
Daniela Andrade fala sobre homofobia, transfobia e outros preconceitos no site Papo de Homem
Leiam vocês mesmos/mesmas. ;)
Sergio Viula

Daniela Andrade
Bem, enviei um e-mail agora para o Alex Castro, do site Papo de Homem (http://papodehomem.com.br/), vou esperar a resposta:
Olá Alex Castro,
Eu sou a Daniela Andrade e entro em contato contigo por esse e-mail, pois foi o que consegui por meio do seu site pessoal, divulgado no seu perfil do Facebook.
Resolvo te escrever pelo fato de saber que você faz publicações no site "Papo de Homem", pelo fato de um dos seus textos em específico ter me tocado tanto que inclusive o compartilhei em diversas discussões que travei com pessoas que faziam "humor preconceituoso", e também por que tenho amigas feministas que dizem para mim que esse site é "muito bom". Não sei se você administra ou participa da administração do site, mas também gostaria que esse meu e-mail também chegasse às pessoas necessárias, se fosse possível.
Bem, dadas as apresentações, devo lhe dizer que lhe escrevo como mulher transexual e ativista.
Você pode conhecer textos meus [que dizem respeito à luta de transexuais e travestis no Brasil], se for do seu interesse, no meu próprio blog:
www.alegriafalhada.blogspot.com
e no site: www.transexualidade.com.br, onde faço publicações com outras amigas trans ativistas.
Também administro junto com amigas uma página no Facebook sobre o assunto (Transexualismo da Depressão - o título da página é uma ironia à forma como a sociedade vê/trata o assunto):
https://www.facebook.com/transpatologico
Pois bem, resolvi então pesquisar como o site Papo de Homem trata o tema quando resolve tocar no assunto transexualidade/travestilidade, imbuída inclusive pelo fato de ter visto uma outra postagem em que vocês se desculpavam por uma falha [retuitaram posts do criminoso Silvio Koerich e outras coisas mais] e demonstravam como uma pessoa deveria lidar ao ser chamada de machista/homofóbico/racista e afins (http://papodehomem.com.br/como-agir-ao-ser-chamado-de-machista-racista-homofobico-um-guia-para-nos-todos/). Nos comentários, inclusive vi amigas feministas travando um belo trabalho e sendo bastante respeitadas pelos escritores do PdH.
E digo-lhe uma coisa, tirando dois textos em que o assunto foi tratado com bastante clareza e respeito à humanidade das pessoas travestis/transexuais, TODOS os outros transformam travesti/transexual no seguinte: farsa, engôdo, engano, "traveco", erro, "algo" do quê devemos sempre rir e ter pena da existência. Acho também importante frisar aqui que para ter o mínimo respeito às pessoas travestis e transexuais é preciso entender dois termos básicos: "papel de gênero" e "identidade de gênero", todo o resto se ajusta a partir daí, como o fato de que a confusão de que "travesti é um gay com roupas de mulher" e "transexual é um gay que se operou" são mitos preconceituosos e que só tem um trabalho social: apagar a identidade genuína dessas pessoas, relegando-lhes o mesmo espaço nefasto, mesquinho e sub-humano de sempre.
Fiz uma pesquisa generalista, usando o motor de busca do site, a fim de obter todas essas informações. Coloquei a palavra "transexual", depois "travesti" e então "traveco" (considere que o termo "traveco" é altamente ofensivo/pejorativo, seria o mesmo que eu tentar buscar pela palavra "macaco" no PdH e encontrar textos usando o termo para se referir a negros). Mas, se julgarem necessário, posso fazer uma pesquisa mais minuciosa, não tive vontade de ir até o final do material que a busca me trouxe dado que, como eu disse, tirando apenas dois textos, nada mais trazia respeito (um em que se noticia a transexualidade de Tom Gabel, Punk Rocker, de forma limpa e isenta e outro muito bom da Jeanne Callegari em que ela tenta explicar o que é ser homem e o que é ser mulher - inclusive a autora do texto vai aos comentários para debater com o público, que evidentemente se revira todo diante de um texto que tenta destronar o posto suprassumo da biologia para definir identidade e sexualidade humana).
