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Hinduísmo e sexodiversidade

 





Hinduísmo e sexodiversidade

Por Sergio Viula

Originalmente publicado no AASA



As maneiras de ver a homossexualidade no hinduísmo variam de acordo com cada grupo. Apesar de alguns textos hindus apresentarem algum conteúdo contra a homossexualidade, um número de histórias míticas hindus representam a experiência homossexual como natural e alegre.

Existem vários templos hindus que possuem figuras esculpidas que retratam tanto homens como mulheres mantendo relações homossexuais. Tanto relações sexuais entre pessoas do mesmo sexo quanto as variações de gênero foram representadas dentro do hinduísmo desde os tempos Védicos até hoje, seja em livros de leis, livros religiosos ou as assim chamadas narrativas míticas, comentários, pinturas e esculturas. Até que ponto essas representações abraçam ou rejeitam a homossexualidade tem sido objeto de disputa tanto dentro da religião como fora dela. Em 2009, o Concílio Hindu do Reino Unido (The United Kingdom Hindu Council) publicou uma declaração dizendo que “o Hinduísmo não condena a homossexualidade”, mas a Suprema Corte Indiana não seguiu essa linha de raciocínio, como você verá adiante.

Diferentemente do Ocidente, a sociedade hindu não tem tradicionalmente o conceito de “orientação sexual” que classifique os homens sobre a base de seu desejo. O que existe é um forte conceito de terceiro gênero, que é usado para descrever indivíduos que apresentam fortes elementos tanto de macho como de fêmea em si mesmos. De acordo com textos sânscritos como o Narada-smriti, o Sushruta Samhita, etc., esse terceiro sexo ou gênero inclui indivíduos convencionalmente denominadas homossexuais, transgêneros, bissexuais e intersexuais (LGBTI). O terceiro gênero é descrito em antigos textos Védicos como homens que têm uma natureza feminina, referindo-se a homens homossexuais ou que se identifiquem com o gênero feminino. O papel sexual ou de gênero das pessoas do terceiro gênero tem sido predominantemente associado com o fato de serem penetradas por homens, assim como o papel sexual e de gênero característico da masculinidade tem sido o de penetrar homens, mulheres e pessoas do terceiro gênero. Porém, o Kama Sutra claramente descreve os homens do terceiro gênero assumindo tanto identidades masculinas como femininas e desempenhando tanto papéis sexuais passivos como ativos.

O conceito hindu de homossexualidade busca quebrar essa distinção entre o terceiro gênero e os homens, e isolar a sexualidade entre homens do que seriam as pessoas do terceiro gênero, com todas as suas possíveis consequências negativas. Os homens indianos têm resistido longamente ao conceito de “gay”, mas têm sexo com homens sem se identificarem como “homossexuais”. Ativistas gays estão tentando introduzir um termo localmente aceitável para “homossexual” que seja tecnicamente difícil para os homens evitarem se eles fizerem sexo com homens. Mas essas tentativas têm falhado como se fossem apenas outro termo para “gay”. Nos últimos anos, porém, o conceito de “homossexualidade” finalmente lançou raízes. A definição moderna de LGBT consegue retratar com mais exatidão as crenças hindus antigas e não aquelas da era vitoriana.

O efeito colateral é que o desejo entre homens que era mais universal na Índia antes vai ficando cada vez mais isolado do ‘mainstream’, porque os homens estão se distanciando dele para evitar o estigma do “efeminado” ou do terceiro gênero associado à noção de “gay”.

Muitos intelectuais indianos e hindus apoiam publicamente os direitos civis LGBT. Alguns movimentos liberais de reforma hindu, especialmente no Ocidente, também apoiam a aceitação social de gays, lésbicas e outras minorias de gênero.

