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Carlos Tufvesson durante TEDxJardimBotânico: O que é Felicidade

TEDxJardimBotânico é um evento organizado de forma independente e acontece sob licença do TED, uma organização sem fins lucrativos com o espírito de promover ideias que merecem ser espalhadas e que começou como uma conferência de quatro dias na Califórnia, 25 anos atrás, e cresceu para apoiar ideias que mudam o mundo através de múltiplas iniciativas. Este evento é organizado por pessoas que acreditam no poder transformador das ideias.




Carlos Tufvesson respondendo à pergunta: Qual é a grande utopia? Ele responde falando sobre o que é felicidade. Trata-se de um estimulante discurso sobre direitos humanos e transformação social.

Sobre a raridade da vida e a sociedade brasileira

A VIDA É TÃO RARA.
Por Sergio Viula





Enquanto o tempo acelera e pede pressa
Eu me recuso faço hora vou na valsa
A vida é tão rara

(Paciência – por Lenine)



Lenine tem razão: a vida é realmente muito rara. É intrigante que a βιος (bios = vida) só tenha sido encontrada em nosso planeta até o momento. Surpreende ainda mais que essa esfera, não tão perfeitamente redonda, tenha cerca de 4,6 bilhões de anos, e só tenha gerado vida há aproximadamente 3,8 bilhões de anos, quando surgiram os primeiros estromatólitos, originados no oceano.

Entre os estromatólitos e as esponjas (primeiros invertebrados), rolaram milhões de anos. Os primeiro vertebrados teriam surgido há cerca de 520 milhões de anos. Perto deles, a espécie humana é um bebê, tendo se estabelecido entre 125 mil e 250 mil anos atrás. De lá para cá, nossa espécie evoluiu até chegar à configuração física e neural que conhecemos hoje.

Graças a esse histórico evolutivo, a vida ganhou formas, cores e movimentos mais variados do que jamais seremos capazes de catalogar. Alguns deles já extintos. Por sua aparente abundância, esquecemos que a vida é, na verdade, raríssima. Cientistas já vasculharam milhões de anos-luz ao nosso redor, mas não encontraram sequer um organismo unicelular que pudesse satisfazer nossa ambição de encontrar vida em outros planetas.

É espantoso e constrangedor que o ávido interesse dos seres humanos em encontrar vida em outros planetas, conquanto legítimo e estimulante, não tenha a contrapartida do amor e do respeito pela vida que ele já conhece aqui.

Essa semana, fiquei estarrecido com a crueldade de numerosos moradores do Pará (Santa Cruz do Arari), que, segundo o Jornal Hoje, estariam capturando e matando, com requintes de crueldade, cachorros abandonados na cidade. Essa macabra ação de “higienização” teria sido ordenada pelo prefeito, com a promessa de 10 reais como recompensa por cachorro capturado e morto. As pessoas envolvidas nessa versão interespécie de caçada às bruxas lançavam os pobres cães ao rio para que morressem afogados. Além da tortura que esse tipo de extermínio infligia aos animais, esses criminosos também contaminavam o rio, que acabava infestado de cadáveres caninos. Dizem que o cachorro é o melhor amigo do homem. É muito provável que seja mesmo, mas a recíproca dessa amizade não é sempre verdadeira. Meros 10 reais foram suficientes para inverter essa aparente relação. Tenha partido ou não da prefeitura, o que fica disso tudo é o que se depreende dos atos desses indivíduos: o povo brasileiro que tanto se gaba de sua amabilidade não é tão amável assim. Fosse um caso isolado, poderíamos dizer que nunca na história desse país se viu tamanha injustiça, mas não é o caso.

Em todo o território brasileiro, coisas que deveriam revirar nossos estômagos e nos desafiar a construir uma sociedade melhor acontecem todos os dias – indo da violência doméstica às decisões desastradas de um governo que pensa mais em estabilidade do que em justiça social de fato.

A sociedade brasileira tem uma longa caminhada pela frente até poder ser considerada uma sociedade desenvolvida, seja ética, política ou culturalmente. Basta observar o modo como lidamos com o meio-ambiente, com os direitos dos animais, com os direitos das minorias, entre outros.

Uma sociedade justa e progressista não daria crédito a certos indivíduos que só se tornaram “celebridades,” graças à ignorância e ao preconceito de seu fã clube. Esse é o caso das marchas promovidas por pastores homofóbicos que só têm dois objetivos: O primeiro, impedir a garantia de direitos fundamentais para os cidadãos LGBT. O segundo, para o qual este é também um meio, promover futuras candidaturas que perpetuem o engessamento dessas injustiças.

Se a sociedade brasileira fosse realmente justa e progressista, não admitiria que um Ministro da Saúde fosse demitido por dar voz a um segmento desprezado pela sociedade – o das profissionais do sexo. O nobre objetivo de prevenir doenças sexualmente transmissíveis foi ofuscado pelo lobby fundamentalista e conservador que prefere ver tais pessoas mortas a garantir seus direitos básicos.

Se a sociedade brasileira fosse realmente justa e progressista, não admitiria que projetos de combate ao bullying – como o Projeto Escola sem Homofobia – fosse vetado pela presidenta. Uma iniciativa que pretendia educar a comunidade escolar para a boa convivência com as diversas sexualidades e identidades de gênero que compõe seu universo foi bombardeada por indivíduos e grupos cujo maior divertimento é o achincalhe da dignidade dos cidadãos LGBT.

Se a sociedade brasileira fosse realmente justa e progressista, não admitira que mendigos e usuários de drogas apodrecessem à luz do dia nas ruas das grandes cidades. Em vez disso, exigiria das autoridades governamentais um plano de ação nascido de políticas eficazes para a prevenção ao uso de entorpecentes, à recuperação de dependentes químicos e à reintegração social dos que já se encontram marginalizados.

Se a sociedade brasileira fosse realmente justa e progressista, não aceitaria que projetos como a “bolsa-estupro” fossem aprovados na Câmara dos Deputados e no Senado como forma de calar as mulheres vitimadas por estupradores. Em vez disso, exigiria que fossem assegurados os direitos dessas mulheres ao próprio corpo e à própria dignidade, e que elas tivessem toda assistência, fosse para interromper a gravidez decorrente do estupro ou para seguir com a gestação, caso desejassem. A decisão deve ser única e exclusivamente da mulher.

Se a sociedade brasileira fosse realmente justa e progressista, não admitira que empresas, grandes ou pequenas, poluíssem o solo, as águas e o ar com resíduos de toda ordem. Não admitiria o desmatamento para a construção de parques industriais, áreas de lazer, fazendas de criação de gado, construção de hidrelétricas ou para a construção de usinas atômicas. Antes, encontraria alternativas que não destruíssem o pouco que nos resta desses biomas.

