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Indicação de clérigo gay para o bispado anglicano causa polêmica

Conservadores reclamam, mas renovação avança: tem bispo e bispa homoafetivos e padre transgênero na Igreja Anglicana.


Publicado pela BBC em
3 de setembro de 2016
Gay bishop: Appointment of Nicholas Chamberlain 'major error' says Gafcon:
http://www.bbc.com/news/uk-37267148


Traduzido e adaptado por Sergio Viula






De acordo com a BBC, um grupo anglicano conservador (Gafcon) afirma que designar um homem gay como bispo de Grantham foi um erro.

O homem a quem eles se referem é o Bispo Nicholas Chamberlain, que, na última sexta-feira, disse que é gay e que está em um relacionamento.

Ele foi consagrado no ano passado pelo Arcebispo da Cantuária, Justin Welby. O arcebispo disse já saber da sexualidade do bispo na época.

O Bispo Chamberlain disse à BBC News: "Somos todos o povo de Deus juntos... Espero que você seja capaz de entender."

Ele também disse que entendia e vivia pelas diretrizes da Igreja, as quais determinam que clérigos gays permaneçam celibatários.

A BBC registra as palavras do Bispo Chamberlain a respeito da consternação que sua indicação tem causado: "Eu nunca pensei que estaria na primeira página de um jornal ou mesmo nos noticiários dessa maneira, porque minha sexualidade é parte de quem eu sou, e não o meu todo", acrescentou ele.

Perguntado sobre aqueles que se sentiam desconfortáveis com sua indicação como bispo, ele disse à BBC: "Eu entendo muito bem e respeito seus sentimentos e convicções e espero que entendam que somos todos juntos o povo de Deus."

O bispo também disse que sempre foi assumido sobre sua sexualidade, mesmo antes de se tornar bispo.

Mas o Gafcon, um grupo que inclui anglicanos conservadores ao redor do mundo, disse que houve um "elemento secreto" em sua designação.

Uma declaração do Gafcon afirma que as notícias sobre o Bispo Chamberlain "exacerbariam" as divisões dentro da Igreja da Inglaterra e do mundo anglicano mais amplo.
A declaração foi assinada pelo Rev. Peter Jensen, que é o secretário-geral do grupo, e Canon Andy Lines, que é o presidente da força-tarefa do Gafcon' no Reino Unido.

Canon Lines disse ao site do BBC News que ele considerava a Bíblia sua "autoridade suprema" e que ela mesma listava uma série de comportamentos, entre os quais a prática homossexual, os quais "requerem arrependimento".

Ao mesmo tempo que admitia que o celibato no caso de atração pelo mesmo sexo não requeria tal arrependimento, ele descreveu a indicação do Bispo Chamberlain como "infeliz" para a Igreja em termos da percepção pública que ela criou.

Lines disse que se o Bispo Chamberlain estava morando sob o mesmo teto que seu parceiro, isso criaria a percepção de um casamento, mas ele reconheceu não saber detalhes sobre a vida do bispo.

A sexualidade do Bispo Chamberlain foi publicamente desvelada numa entrevista para o The Guardian, e alguns dizem que ele teria dado a entrevista, porque sua vida privada seria exposta por um jornal de domingo.

Ele disse ao The Guardian que tem vivido com seu parceiro por muitos anos, acrescentando: "É fiel, amoroso; somos mentalmente parecidos, gostamos da companhia um do outro e dividimos nossas vidas."

A Casa dos Bispos publicou uma diretriz sobre relacionamentos gays que diz que "relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo frequentemente incorporam mutualidade e fidelidade genuínas".

Mas a diretriz adiciona: "Casar com alguém do mesmo sexo, todavia, divergiria claramente do ensino da Igreja da Inglaterra."

A diretriz diz, em particular, que "não seria conduta apropriada para alguém na ordem sagrada entrar num casamento com alguém do mesmo sexo."

A Igreja também ensina que "o relacionamento sexual, como uma expressão de fiel intimidade, pertence propriamente ao casamento, exclusivamente."

Todavia, esses sentimentos não têm sido seguidos na comunhão anglicana como um todo.



Gene Robinson, bispo de New Hampshire - EUA.


Nos EUA, a eleição de Gene Robinson como Bispo da Diocese Episcopal de New Hampshire, em 2003, provocou furor entre os anglicanos conservadores ao redor do mundo, e contribuiu para o crescimento do movimento conservador Gafcon, mas o Bispo Robinson continua com seu ofício a despeito disso. E, de fato, um segundo bispo foi ordenado sendo alguns anos depois - a Reverenda Mary Glasspool.

No Reino Unido, o Deão de Saint Albans, o Reverendo Jeffrey John entrou numa parceria civil em 2006.


Rev. Jeffrey John, que se retirou do processo seletivo para se tornar Bispo de Reading em 2003, depois de reação anti-gay por parte de tradicionalistas.


O Deão de Saint St Albans, o Reverendo Jeffrey John, retirou-se do processo seletivo para se tornar Bispo de Reading em 2003, depois de uma reação irada dos tradicionalistas anglicanos a respeito de sua sexualidade.

Um porta-voz da Igreja da Inglaterra disse: "Nicholas não enganou ninguém e tem sido aberto e verdadeiro quando questionado. O assunto não é secreto, apesar de ser privado como é o caso de todas as parcerias/relacionamentos."

O Rev. Sally Hitchiner, que é gay e dirige um grupo de apoio LGBT chamado Igreja Diversa (Diverse Church), disse à BBC que estava ansiosa pelo dia que a sexualidade de um bispo não seria uma história para a mídia.

"Ele está deixando muito claro que segue as diretrizes da Igreja da Inglaterra e que mantém o celibato. A maioria de nós na Igreja sabemos de pessoas que são gays em altos postos", disse ela.

As notícias sobre a designação do Bispo Nicholas Chamberlain vêm num momento extremamente relevante, uma vez que o Colegiado Episcopal da Igreja da Inglaterra se reunirá esse mês para o próximo estágio de discussões da Igreja sobre sexualidade.


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COMENTÁRIO DESTE BLOGUEIRO


No Brasil, existem várias igrejas consideradas inclusivas hoje em dia. Muitas delas correspondem ao adjetivo "inclusivas", mas várias delas ainda têm que avançar muito para merecerem essa qualificação.