Comentando sobre a legislação a respeito da homossexualidade na Índia, Anil Bhanot, secretário geral do Concílio Hindu do Reino Unido disse: O ponto aqui é que a natureza homosexual é parte da lei natural de Deus; ela deve ser aceita pelo que é, nem mais nem menos. Os hindus são geralmente conservadores mas parece-me que na Índia antiga, eles até celebravam o sexo como uma parte desfrutável da procriação, onde sacerdotes eram convidados para cerimônias em suas casas para marcar o começo do processo. (http://news.rediff.com/report/2009/jul/03/hinduism-does-not-condemn-homosexuality.htm)

Legislação recente

Em 13 de dezembro de 2013, o Supremo Tribunal Indiano decidiu ratificar (manter) a criminalização da homossexualidade na Índia. Nota aqui (http://www.foradoarmario.net/2014/04/supremo-tribunal-indiano-reconhece.html).

Em 15 de abril de 2014, o Supremo Tribunal Indiano reconheceu a legitimidade do cidadão transexual indiano. Nota aqui (http://www.foradoarmario.net/2014/04/supremo-tribunal-indiano-reconhece.html).

Mahatma Gandhi: governo indiano comprou a coleção de missivas no ano passado na tentativa de ocultar o relacionamento homossexual do líder pacifista com o fisiculturista sul-africano Herman Kallenbach. Aqui: http://www.foradoarmario.net/2013/02/veja-cultura-india-expoe-cartas-que.html

Ser do terceiro gênero não é só alegria

O que se percebe é que a homofobia é muito mais um construto da mentalidade inglesa vitoriana que ficou impregnada na legislação indiana e na cultura popular do que fruto das tradições religiosas antigas. A transfobia não parece ser um grande problema, porque nesse ponto a cultura védica prevaleceu sobre a influência do dominador inglês.

De qualquer maneira, vê-se novamente como os discursos religiosos, especialmente do monoteísmo judaico-cristão no período de imperialismo britânico, assim como possivelmente a convivência com cristãos e muçulmanos nos últimos séculos conseguiram criar restrições às pessoas homoafetivas na Índia. A vida das pessoas transexuais também não é exatamente um mar de rosas.

Chamadas de Hijras (podem ter outros nomes, dependendo do dialeto), elas são mencionadas como um terceiro sexo e não podem agir como homens ou mulheres comuns. É muito comum que essas pessoas mantenham seus próprios quarteirões ou vizinhanas e desempenhem certas funções, tais como massagistas, cabelereiras, vendedoras de flores, empregadas domésticas, etc. São consideradas como semi-divinas. Alguns hindus acreditam que as pessoas do terceiro gênero ou do terceiro sexo têm poderes especiais que permitem que elas abençoem ou amaldiçoem os outros, mas essas crenças não são comuns a todas as divisões do hinduísmo. A maioria das pessoas do terceiro sexo/gênero não consegue realizar o simples sonho de casar e constituir uma família, mas o movimento LGBT indiano vai lutar para garantir esse e outros direitos básicos a esses seres humanos.


LINK: HIJRAS, O TERCEIRO SEXO:
http://www.dailymotion.com/video/xm6du4_hijras-o-terceiro-sexo_shortfilms


A cultura indiana na terra do Tio Sam

Nos Estados Unidos, uma indiana e uma americana casaram-se ao estilo indiano tradicional: Shannon e Seema uniram suas vidas no melhor estilo hindu. A história pode ser lida em português aqui (veja as fotos delas no início desse post): http://misteremister.com/shannon-seema-casamento-tradicional-indiano/

Tomara Shannon e Seema inspirem muitos indianos e indianas LGBT no mundo todo!

E que as pessoas aprendam a viver sem buscar a chancela dos deuses para viverem suas identidades e seus amores, mesmo que seja um dos 330 milhões de deuses hindus.

“Fé é imaginação carregada de afetividade. O problema é que depender do divino é como se agarrar a uma corda amarrada a um rocha imaginária: a imaginação é a corda, mas o divino não está lá.” (Sergio Viula)


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Leia Em Busca de Mim Mesmo - a jornada de um homem rumo a sua emancipação sexual.