Se a sociedade brasileira fosse realmente justa e progressista, não relegaria comunidades inteiras ao esquecimento nas regiões centrais e setentrionais do país, que só são lembradas quando interesses de terceiros passam a fazer parte do jogo de forças. Basta que esses núcleos populacionais sejam considerados obstáculos ao lucro de uma minoria econômica e politicamente poderosa para que sejam removidos, sem direito à terra, à preservação de sua cultura ou aos serviços básicos que deveriam ser garantidos pelo Estado.

Se a sociedade brasileira fosse realmente justa e progressista, não trataria os índios como fantoches, ora manipulados pelo governo, ora usados pela oposição, sem que suas demandas fossem seriamente avaliadas e seus direitos garantidos. Em vez disso, estaria atenta aos índices de alcoolismo, suicídio e prostituição infato-juvenil a que essas vulneráveis populações indígenas são continuamente expostas, graças à invasão de suas terras por não-índios.

Se a sociedade brasileira fosse realmente justa e progressista, não daria atenção ao destino de jogadores com salários milionários, mais do que ao destino miserável de milhões de jovens sem salário ou idosos incapazes de trabalhar que imploram por uma aposentadoria para a qual contribuíram por vários anos.

Assim como a macabra caçada de cães no Pará, fico impressionado com a crueldade que tem caracterizado alguns assaltos em São Paulo. A lógica é a mesma: dinheiro justifica tudo. Na edição deste 08 de junho, o Jornal Hoje noticiou o caso de um homem que foi abordado por mendigos ao sair de um caixa eletrônico em São Paulo. Os assaltantes sequestraram a vítima em seu próprio carro, e como ele só tinha 100 reais, os bandidos jogaram combustível sobre o homem e passaram a brincar com fogo para tortura-lo. Por fim, atearam fogo ao corpo da vítima, que pulou do carro em movimento. O homem foi socorrido por um taxista e continua hospitalizado com graves ferimentos. Bandidos fizeram coisa semelhante com uma mulher, porque não ficaram satisfeitos com os 30 reais que ela tinha na bolsa.

Coisas banais têm sido motivo para atrocidades, inclusive de pais contra filhos e vice-versa. E engana-se quem pensa que a igreja será fonte de apoio emocional ou espiritual. Um só pastor está sendo investigado por 20 denúncias de estupro. Um número enorme de meninas e meninos abusados em paróquias católicas também deveria ser motivo suficiente para que se suspeitasse de homens de batina e mulheres de hábito que geralmente lidam pessimamente com o sexo.

E em meio a todo esse horror, tem gente que vem com o jargão simplista de que “a família é ideia de Deus” – como se isso fosse um fato demonstrado. A insistência no esquema pai-mãe-prole, que todo mundo sabe, por experiência própria, ser perfeito apenas quando emoldurado e colocado sobre o móvel da sala, não é a resposta para todos os problemas da sociedade e nem é o único modelo de família possível e desejável. Toda família tem seus problemas, mas há aquelas em que segredos terríveis são mantidos a salvo do olhar externo por muito tempo. Essa é mais uma das muitas contradições hipócritas dessa sociedade que, se fosse realmente justa e progressista, não acreditaria em contos de fada como solução para problemas imaginários, enquanto os verdadeiros problemas continuam aí, à espera de soluções reais. Essa mesma sociedade que jura se preocupar com a infância e adolescência, e valorizar a vida familiar, é a mesma que prefere que crianças e adolescentes fiquem sujeitos à violência doméstica ou à violência das ruas, em vez de acolhidos em lares equilibrados, nos quais possam ser realmente amados, respeitados e estimulados ao desenvolvimento físico, emocional e intelectual.

Somado a tudo isso, um engodo vem sendo apregoado nos círculos do poder. Trata-se da ideia de que defender os direitos das minorias e proteger a integridade física, mental e moral dos indivíduos e grupos minoritários é ativismo, como se ativismo fosse algum tipo de doença infecciosa a ser prevenida por todos os meios disponíveis e imagináveis. Essa estratégia sórdida, lançada por moralistas e fundamentalistas religiosos, que rotulam qualquer inciativa pró-inclusão e pró-igualdade como ativismo tem funcionado no Legislativo e no Executivo Federais, fazendo calar qualquer tentativa de interlocução justa e progressista.

Ativistas são pessoas que, de fora do governo, protestam e intercedem junto às autoridades por segmentos sociais cujas demandas não são consideradas por legisladores e administradores públicos. Por definição, quando um determinado tipo de ativismo se faz necessário, isso demonstra que algum direito não está sendo respeitado ou garantido.

Infelizmente, quando a demagogia tem prioridade sobre o que é justo, é mais fácil – não melhor – silenciar. E nisso o governo atual é recordista, infelizmente. Poderia ser promotor de mudanças justas e progressistas, mas prefere fazer o jogo dos que pretendem manter as históricas e retrógradas injustiças que têm caracterizado a sociedade brasileira e o Estado desde sua fundação. Injustiças que podem ser claramente identificadas no trato que esse governo e essa sociedade dispensam às mulheres, às crianças, aos adolescentes, aos negros, aos índios, às pessoas LGBT, aos animais, ao meio ambiente.

Além do lobby mórbido que setores fundamentalistas e conservadores fazem junto às autoridades, outra instituição que tem sido usada para manter os níveis de ignorância é o sistema educacional – o mesmo que deveria mudar a realidade da população, mas que acaba colaborando para mantê-la em seu pior estado. As três principais alegadas razões são: péssimas condições de trabalho, incompetência e má vontade da parte dos governantes e dos próprios educadores.

Para que a sociedade brasileira se torne justa e progressista, ela precisará se livrar da corrupção nas instituições, garantir os direitos de todos e de todas, levando em conta a especificidade de cada grupo social, promover conhecimento científico entre crianças e jovens nos diversos campos do saber, gerar empregos remunerados de forma digna e com boas condições de trabalho, não tolerar discursos de ódio, especialmente por parte de líderes religiosos, de políticos e da mídia, aprender a respeitar a natureza mais imediata e mais distante. Deixar de se vangloriar do famigerado "jeitinho brasileiro" que nada mais é do que a cultura do golpe, da trapaça, do suborno, que vai do furar uma fila no banco até a compra de carteiras de habilitação falsas, de diplomas ou gabaritos de provas de concurso público.

Enfim, precisamos de uma revolução nos costumes e na maneira de encarar a vida. Precisamos de uma mudança profunda na forma de ver o outro e de se relacionar com ele: seja humano, animal, vegetal, mineral; esteja em estado sólido, líquido ou gasoso, porque tudo na natureza merece respeito. E nada é mais nobre do que a realização de si mesmo num mundo em que todos tenham possibilidades de se realizarem, de serem felizes a seu modo.

Vida assim é ainda mais rara.