Bem, senti-me inclusive à vontade de te enviar esse e-mail pois o texto publicado por você nesse mesmo site tenta "ensinar" aos humoristas como fazer humor sem apoiar opressão / desumanização / preconceito / invisibilização. No caso em questão, falando das mulheres trans*. Coloco-me inclusive à disposição de quem seja para esclarecer dúvidas sobre o assunto, indicar bons autores que tratam o tema, bem como ver a possibilidade de amigas/amigos trans* também se disponibilizarem no que se refere à informação livre de danos para essa minoria EXTREMAMENTE esmagada socialmente e que está A TODO TEMPO tendo seus papeis e identidades de gênero DESRESPEITADOS pela grande maioria esmagadora que resolve tocar o assunto.
Seguem meus achados no site Papo de Homem:
Há um texto que o título já é homofóbico: "Ajude um amigo veado a sair do armário (http://papodehomem.com.br/ajude-um-amigo-veado-a-sair-do-armrio/)", escrito por um Leonardo Luz.
Quantos gays adoram ser vistos/chamados como veado? Por coincidência, não há palavras pejorativas para se definir heterossexual, aí a gente fala só heterossexual mesmo. O texto é de 2007, e a homofobia/transfobia, como sabemos, continua até hoje.
Estão lá os velhos xingamentos/pejorativos usuais e a velha classificação transfóbica de que ser transexual é ser gay (dá no mesmo, né?)
Vide trecho do texto:
-----------------------
"Há um tempo atrás houve uma grande discussão à respeito do milico da novela das oito, personagem do Edson Celulari, que iria assumir, diziam as más línguas, sua boiolagem. Teríamos então um homossexual-bissexual-transexual-gay-boiola-aviadado no horário nobre. Os milicos rodaram a baiana, e tanto reclamaram que a Globo
deixou o sujeito enrustido mesmo."
-----------------------
Passa o texto inteiro se referindo aos gays/homossexuais como veados, e quem se ofender, que se sinta ofendido, já que é um termo que NÃO PODE EM HIPÓTESE ALGUMA ser considerado pejorativo para se referir a TODOS os gays. Nem vou debater o resto do texto, é totalmente preconceituoso e desnecessário.
**************************************
* O outro texto, é um tal de "Doutor, quero virar mulher", também é de 2007:
http://papodehomem.com.br/doutor-quero-virar-mulher/
NOVAMENTE parte do princípio que ser transexual é ser gay, e NOVAMENTE usa palavras preconceituosas para se referir a estes, vide trecho:
Pergunta: “Dotor, sou menino e quero virar menina posso tomar anticonsepcionais da minha mamãe para virar menina?
"bjim no quexo”
- Dennis
Caro Dennis,
não deixe a baitolagem sugar seus neurônios. Nossa orientação sexual não pode nos tornar cabeças-ocas inconsequentes.
"
-----------------
Ou seja, ser gay é ter neurônios sugados.
O cara não entende absolutamente nada de transexualidade mas resolve nesse artigo dizer:
"Nos homens, a reação é imprevisível. Não conheço nenhum desmiolado que tenha feito a experiência."
Sim, pois se um "homem" tomar anticoncepcional ele SÓ PODE SER desmiolado. Comentários tão transfóbicos quanto, e nada de moderação.
**************************************
Fui pesquisar a palavra "travesti" no referido site; aí já vieram mais resultados.
Um é o texto "Mão de Mulher", escrito por Everton Maciel, em 2012:
http://papodehomem.com.br/mao-de-mulher/
Ele usa a palavra travesti no seguinte trecho:
"Poderia Ronaldo Nazário ter se engado, caso tivesse dado atenção para a mão da sua companhia afetiva daquela noite? Duvido muito. Nos travestis ele deu calote. Do preço do vexame, ninguém escapa. Travesti nenhum engana com uma mão de motorista de caminhão."
Bem, faz o de sempre TRATA travesti como se fosse homem, tanto por se referir à elas (no caso em específico a uma travesti, que ficou com Ronaldo) no masculino, demonstrando desconhecer o que é papel e identidade de gênero; e segue na sua tentativa de desqualificar travesti dizendo que "do preço do vexame ninguém escapa" [vexame por que Ronaldo foi "pego" com "um" travesti]. E essa frase "Travesti nenhum engana com uma mão de motorista de caminhão", eu pergunto: e mulher cis calçando 43, 44, engana? Enfim, novamente essa história de que travesti é alguém que está tentando enganar os pobres homens.
**************************************
Seguem mais textos tratando travesti no masculino, como um falando de Alexandre Frota e "O" travesti Bianca, escrito por Luiz Gallo em 2011. Seguem comentários transfóbicos não moderados nessa matéria.
http://papodehomem.com.br/alexandre-frota-ode-ao-pitbull/
**************************************
Outro texto de um autor que fala do amor entre uma lésbica e "um" travesti, do Alex Castro.
