Por Sergio Viula
Publiquei um pensamento em forma de poema hoje. De repente, vi no meu feed de notícias que o Israel Russo de O Mundo de Is havia feito esse print super fofo. Gostei tanto que decidi colocá-lo aqui no blog para não perdê-lo mais de vista. Além disso, achei o pensamento bastante digno, modéstia à parte.
Mostrando postagens com marcador o mundo de is. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador o mundo de is. Mostrar todas as postagens
E se você também for um Truman?
O SHOW DE TRUMAN
O SHOW DA VIDA
Obviamente, fiz várias conexões entre seu enredo e a vida "real". Na verdade, a questão já começa por aí: Real, até que ponto? Real para quem? Cada olho constitui um mundo diferente que parece muito real para aquele que assim o enxerga. Então, o que eu vejo sobre mim e sobre o que há a meu redor não é a mesma coisa que o outro vê a meu respeito e a respeito do que há à minha volta. E isso também funciona para todos os "vice-versas" que você puder imaginar.
Na verdade, o enredo do filme trabalha com a noção de que tudo pode virar show de TV, e de que tudo o que pode ser assistido, gerando audiências cada vez mais fiéis, pode ser transformado em dinheiro cada vez mais abundante nas contas de todos os envolvidos na produção e transmissão do show. Um bom ponto de partida para pensarmos o mundo da mídia e do entretenimento, inclusive o jornalismo: quanto mais sensacionalista ou comovente, mais vende, mais gera renda para os que exploram os "fatos". Será que "a verdade" é realmente um fim a ser perseguido no jornalismo? Bem, é preciso que pareça ser. Não precisa ser de fato.
Mas, o que me trouxe de volta ao filme essa semana foi um comentário do meu amigo Israel Russo do Mundo de Is. Ele viu o filme e ficou fascinado. Ele notou vários pontos em comum com as técnicas de manipulação da "realidade" que muitos líderes religiosos fazem e com a qual arrastam milhões de pessoas e de dólares. Concordei com ele, claro. Ele inclusive me pediu que falasse sobre isso quando tivesse um tempinho. Decidi falar hoje.
O que acontece com Truman? O produtor do reality show "emprega" um menino recém-nascido como protagonista do programa. Tudo na vida dele é fake (falso, inventado, criado para parecer real sem ser), só que ele não sabe disso. Ele vive num mundo perfeito, onde tudo é programado. Até o sol e a chuva aparecem quando o produtor determina, a partir de truques de estúdio. O bairro dele é um cenário. Os colegas de trabalho, familiares, vizinhos, amigos, enfim, são todos atores coadjuvantes e figurantes. Ele está absolutamente convencido de que o mundo ao seu redor é real e perfeito. O problema é que existe uma restrição. Ele não pode se aventurar no mar. E para garantir que não o fizesse, um acidente foi simulado para que ele acreditasse que estava se afogando, tendo sido salvo por muita sorte.
Encurtando para não entregar tudo a respeito do filme, Truman vive uma farsa e tem que escolher entre sair dela e enfrentar o "mundo real" ou ficar nela e continuar vivendo num mundo controlado em cada detalhe, como um pássaro na gaiola que tem tudo, mas não pode voar livremente. E se não pode voar livremente, o pássaro não pode conhecer e usufruir de sua "passarice" em todos os sentidos. Não é exatamente isso que acontece nas seguintes situações? Cito duas, mas outras poderiam ser pensadas:
1. Você vive no armário. Se sair dele, ganha a liberdade, mas também pode perder alguns aparentes "mimos", concedidos apenas aos que se submetem à farsa de parecer algo que não são vivendo uma "harmonia" que não existe;
2. Você é religioso e já sacrificou muito pelo deus em que você crê, mas percebe que é muito provável que tudo isso não passe de imaginação. Você está investindo o melhor que tem numa futura existência que é tão imaginária quanto Hogwarts em Harry Potter, só que sem um décimo da diversão. Você se assume cético, agnóstico ou ateu e enfrenta a vida com racionalidade e amor à vida, imbuído de compaixão pelos que compartilham o mesmo planeta que você, ou continua praticando os ritos e repetindo os mantras da fé para não perder a aparente "harmonia" que desfruta em casa e em sua agremiação religiosa?
De que vale continuar com o show quando você já percebeu que tem muita gente se "divertindo" às suas custas sem que você possa viver o que realmente deseja viver? De novo, para onde vai toda aquela sua "passarice" ansiosa para alçar voo?
Saber-se sujeitado a sistemas de coerção, de controle, de repressão, de manipulação sem sequer oferecer resistência a essa sujeição, ou seja, sem tentar emancipar-se, sem querer correr o risco de viver tudo o que você pode viver (para mais ou para menos) longe do vampirismo desses sistemas, é uma das maiores misérias existenciais do meu ponto de vista.