A Homofobia Internalizada - artigo por Pedro Sammarco

A Homofobia Internalizada





Artigo de Pedro Paulo Sammarco




Nossa sociedade é construída por nós e pelo outro por meio da intersubjetividade. O homem é ao mesmo tempo produto e produtor do social. A cultura envolve as crenças do ser humano. Não nascemos “humanos”; somos “humanizáveis”. O processo de objetivação social se dá por intermédio dos atos que se tornam hábitos e estes, por sua vez, criam padrões que se institucionalizam, tornando-se legítimos. Criamos algo que ao mesmo tempo nos cria, a sociedade. A ideologia existe porque nós a reconhecemos.

Determinadas ações são desejadas por todos. As crenças dão subsídios às instituições, prescrevendo papéis. As legitimações são justificadas nas instituições. Criada uma realidade objetiva, há mecanismos para mantê-la. Caso haja um “rebelde” que não se submeta à norma estabelecida, haverá a tentativa de aplicação terapêutica, com o objetivo de tratar para corrigir. Se não for possível corrigir, restará a prisão ou até mesmo o seu aniquilamento.

Portanto, cuidado com a homofobia internalizada pelas regras sociais. Elas impedem que você e os outros sejam felizes. A melhor forma de combatê-la é identificar seus “sintomas”, trabalhá-los e eliminá-los, para o bem da sua felicidade e dos demais. Alguns de seus indícios podem ser:

a) negação da sua orientação sexual (do reconhecimento das suas atrações emocionais e sexuais) para si mesmo e perante os outros.

b) tentativas de mudar a sua orientação sexual.

c) sentir que nunca se é “suficientemente bom” (por vezes tendência para o “perfeccionismo”).

d) pensamentos obsessivos e/ou comportamentos compulsivos.

e) fraco sucesso escolar e/ou profissional; ou sucesso escolar e/ou profissional excepcional, como forma de se sentir compensado e aceito.

f) desenvolvimento emocional e/ou cognitivo atrasado.

g) baixa auto-estima e imagem negativa do próprio corpo.

h) desprezo pelos membros mais “assumidos” e “óbvios” da comunidade LGBT.

i) desprezo por aqueles que ainda se encontram nas primeiras fases de assumir a sua homossexualidade.

j) negação de que a homofobia, o heterossexismo, a bifobia, a transfobia e o sexismo são de fato problemas sociais sérios.

l) desprezo por aqueles que não são como si mesmos; e/ou desprezo por aqueles que se parecem consigo mesmo.

k) projeção de preconceitos num outro grupo alvo (reforçado pelos preconceitos já existentes na sociedade).

l) tornar-se psicológica ou fisicamente abusivo; ou permanecer num relacionamento abusivo.

m) tentativas de passar por heterossexual, casando, por vezes, com alguém do sexo oposto para ganhar aprovação social ou na esperança de “se curar”.

n) crescente medo e afastamento de amigos e familiares.

o) vergonha e/ou depressão; defensividade; raiva e/ou ressentimento.

p) esforçar-se pouco ou abandonar a escola; faltar ao trabalho/fraca produtividade.

q) controle contínuo dos seus comportamentos, maneirismos, crenças e idéias.

r) fazer os outros rirem por meio de mímicas exageradas dos estereótipos negativos da sociedade em relação aos homossexuais.

s) desconfiança e crítica destrutiva a líderes da comunidade LGBT.

t) relutância em estar a par ou em mostrar preocupação por crianças por medo de ser considerado “pedófilo”.

u) problemas com as autoridades.

v) práticas sexuais não seguras e outros comportamentos destrutivos e de risco (incluindo riscos de gravidez e de ser infectado/infectar com o vírus do HIV e demais DSTs).

w) separar sexo e amor e/ou medo de intimidade. Por vezes pouco ou nenhum desejo sexual e/ou celibato.

x) abuso de substâncias (incluindo comida, álcool, drogas e outras).

y) desejo, tentativa e concretização de suicídio.

z) isolamento, medo, fuga, alienação, depressão, ansiedade, tristeza, angústia, vergonha, ódio por si mesmo, revolta, falta de estímulo, falsidade, confusão, falta de concentração, timidez, etc.

Por que os fetiches sexuais são considerados anormais pela ciência? - artigo de Pedro Sammarco

Por que os fetiches sexuais são considerados anormais pela ciência?




Artigo de Pedro Paulo Sammarco



Parece natural perguntar sobre as causas daquilo que é considerado anormal em qualquer campo de estudo. Porém, apenas certa minoria de pesquisadores se pergunta sobre as causas daquilo que é considerado normal. Poucos se ocupam em saber como foi o processo de construção da “normalidade”. Por que será que certos fenômenos e manifestações são considerados normais? Quais são os critérios que definem o que é “normal”? Aquilo que é considerado normal muitas vezes é hierarquizado, naturalizado e essencializado, portanto é automaticamente livre de questionamentos sobre sua constituição.

A idéia de normalidade não é imposta. Seu poder se estabelece por intermédio da sedução do indivíduo, prometendo aceitação, saúde, felicidade, longevidade e beleza. Tais promessas aprisionam pessoas em um dispositivo de eterno exame e correção. A diferença que existe entre as expectativas idealizadas de corpo e a realidade possível de ser atingida gera frustração. Os ideais são aperfeiçoados e sofisticados para que sejam cada vez mais inatingíveis. Dessa forma a pessoa continuará consumindo na tentativa de atingir as metas impostas.

O enunciado sobre algo nem sempre reflete o mundo real, mesmo porque a realidade também é construída por meio de enunciados advindos daqueles que os emitem. A questão sempre é abordada e definida conforme o ponto de vista teórico adotado. O indivíduo considerado doente não é naturalmente dado. A doença é o resultado de um conjunto de enunciados de poder que a define como tal.

É interessante perceber que aquilo que é dito emite determinado efeito de “verdade” que não existe fora de determinada relação de poder. Não há discurso isento de qualquer relação de poder que o produz. Para isso é preciso compreender o regime de “verdade” da época e local em questão. Portanto, nenhuma “verdade” é neutra, soberana e imutável.

O processo de urbanização ocorrido na Europa durante a ascensão da burguesia e a revolução industrial gerou pressão, anonimato e a criação dos chamados “desviantes” que não se adequavam às normas reguladoras do funcionamento social que se definia nas cidades. Em geral, aquele que não fosse economicamente produtivo e biologicamente reprodutivo, era considerado “anormal”.

As práticas sexuais que não estivessem de acordo com a norma da procriação e de gênero foram sendo observadas, descritas e catalogadas. Com o passar do tempo, já por volta do século XIX, o tipo de atividade sexual que antes era considerada pecaminosa e anormal, começa a ser controlada e incorporada pelas ciências biológicas, representadas principalmente pela medicina e psiquiatria. Manuais médicos foram sendo escritos contendo a forma “normal” e “anormal” de como a recém “criada” sexualidade “deveria” ser praticada. Quanto mais liberada por meio da fala, mais seria visível, categorizada e disciplinada.