Coincidentemente, estou publicando esse post sobre a Igreja Anglicana um dia depois de ter estado com o pessoal de uma igreja radicalmente inclusiva no Rio de Janeiro - a ICM Betel (Igreja da Comunidade Metropolitana/Betel). Não era um culto, mas um jantar. E foi extremamente prazeroso ver tanta gente que crê reunida sem crise alguma pelo fato de ser gay, lésbica, bissexual, transgênero, etc.


Pessoalmente, não tenho crença religiosa, mas tenho enorme carinho pela ICM Betel. Vivo sem qualquer vínculo com igrejas e similares do ponto de vista de membresia ou congregação, mas valorizo aquelas comunidades que promovem a paz, a igualdade e combatem o fundamentalismo e o conservadorismo com suas castrações existências absurdas, sendo uma das maiores delas o próprio celibato como imposição heteronormativa.

Vale a pena conhecer essa obra.
Já garanti o meu exemplar.


Na ocasião, dois livros foram lançados pela Editora Metanoia: DivaGay, escrito por Katia Viula, e Borboletas Tropicais - o caminho brasileiro das Igrejas da Comunidade Metropolitana. Detalhe: essa é uma edição bilingue. O livro é em português de um lado e em inglês do outro.


No momento dessa postagem, o livro ainda não estava na loja online, mas a editora já está vendendo essa edição bilingue, que será limitada. Entre em contato com Léa ou Malu por aqui: http://metanoiaeditora.com/contato/


Fim de período já é nostálgico. Fim de ano, então...

Girafales e sua turma: risada na certa


Uma das melhores coisas sobre ser professor é lidar com pessoas. E uma das piores também. hehehe

Enumero apenas quatro da muitas coisas que mais gosto sobre trabalhar com pessoas, especialmente em sala de aula:

1. Professor e aluno crescem juntos quando ambos estão dispostos a colaborar (trabalhar juntos);

2. Um professor competente provoca em seus alunos maneiras de ver o mesmo tema;

3. Um professor competente aborda qualquer tema com criatividade, boa vontade e com a maior abertura de mente possível;

4. Um professor que prioriza o aspecto humanista de seu trabalho não vê seu aluno como um repositório de conhecimentos "transmissíveis", mas como um interlocutor que merece respeito e que deve aprender a respeitar tanto o professor como os outros interlocutores da mesma forma.

Qual é a maior recompensa de um professor assim?

1. O crescimento pessoal e o aproveitamento máximo dos conteúdos trabalhados;

2. O reconhecimento de seus alunos quanto ao seu papel de facilitador da aprendizagem, fomentador de discussões relevantes e produtivas, orientador sensível às dificuldades que seus alunos enfrentam dentro ou fora de sala de aula.

Algumas experiências pessoais desses últimos dias:

Semana passada, algumas turmas minhas encerraram suas atividades. Essa semana, outras encerrarão. A última será no sábado, dia 19. Já na semana passada, pude receber muito carinho de vários alunos meus. Essa semana, comecei bem os trabalhos.

Minha turma de curso preparatório para o First Certificate in English (FCE), prova aplicada pela Universidade de Cambridge-ESOL, teve sua última aula hoje. Como a prova já foi feita, apenas dois alunos apareceram para "o apagar das luzes". Foi uma aula interessante por vários motivos:

1. Uma aluna comentou, quase ao final da aula, que tinha visto meu vídeo sobre um passarinho que se perdeu dos pais e veio parar no travessão da cortina da minha sala. 

2. O outro aluno ficou curioso e eu acabei contando rapidamente a história a ele. Isso acabou desencadeando uma conversa sobre as redes sociais, porque o vídeo foi colocado no Facebook.

Por causa disso, acabei sabendo que eles já tinham lido entrevistas minhas online. Uma delas foi essa aqui, publicada pelo site UOL:
 
https://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2015/01/14/ex-pastor-que-pregava-cura-gay-e-homossexual-e-diz-e-uma-farsa.htm

Fiquei encantado com as coisas que eles me disseram. Uma das coisas que me deixaram mais feliz foi que esse meu aluno só viu a entrevista, porque um ex-aluno meu havia publicado na timeline dele, fazendo altos elogios a mim como professor e amigo, e o post acabou sendo visto por esse rapaz e outras pessoas. Fiquei tipo "on cloud nine" (feliz da vida) e me emocionei profundamente. O ex-aluno que publicou a matéria e fez comentários positivos esteve comigo em sala de aula por vários períodos. Tanto ele como essa turminha toda eram - e continuam sendo - muito especiais para mim.

Não bastasse isso, o aluno que comentou isso comigo hoje também é primo de uma ex-aluna minha, já formada, que eu amo de paixão. Quando ela soube que eu era professor dele, ela também teceu altos elogios.

Gente, longe de querer fazer aqui propaganda gratuita a meu próprio respeito, meu objetivo com esse post é registrar o carinho desses alunos. Essas atitudes demonstram que o trabalho de um professor vai muito além do âmbito "profissional", daquela relação professor-aluno. Professores e alunos interagem em nível pessoal, na qualidade de seres humanos que se enriquecem através das interações que travam dentro e fora da sala de aula. E nesse sentido, as redes sociais acabam facilitando essas trocas para além das paredes de qualquer classroom.

Também espero que esse compartilhamento meu aqui estimule outros professores LGBT ou não a viverem com autenticidade, sempre focando no trabalho que precisam realizar, mas sem perder de vista o "material humano" que está ali em sala de aula, mas que não é mero "receptáculo" de informações. É claro que nem todos aproveitarão as oportunidades de ampliação de horizontes e de apoio mútuo nessa árdua caminhada que é qualquer processo de aprendizagem, mas muitos nunca mais se esquecerão do que aprenderam, especialmente no nível mais pessoal dessas trocas.

Nem tudo são flores, é claro. De vez em quando, ouço bobagens por parte de alunos que sabem ou não sabem que - entre zilhões de outras coisas - eu sou gay. Absolutely out and proud!