Toda aparente bondade das pessoas e sistemas que parecem garantir que suas "necessidades" sejam satisfeitas, sob a condição de que você siga o script (veja que Truman não tinha um script para chamar de seu), não tem qualquer relação com bondade, compaixão ou respeito por sua dignidade como pessoa, mas é parte do jogo de sujeição e manipulação. Assim como no filme em apreço, se você reconhecer a farsa e se recusar a continuar nela, eles serão os primeiros a desligar as câmeras, apagar as luzes e abandonar o setting de filmagem. São os primeiros a dizer que você não tem mais serventia, valor, préstimo. Você deixará de ser a galinha dos ovos de ouro para esses sistemas, que agenciam as famílias, as organizações religiosas, as escolas, entre outros, mas terá a oportunidade de alçar voos fantásticos - uma das muitas coisas que as galinhas - com todo respeito a essas ovíparas - nunca poderão fazer.
A questão é: você quer mesmo ficar livre de tudo isso?
Há mais de 12 anos, eu derrubei as paredes do "estúdio"e assumi o roteiro da minha própria vida. Existem inúmeros fatores surpresa que podem alterar o curso das coisas, ora para mais alegria, ora para mais tristeza, mas lá no "reality show" dos meus armários, eu também estava sujeito a diversos fatores surpresa, mas nunca disponível para as maiores alegrias - a de poder fazer o que eu achar melhor, em vez seguir uma cartilha religiosa que ditava tudo - desde o que assistir na TV até a quem e como amar na cama. Felizmente, o sol fajuto do estúdio se foi. O sol de verdade é melhor, mas como tudo na vida, tem mais de dois lados. Sem problema, já inventaram chapéu, sombrinha, protetor solar, etc. ;) Vale a pena viver o mais perto possível daquilo que corresponde às nossas mais legítimas aspirações.
Muitas leituras da vida a partir desse filme podem ser feitas. Essas aqui foram as que os meus olhos privilegiaram. Fica a provocação, então.
O Mundo de Is entrevista Sergio Viula - por Israel Russo no Facebook

foto de O Mundo de Is.
Obrigado, Israel Russo.
QUE ENTREVISTA MARAVILHOSA E LIBERTADORA. LEIAM E COMPARTILHEM, SE PUDEREM.
![]() |
| Israel Russo |
Essa é a 2ª entrevista que faço aqui no Mundo de Is. Dessa vez, tive a honra de entrevistar o querido Sergio Viula, em comemoração ao 1º aniversário da nossa página. Ele, como sempre, foi mega atencioso, carinhoso e coerente.
Sergio Viula é escritor, tradutor, teólogo, ex-pastor bastista, ex-ex-gay, filósofo, ateu, professor de língua inglesa, pai de 2 filhos, dono do blog Fora do Armário e lindo!
IS: Olá, Sergio. Tudo bom com você?
IS: Olá, Sergio. Tudo bom com você?
SERGIO: Tudo joia, Israel.
IS: Você já foi pastor batista e hoje é ateu e gay assumido. O fato de se sentir atraído por homens, foi um fator importante para se tornar ateu?
SERGIO: Eu diria que o fato de me sentir atraído por homens e ter sido cercado por um ambiente hostil à homoafevidade desde cedo contribuiu para que eu questionasse a "realidade" que me cercava. No bojo desse questionamento, entraram as crenças e as práticas religiosas, que logo se mostraram tão críveis quanto qualquer crença considerada pagã pelos próprios cristãos.
O cristianismo me ajudou a desmitificar todos os deuses, menos um. A postura cética que adotei na verificação das premissas cristãs acabou me livrando do último deles - o judaico-cristão.
IS: Os ateus e agnósticos, são minoria em nossa sociedade e alvos de discriminação. Você já passou por situações constrangedoras ou perdeu "amig@s" por ser ateísta?
SERGIO: Sim, certamente. Uma pesquisa da Fundação Perseu Abramo identificou que o preconceito contra ateus é um dos mais agudos na sociedade brasileira, perdendo até para a rejeição social a presidiários.
Uma coisa que acontece muito comigo é a seguinte: Como consigo dialogar tranquilamente sobre as diversas crenças religiosas com pessoas que esposam alguma fé, muita gente pensa que eu tenha alguma crença, mesmo que seja remota. Daí, quando essas mesmas pessoas percebem que sou ateu ou me perguntam diretamente se sou ateu, e eu respondo que sim, elas ficam meio chocadas, mas não podem me chamar de intolerante, porque o próprio ato de discutir respeitosamente pontos de vistas religiosos não permite tal acusação.