A antropóloga norte-americana Gayle Rubin (nascida em 1949) discute o conceito de estratificação sexual vigente em nossa sociedade ocidental. Ela propôs uma espécie de pirâmide valorativa com as seguintes categorias a seguir: no topo está a sexualidade considerada boa, normal, natural e abençoada pela religião, ou seja, heterossexual, conjugal, monogâmica, procriadora, não comercial, somente entre os dois membros do casal, relacionamento estável, mesma geração, em local privado, sem pornografia, somente entre os dois corpos, (sem nenhum objeto de fetiche envolvido no ato), pasteurizada, mesma classe social e étnica.

Em seguida vem a sexualidade heterossexual do não casado, monogâmica, para procriação, não paga, somente entre os dois membros do casal, em um relacionamento, inter-geracional, em local privado, sem pornografia, somente entre os dois corpos envolvidos, pasteurizada, entre classes sociais e étnicas.

No meio da pirâmide está a sexualidade homossexual em relacionamento estável, em pecado, promíscua, não procriativa, por dinheiro, sozinho ou em grupo, ocasional, mesma geração, em público, com objetos fetichistas e sadomasoquista.

Na base da pirâmide estão os excluídos: sexualidade considerada má, anormal, patológica, não natural e condenável, ou seja, sexo homossexual solteiro, fora do casamento, promíscua, não-procriativa, comercial, sozinho ou em grupo, ocasional ou compulsiva, entre gerações, em público, pornográfica, entre fetichistas, sadomasoquistas, transexuais e travestis.

Auxiliando nossa compreensão, os estudos queer se propõem a compreender as práticas sociais que organizam a sociedade como um todo através da “sexualização,” “heterossexualização”, “homossexualização” de corpos, desejos, atos, identidades, relações sociais, conhecimentos, cultura e instituições. São interrogados os processos sociais normatizadores que criam classificações gerando a ilusão de que existem sujeitos estáveis, identidades naturais e comportamentos regulares.

A teoria queer desafia a sociologia a não estudar mais aqueles que rompem as normas, nem os processos sociais que os criaram como desviantes. Ao invés disso, insiste em focar nos processos normatizadores marcados pela produção simultânea do hegemônico e do subalterno. Tais estudos se preocupam em criticar os processos normatizadores. Portanto, os estudos queer procuram desvelar mecanismos de naturalização e essencialização dos termos e relações por eles significados.



Referência bibliográfica:


ANTUNES, Pedro Paulo Sammarco Travestis envelhecem? São Paulo: Dissertação de mestrado em Gerontologia. PUC - SP, 2010. Disponível em: http://www.sapientia.pucsp.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=11719

Acessado dia 07/01/2013.

Controle, vida e preconceito - artigo de Pedro Sammarco

Controle, vida e preconceito




Artigo de Pedro Paulo Sammarco



A vida tem um valor muito grande. Tudo gira em torno dela. É a partir dela que damos sentido a ela mesma. O instinto de sobrevivência é muito forte. Sempre acompanhamos por meio da mídia receitas de como viver bem, mais e melhor. Quem vive mais, consome mais, por mais tempo. Necessitamos de organização. As religiões auxiliaram nesse processo desde os tempos mais antigos. Os modos de vida eram regrados e as pessoas começaram a se organizar em nome da salvação e a continuação de uma possível vida “do lado de lá”.

Simultaneamente ao domínio das religiões, surgem os códigos penais e civis dos povos. Mais tarde surgem as ciências. A principal, que nos interessa compreender é a medicina. Juntamente com a religião, códigos legais e jurídicos formam um conjunto poderoso de controle sobre nossas vidas. Além disso, procuram extrair dos corpos que controlam obediência e um alto potencial de consumo e multiplicação dos lucros financeiros. O sistema financeiro é outra grande forma de controle e poder, não é? A família nuclear burguesa (papai, mamãe e filhinhos) vai se tornando a célula de funcionamento fundamental desse imenso complexo social. Pois bem, o conceito de família tem mudado muito ao longo dos séculos de acordo com o local e a época.

Na nossa sociedade ocidental, a igreja, os códigos legais e jurídicos, a medicina, os sistemas econômicos e políticos têm formatado muito nossas famílias ao longo dos tempos. O sexo vai ser vigiado e regrado para que garanta a geração de mais vida, de maneira segura e de acordo com “o correto”.

As leis que regravam a vida em família e a “monogamia” garantiam o funcionamento social que estava de acordo com as normas do direito, religião e medicina. A condição da mulher de dependência fazia com que essas ficassem mais restritas ao lar. Porém, de forma geral, os homens sempre viveram mais livres. Podiam praticar o sexo fora do casamento o quanto quisessem.

Com o avanço dos tempos as mulheres conquistaram seu espaço e não dependiam mais tanto dos homens. O sexo passou a ser mais livre e os divórcios mais comuns. A família se reinventava. Com o advento de uma doença que surgiu no início da década de 1980, chamada AIDS, todos se assustaram devido ao seu grande poder de ameaça à vida. O bode expiatório da vez foram aqueles que não praticavam o sexo de forma “santa” e de acordo com as regras. A AIDS passou a ser julgada sob o ponto de vista moralista. Afinal, se contaminar com o vírus do HIV passou a revelar a promiscuidade que sempre existiu de forma velada. Outro aspecto revelado foi que a orientação sexual muitas vezes pode ser bissexual e até mesmo oscilar.

No início da descoberta do HIV, os homossexuais foram os primeiros acusados de disseminarem o vírus. Foi chamado de câncer gay, pois suas atividades sexuais não estavam de acordo com as normas da procriação cristã, médica e jurídica. Logo, os que se contaminavam eram acusados de estarem sendo castigados por Deus.

Aqueles que contavam que eram soropositivos eram condenados à solidão e ao preconceito. Afinal quem os aceitaria? A carga moral que permeia o HIV é muito grande até os dias atuais. Os casais sorodiscordantes enfrentam muitos preconceitos, os deles próprios e os da sociedade.

Felizmente existem grupos de auto-ajuda. A internet proporciona trocas maiores de informações e apoio. O tema está lançado. Convido a pensarmos sobre esse assunto que também é discriminado e silenciado. Não queremos pensar sobre doenças e qualquer ameaça à vida. Ela é considerada nosso bem supremo. Porém, como será que é se envolver e se relacionar com uma pessoa soropositiva? Quais são os principais desafios? Como superar os preconceitos milenarmente construídos? Como permitir o amor fluir e não se deixar levar pela exclusão e a condenação? Como não excluir mais ainda aqueles que já estão excluídos? Só vejo um meio: o amor, por si próprio e pelo outro. Essa é uma das melhores proteções que existem para todos. Afinal, amor também é igual a cuidado, não é mesmo?

O que acontece que não acontece? - artigo de Pedro Sammarco

O que acontece que não acontece?