Esses dias, um aluno de 25 anos usou uma discussão em duplas, na qual eles deviam falar sobre uma celebridade ou pessoa pública que os tivesse influenciado de alguma maneira, para falar de Jair Bolsonaro. Quando perguntei a cada aluno quem era a pessoa pública ou celebridade que havia causado algum impacto positivo sobre eles, ouvi muita coisa interessante - de Michael Jackson a Marília Pera (hehehe). Mas, quando chegou a vez desse aluno, ele falou o nome desse "fóssil vivo" e deu uma risadinha. Talvez, até por ter ficado sem graça mesmo. Acho que ele não imaginava que eu perguntaria isso. E não dava para mentir, porque o trabalho foi em duplas - o que significava que seu parceiro sabia do que ele havia falado. Não foi a primeira vez que eu ouvi, ao passear pela sala monitorando os grupos, alguma citação ao renomado fascista. A turma prendeu a respiração. Todos ali sabem que sou gay. E acredito que saibam um pouco do que penso sobre essa figura, mesmo sem que eu jamais a tenha mencionado em sala. Uma aluna deu um suspiro e disse "não acredito". Eu fiz cara de quem nem se abalou e mantive o ritmo passando ao aluno seguinte, depois a outro, até o final da roda. Meu silêncio deve ter falado mais que 10 mil palavras.

Claro, as pessoas podem ter suas opiniões. Ninguém tem que concordar comigo, assim como eu não sou obrigado a concordar quem quer que seja. Todos devemos, porém, expressar nossas ideias respeitosamente. Foi o que ele fez e foi o que eu fiz. Mas, lá no fundo, sempre que alguém me diz que considera o Bolsonaro útil para alguma coisa que não seja promover o fascismo na sua mais estereotipada e ridícula versão, eu não consigo evitar o pensamento de que essa pessoa tem algum problema ou é muito limitada intelectualmente, independentemente do seu "grau de instrução".

Outra coisa que não não consigo entender é como gente religiosa pode apoiar um troglodita desses. Feliciano está sempre de braço dado com ele, mas Feliciasco é o tipo do religioso que o capeta adora, porque espalha ódio melhor do que qualquer diabo conseguiria fazer se estivesse realmente aí para isso.

Também não consigo entender como alguns ateus (felizmente, não são a maioria) apoiam ícone do mais retrógrado conservadorismo - daquele tipo que faria inveja aos inquisidores da Idade Média. No fundo, não sei como gente inteligente pode enxergar qualquer coisa que preste nesse sujeito, seja para fins políticos ou para a construção de uma sociedade mais livre, feliz e harmoniosa.

Mas não é só Feliciano, não. Bolsonaro se dá muito bem com fundamentalistas do quilate de Malafaia e Magno Malta. Veja a foto abaixo:



 
Esses meus dois alunos que foram à última aula hoje me surpreenderam positivamente. Ambos disseram - sem que eu tivesse puxado esse assunto - que querem distância de Bolsonaro. O nome da figura surgiu no contexto das coisas idiotas que vemos no Facebook. O mesmo rapaz que falou sobre a minha entrevista foi quem mencionou o dito cujo. Fiquei feliz em ouvir que eles eram completamente avessos a tudo o que ele representava, mas eles também citaram amigos ou parentes que acreditam que ali haja alguma coisa que preste para o bem do nosso país. Isso me faz pensar naqueles pais ou mães que, insatisfeitos com a babá, entregam o filho ao IT (aquele palhaço psicopata do cinema).

Em outras palavras, algumas pessoas insatisfeitas com o modo como certos governantes têm conduzido o país, são capazes de entregar a nação nas mãos de um BolsoMico desses. Sim, porque não tem micagem maior do que achar que esse IT seja uma alternativa razoável a quem quer que seja. Podemos alternar as mãos que governam sem precisar entregar o que temos de melhor nas mãos de figuras como ele.



De qualquer modo, é muito bom poder ver adolescentes, jovens e adultos despertando para coisas maiores e melhores em suas próprias vidas e nas relações que eles mantém com o mundo ao seu redor.

Sigamos em frente com o projeto republicano e democrático de liberdade, igualdade e fraternidade. E daí, para o alto e avante. Nunca para baixo e para trás, como querem fundamentalistas e conservadores fascistas.

#Eu_JeanWyllys: Um filme que vai tocar corações e despertar mentes



A caminhada de Jean Wyllys como deputado federal é o fio condutor da história do filme ‪#‎Eu_JeanWyllys‬, que revela os bastidores da sua atividade parlamentar. O objetivo é levar às telas a luta por direitos da comunidade LGBT e a reação dos conservadores e fundamentalistas religiosos.

Assista o trailer e, aqui, saiba como colaborar: www.catarse.me/eujean

ASSISTA:

Se o vídeo não rodar aqui, acesse esse link:
https://www.facebook.com/CartaCapital/videos/1009244985763582/


#Eu_JeanWyllysA caminhada de Jean Wyllys como deputado federal é o fio condutor da história do filme #Eu_JeanWyllys, que revela os bastidores da sua atividade parlamentar. O objetivo é levar às telas a luta por direitos da comunidade LGBT e a reação dos conservadores e fundamentalistas religiosos. Assista o trailer e, aqui, saiba como colaborar: www.catarse.me/eujean

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COMENTÁRIO DESTE BLOGUEIRO

Assisti ao trailer, fiquei emocionado. Vou colaborar e conto com você, leitor do Fora do Armário, para tornar esse projeto uma realidade que retumbará nas salas de projeção desse Brasil, quiçá, do mundo. O obscurantismo não prevalecerá.

Sobre a raridade da vida e a sociedade brasileira

A VIDA É TÃO RARA.
Por Sergio Viula





Enquanto o tempo acelera e pede pressa
Eu me recuso faço hora vou na valsa
A vida é tão rara

(Paciência – por Lenine)



Lenine tem razão: a vida é realmente muito rara. É intrigante que a βιος (bios = vida) só tenha sido encontrada em nosso planeta até o momento. Surpreende ainda mais que essa esfera, não tão perfeitamente redonda, tenha cerca de 4,6 bilhões de anos, e só tenha gerado vida há aproximadamente 3,8 bilhões de anos, quando surgiram os primeiros estromatólitos, originados no oceano.