Posso dizer que tenho amigos religiosos, agnósticos e ateístas, mas também já perdi "amig@s" que não conseguem ter o mesmo nível de maturidade para celebrar a pluralidade que caracteriza nossa sociedade. O que não tolero de modo algum é o preconceito homofóbico, transfóbico, racista, machista e por aí vai.
Como eu disse para alguns alunos meus essa semana, preconceito não é questão de mera opinião. Preconceito afeta diretamente a vida das pessoas. Gente real num mundo real com dilemas reais e que não precisa de ideias obtusas criando-lhes obstáculos à vida.
IS: Falando em homofobia, você foi um dos fundadores do Movimento pela Sexualidade Sadia (MOSES). Um ministério/ONG cristão para "curar/converter" gays em héteros. Como você vê, hoje, essa obsessão fundamentalista na homossexualidade e o que levou você a ver que os métodos do MOSES não funcionavam?
Como eu disse para alguns alunos meus essa semana, preconceito não é questão de mera opinião. Preconceito afeta diretamente a vida das pessoas. Gente real num mundo real com dilemas reais e que não precisa de ideias obtusas criando-lhes obstáculos à vida.
IS: Falando em homofobia, você foi um dos fundadores do Movimento pela Sexualidade Sadia (MOSES). Um ministério/ONG cristão para "curar/converter" gays em héteros. Como você vê, hoje, essa obsessão fundamentalista na homossexualidade e o que levou você a ver que os métodos do MOSES não funcionavam?
SERGIO: Essa obsessão de certos segmentos cristãos evangélicos e até alguns católicos quanto à homossexualidade diz muito mais desses mesmos grupos e indivíduos do que da homossexualidade em si. Hoje, está muito claro para mim que não é possível que a homossexualidade alheia incomode tanto uma terceira pessoa se esta mesma não estiver em conflito consigo mesma por medo, culpa e ansiedade em relação à sua própria sexualidade. Do mesmo modo que não me incomoda a heterossexualidade ou a bissexualidade alheias, não deveria incomodar a um heterossexual a homossexualidade dos outros, a menos que este tenha razões não-ditas para tal em si mesmo.
Existe também um histórico de preconceitos afirmados e reafirmados, repetidos e reforçados pela religião, pelo Estado e pela medicina ao longo da história. A medicina e muitos Estados já fizeram uma revisão desses preconceitos e passaram a tomar outra postura frente à diversidade sexual. Algumas religiões também, mas as que ainda resistem são geralmente as mais fanáticas e, por isso mesmo, menos esclarecidas.
Para mim, a conclusão de que as pessoas não deixam de ser gays, lésbicas ou bissexuais, assim como não deixam de ser heterossexuais, veio a partir da observação de que, ao longo dos meus 18 anos de envolvimento com a igreja evangélica, nunca vi um único gay, lésbica ou bissexual virar heterossexual.
Se eu acreditasse num deus, teria dito agora: Graças a Deus! Porque querer deixar de ser quem é configura-se como a pior e mais baixa forma de submissão pessoal.
IS: Foi muito difícil para você aceitar a sua homossexualidade? Como foi a reação da sua família quando você decidiu ser você mesmo?
SERGIO: Foi difícil enfrentar o preconceito da família, mas costumo dizer que sair do armário é sofrer uma vez só, enquanto que permanecer dentro dele é sofrer pelo resto da vida. Minha decisão de não me submeter mais aos ditames da homofobia que caracteriza o pensamento de muitos dos meus familiares foi uma oportunidade de crescimento para todos. Hoje, vivo um sossego em termos de relações familiares que nunca tive antes.
Agora, é o que eu digo: quanto mais cedo a pessoa conseguir pagar suas contas e viver às suas próprias custas, melhor. Quando falta isso, o poder de chantagem de familiares inescrupulosos aumenta.
Às vezes, alguns se afastam, mas depois se reaproximam. Se alguém realmente preferir se distanciar definitivamente, que vá em paz e não peque mais. (risos)
IS: Você luta pelos direitos da comunidade LGBT, inclusive o casamento e a adoção por pessoas do mesmo sexo. Você foi casado com um homem durante 7 anos e recentemente se divorciou. Como está sendo esse processo de separação? Que tipo de aprendizagem você obteve com esse casamento?
IS: Você luta pelos direitos da comunidade LGBT, inclusive o casamento e a adoção por pessoas do mesmo sexo. Você foi casado com um homem durante 7 anos e recentemente se divorciou. Como está sendo esse processo de separação? Que tipo de aprendizagem você obteve com esse casamento?