Artigo de Paulo Sammarco




Em geral, o ser humano busca o prazer e evita o desprazer. Podemos perceber isso facilmente em nossas vidas, não é mesmo? Uma sociedade que estimula a competição, o narcisismo e o individualismo favorece a solidão e hostilidade entre as pessoas. Estamos cada vez mais pensando em nosso próprio sucesso e prazer. O que importa é que cheguemos lá. Mas o que adianta chegar lá, olhar ao redor e ver que estamos absolutamente sozinhos? Outro fator que contribui para tanta solidão é o instantâneo e o descartável. Eles são aspectos próprios da sociedade atual que é imediatista, capitalista e globalizada. Vivemos de maneira fragmentada e utilitária. O volume de informações é muito alto. Seu fluxo é rápido. É difícil processar tantos estímulos ao mesmo tempo.

Da mesma forma que tratamos os bens que consumimos, tratamos as pessoas com as quais nos relacionamos. Tempo é dinheiro. Não há tempo de construir. Temos que comprar tudo pronto e consumir imediatamente. Conhecemos alguém e logo esperamos que essa pessoa também esteja pronta para “consumirmos”. Afinal, temos que aproveitar ao máximo. O prazer deve ser extremo. O êxtase deve aplacar o estresse diário de nossas vidas que seguem um estilo absolutamente voltado para produção e o consumo. Somos tão consumidos por isso que não há tempo para curtir o que consideramos realmente importante. Até para nos divertirmos, há hora marcada, roteiro, controle, estresse, etc.

Quando conhecemos alguém, esperamos que tudo já esteja organizado de maneira prática, para que apenas desfrutemos, assim como em um pacote turístico. Porém, volto a dizer que as relações ainda seguem outro tipo de lógica que não combina com o mundo capitalista globalizado. Exige tempo, conhecimento e construção. Ainda esperamos que essa pessoa irá se encaixar perfeitamente com aquilo que desejamos. Esperamos que ela seja uma fonte de êxtase e felicidade constantes.

Não temos absoluta certeza de como surgimos aqui nesse mundo, porém, temos que dar sentido para tudo o que existe. Muito do que achamos que sabemos, não passa de especulações. Poucas certezas de fato. Até que ponto os conceitos e teorias que acreditamos são eternas, imutáveis e universais? Será que elas não estão a serviço de dispositivos de controle? Necessitamos de segurança e estabilidade. Precisamos de um amparo, mesmo que teórico, nos assegurando como se configura e funciona a realidade ao nosso redor. Porém, tudo é desprovido de sentido. O que nos permeia é o vazio de sentido. As rochas e as plantas são quase ausentes de mundo. Os animais são pobres de mundo. O homem é formador de mundo.

Criamos as diversas formas de relações e organizações sociais nos diferentes locais e tempos históricos. Acreditamos que eles sempre existiram. Esquecemos que fomos nós mesmos que as convencionamos da forma que as convencionamos. Elas nos servem como uma tábua de salvação para o mar de mistério e incertezas que nos rodeia. Achamos que tudo é real. Então vivemos como se fossemos programados para concretizar tais convenções. Tentamos encaixar os ideais com a nossa vida.

Perdemos a naturalidade do que acontece, em nome de protocolos que nos darão a garantia da certeza, de um conceito construído de felicidade. Não sabemos mais deixar fluir naturalmente. Estamos sempre sendo controlados ou controlando. Precisamos desses construtos teóricos que nos dizem como tudo deve ser em nossas vidas. Como é difícil deixar simplesmente a vida acontecer, sem ansiedades e controle. Mesmo com tanto planejamento estruturado, o que nos angustia é que não temos garantia que os nossos ideais se concre
tizarão.

É errado ser gay? Sim é errado ser gay! - Artigo de Pedro Sammarco

É errado ser gay? Sim é errado ser gay!



Artigo de Pedro Paulo Sammarco




Pelo menos isso nos foi ensinado pela cultura, não é mesmo? Acontece que essa “verdade” foi construída para atender a determinados fins que organizassem o funcionamento de nossa sociedade em determinada época e local, certo?

O tempo passou, muitos aspectos mudaram e continuam mudando bem rápido. O ser humano em geral não gosta de mudanças, fica preso a conceitos, pois deseja ter a sensação de segurança e solidez. Vivemos em tempos que é como se estivéssemos patinando sobre uma superfície fina de gelo. A segurança está justamente na alta velocidade. Evitamos afundar, pois as bases que nos sustentam são muito frágeis. Elas estão mudando o tempo todo, bem rapidamente.

É difícil assimilar todas as mudanças. A homofobia interna, a pior de todas, ainda persiste. Muitos homossexuais não acreditam que podem viver relações saudáveis, pois afinal aprenderam que é “errado ser gay”. Um lado trabalha contra e outro a favor. É um grande conflito que implica muita luta contra si mesmo e a sociedade. Por mais que estejamos no século XXI, ainda é complicado demonstrar afeto homoerótico em certos lugares. Porém, não são somente os lugares que contam, há também a família, os amigos, os colegas de trabalho, e todos os valores compartilhados pelas instituições que nos regem e nos controlam.

Em busca de alívio, muitos se fecham ao contato mais profundo e acabam vivendo suas experiências de forma intensa. Tentam fugir por meio de drogas, álcool, sexo anônimo, etc. Vivências extremas e intensas que possam aliviar a dor e tapar o buraco na alma. Mas o efeito disso tudo logo passa e sobra o quê? Mais vazio e necessidade de se preencher novamente. Um ciclo sem fim de autodestruição.

Se aprendemos que “é errado ser gay” ou haverá a correção por meio da “cura mágica” ou auto-aniquilamento por meio da autodestruição. Será? Pelo menos agimos como se fossem esses, os únicos caminhos a serem seguidos.

Outra fantasia que existe, é que encontraremos nossa tampa de panela de um minuto para o outro. Para citar apenas alguns aspectos, os relacionamentos exigem tempo, construção diária, afinidades, doação, reciprocidade, respeito, amor, conhecimento de si e do outro, companheirismo, amizade, convivência.

Esperamos que além de se conectar a alguém, esse encaixe se dará de forma perfeita, assim como duas peças de um quebra-cabeças se encontram. Além disso tudo, o outro ainda irá nos preencher em todas as nossas necessidades. Assim teremos uma vida zen com ele, até que a morte nos separe. Quanta fantasia baseada na lei do mínimo esforço!

Para se relacionar é preciso paciência, muito trabalho e autoconhecimento. Para começar um dos principais pontos que nos atrapalham é a homofobia internalizada. Ela dificulta todo o processo. Infelizmente lutar contra ela não é tão fácil assim. É um processo que pode durar anos. Caso isso não seja feito, confirmaremos para nós mesmos que realmente é “errado ser gay”! Afinal, constataremos que nossas vidas são sempre infelizes, marcadas por instantes isolados de fuga e êxtase passageiros. Vamos assumir nossas homofobias internas! Ela é difícil de identificar, pois se manifesta silenciosamente por meio da auto-sabotagem em relação aos nossos empreendimentos amorosos. Preferimos então ser preconceituosos, negar, projetar e ser sarcásticos com as demais bichinhas afeminadinhas, travecas, transexuais, sapatonas, bissexuais e enrustidos.