Entre os estromatólitos e as esponjas (primeiros invertebrados), rolaram milhões de anos. Os primeiro vertebrados teriam surgido há cerca de 520 milhões de anos. Perto deles, a espécie humana é um bebê, tendo se estabelecido entre 125 mil e 250 mil anos atrás. De lá para cá, nossa espécie evoluiu até chegar à configuração física e neural que conhecemos hoje.

Graças a esse histórico evolutivo, a vida ganhou formas, cores e movimentos mais variados do que jamais seremos capazes de catalogar. Alguns deles já extintos. Por sua aparente abundância, esquecemos que a vida é, na verdade, raríssima. Cientistas já vasculharam milhões de anos-luz ao nosso redor, mas não encontraram sequer um organismo unicelular que pudesse satisfazer nossa ambição de encontrar vida em outros planetas.

É espantoso e constrangedor que o ávido interesse dos seres humanos em encontrar vida em outros planetas, conquanto legítimo e estimulante, não tenha a contrapartida do amor e do respeito pela vida que ele já conhece aqui.

Essa semana, fiquei estarrecido com a crueldade de numerosos moradores do Pará (Santa Cruz do Arari), que, segundo o Jornal Hoje, estariam capturando e matando, com requintes de crueldade, cachorros abandonados na cidade. Essa macabra ação de “higienização” teria sido ordenada pelo prefeito, com a promessa de 10 reais como recompensa por cachorro capturado e morto. As pessoas envolvidas nessa versão interespécie de caçada às bruxas lançavam os pobres cães ao rio para que morressem afogados. Além da tortura que esse tipo de extermínio infligia aos animais, esses criminosos também contaminavam o rio, que acabava infestado de cadáveres caninos. Dizem que o cachorro é o melhor amigo do homem. É muito provável que seja mesmo, mas a recíproca dessa amizade não é sempre verdadeira. Meros 10 reais foram suficientes para inverter essa aparente relação. Tenha partido ou não da prefeitura, o que fica disso tudo é o que se depreende dos atos desses indivíduos: o povo brasileiro que tanto se gaba de sua amabilidade não é tão amável assim. Fosse um caso isolado, poderíamos dizer que nunca na história desse país se viu tamanha injustiça, mas não é o caso.

Em todo o território brasileiro, coisas que deveriam revirar nossos estômagos e nos desafiar a construir uma sociedade melhor acontecem todos os dias – indo da violência doméstica às decisões desastradas de um governo que pensa mais em estabilidade do que em justiça social de fato.

A sociedade brasileira tem uma longa caminhada pela frente até poder ser considerada uma sociedade desenvolvida, seja ética, política ou culturalmente. Basta observar o modo como lidamos com o meio-ambiente, com os direitos dos animais, com os direitos das minorias, entre outros.

Uma sociedade justa e progressista não daria crédito a certos indivíduos que só se tornaram “celebridades,” graças à ignorância e ao preconceito de seu fã clube. Esse é o caso das marchas promovidas por pastores homofóbicos que só têm dois objetivos: O primeiro, impedir a garantia de direitos fundamentais para os cidadãos LGBT. O segundo, para o qual este é também um meio, promover futuras candidaturas que perpetuem o engessamento dessas injustiças.

Se a sociedade brasileira fosse realmente justa e progressista, não admitiria que um Ministro da Saúde fosse demitido por dar voz a um segmento desprezado pela sociedade – o das profissionais do sexo. O nobre objetivo de prevenir doenças sexualmente transmissíveis foi ofuscado pelo lobby fundamentalista e conservador que prefere ver tais pessoas mortas a garantir seus direitos básicos.

Se a sociedade brasileira fosse realmente justa e progressista, não admitiria que projetos de combate ao bullying – como o Projeto Escola sem Homofobia – fosse vetado pela presidenta. Uma iniciativa que pretendia educar a comunidade escolar para a boa convivência com as diversas sexualidades e identidades de gênero que compõe seu universo foi bombardeada por indivíduos e grupos cujo maior divertimento é o achincalhe da dignidade dos cidadãos LGBT.

Se a sociedade brasileira fosse realmente justa e progressista, não admitira que mendigos e usuários de drogas apodrecessem à luz do dia nas ruas das grandes cidades. Em vez disso, exigiria das autoridades governamentais um plano de ação nascido de políticas eficazes para a prevenção ao uso de entorpecentes, à recuperação de dependentes químicos e à reintegração social dos que já se encontram marginalizados.

Se a sociedade brasileira fosse realmente justa e progressista, não aceitaria que projetos como a “bolsa-estupro” fossem aprovados na Câmara dos Deputados e no Senado como forma de calar as mulheres vitimadas por estupradores. Em vez disso, exigiria que fossem assegurados os direitos dessas mulheres ao próprio corpo e à própria dignidade, e que elas tivessem toda assistência, fosse para interromper a gravidez decorrente do estupro ou para seguir com a gestação, caso desejassem. A decisão deve ser única e exclusivamente da mulher.

Se a sociedade brasileira fosse realmente justa e progressista, não admitira que empresas, grandes ou pequenas, poluíssem o solo, as águas e o ar com resíduos de toda ordem. Não admitiria o desmatamento para a construção de parques industriais, áreas de lazer, fazendas de criação de gado, construção de hidrelétricas ou para a construção de usinas atômicas. Antes, encontraria alternativas que não destruíssem o pouco que nos resta desses biomas.

Se a sociedade brasileira fosse realmente justa e progressista, não relegaria comunidades inteiras ao esquecimento nas regiões centrais e setentrionais do país, que só são lembradas quando interesses de terceiros passam a fazer parte do jogo de forças. Basta que esses núcleos populacionais sejam considerados obstáculos ao lucro de uma minoria econômica e politicamente poderosa para que sejam removidos, sem direito à terra, à preservação de sua cultura ou aos serviços básicos que deveriam ser garantidos pelo Estado.

Se a sociedade brasileira fosse realmente justa e progressista, não trataria os índios como fantoches, ora manipulados pelo governo, ora usados pela oposição, sem que suas demandas fossem seriamente avaliadas e seus direitos garantidos. Em vez disso, estaria atenta aos índices de alcoolismo, suicídio e prostituição infato-juvenil a que essas vulneráveis populações indígenas são continuamente expostas, graças à invasão de suas terras por não-índios.