SERGIO: De fato, foram 7 anos felizes. Infelizmente, acabou, mas a vida continua. Na realidade, viver a dois nunca é um desafio simples. Viver a dois é "ser artista no nosso convívio pelo inferno e céu de todo dia", como dizia Cazuza. Porém, o que mais chama a atenção de quem nos acompanhou foi o modo como terminou em paz, sem briga, sem disputas, apenas a consciência tranquila de que era preciso seguir separadamente de um determinado ponto em diante.
Acumulei 21 anos de casado: 14 com uma mulher e 7 com um homem. Isso é quase a metade da minha vida. Por isso, continuo defendendo o direito de que as pessoas se casem com quem desejarem, se separem se e quando quiserem, possam ter filhos biológicos ou adotados, mas eu mesmo não sei se entraria num terceiro casamento. Como a gente nunca sabe nada ao certo, é melhor ir vivendo e amando, e descobrir pelo caminho.
IS: Você tem alguns livros, contos e textos maravilhosos, publicados. Como é o desafio de ser escritor no mercado brasileiro?
SERGIO: Um desafio talvez maior do que o de ser gay. (risos)
Na realidade, escrever com um viés gay, lésbico, bissexual ou transgênero é um desafio ainda maior. O brasileiro não tem tradição de leitura como passa-tempo preferido. E a restrição aumenta quando se trata das letras com as cores do arco-íris. Mas é gostoso desbravar esse segmento, especialmente acompanhado de tanta gente boa hoje em dia. Escritores que celebram a sexodiversidade vão se multiplicando no Brasil e a população vai descobrindo um novo prazer em termos de leitura - o da literatura LGBT.
IS: Quem é Sergio Viula, hoje?
SERGIO: Hoje, Sergio Viula é principalmente um cara de bem consigo mesmo. Isso abre um leque de numerosas e deliciosas possibilidades de existência e de interação com outros seres humanos fantásticos, entre eles você, Israel Russo. Tenho orgulho de pessoas como você, que fazem o que podem para construir um mundo melhor. E por melhor, quero dizer mais livre, mais igualitário, mais esclarecido.
IS: Muito obrigado! Por tudo! Você sabe que sou seu fã assumido! (Risos) Pena que estamos chegando ao fim dessa gostosa conversa. Para finalizarmos, deixe uma mensagem para xs Habitantes do Mundo de Is.
SERGIO: Eu é que agradeço, Israel. Eu diria aos Habitantes do Mundo de Is que não se deixem levar pelo canto das carnívoras sereias do preconceito, dos dogmas, das doutrinas totalizantes, das ideologias de controle mental e social, mas que se desenvolvam em todos os sentidos: intelectual, emocional, social, econômico, amoroso, enfim, em todos os aspectos da existência. Se não forem totalmente felizes, serão ao menos livres, mas as duas coisas geralmente andam muito próximas.
Um beijo a todos e todas.
Assinar:
Comentários (Atom)
Postagem em destaque
Postagens mais visitadas
-
A PRISÃO DE BOLSONARO: RELEMBRE SEUS CRIMES — ELE MITOU MESMO NA BANDIDAGEM Bolsonaro foi preso por Sergio Viula Hoje, o Brasil testemunhou ...
-
Entretenimento e mais do que isso: Casas de acolhimento, centros de referência e outras ferramentas para o fortalecimento das nossas identid...
-
Quinze vezes em que moralistas morderam a própria língua Os moralistas e seus esqueletos no armário Por Sergio Viula É curioso — e ao mesmo...
-
Bispo italiano afirma: negar amor e intimidade a pessoas LGBTQ+ é “simplesmente errado” O bispo italiano Francesco Savino Por Sergio Viula U...
-
Resgate histórico Representação de auto-felação. Uma possível referência ao ciclo da vida ou sustentabilidade do p...
-
Cinema nos 70: Wagner Montes viveu personagem que se relacionava com outro homem Wagner Montes em A Morte Transparente Por Sergio Viula Pouc...
-
Timmy - personagem de Padrinhos Mágicos Tempos atrás eu compartilhava com meus leitores e amigos mais chegados muitas das lutas que eu tra...
-
FANTÁSTICO! Até julho de 2012, todos os títulos de Moa Sipriano reunidos "ultrapassaram a marca de um milhão e meio de downloads grat...
-
Zeus e Ganimedes Por Sergio Viula Zeus é conhecido, entre outras coisas, por sua impetuosa inclinação ao amor com humanas - coisa que sua di...
-
STJ Garante Direito de Militares Trans Permanecerem nas Forças Armadas Brasil sem transfobia é sobre isso também. Por Sergio Viula Uma vitó...