Bears versus Barbies - artigo de Paulo Sammarco


Bears versus Barbies



Artigo de Pedro Paulo Sammarco




Atualmente, o mercado associa valores subjetivos a valores estéticos quando desenvolve e dissemina a seguinte mensagem: a beleza externa aparente em músculos bem torneados e definidos, nada mais é do que o reflexo direto da existência de uma beleza interna correspondente. Já a obesidade é associada à preguiça, lentidão, acomodação, falta de saúde, baixa agilidade, pequena produtividade, falta de cuidado, desleixo, dificuldade de adaptação, falta de flexibilidade, predisposição à outras doenças fatais, exigência de cuidados especiais adaptados, problemas emocionais e falta de beleza estética. No final o que importa para o mercado da saúde e estética é que muitas pessoas tenham sempre uma vida longa e saudável. Quanto mais tempo todas elas viverem, mais lucros geram. Cuidar da saúde virou um negócio.

A disciplina corporal cria corpos padronizados e subjetividades controladas. Quem não tem um corpo jovem, bronzeado, malhado, magro, lipoaspirado e siliconado, é visto como alguém que fracassou inclusive em outras dimensões da vida, como finanças, profissão, família, vida sentimental, amizades, dentre outras.

Dois grupos bem distintos existem entre os vários “tipos” de homossexuais masculinos: os bears (ursos) ebarbies (malhados). Interessante que são opostos. Um valoriza o cuidado excessivo com a saúde e estética. O outro valoriza a naturalidade de ser dos corpos. Pois bem, quando o movimento homossexual se tornou público principalmente por causa da revolução sexual da década de 1960, surgiu uma estética que combatia os estereótipos do homossexual conhecida até então.

A construção dos gêneros é algo social, porém as tradições religiosas, demandas sociais e econômicas contribuíram para que a heterossexualidade fosse considerada a única orientação sexual “verdadeira”, “correta”, “natural” e “possível”. As normas de gênero estabelecem a seguinte equação matemática aplicável a todos os homens: pênis = identidade de gênero masculina compulsória = desejo afetivo sexual exclusivo por mulheres.

Por causa disso, durante séculos, as ciências médicas acreditavam que para um homem gostar de outro homem, deveria haver necessariamente uma “mulher” que habitasse seu interior. Logo, todos os homossexuais deveriam ser sempre afeminados. Por volta da década de 1970, surgiu nos EUA os homossexuais que reforçavam os estereótipos considerados masculinos. Usavam couro, fumavam charutos, tinham corpos bem peludos, barba, bigode, barriguinha, costeleta e cavanhaque. Isso funcionava como forma de mostrar que o homem para gostar de outro homem não precisava ter uma “mulher” dentro de si. Com o advento das academias de ginástica, que surgiram aos montes na década de 1980, outra estética foi se construindo: a do homem bem musculoso, eternamente jovem, sarado, depilado, simétrico, bronzeado e obcecado pelos cuidados com a saúde.

Os dois grupos são formas peculiares e opostas de ser, porém há algo em comum: rejeitam os estereótipos de feminilidade que são associados ao desejo homossexual masculino. Sabemos que quanto mais o desejo for oculto, maior a aceitação social. Quanto mais masculino na aparência, seja bear, ou seja barbie, ele estará de acordo com as normas de gênero estabelecidas. Para a sociedade, seu desejo não aparece. Então, a maioria deduz que seu desejo é automaticamente heterossexual. Ele está “livre” de preconceitos! Será?!

Porque o culto ao corpo está exagerado atualmente? - Artigo de Paulo Sammarco

Por que o culto ao corpo está exagerado atualmente?



Artigo de Pedro Paulo Sammarco




O culto ao corpo tem tido o objetivo de corporificar “identidades” pautadas em modelos inalcançáveis, onde cada um se torna individualmente responsável pelo corpo que tem. Quanto mais considerado apropriado, maior atribuída será sua capacidade de autodisciplina e cuidado.

A disciplina corporal cria corpos padronizados e subjetividades controladas. Na atualidade, quem não tem um corpo jovem, bronzeado, malhado, magro, lipoaspirado e siliconado, é visto como alguém que fracassou inclusive em outras dimensões da vida, como finanças, profissão, família, vida sentimental, amizades, dentre outras.

Políticas preventivas de saúde em nome do bem estar e da beleza são desenvolvidas e disseminadas em alta escala, gerando altos lucros. A busca obsessiva pela estética perfeita, que envolve investimento financeiro e disciplina é apresentada ao público como sinônimo de amor próprio e aumento da auto-estima. Porém, a proliferação de produtos de beleza se tornou um mercado altamente promissor e lucrativo. O sujeito é estimulado pela propaganda a sentir prazer ao cuidar do próprio corpo. Pois à medida que isso é feito, ele é impelido a acreditar que qualidades espirituais da sua alma estão sendo automaticamente desenvolvidas e aprimoradas.

O mercado que explora o corpo associa valores subjetivos a valores estéticos quando desenvolve e dissemina a seguinte mensagem: a beleza externa aparente em músculos bem torneados e definidos, nada mais é do que o reflexo direto da existência de uma beleza interna correspondente. Influenciados por Platão, tendemos a pensar que se é considerado belo, é automaticamente bom. Entretanto, sabemos que muitas vezes, as aparências são apenas aparências. A associação feita pela propaganda entre o cuidado com o corpo e a sexualidade humana, provoca nas pessoas excesso de auto-erotismo, narcisismo, individualismo, competitividade, sensualidade e hedonismo.

A energia sexual, quando estimulada, torna-se muito poderosa e principalmente rentável financeiramente. Tal estratégia publicitária movimenta cifras bilionárias, especialmente na indústria do sexo e suas ramificações indiretas. Além disso, o corpo bem cuidado vai receber atenção, elogios e aprovação do outro que está sempre examinado e avaliando se ele se enquadra ou não nas normas impostas.

As ciências médicas associam a obesidade à preguiça, lentidão, acomodação, falta de saúde, baixa agilidade, pequena produtividade, falta de cuidado, desleixo, dificuldade de adaptação, falta de flexibilidade, predisposição à outras doenças fatais como derrame e enfarte, exigência de cuidados especiais adaptados, problemas emocionais e falta de beleza estética. As indústrias relacionadas ao emagrecimento, principalmente as que pertencem ao ramo da saúde e moda, movimentam cifras bilionárias no mundo inteiro em nome da “saúde e estética física ideal”.