**************************************
Outro texto do Guilherme Nascimento Valadares, de 2010 (http://papodehomem.com.br/quadrado-musical-viciante/) em que ele em um trecho diz:
"Fui obviamemte sacaneado. Não sei se alguém invadiu diretamente o post, ou se esse flash já vinha com o trote como parte da programação. Alguns viram o quadrado musical. Outros tantos viram um pornô gay com dois travestis – não vi o segundo, estava numa reunião, acabei de voltar ao QG."
Novamente travesti no masculino, novamente acha que ser travesti é ser gay, novamente desinformação. Novamente comentários transfóbicos e o próprio autor do texto além de não rebater a transfobia do comentário (ele sabe o que é isso?) segue na resposta ao comentarista como se nada tivesse acontecido.
**************************************
Aí fui pesquisar a palavra "traveco", que é um termo extremamente ofensivo/pejorativo para se referir às travestis:
Outro texto transfóbico de um Maurício Garcia, de 2009:
http://papodehomem.com.br/papo-de-centro-cirrgico-2-a-misso/
Relatos de um médico sobre centro cirúrgico, segue:
"Trabalhando em hospital público, volta e meia você esbarra com um travesti. Mas no meu caso foi peculiar. Era meu primeiro dia de residência, e me deram uma ficha. Fui chamar o paciente, o primeiro de minha carreira médica:
- Ricardo!
Nada.
- Ricardo!
Xongas.
- Sr. Ricardooooooo!
Nisso estou reparando que uma mulher vai chegando perto de mim, e quando a vejo, ela diz, com voz suave:
“Sou eu.”
Passei a residência inteira sendo sacaneado por causa disso. Me chamavam de predestinado.
Ah sim, isso sem contar que a primeira paciente que eu operei era mais macho que eu!
"
------------------------------
Por aí a gente vê a desumanização das travestis inclusive no meio médico, ele passou a "residência inteira sendo sacaneado" por que atendeu "um" travesti. Se fosse uma mulher cis, aí não teria zoação né? E estamos falando de um médico, pasme!
Em outra parte do texto, o autor transfóbico diz: "Bom, já era, calcei uma segunda luva e vamos nessa. Quando olho para o paciente, era um travesti com pneumonia. Então primeiro tentei a artéria radial, no punho. Na hora que eu espeto a agulha, o traveco grita, com todos os trejeitos possíveis: “Uuuuuuuuuiiiiiiii”."
------------------------------
Um médico reproduzindo discurso machista/sexista/transfóbico e chamando travesti de "traveco". Mas claro, médicos vêem todos como seres humanos e tratam a todos tão bem quanto...
**************************************
Mais um texto transfóbico de Maurício Garcia, de 2008:
http://papodehomem.com.br/a-pulada-de-cerca-fatal/
Ele faz uma piadinha, tratando travesti no masculino e se valendo do fato de que sair com travesti é vexatório: "Até aí nada. Inclusive ressalto aqui que, a julgar pelos emails que recebo, os travestis devem ter muito trabalho, não é, Fenômeno?"
E termina por dizer:
"Dr Health, impressionado com a quantidade de emails que recebe de homens que tiveram relações com travestis."
Sim, pois homem não pode ter relação com travesti, logo, fica impressionado. Não vou falar dos comentários transfóbicos não moderados pelo autor.
**************************************
Mais um texto transfóbico, de 2008, de um tal Nicolau:
http://papodehomem.com.br/requisitos-bsicos-para-ser-homem/
Requisitos Básicos pra ser Homem, é o título. Além de se referir a travestis como travecos. Passa todo o texto desqualificando travestis como se fossem inferiores, e ser homem significa NÃO PODER/NÃO DEVER sair com travesti, já que evidentemente que travesti é um homem.
**************************************
Dr Love protagoniza outro texto transfóbico, de 2007:
http://papodehomem.com.br/ah-joozinho/
Que começa assim:
"Pergunta: “Sou casado e tenho vontade de fazer sexo com travesti, meu desejo é ser
ativo e não passivo, é normal?”
