Por Sergio Viula


Por Sergio Viula

Em 2010, uma declaração surpreendente chamou a atenção da comunidade LGBTQIA+ e dos defensores dos direitos humanos em todo o mundo: Fidel Castro, líder da Revolução Cubana, assumiu publicamente a responsabilidade pela perseguição sofrida por homossexuais em Cuba nas décadas de 1960 e 1970.
“Se alguém é responsável, sou eu. Houve momentos de grande injustiça.”
— Fidel Castro, em entrevista ao jornal mexicano La Jornada
Durante anos, o governo cubano associou a homossexualidade a comportamentos “antirrevolucionários”, incompatíveis com o ideal do “homem novo” socialista. Essa visão gerou uma onda de repressão brutal, com demissões, prisões e até internações em campos de trabalho forçado — as temidas UMAPs (Unidades Militares de Ajuda à Produção).
As UMAPs funcionavam como campos de reeducação onde gays, religiosos, artistas “inconvenientes” e outros considerados "desviantes" eram enviados para realizar trabalho forçado e “corrigir condutas”. Era uma forma institucionalizada de castigar quem fugia das normas morais impostas pelo regime.
Esses episódios marcaram profundamente a vida de milhares de cubanos e ainda hoje são uma ferida aberta na memória coletiva da ilha.
A admissão de Fidel não veio acompanhada de um pedido formal de desculpas nem de reparações às vítimas, mas teve um valor simbólico inegável. Pela primeira vez, o homem que por décadas governou Cuba reconheceu publicamente a violência de Estado contra a comunidade LGBTQIA+.
Fidel afirmou que “na época, não havia consciência suficiente” e que muitos preconceitos estavam enraizados até mesmo nos quadros mais altos do governo. Ele disse que não delegaria a culpa e assumiria a responsabilidade pessoal pela política repressiva.
Nas últimas décadas, Cuba passou por mudanças significativas na pauta LGBTQIA+. Um dos nomes centrais nesse processo é Mariela Castro, filha de Raúl Castro e diretora do CENESEX (Centro Nacional de Educação Sexual). Ela liderou campanhas de conscientização e foi fundamental na luta pela igualdade de direitos.
Em 2022, o país aprovou um novo Código da Família, por meio de referendo popular, garantindo o casamento igualitário e o direito à adoção por casais homoafetivos — um avanço histórico, especialmente num país que até pouco tempo atrás via a homossexualidade como ameaça.
A história de Cuba mostra que nenhuma ideologia está imune à homofobia. Quando o Estado decide o que é “normal” ou “aceitável”, quem foge do padrão corre perigo. E isso vale para governos de esquerda ou de direita.
A fala de Fidel Castro nos lembra que o primeiro passo para mudar é reconhecer o erro. Mas memória sem reparação não basta. O verdadeiro compromisso com os direitos humanos exige ação, escuta, justiça e mudança.