Bibliografia Consultada:

MANSANO, Sonia Vargas Sociedade de controle e linhas de subjetivação. São Paulo: Tese de doutorado em Psicologia Clínica. PUC - SP, 2007

SANT’ANNA, Denise Bernuzzi Corpos de passagem. São Paulo: Editora Estação Liberdade, 2001

Sub-divididos dentro das próprias divisões estabelecidas - Artigo de Paulo Sammarco

Sub-divididos dentro das próprias divisões estabelecidas



Artigo de Pedro Paulo Sammarco



Ao longo da história o homem foi estabelecendo regras para poder se organizar “melhor” em grupo. Tradições religiosas, demandas sociais e econômicas contribuíram para que a heterossexualidade se tornasse a única orientação sexual “verdadeira”, “correta”, “natural”, “fixa” e “possível”. Por causa da revolução industrial, as cidades européias ficaram muito populosas a partir do século XVIII. Era preciso estabelecer regras para o controle da população.

Disciplinar, para tornar as pessoas obedientes, produtivas e lucrativas era a palavra de ordem da época. A família nuclear (papai, mamãe e filhinhos) vai se tornando a célula fundamental e funcional que sustentava a burguesia capitalista industrial que surgia. A religião e a ciência, financiadas principalmente pelos novos burgueses, endossavam todas as formas de disciplina e controle que os favorecessem. Aqueles que não se adequavam às normas eram submetidos a tratamentos para se tornarem “normais” e “funcionais”. Caso não adiantasse, poderiam ser até mesmo mortos ou mandados para instituições isoladas de confinamento.

Séculos antes, influenciados principalmente pelas idéias dos filósofos gregos Sócrates (469 – 399 a.C.) e Platão (428 – 328 a. C.), acreditava-se que era justamente na alma que se localizava a verdadeira identidade da pessoa. Por meio da confissão religiosa, descobriu-se que o corpo iria manifestar na carne, os desejos que estavam na alma. Portanto, para saber quem a pessoa era, bastavam saber quais eram seus desejos. Baseados nas tradições, normas e costumes estabelecidos, os sacerdotes faziam um minucioso levantamento de todos os tipos de desejos e os classificavam em “normais” e “anormais”. Quaisquer práticas sexuais que não obedecessem às leis da procriação, casamento e família, eram consideradas anormais imediatamente.

Aquilo que parece estranho e anormal sofre preconceito instantaneamente. Então, o grupo de excluídos acaba reproduzindo o que foi feito com eles. Padrões de “superioridade” e “inferioridade” serão criados dentro do próprio grupo. No caso dos homossexuais, por exemplo, os principais subgrupos criados são: os leathers, os ursos, os intelectuais, as barbies, os alternativos, os fashions, as poque-poques, as finas, os pães com ovos, os fora do meio, os andróginos, enfim...

Para se proteger, diante de tantas diferenças, o ser humano tem a necessidade de se sentir mais forte em relação ao outro. Elege seu grupo como sendo o único possível, digno, natural, superior e verdadeiro. Ataca e hostiliza os demais, pois sente vontade de se colocar superior, por meio de uma hierarquia fantasiosa, que ele mesmo convenciona. No fim, ele não percebe que quer queira quer não, depende e está conectado a todos os seres que existem. É preciso mudar nossa mentalidade COMPETITIVA para uma mentalidade COOPERATIVA. Possivelmente, assim haverá maior crescimento, harmonia, paz, solidariedade e união entre todos nós.


Bibliografia Consultada:


FOUCAULT, Michel História da sexualidade I – a vontade de saber. São Paulo: Graal Editora, 2010.

NIETZSCHE, Friedrich Vontade de Potência. São Paulo: Editora Vozes, 2011.

Agenda positiva e agenda negativa que pessoas esclarecidas e humanistas geralmente adotam


É preciso amar







"É preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã, 
porque se você parar pra pensar, na verdade, não há." 
(Renato Russo)



Como é fácil nos perdermos no ontem ou no amanhã. A dor de ontem não dói mais, exceto quando se trata de alguma experiência que deixou impressões muito profundas na memória. A dor de amanhã é só uma probabilidade na qual não pensamos muito, porque geralmente queremos crer que o amanhã será melhor. A isso costumamos dar o nome de esperança. Entretanto, o ontem já era e o amanhã pode nem vir a ser, existindo ambos apenas em retrospectiva ou perspectiva. Tudo o que sabemos ter é o agora.

O que faríamos se este fosse sabidamente nosso último dia de vida? Uma resposta sincera a essa pergunta revelaria muito a nosso respeito e a respeito do que consideramos realmente importante - o que novamente remete a nós mesmos.

O poeta que cantava que é preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã não está mais entre nós. Na verdade, não está em lugar nenhum, exceto em nossa memória alimentada por sua obra. Esse privilégio, porém, não é de todos. Muitos há que serão esquecidos. Outros serão somente lembrados por razões que não os tornam menos miseráveis do que o foram em vida, como é o caso dos ditadores, golpistas e assassinos que povoam a história humana.

O que interessa de fato para a vida, então?

Renato Russo sugere a melhor resposta a essa pergunta: Amar!

Tudo o que não presta é - de alguma forma - filho do ódio ou, pelo menos, da falta de amor.

Fico me perguntando o que será das pessoas que não aprenderam a amar. Em condições ideais, nosso primeiro contato com o amor se dá ainda no útero, mas ganha proporções imensas no encontro pós-parto entre bebê e mamãe, com a deliciosa surpresa da primeira mamada. Esta se torna ainda mais especial quando a mãe pode amamentar de imediato. Entretanto, quando por alguma razão, a mãe não pode dar o peito, a mamadeira no colo, com todo aconchego faz as vezes do peito materno e o amor que a mãe transmite naquele momento de doação é o primeiro passo (não o único) para a formação de um ser humano emocionalmente saudável.

Mas o que esperar de seres humanos que não receberam esse afeto e que, ao longo da vida, foram abandonados, maltratados, humilhados por aqueles que deveriam protegê-los?

Algumas dessas pessoas são donas de uma resistência moral e intelectual incomum e superam esses traumas, escapando daquele ciclo vicioso de infeliz que gera infeliz. Outras têm oportunidades inesperadas e sabem aproveitá-las no melhor sentido do termo, e emergem do "limbo" social onde foram atiradas desde cedo.

Há, porém, aqueles que não conseguem fazer essa travessia. Muitas vezes não têm nem o que calçar ou vestir; ficam ao léu, parecendo zumbis, como os que vemos nas cracolândias desse país.

Contudo, o mais intrigante é ver que muita gente que vive com conforto, podendo desfrutar do melhor que o dinheiro pode comprar, não consiga superar a ideia de a vida não presta, e que se ele não consegue ser feliz, ninguém mais será.