- Ronaldo"
No que ele responde:
"Você tem vontade de sair na rua no meio da noite, se dirigir até a zona de baixo meretrício de sua cidade, conversar com um indivíduo que se veste de mulher, na verdade é homem, e faz sexo por dinheiro, e após a conversa, quer levá-lo para algum motel discreto nas proximidades, onde vai entrar com algum nome falso, pegar um suíte premium para celebrar a data, chegar lá e pegar algumas cervejas no frigobar para te ajudar a perder a inibição, enquanto assiste ao traveco se despir em uma dança sensual ao som do funk da tropa, que na verdade é o prelúdio do ato em si, no qual você vai penetrar no ânus desse ser estranho, com seios siliconados e alguns pêlos esquecidos em certas partes do corpo, que já foi penetrado por dezenas de entidades antes de você, e no clímax da noite, você vai gozar como há tempos não gozava comendo sua mulher, e vai lembrar dela, de suas ex-namoradas, e daquele seu amiguinho de escola com quem “brincava” nos cantinhos escuros do pátio, depois que o sinal de término do recreio já tinha batido, e vai gritar:"
------------------------
Não preciso frisar todo o preconceito transfóbico da resposta, a todo custo desqualificando não só a identidade de gênero das travestis, como a própria humanização das mesmas.
Olha, parei por aqui, sinceramente, PAPO DE HOMEM é um site que se tiver algo a dizer sobre travestis e transexuais, apostarei e ganharei que será de forma preconceituosa e transfóbica, 99,99% de chance.
Subscrevo-me, colocando-me atenciosamente, caso seja do interesse, à disposição.
Daniela Andrade
https://www.facebook.com/DanielaEmTranse
Sobre piadas e piadas

Alguns amigos assistiram ao vídeo “O Que é Homofobia?” e depois me colocaram algumas perguntas sobre o lugar do humor e da liberdade que permite que este seja feito. De uma das discussões sobre esse assunto, eu gostaria de resumir alguns dos meus pontos de vista para esclarecer questionamentos semelhantes.
Sobre piadas pejorativas com pessoas LGBT, o simples fato de se fazer esse tipo piada já demonstra o preconceito que se carrega e que nem sempre é racionalizado. A questão pode ser colocada assim:
Por que é que eu tenho que rir às custas da identidade alheia?
Essa deveria ser a questão a ser pensada. Ainda mais quando vemos uma verdadeira guerra sendo travada por direitos das minorias, sejam judias, negras, LGBT, etc. Por que reforçar, através do 'humor' preconceitos que deveriam nos fazer corar de vergonha (em pleno século XXI) e não nos dar crises de riso? Eu sou um cara super bem humorado (a maior parte do tempo), mas rio muito mais de mim mesmo do que dos outros. Ao contrário do que muitos pensam, o riso não é amoral. Não consigo rir dos campos de concentração. Alguns alemães (nazistas!) conseguiam. Isso revela muito sobre mim e sobre eles. Muitas vezes o ‘piadista’ revela mais de si numa piada do que da pessoa ou grupo de quem debocha.
Algumas pessoas usam a piada para demarcar um distanciamento do grupo a que se referem através dela. Conquanto eu não seja gordo ou negro, também não gosto de piadas sobre gordos e negros. Não preciso ser parte de uma minoria para entender o mal que isso pode causar a algumas pessoas. Obviamente, nem todas as pessoas ligam pra isso. Outras, porém, são capazes de entrar em depressão ou fazer coisa pior por causa de uma ridicularização pública.
Da mesma forma, conheço muita gente heterossexual que não gosta de piadas sobre gays. Não discuto com quem faz piadas desse tipo. Felizmente, não estou sozinho no pensamento de que tais piadas são desnecessárias e antissociais, muita gente também pensa assim. Isso não quer dizer que tenhamos razão. Minha esperança é de que, por meio do controle da própria sociedade, os indivíduos que agem de modo grosseiro ou impróprio mudem de atitude, senão por convicção, pelo menos pelo medo do ridículo. Aliás, já tenho visto isso acontecer. O piadista ‘fica no vermelho’ quando faz uma piada racista, porque muita gente discorda da piada, apesar de não perder tempo discutindo com o piadista. Ele acaba simplesmente caindo no desprezo dos que consideram tal coisa absolutamente imprópria ou inconveniente. Eu costumo fazer a mesma coisa: Ignoro a piada, enquanto esse comportamento não perturbar meu dia-a-dia.
Não consigo, porém, evitar me perguntar o que busca o piadista que precisa tão desesperadamente ser o centro das atenções e ainda faz questão do acompanhamento das risadas, valendo até apelar para o achincalhe dos mais vulneráveis? Isso deveria ser pensado.