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10 divindades indianas que desafiam a hetero-cisnormatividade

Por séculos, a literatura e a mitologia hindus falou sobre personagens que desafiam o binarismo (masculino-feminino ou macho-fêmea que veio a caracterizar fortemente as sociedades ocidentais, influenciando a própria Índia posteriormente, graças ao domínio imperialista da Inglaterra. Os desafiantes são deuses ou descendentes divinos dos deuses que povoam narrativas milenares, portanto muito mais antigas do que a cultura judaico-cristã-islâmica que se espalhou pelo ocidente e pelo oriente em tempos mais recentes.


Com informações de JACOB OGLES - https://www.advocate.com/authors/jacob-ogles
Originalmente, publicado pelo site 
The Advocate: https://www.advocate.com/religion/2016/9/06/19-lgbt-hindu-gods
Versão adaptada por Sergio Viula






1. Shiva e Parvati

Deus supremo do Shaivismo, Shiva tem sido representado em sua última personificação como masculino, mas desde a era Cuchana, ele foi descrito em sua forma Ardhanarishvara como um composto andrógino de Shiva e de sua esposa, Parvoti. Essa forma foi originada quando Parvoti, desejando compartilhar das experiências de Shiva, pediu que as formas de ambos fossem literalmente unidas. Muito frequentemente, o Ardhanarishvara é representado com a forma feminina de Parvoti à esquerda e com os atributos masculinos de Shiva à direita (figura central na gravura acima).




 2. Vishnu/Mohini

A principal deidade da religião hindu é o protetor do mundo, Vishnu. Ele é claramente descrito no hinduísmo como sendo de gênero fluido. Essa deidade hindu muitas vezes assume o avatar feminino Mohini. Vishnu (deus) inclusive procriou com Shiva (deus) na forma de Mohini (o avatar feminino de Shiva), resultando no nascimento de Ayyappan, adorada por milhões que peregrinam até seu santuário na Índia. A avatar Mohini é descrita como uma encantadora que enlouquece os amantes.




3. Krishna

Encarnação de Vishnu, a popular deidade Krishna (macho) também assumiu a forma de Mohini para se casar com Aravan (macho) e satisfazer um dos últimos pedidos do herói, de acordo com o Mahabharata. Depois da morte de Aravan, Krishna permaneceu na forma de viúva do herói por um significativo período de luto.




4. Shikhandi

Esse guerreiro que batalhou na guerra de Kurukshetra, de acordo com a maioria das narrativas do Mahabharata, era fêmea de nascimento, mas mudou de gênero mais tarde em vida. Nascida como Amba (fêmea) e posteriormente chamada Shikhandini (macho), ela foi criada como homem pelo rei Drupada, seu pai. O rei fez com que ela casasse com a princesa de Dasharna, mas sob protestos da noiva, Shikhandini fugiu para a floresta, onde conheceu Yaksha e mudou de gênero, agora tomando o nome de Shikhandi. Ele continuou sendo homem até sua morte na batalha de Mahabharata.




5. Bahuchara Mata

Bahuchara Mata estava viajando com suas irmãs e foi ameaçada pelo saqueador Bapiya. Depois que ela e suas irmãs extirparam seus próprios seios, o saqueador Bapiya foi amaldiçoado com impotência até que ele mesmo começasse a se vestir e agir como uma mulher. Só então, a maldição seria removida. Hoje, a deusa hindu adorada como a originadora e padroeira das hijras (mulheres trans e intersexuais de Bangladesh) é Bahuchara Mata, considerada como pertencendo ao "terceiro gênero" na fé hindu”




 6. Rama

Outras narrativa de origem das hijras vem de Ramayana, e fala de Rama reunindo seus súditos na floresta antes de sua aventura aos 14 anos. Ele mandou que os homens e as mulheres que o acompanhavam retornassem às suas próprias casas em Ayodhya, mas quando Rama voltou de sua jornada épica, ele descobriu que alguns não voltaram do local de seu discurso e que se haviam se fundido em um só corpo, tornando-se intersexuais. Foi Rama que conferiu às hijras a habilidade de conceder certas bênçãos, dando início à tradição conhecida como badhai.