No meio desse turbilhão de sentimentos que acometem essas pessoas, aparecem todos os tipos de oportunistas: líderes de gangs, partidos com ideologias de supremacia, traficantes, gigolôs, líderes de seitas, entre outros. Muitos destes fizeram caminhos existenciais semelhantes e agora recrutam e discipulam esses desesperados, sem amor, e muitas vezes carregados de ódio, e dominados por um desejo irracional de vingança contra toda e qualquer pessoa. Exemplos desse tipo de gente são os skinheads, os neonazistas, as quadrilhas do crime organizado, os exploradores de menores, os traficantes de pessoas, sacerdotes e pastores de várias seitas totalizantes que exploram seus seguidores, ao mesmo tempo em que discriminam e excluem pessoas, promovendo divisões muitas vezes dentro da própria casa do seguidor - todos eles capitalizando em cima da ignorância, do rancor, do ódio, da vingança, da baixa autoestima que deseja se provar grande a partir da dominação, humilhação, destruição do outro. São pessoas que se submetem a lideranças desejando fazer parte de um projeto de dominação. Não percebem a contradição.

Solução para tantos problemas nascidos de uma mesma matriz, talvez ninguém tenha. Algumas coisas, porém, podem minimizar esses efeitos nocivos da carência de afeto, da falta de sentimento de pertencimento à família e à sociedade, da falta de perspectivas pessoais, ou da total ou parcial ausência daquela noção de que se é parte de um todo que não existe por si só, mas que depende da participação de cada um.

O que seriam essas "coisas" que poderiam minimizar esses efeitos?

Primeiro, firmeza para coibir as ações de ódio: Contra o malfeito, a lei. Depois, a inclusão por meio do acolhimento, da nutrição, da educação, do tratamento médico, da profissionalização, do contato com a cultura, com o esporte, com o lazer. Isso para aqueles cujos transtornos de personalidade foram provocados ou alimentados pela carência dessas coisas.

Mas, e aqueles que cresceram cercados de conforto e com todas as oportunidades de desenvolvimento pessoal? Aqui, principalmente, mas não exclusivamente, cabe a análise do profissional de saúde mental, tanto do analista, como do psicólogo, quanto do psiquiatra. Esses profissionais poderão identificar razões que olho não treinado é incapaz de identificar. Só então será possível (não garantido) ajudar esse indivíduo.

Contudo, por mais pensadas e bem organizadas que sejam as ações de recuperação da saúde mental desses indivíduos, não há garantias prévias de que estas funcionarão conforme o esperado. O melhor remédio continua sendo a prevenção, que era exatamente o que Renato Russo nos instava a fazer através de seu canto: "É preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã, porque se você parar pra pensar, na verdade, não há."

Amar é a mais essencial e urgente de todas as virtudes. E talvez a única que aprendemos antes mesmo de pronunciarmos a primeira palavra na língua materna. Também é a que nos acompanha até a hora final, quando nosso maior consolo é o amor que nutrimos por nossos amados e o amor que recebemos de nossos amantes.

Sim, porque para nos tornarmos seres amantes, precisamos ser primeiramente amados. Não se ama por mandamento. Uma das maiores tolices bíblicas é, também, a mais admirada, graças a simples falta de reflexão. Não se ama por mandamento. O mandamento supostamente dado por Jesus, "amarás o teu próximo como a ti mesmo", não faz sentido. Não amamos porque alguém mandou. Podemos não fazer mal a alguém por força da lei, mas não somos capazes de amar alguém por força de mandamento. Nenhuma lei no mundo manda amar. Amor é algo que aprendemos a dar à medida que recebemos. E a primeira lição prática que recebemos acontece logo depois do parto, durante a amamentação e precisa ser seguida de muitas outras ao longo da infância e adolescência.

Por falta de amor, sofrem tanto o próprio indivíduo quanto toda a sociedade ao seu redor.


Com tão pouco amor presente no mundo hoje, tomara que os indivíduos sejam capazes de amar por saberem, a partir da própria experiência, como o amor faz falta! Essa rara e improvável irrupção de amor como reação ao seu contrário torna-se ainda mais necessária, dadas as circunstâncias em que vive nossa sociedade. De outra maneira, as relações sociais se tornarão insuportáveis e as boas interações, impraticáveis.

Richard Rorty (1931-2007). Uma interessante citação de "Uma Ética Laica".

Vale a pena ler esse texto de Richard Rorty, filósofo contemporâneo falecido em 2007. Atualíssimo!


Richard Rorty


"Bento XVI lamentou-se sobre o fato de que a Igreja tem cada vez mais dificuldade para dizer em que acredita. Em breve, declara o papa, já não será possível afirmar que a homossexualidade constitui um distúrbio objetivo na estrutura da existência humana, como ensina a Igreja católica. A previsão do papa poderia concretizar-se. No campus de minha universidade, condenar a homossexualidade como perverso ou de algum modo imoral, já seria considerado uma manifestação ofensiva de cruel intolerância. O papa tem razão ao sugerir que a pressão por parte de uma opinião pública ultrajada poderia obrigar a Igreja a silenciar sobre o tema da homossexualidade. Espero que seus receios sejam confirmados e que isso ocorra, pois acredito que a condenação da homossexualidade gerou uma considerável e desnecessária infelicidade humana."

"A atitude da Igreja reduziu significativamente a felicidade humana. A contovérsia sobre a homossexualidade suscita uma pergunta essencial sobre a natureza da moralidade: a Igreja tem razão ao afirmar que existe uma espécie de estrutura da existência humana capaz de servir de ponto de referência moral, ou nós, seres humanos, não temos obrigações morais, além de satisfazer nossos desejos atingindo assim a maior felicidade possível? (p. 12,13)

É preciso tornar os homens mais felizes, e não redimi-los, porque eles não são serer degradados, almas imateriais aprisionadas em corpos materiais, almas inocentes corrompidas pelo pecado original. Os homens são, como afirmava Friedrich Nietzsche, animais inteligentes. Inteligentes porque, diferentemente de outros animais, aprenderam como colaborar uns com os outros para poder realizar os próprios desejos da melhor maneira possível." (p. 22)

"A noção de redenção pressupõe uma distinção entre a parte inferior da alma, mortal, e a parte superior, espiritual, imortal. A redenção é o que acontece quando a parte superior triunfa sobre a inferior, quando a razão vence a paixão ou quando a graça derrota o pecado. em grande parte da tradição ontoteológica, a distinção entre a parte inferior e a parte superior da alma é estruturada como distinção entre a parte que se contenta com a finitude e aquela que aspira ao infinito." (p. 23)

"Para os que adotam o ideal utilitarista da maximização da felicidade, o progresso moral consiste em ampliar a faixa de pessoas cujos desejos devem ser levados em conta. Trata-se de fazer aquilo que o filósofo americano contemporâneo Peter Singer define como "ampliar o nosso currículo", aumentar o número de pessoas que consideramos parte de nosso grupo." (...)

"Outro exemplo óbvio da ampliação de nosso currículo é o sucesso recente, parcial, mas encorajador do feminismo. De uns tempos para cá, os homens têm se mostrado mais dispostos a se colocar no lugar das mulheres. Outro exemplo, ainda, é o fato de os heterossexuais estarem mais propensos a se colocar no lugar dos homossexuais, a imaginar como deve ser ouvir dizer que o amor que se sente por outra pessoa é uma perversão repugnante." (p. 27, 28)

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