Que fique claro que adoro rir - não debochar dos outros. Não quero um mundo sem humor. Quero um mundo sem mal gosto. Quem já me viu dando palestras, já riu muito comigo. ;) Por exemplo, um encontro de mais de três horas como o que tive em Brasília com o pessoal da Cia. Do Triângulo Rosa para falar sobre fundamentalismo seria insuportável sem bom humor e cordialidade pontuando a palestra aqui e ali. No entanto, a atmosfera de curiosidade, entusiasmo e participação da audiência continuou até que a reunião fosse encerrada. O BOM humor é antídoto para muita coisa ruim no mundo. É certo que quem nunca ri, tem problema. ;) Agora, quem só consegui rir dos outros... também.
Vejo muito lixo chamado stand-up comedy no Brasil. ‘Shows’ a 70 reais em alguns teatros do Rio de Janeiro que não merecem nem 10 reais. No entanto, um dos pioneiros do stand-up comedy foi o americano e ateu George Carlin. Veja a página dedicada a George Carlin aqui no Fora do Armário. Ele é inteligente. Fala mal das religiões, do governo, dos ecologistas, etc.? Sim, mas com inteligência. Não está atacando grupos socialmente vulneráveis. Ninguém vai ficar deprimido ou com vergonha de sair de casa por causa do que ele diz. Pelo contrário, seu humor é altamente denunciativo do ponto de vista político, social. Ele expõe a hipocrisia da sociedade que durante anos o perseguiu com processos e tentativas de censura por causa de coisas como simplesmente falar a palavra ‘merda’ no show ou questionar a crença em deus. Esse cara fazia stand-up comedy de qualidade.
George Carlin não ataca identidades, mas ideias. A ideia de deus, a ideia de que religião é sempre boa, a ideia de que os EUA são mais inteligentes, etc. Agora, nós temos três possibilidades aqui: igualar tudo e perdoar tudo; proibir tudo; ou, então, pensar cada coisa separadamente. Se dizer que deus é um amigo imaginário for a mesma coisa que dizer que viado é cidadão de segunda categoria, vou deixar de ser ateu... hahahaha. Oops! Essa piada não tem graça. J
Victor Tufani (via Facebook) colocou muito bem o seguinte:
“Quando se critica esse tipo de humor não é uma censura também. O stand up, por exemplo, já tem uma diferença grande daquele show de humor tradicional. É só comparar os espetáculos "black face" dos EUA nos anos 20, em que os atores brancos se pintavam de preto e ridicularizavam o cotidiano dos negros pobres, o que era um humor incrivelmente racista, com os standups do Chris Rock, em que ele mesmo faz piada com negros, usa a história de vida dele como um exemplo cômico, e isso acaba soando totalmente diferente, porque no final o que ele ridiculariza é o racismo, e não o negro. Naquele programa do Paulo Gustavo, o 220 volts, ele faz a "senhora dos absurdos", que é uma personagem branca, de classe média, racista. Vestindo a personagem, ele acaba fazendo uma crítica ao tipo de mulher preconceituosa, dondoca, quando, se fosse ele de cara limpa fazendo aquelas mesmas piadas, ele próprio soaria racista. O humor é complexo pra caramba, então a intenção e a execução, de maneira muito sutil, podem acabar fazendo a diferença entre um humorista genial pra um medíocre e ofensivo.”
Portanto, eu nunca disse que não se pode fazer piada com a temática LGBT, mas vale aplicar o que tem sido dito até agora na hora de decidir se uma piada é só brincadeira ou ataque. Talvez o conceito de vulnerabilidade social não esteja claro nessa discussão. Sugiro uma pesquisa sobre o tema: vulnerabilidade pessoal, vulnerabilidade social e vulnerabilidade institucional. Procurar saber mais sobre esse tripé pode ser uma boa para os interessados no tema. Muito do bullying pelo qual passam crianças, adolescentes e jovens LGBT é alimentado pelas piadas de mal gosto da TV e de outros meios de comunicação. Alguns deles sucumbem à pressão. Como pode isso ser menos importante do que a risadinha barata de alguém que não vê além da própria piada?

Myriam Réus - por Celso Andre

Humor: Heteros e homos casados

“Eu era o marido perfeito... só não era eu”
Um dos relatos mais frequentes entre homens gays que viveram casamentos heterossexuais é o da performance. Eles foram bons maridos, pais presentes, provedores, amigos das esposas. Fizeram tudo que a sociedade espera — menos viver sua própria verdade.