7. The Khajuraho Temples

Esse templo medieval inclui representações de pessoas se relacionando sexualmente - uma demonstração da importância dos atos sexuais dentro da fé hindu. Esculpidas em pedra, existe uma série de representações de sexo entre homems e mulheres, algumas vezes em grupo. Em outras, existem várias mulheres envolvidas em relações com um único homem. Mas também existem imagens de homens fazendo sexo uns com os outros e praticando penetração anal.



8. Agni

O deus do fogo, da criatividade e da riqueza é representado na fé hindu como sendo casado com a deusa Svaha e com o deus da lua, Soma. Os pesquisadores Connor e Sparks relatam que Agni recebeu o sêmen de Soma oralmente. O erudito britânico Phil Hine diz que Agni fez sexo oral em Shiva também, resultando no nascimento de Skanda, o deus da guerra.






9. Mitra e Varuna

Esses filhos de Aditi da literatura Védica são frequentemente representados como ícones de afeição fraterna e amizade íntima entre homens, de acordo com a Associação Gay e Lésbica Vaishnava (Gay and Lesbian Vaishnava Association). Textos antigos do Brâmana de fato descrevem as duas fases alternadas da lua caracterizadas por relações do mesmo sexo. Nas noites de lua nova, o deus Mitra injeta seu sêmen no deus Varuna para começar o ciclo da lua. E nas de lua cheia, o favor é devolvido com cada deus fazendo o papel oposto.




10. Budha Graha

Além de desempenhar um papel fundamental na astrologia hindu como sendo um dos planetas, especificamente Mercúrio, Budha Graha também representava um tremendo golpe no paradigma de papéis de gênero milênios antes das discussões atuais. Criado como filho de Sage Brihaspati e de Tara, Budha Graha, na verdade, foi produto de um adultério entre Tara e o deus da lua, Chandra. Sage Brihaspati, irou-se com a revelação durante a gravidez de Tara e amaldiçoou a criança dizendo que ela não seria nem macho nem fêmea. Depois disso, estabeleceu-se a tradição de que o marido da mãe de uma criança seria considerado o pai desta.

São mais de 10

Essas 10 divindades não são as únicas que desafiam as noções binárias de gênero, as quais, ignorando todas as variações que se impõem através da realidade, querem engessar tanto as noções de masculinidade e feminilidade como os papéis culturalmente distribuídos aos indivíduos a partir do sexo atribuído em seu nascimento. Existem pelo menos outras nove (o texto original falava de 19 delas), mas essas 10 são suficientes para termos uma boa ideia de como se lidava com as noções de masculino e feminino e com o sexo entre pessoas de sexos diferentes ou do mesmo sexo milênios antes da era chamada cristã.

E hoje?

E foi por causa das imposições imperialistas britânicas que misturavam o cristianismo às políticas de invasão e dominação que a Índia levou tanto tempo para reconhecer as trasngeneridade como digna da garantia de direitos e a homoafetividade como não sendo uma prática criminosa. As decisões aconteceram, respectivamente, em 16 de abril de 2014, quando a 10 divindades indianas que desafiam a hetero-cisnormatividade (https://www.advocate.com/religion/2016/9/06/19-lgbt-hindu-gods) e em 06 de setembro deste ano (2019), quando a Suprema Corte descriminalizou a homossexualidade, considerada uma ofensa punível pela lei durante 160 anos, ou seja, desde a era 'colonial'. A comunidade LGBT indiana, estimada em 104 milhões de pessoas, celebrou efusivamente a descriminalização do amor. 

Hinduísmo e sexodiversidade: Coluna do Viula no site do AASA

https://aasaoficial.wordpress.com/2015/03/22/hinduismo-e-sexodiversidade/


HINDUÍSMO E SEXODIVERSIDADE

Atualização em 03/01/2025:

Esse texto foi transferido para essa página onde outros textos sobre religião e sexodiversidade também se encontram.

Confira:

https://www.foradoarmário.com/p/wicca-e-sexodiversidade-por-sergio.html

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