Se a sociedade brasileira fosse realmente justa e progressista, não daria atenção ao destino de jogadores com salários milionários, mais do que ao destino miserável de milhões de jovens sem salário ou idosos incapazes de trabalhar que imploram por uma aposentadoria para a qual contribuíram por vários anos.

Assim como a macabra caçada de cães no Pará, fico impressionado com a crueldade que tem caracterizado alguns assaltos em São Paulo. A lógica é a mesma: dinheiro justifica tudo. Na edição deste 08 de junho, o Jornal Hoje noticiou o caso de um homem que foi abordado por mendigos ao sair de um caixa eletrônico em São Paulo. Os assaltantes sequestraram a vítima em seu próprio carro, e como ele só tinha 100 reais, os bandidos jogaram combustível sobre o homem e passaram a brincar com fogo para tortura-lo. Por fim, atearam fogo ao corpo da vítima, que pulou do carro em movimento. O homem foi socorrido por um taxista e continua hospitalizado com graves ferimentos. Bandidos fizeram coisa semelhante com uma mulher, porque não ficaram satisfeitos com os 30 reais que ela tinha na bolsa.

Coisas banais têm sido motivo para atrocidades, inclusive de pais contra filhos e vice-versa. E engana-se quem pensa que a igreja será fonte de apoio emocional ou espiritual. Um só pastor está sendo investigado por 20 denúncias de estupro. Um número enorme de meninas e meninos abusados em paróquias católicas também deveria ser motivo suficiente para que se suspeitasse de homens de batina e mulheres de hábito que geralmente lidam pessimamente com o sexo.

E em meio a todo esse horror, tem gente que vem com o jargão simplista de que “a família é ideia de Deus” – como se isso fosse um fato demonstrado. A insistência no esquema pai-mãe-prole, que todo mundo sabe, por experiência própria, ser perfeito apenas quando emoldurado e colocado sobre o móvel da sala, não é a resposta para todos os problemas da sociedade e nem é o único modelo de família possível e desejável. Toda família tem seus problemas, mas há aquelas em que segredos terríveis são mantidos a salvo do olhar externo por muito tempo. Essa é mais uma das muitas contradições hipócritas dessa sociedade que, se fosse realmente justa e progressista, não acreditaria em contos de fada como solução para problemas imaginários, enquanto os verdadeiros problemas continuam aí, à espera de soluções reais. Essa mesma sociedade que jura se preocupar com a infância e adolescência, e valorizar a vida familiar, é a mesma que prefere que crianças e adolescentes fiquem sujeitos à violência doméstica ou à violência das ruas, em vez de acolhidos em lares equilibrados, nos quais possam ser realmente amados, respeitados e estimulados ao desenvolvimento físico, emocional e intelectual.

Somado a tudo isso, um engodo vem sendo apregoado nos círculos do poder. Trata-se da ideia de que defender os direitos das minorias e proteger a integridade física, mental e moral dos indivíduos e grupos minoritários é ativismo, como se ativismo fosse algum tipo de doença infecciosa a ser prevenida por todos os meios disponíveis e imagináveis. Essa estratégia sórdida, lançada por moralistas e fundamentalistas religiosos, que rotulam qualquer inciativa pró-inclusão e pró-igualdade como ativismo tem funcionado no Legislativo e no Executivo Federais, fazendo calar qualquer tentativa de interlocução justa e progressista.

Ativistas são pessoas que, de fora do governo, protestam e intercedem junto às autoridades por segmentos sociais cujas demandas não são consideradas por legisladores e administradores públicos. Por definição, quando um determinado tipo de ativismo se faz necessário, isso demonstra que algum direito não está sendo respeitado ou garantido.

Infelizmente, quando a demagogia tem prioridade sobre o que é justo, é mais fácil – não melhor – silenciar. E nisso o governo atual é recordista, infelizmente. Poderia ser promotor de mudanças justas e progressistas, mas prefere fazer o jogo dos que pretendem manter as históricas e retrógradas injustiças que têm caracterizado a sociedade brasileira e o Estado desde sua fundação. Injustiças que podem ser claramente identificadas no trato que esse governo e essa sociedade dispensam às mulheres, às crianças, aos adolescentes, aos negros, aos índios, às pessoas LGBT, aos animais, ao meio ambiente.

Além do lobby mórbido que setores fundamentalistas e conservadores fazem junto às autoridades, outra instituição que tem sido usada para manter os níveis de ignorância é o sistema educacional – o mesmo que deveria mudar a realidade da população, mas que acaba colaborando para mantê-la em seu pior estado. As três principais alegadas razões são: péssimas condições de trabalho, incompetência e má vontade da parte dos governantes e dos próprios educadores.

Para que a sociedade brasileira se torne justa e progressista, ela precisará se livrar da corrupção nas instituições, garantir os direitos de todos e de todas, levando em conta a especificidade de cada grupo social, promover conhecimento científico entre crianças e jovens nos diversos campos do saber, gerar empregos remunerados de forma digna e com boas condições de trabalho, não tolerar discursos de ódio, especialmente por parte de líderes religiosos, de políticos e da mídia, aprender a respeitar a natureza mais imediata e mais distante. Deixar de se vangloriar do famigerado "jeitinho brasileiro" que nada mais é do que a cultura do golpe, da trapaça, do suborno, que vai do furar uma fila no banco até a compra de carteiras de habilitação falsas, de diplomas ou gabaritos de provas de concurso público.

Enfim, precisamos de uma revolução nos costumes e na maneira de encarar a vida. Precisamos de uma mudança profunda na forma de ver o outro e de se relacionar com ele: seja humano, animal, vegetal, mineral; esteja em estado sólido, líquido ou gasoso, porque tudo na natureza merece respeito. E nada é mais nobre do que a realização de si mesmo num mundo em que todos tenham possibilidades de se realizarem, de serem felizes a seu modo.

Vida assim é ainda mais rara.

O Caso Conservador a Favor do Casamento Gay - Theodore b. Olson - Newsweek

Theodore B. Olson


O Caso Conservador a Favor do Casamento Gay


Por que casamento entre pessoas do mesmo sexo é um valor.
By Theodore B. Olson - NEWSWEEK. Published Jan 9, 2010


Junto com meu bom amigo e adversário ocasional na corte, David Boies, eu estou tentando persuadir uma corte federal a invalidar a Proposição 8 da Califórnia – a medida aprovada por voto que derrubou o direito constitucional de pessoas do mesmo sexo casar-se na Califórnia.