Carlos*, por exemplo, só conseguiu se assumir aos 47 anos, depois de 20 anos de casamento. “Eu achava que podia controlar. Que dava pra ser gay em silêncio e tocar a vida. Mas chegou uma hora em que meu corpo adoeceu. Eu estava em depressão, com crises de pânico. Foi aí que busquei ajuda e entendi que não dava mais pra fugir de mim mesmo”, conta.
A esposa dele, que hoje é uma amiga próxima, também teve que passar por um processo intenso de autoconhecimento. “Eu me sentia enganada no início. Depois, entendi que ele estava tão preso quanto eu. Fomos vítimas do mesmo sistema.”
Já Marcelo*, 38 anos, pai de dois filhos, diz que o processo foi lento, mas libertador: “Fiquei anos tentando ‘orar o gay embora’. Depois, resolvi viver duplamente: marido em casa, eu mesmo na rua. Até que conheci alguém que me mostrou o que era amar de verdade. Aí, não deu mais pra continuar mentindo. Saí de casa e assumi. Foi difícil, mas hoje tenho paz. Pela primeira vez.”
Finalizando com carinho (e verdade)
Se você é um homem gay casado com uma mulher e está lendo isso, saiba: você não está sozinho. Sua história é válida. Seu medo é compreensível. E seu desejo de viver plenamente é legítimo. Ninguém deve passar a vida toda tentando encaixar o coração em um molde que não serve.
Você pode, sim, reconstruir sua vida — com respeito, cuidado e coragem. Assumir-se pode doer no começo, mas a liberdade de ser quem você é compensa tudo.
Além disso, é importante lembrar que o casamento igualitário — aquele baseado na autenticidade, no afeto e no respeito mútuo — é melhor para todos os envolvidos. Deixar de exercer pressão para que uma pessoa LGBTQIA+ aja como heterossexual não é só um alívio para ela; é também um cuidado com quem está do outro lado da relação. Relações construídas com base em uma identidade reprimida têm grandes chances de se romper dolorosamente no futuro, deixando feridas difíceis de curar.
Ao permitir que cada um viva sua verdade desde o início, evitamos frustrações, mágoas e rompimentos traumáticos. Gays livres de se esconder, mulheres livres de serem enganadas, filhos livres para crescerem em ambientes mais honestos e amorosos. Todo mundo sai ganhando.
E se você está do outro lado — é a esposa, amiga, irmã, mãe — respire, escute, acolha. A verdade pode ser um caminho difícil, mas ela é sempre o terreno mais fértil para recomeços verdadeiros.
(*Nomes alterados a pedido dos entrevistados.)
Postagem em destaque
Postagens mais visitadas
-
A PRISÃO DE BOLSONARO: RELEMBRE SEUS CRIMES — ELE MITOU MESMO NA BANDIDAGEM Bolsonaro foi preso por Sergio Viula Hoje, o Brasil testemunhou ...
-
Entretenimento e mais do que isso: Casas de acolhimento, centros de referência e outras ferramentas para o fortalecimento das nossas identid...
-
Quinze vezes em que moralistas morderam a própria língua Os moralistas e seus esqueletos no armário Por Sergio Viula É curioso — e ao mesmo...
-
Bispo italiano afirma: negar amor e intimidade a pessoas LGBTQ+ é “simplesmente errado” O bispo italiano Francesco Savino Por Sergio Viula U...
-
Resgate histórico Representação de auto-felação. Uma possível referência ao ciclo da vida ou sustentabilidade do p...
-
Cinema nos 70: Wagner Montes viveu personagem que se relacionava com outro homem Wagner Montes em A Morte Transparente Por Sergio Viula Pouc...
-
Timmy - personagem de Padrinhos Mágicos Tempos atrás eu compartilhava com meus leitores e amigos mais chegados muitas das lutas que eu tra...
-
FANTÁSTICO! Até julho de 2012, todos os títulos de Moa Sipriano reunidos "ultrapassaram a marca de um milhão e meio de downloads grat...
-
Zeus e Ganimedes Por Sergio Viula Zeus é conhecido, entre outras coisas, por sua impetuosa inclinação ao amor com humanas - coisa que sua di...
-
STJ Garante Direito de Militares Trans Permanecerem nas Forças Armadas Brasil sem transfobia é sobre isso também. Por Sergio Viula Uma vitó...

