridectomia nas donzelas.

"Não há escravidão sem depravação sexual. É da essência mesmo do regime..." dizia Gilberto Freyre, demonstrando cabalmente que a exacerbação erótica observada no Brasil Colonial deve ser ex-plicada não por "defeito" da raça africana, mas pelo abuso de uma raça por outra: "ao senhor branco, e não á colonização negra deve-se atribuir muito da lubricidade brasileira."

O que temos como certo é que o machismo ibérico assumiu - no Novo Mundo, devido às condições demográficas e sociológicas da escravidão, uma feição muito mais agressiva e virulenta do que a observada em Portugal e Espanha à época das Descobertas. Abaixo do Equador, onde os brancos donos do poder representavam por volta de um quarto dos habitantes, somente a extrema violência e o autoritarismo conseguiram manter submissa toda aquela massa populacional de negros, índios e mestiços, infelizes seres humanos tratados a fogo e ferro pela mino-ria senhorial. Numa sociedade tão marcada pela injustiça social, somente homens ultraviolentos seriam capazes de manter ordem e respeito junto à "gentalha", daí ter-se desenvolvido um código de hipervirilidade, que anatematizava, entre os machos brancos, qualquer conduta ou sentimento "feminino", pois ameaçavam a própria manu-tenção dessa sociedade estamental e oligárquica. Aí está a raiz do machismo à brasileira, filho bastardo da escravidão.

"Há males que vêm para bem", diz o brocardo popular, e no caso do regime servil, podemos pinçar alguns elementos que influenciaram positivamente nossa ideologia e práticas sexuais hodiernas. Embora não possamos concordar que nosso país seja um exemplo de "democracia racial', dadas as desigualdades sociais ainda hoje dominantes em nosso meio, não há como negar que as interações sexuais interraciais se deram no Brasil com muito maior freqüência, com menos violência e com maior "cordialidade" do que nos demais países escravistas. Diferentemente de outras sociedades, nas quais os senhores manifestavam nojo e repulsa sexual vis-a-vis às fêmeas das "raças inferiores", entre nós desenvolveu-se um erotismo mestiço que fez da mulata hoje, e da negra "mina" no século XVIII, o modelo mais cobiçado de parceira sexual. Como dizia no século passado Charles Expilly, na sua instigante obra Costumes e Mulheres do Brasil, "aquele que sentiu duas vezes o cheiro acre, mas embriagador, da catinga de uma negra, achará, desde então, muito desenxabido o cheiro que exala a pele da mulher branca..." Segundo esse autor, tratava--se tal enunciado de um "axioma português".

Um segundo aspecto positivo, herança da miscigenação e hibridismo pluricultural, é a influência das matrizes periféricas de nossa sexualidade, na alforria dos brasileiros da rigidez do Levítico e do Catecismo Romano. Um amoralismo mestiço e crioulo domina nossa cultura sexual, destacando-se o Brasil, no cenário mundial, pelo exibicionismo de nossas mulheres inventoras da devassa tanga, pela exportação de travestis que causam furor entre franceses e italianos, pela extravagância sensual de nossos desfiles de escola de samba, pelo remelejo dos bumbuns de homens e mulheres no pagode. Não é por menos que nosso país ocupa o segundo lugar em casos de Aids no ranking mundial, com uma estimativa de mais de meio milhão de pessoas infectadas, 50% das quais por via sexual.



Nota

1. "A sexualidade no Brasil colonial", Diário Oficial Leitura São Paulo, nº141, fevereiro 1994:6-8



Bibliografia


Freyre, Gilberto. Casa Grande e Senzala. Imprensa Oficial, Recife,1976, 2 volumes.

Mott, Luiz. Os Pecados da Família na Bahia de Todos os Santos. Centro de Estudos Bahianos, Salvador, 1983.

Piauí Colonial: população, Economia e Sociedade. Terezina, Secretaria de Cultura do Piauí, 1985

Escravidão, Homossexualidade e Demonologia. S.Paulo, Editora Icone, 1988

O Sexo Proibido: Virgens, Gays e Escravos nas garras da Inquisição. Campinas Editora Papirus, 1989

Vainfas, Ronaldo. Trópico dos Pecados. Moral, Sexualidade e Inquisição no Brasil. RJ, Editora Campus, l989

Postagens mais visitadas