Meu envolvimento neste caso encontra certo grau de consternação entre os conservadores. Como poderia um republicano politicamente ativo, um veterano das administrações de Ronald Reagan e George W. Bush, desafiar a definição “tradicional” de casamento e pressionar por uma interpretação “ativista” da Constituição para criar um novo direito constitucional?

Minha resposta para essa aparente enigma repousa sobre uma vida inteira de contato com pessoas de diferentes experiências, histórias, pontos-de-vista e características intrínsecas, e sobre minha rejeição ao que vejo como superficialmente apelativas, mas definitivamente falsas percepções a respeito de nossa Constituição e de sua proteção da igualdade como direito fundamental.

Muitos dos meus amigos conservadores têm uma hostilidade quase automática contra o casamento gay. Isso não faz sentido, porque as uniões de pessoas do mesmo sexo promovem os valores que os conservadores prezam. O casamento é uma das pedras fundamentais de nossas comunidades e de nossa nação. Em termos práticos, trata-se de uma união estável entre dois indivíduos que trabalham para criar um lar amável e uma parceria social e econômica. Nós encorajamos casais a se casarem porque os compromissos que eles firmam um com o outro produzem benefícios não apenas para eles mesmos, mas também para suas famílias e comunidades. O casamento requer que pensemos para além de nossas necessidades pessoais. Ele une dois indivíduos baseado em aspirações compartilhadas, e ao fazer isso, estabelece um investimento formal no bem-estar da sociedade. O fato de que indivíduos que são gays queiram participar dessa instituição social vital é evidência de que ideais conservadores gozam de ampla aceitação. Os conservadores deveriam celebrar isso, em vez de lamentar.

Legalizar o casamento entre pessoas do mesmo sexo também é um reconhecimento dos princípios básicos americanos, e representaria o clímax do compromisso de nossa nação com os direitos iguais. Esta é - alguém já disse - a última pedra a ser ultrapassada para a garantia dos direitos civis em nossa luta de dois séculos para atingir o alvo colocado para essa nação ao tempo de sua formação.

Esse princípio americano fundamental de igualdade é central para nossas convicções políticas e legais, quer sejamos republicanos, democratas, liberais ou conservadores. O sonho que veio a ser a América começou com o conceito revolucionário expresso na Declaração de Independência em palavras que estão entre as mais nobres e elegantes já escritas: “Consideramos essas verdades como autoevidentes: que todos os homens são criados iguais, que são investidos pelo seu Criador de certos direitos inalienáveis, entre os quais estão a Vida, a Liberdade e a busca pela Felicidade.”.

Infelizmente, levou muito tempo até que nossa nação pudesse viver a promessa de igualdade. Em 1857, a Suprema Corte sustentava que um afro-americano não podia ser cidadão. Durante a Guerra Civil, Abraham Lincoln eloquentemente fez a nação lembrar-se de seu princípio fundador: “nossos pais criaram nesse continente uma nova nação, concebida em liberdade e dedicada à proposição de que todos os homens são criados iguais.".

No final da Guerra Civil, para tornar a promessa de igualdade uma realidade, a 14 a. Emenda à Constituição acrescentou o mandamento de que “nenhum estado privará qualquer pessoa de vida, liberdade e propriedade, sem o devido processo da lei; nem negará a qualquer pessoa a igual proteção das leis.".

Leis subsequentes e decisões judiciais deixaram claro que a igualdade sob a lei se estende a pessoas de todas as raças, religiões, e lugares de origem. Que melhor maneira de tornar essa aspiração nacional completa do que aplicar a mesma proteção a homens e mulheres que diferem de outros somente com base em sua orientação sexual? Não consigo pensar numa única razão – e não ouvi nenhuma desde que embarquei nessa jornada – para a contínua discriminação contra membros decentes e trabalhadores de nossa sociedade sobre aquela base.

Diversas leis federais e estaduais têm permitido certos direitos e privilégios a casais gays e lésbicos, mas essas proteções variam dramaticamente de estado para estado, e quase universalmente negam verdadeira igualdade a gays e lésbicas que desejam se casar. A própria ideia de casamento é básica para o reconhecimento como iguais em nossa sociedade; qualquer status menor que esse é inferior, injusto e inconstitucional.

A Suprema Corte dos Estados Unidos tem mantido que o casamento é um dos direitos mais fundamentais que nós temos como americanos sob nossa constituição. Ele é uma expressão do nosso desejo de criar uma parceria social, de viver e compartilhar a alegria e as dificuldades da vida com a pessoa que nós amamos, e de formar um compromisso duradouro e uma identidade social. A Suprema Corte tem dito que o casamento é uma parte das proteções constitucionais à liberdade, privacidade, liberdade de associação e identificação espiritual. Resumindo, o direito de casar ajuda-nos a definir quem somos e nosso lugar na comunidade. Sem isso, não pode haver verdadeira igualdade sob a lei.

É verdade que o casamento nessa nação tem sido tradicionalmente considerado como um relacionamento exclusivamente entre um homem e uma mulher, e muitas das múltiplas religiões de nossa nação definem o casamento exatamente naqueles termos. Mas enquanto a Suprema Corte havia sempre considerado o casamento naquele contexto, os direitos e liberdades subjacentes que o casamento incorpora não estão de modo algum confinados aos heterossexuais.

O casamento é um compromisso civil nesse país bem como, em alguns (mas dificilmente todos) os casos, um sacramento religioso. Ele é um relacionamento reconhecido pelos governos como provendo um status privilegiado e respeitado, digno do apoio e benefícios do estado. A Suprema Corte da Califórnia descreveu o casamento com uma “união aprovada sem reservas e favorecida pela comunidade.” Onde o estado concordou com a sanção oficial e a provisão de benefícios para aqueles que entram num relacionamento assim, nossas cortes tem instado que impedir aquele status requereria justificativas poderosas e que esse status não pode ser arbitrariamente negado.

Quais são, então, as justificativas para a decisão da Califórnia sobre a Proposição 8 de retirar o acesso à instituição do casamento por alguns de seus cidadãos sobre a base de sua orientação sexual? As razões que eu tenho ouvido não são convincentes.

