Os 88 Homens Gays Mortos nos Penhascos de Sydney: Uma História de Violência e Justiça Tardia
Por Sergio Viula
Durante décadas, a história da comunidade LGBTQ+ foi marcada por silêncios impostos — silêncios que encobriram vidas arrancadas pela violência e pela indiferença. Relembrar o caso dos 88 homens gays mortos nos penhascos de Sydney é um ato de memória e resistência. Que cada nome, mesmo desconhecido, ecoe como denúncia e como compromisso com um futuro mais justo e livre de ódio.
Entre os anos 1970 e 1990, Sydney — cidade símbolo da diversidade e do Mardi Gras — foi palco de uma das mais sombrias séries de crimes da história LGBTQ+ da Austrália. Ao menos 88 homens gays e bissexuais foram mortos ou desapareceram em circunstâncias violentas, muitos deles lançados de penhascos nas praias de Bondi, Tamarama e Marks Park. Durante décadas, a polícia tratou as mortes como suicídios ou acidentes, ignorando evidências de ataques motivados por ódio.
Violência e Homofobia Sistêmica
A maioria dos assassinatos ocorreu durante um período de forte homofobia institucional. Homens gays eram perseguidos e espancados por grupos de jovens conhecidos como “gay bashers”. Esses grupos atacavam homens em locais de pegação, especialmente nos parques e penhascos de Sydney, usando violência extrema.
A polícia, por sua vez, não investigava adequadamente os crimes. Muitos relatórios foram arquivados sem perícia, e familiares das vítimas foram deixados sem respostas. O preconceito era tão arraigado que vítimas eram frequentemente culpadas por suas próprias mortes.
O Caso de Scott Johnson
Em 2022, Scott White foi condenado pelo crime, após confessar o assassinato. O caso reacendeu o debate sobre os outros 87 homens que tiveram destino semelhante.
O que Steve Johnson, irmão da vítima, nos ensina sobre ativismo LGBTQ+ e memória histórica:
"A persistência de Steve Johnson mostra que a luta por justiça não é apenas jurídica, mas também moral e histórica. Ao recusar aceitar o suicídio do irmão Scott e manter o caso vivo por décadas, ele transformou a dor pessoal em resistência coletiva. Steve nos ensina que a memória é um ato político: lembrar das vítimas da homofobia é denunciar o apagamento institucional e reafirmar que cada vida LGBTQ+ importa. Sua atuação é um exemplo de como familiares e aliados podem pressionar sistemas negligentes, manter a atenção pública e garantir que histórias de ódio não sejam esquecidas."
Comissão de Inquérito
Em 2023, o governo do estado de Nova Gales do Sul instaurou uma Comissão Especial de Inquérito para revisar dezenas de mortes suspeitas. O relatório revelou uma falha sistêmica da polícia, destacando negligência, preconceito e ocultação de provas.
A Comissão concluiu que muitos assassinatos poderiam ter sido evitados se as autoridades tivessem levado as mortes a sério desde o início. Embora algumas prisões tenham ocorrido, a maioria dos assassinos jamais foi identificada.
Memória e Reparação
Em 2022, foi inaugurado em Sydney o Bondi Memorial: Rise, um monumento em homenagem às vítimas da violência homofóbica. Localizado em Marks Park — cenário de vários assassinatos —, o memorial simboliza luto, resistência e esperança.
A história dos 88 homens é um lembrete doloroso de que a violência contra pessoas LGBTQ+ foi (e ainda é) uma realidade grave, muitas vezes invisibilizada pelas próprias instituições que deveriam protegê-las.
Em Memória
O caso dos “88” é mais do que uma estatística. São vidas interrompidas pela intolerância — e histórias que continuam exigindo justiça e reconhecimento.
Fontes:
Special Commission of Inquiry into LGBTIQ Hate Crimes — Volume 2 (Anexos)
https://www.nsw.gov.au/sites/default/files/2023-12/SCOI-LGBTIQ-Hate-Crimes-Volume-2-191223.pdf
ABC News (Austrália) — “Inquiry into Sydney LGBT deaths begins”
https://www.abc.net.au/news/2022-11-02/inquiry-into-sydney-lgbt-deaths-begins/101605590
The Guardian — “NSW inquiry into murders of LGBTQ+ people ‘may be the last chance for the truth’”
Wikipedia (English) — “Gay gang murders”