A explicação frequentemente mencionada é a tradição. Mas simplesmente porque alguma coisa tem sido feita de certa maneira não significa que ela tenha que permanecer sempre daquela maneira. Caso contrário, ainda estaríamos segregando escolas e prisões. Gays e lésbicas têm sempre estado entre nós, formando parte de nossa sociedade, e eles têm vivido como casais em nossas vizinhanças e comunidades. Por muito tempo, eles têm experimentado discriminação e até perseguição; mas nós, como sociedade estamos começando a nos tornar mais tolerantes, aceitando e compreendendo. A Califórnia e muitos outros estados têm permitido que gays e lésbicas formem parcerias domésticas (ou uniões civis) com a maior parte dos direitos dos heterossexuais casados. Assim, pessoas gays e lésbicas podem agora viver juntas em relacionamentos sancionados pelo estado. Portanto, parece anômalo citar “tradição” como uma justificativa para impedir o status de casamento e assim continuar a rotular esses relacionamentos com menos dignos, menos sancionados, como menos legítimos.

O Segundo argumento que eu geralmente ouço é que o casamento tradicional atende ao interesse estatal da procriação – e que abrir o casamento para casais do mesmo sexo diluiria, diminuiria, e desvalorizaria esse alvo. Mas esse não é inteiramente o caso. Impedir que lésbicas e gays se casem com seus parceiros não faz com que mais heterossexuais se casem e gerem mais filhos. Da mesma forma, permitir que gays e lésbicas se casem com alguém do mesmo sexo não desencorajará os heterossexuais de se casarem com uma pessoa do outro sexo. Como, então, permitir casamentos entre pessoas do mesmo sexo reduziria o número de crianças que os casais heterossexuais concebem?

Esse argumento da procriação não pode ser levado a sério. Nós não inquirimos se os casais heterossexuais pretendem ter filhos antes de permitirmos que se casem. Nós permitimos o casamento entre pessoas idosas, prisioneiros, e por pessoas que não pretendem ter filhos Mais ainda: seria pernicioso pensar que o casamento devesse ser limitado aos heterossexuais por causa do desejo do estado de promover a procriação. Nós não consideraríamos constitucional a proibição do casamento se o estado decidisse - como a China tem feito - desencorajar a procriação.

Outro argumento, ainda mais vago e menos persuasivo, é que o casamento gay de alguma forma prejudica o casamento heterossexual. Eu ainda não encontrei uma pessoa que possa me explicar o que quer dizer isso. De que maneira, permitir o casamento entre pessoas do mesmo sexo diminui os casamentos dos casais heterossexuais? Diga-se de passagem, que quando o juiz do nosso caso pediu ao nosso oponente para identificar os modos pelos quais o casamento entre pessoas do mesmo sexo poderia ferir o casamento heterossexual, para seu próprio crédito ele respondeu honestamente que não conseguia pensar em nenhum.

É fato que não há qualquer boa razão para que neguemos o casamento a parceiros do mesmo sexo. Por outro lado, existem muitas razões pelas quais deveríamos formalmente reconhecer esses relacionamentos e abraçar o direito de gays e lésbicas de se casarem e se tornarem membros plenos e iguais de nossa sociedade.

Independentemente do que se pense sobre a homossexualidade, é fato que gays e lésbicas são membros de nossas famílias, clubes e locais de trabalho. Eles são nossos médicos, nossos professores, nossos soldados (quer admitamos ou não), e nossos amigos. Eles clamam por aceitação, relacionamentos estáveis, e sucesso em suas vidas, exatamente como os restantes de nós.

Conservadores e liberais igualmente precisam concordar com os princípios que certamente nos unem. Podemos seguramente concordar sobre o valor de família forte, relacionamentos domésticos duradores, e comunidades habitadas por pessoas com compromissos entre si que sejam reconhecidos e sancionados. Confinar alguns de nossos vizinhos e amigos que compartilham esses mesmo valores a uma classe fora da lei ou de segunda mina seu senso de pertencimento e enfraquece sua ligação com os restantes de nós e com o que deveriam ser nossas aspirações em comum Até aqueles cujas convicções religiosas inibem o endosso do que possam considerar um “estilo de vida” inaceitável deveriam reconhecer que a reprovação não deveria manter o estigma ou o tratamento desigual.

Quando nos recusamos a concordar com esse status para gays e lésbicas, nós os desencorajamos quanto aos mesmos relacionamentos a que encorajamos outros. E também estamos dizendo-lhes, àqueles que os amam, e à sociedade como um todo que seus relacionamentos são menos dignos, menos legítimos, menos permanentes, e menos valiosos. Eu não consigo imaginar como possamos nos beneficiar como sociedade fazendo isso.

Eu entendo (mas rejeito) certos ensinamentos religiosos que denunciam a homossexualidade como moralmente errada, ilegítima ou não natural; e eu me oponho fortemente àqueles que defendem que relacionamentos entre o mesmo sexo deveriam ser desencorajados pela sociedade e pela lei. A ciência nos ensinou - senão a própria história - que gays e lésbicas não escolhem ser homossexuais mais do que os restantes de nós escolhemos ser heterossexuais. Em grande parte, essas características são imutáveis, como ser canhoto. E, enquanto nossa Constituição garante a liberdade de exercermos nossas convicções religiosas individuais, ela igualmente proíbe que forcemos nossas crenças sobre os outros. Eu não acredito que nossa sociedade possa jamais viver a promessa de igualdade, e os direitos fundamentais à vida, à liberdade, e à busca da felicidade, até que acabemos com a discriminação de indivíduos sobre a base da orientação sexual.

Se nascemos heterossexuais, não nos é comum percebermos aqueles que nasceram homossexuais como uma aberração e uma ameaça. Muitas religiões e muito de nossa cultura têm sido reforçada por aqueles impulsos. Muito frequentemente, isso tem levado ao preconceito, hostilidade e discriminação. O antídoto é compreensão, e razão. Nós já toleramos leis nesta nação que proibiam o casamento entre pessoas de diferentes raças. A Suprema Corte da Califórnia foi a primeira a declarar essa discriminação inconstitucional. A Suprema Corte dos Estados Unidos unanimemente concordou 20 anos mais tarde, em 1967, num caso conhecido como Amor versus Virgínia (Loving vs Virginia). Parece inconcebível hoje que somente 40 anos atrás houvessem lugares nesse país onde mulheres negras não podiam se casar legalmente como homens brancos. E há somente 50 anos, 17 estados ordenavam a educação pública segregada — até que a Suprema Corte derrubou aquela prática por unanimidade no caso Brown versus Junta de Educação (Brown v. Board of Education – N.T.: semelhante à Secretaria de Educação no Brasil). A maioria dos americanos se orgulha dessas decisões e do fato de que as leis estaduais discriminatórias que as produziam foram invalidadas. Estou convencido que os Americanos se orgulharão igualmente quando não mais discriminarmos gays e lésbicas e dermos as boas-vindas a eles em nossa sociedade.

As reações aos nossos processos têm reforçado para mim essas verdades essenciais. Eu tenho visto raiva, ressentimento, e hostilidade, e ouvido palavras como “traição” e outras críticas cortantes. Mas eu tenho sido coberto com expressões de gratidão e de boa vontade da parte de pessoas de vários caminhos diferentes na vida, incluindo poderia acrescentar, muito conservadores e libertários cujos nomes poderiam surpreender. Eu tenho me emocionado especialmente por muitas confissões pessoais de como é solitário e pessoalmente destrutivo ser tratado como um sem-casta, e quão significativo será ser respeitado por nossas leis e instituições civis como um americano, com direito à igualdade e respeito. Não tenho dúvida que estamos do lado certo da batalha, o lado certo da lei, e o lado certo da história.

Alguns já sugeriram que começamos esse processo cedo demais, e que nem o país nem a corte estão “prontos” para lidar com esse assunto e remover esse estigma. Discordamos. Representamos clientes reais – dois casais maravilhosos da Califórnia que mantém relacionamentos duradouros. Nossas clientes lésbicas estão criando quatro crianças bem-educadas que não poderiam ter pais melhores. Nossas clientes desejam se casar. Elas acreditam que têm o direito constitucional. Elas desejam ser representadas na corte e buscar a vindicação desse direito montando um desafio protegidas pela Constituição dos Estados Unidos contra a validade da Proposição 8 sob as cláusulas de igual proteção e devido processo garantidas pela 14ª. Emenda. De fato, o Procurador Geral da Califórnia reconheceu a inconstitucionalidade da Proposição 8, e a cidade de São Francisco juntou-se ao nosso caso para defender os direitos de gays e lésbicas ao casamento. Não dizemos às pessoas que têm uma apelação legítima que esperem até o tempo “certo” e que o povo esteja “pronto” para reconhecer sua igualdade e dignidade de acordo com a lei.

Cidadãos a quem a igualdade tem sido negada invariavelmente ouvem que devem “esperar sua vez” e “ser pacientes”. Todavia, veteranos de batalhas pelos direitos civis no passado descobriram que foi o ato de insistir sobre os direitos iguais que finalmente promoveu aceitação desses mesmos direitos. Quanto a estarem “prontos” os tribunais para esse caso, apenas alguns anos atrás, em Romer v. Evans, a Suprema Corte dos Estados Unidos derrubou uma emenda constitucional do estado do Colorado que retirava os direitos dos gays e lésbicas à proteção das leis anti-discriminação naquele estado. E sete anos atrás, em Lawrence v. Texas, a Suprema Corte considerou como totalmente desprovida de qualquer base racional, as leis do Texas que proibiam práticas sexuais íntimas em ambiente privado por pessoas do mesmo sexo, invalidando uma decisão contrária tomada 20 anos antes.

Essas decisões tem gerado controvérsia, é claro, mas essas são decisões da mais alta corte da nação nas quais nossos clientes têm o direito de confiar. Se todos os cidadãos têm um direito constitucional ao casamento, se as leis estaduais que retiram proteções legais de gays e lésbicas como classe são inconstitucionais, e se a conduta sexual íntima e privada entre pessoas do mesmo sexo é protegida pela Constituição, resta muito pouco a que os oponentes do casamento entre pessoas do mesmo sexo possam se agarrar. Como Justice Antonin Scalia, que deixou o caso Lawrence, destacou: "Que justificação (sobraria) para possivelmente negar os benefícios do casamento aos casais homossexuais exercendo ‘a liberdade protegida pela Constituição’?" Ele está certo, é claro. Alguém poderia concordar ou não com essas decisões, mas até Justice Scalia tem reconhecido que elas vão numa única direção.

A Proposição 8 da Califórnia é particularmente vulnerável ao desafio constitucional, porque aquele estado agora criou uma louca colcha de retalhos em termos de regulação de casamento que não faz sentido para ninguém. A Califórnia reconhece o casamento entre homens e mulheres, incluindo pessoas no corredor da morte, abusadores de crianças e espancadores de mulheres. Ao mesmo tempo, a Califórnia proíbe o casamento por parceiros estáveis carinhosos, amorosos, mas tenta compensar oferecendo-lhes a alternativa de “parcerias domésticas” com virtualmente todos os direitos de pessoas casadas exceto o status de casamento aprovado pelo estado. Finalmente, a Califórnia reconhece 18.000 casamentos entre pessoas do mesmo sexo que aconteceram nos meses entre a decisão da Suprema Corte que garantir os direitos do casamento gay e a decisão dos cidadãos da Califórnia de retirar aqueles direitos através da aprovação da Proposição 8.

Então, existem agora três classes de californianos: casais heterossexuais que podem se casar, divorciar e casar de novo, se quiserem; casais do mesmo sexo que não podem se casar, mas podem viver juntos em parcerias domésticas; e casais do mesmo sexo que são casados agora, mas se vierem a se divorciar, não podem casar de novo. Este é um sistema irracional, é discriminatório, e não se sustenta.

Americanos que acreditam nas palavras da Declaração de Independência, no discurso de Gettysburg de Lincoln, na 14ª Emenda, e nas garantias da Constituição à proteção e dignidade iguais diante da lei não podem sossegar enquanto esse erro persistir. Esse não é um assunto conservador ou liberal; é um assunto americano, e está na hora de nós, como americanos, abraça-lo.

Fonte: https://www.newsweek.com/conservative-case-gay-marriage-70923


Traduzido por Sergio Viula para o Blog Fora do Armário

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