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Entrevista: Conheça Cris Lacerda e sua história de superação

Semana da Diversidade na Maré (2018) - Crédito: Agência de Notícias das Favelas - http://www.anf.org.br/semana-da-diversidade-na-mare/


O Grupo Conexão G desenvolve várias atividades no Complexo da Maré no Rio de Janeiro, como a Semana da Diversidade (foto e link acima). 

A seguir, você verá uma entrevista com Cris Lacerda, coordenadore de comunicação do Conexão G. 

O Blog Fora do Armário (BFA) deseja a todos, todas e todes uma ótima leitura.





BFA: Como foi sua infância e adolescência como menino gay?

CRIS: Eu tive uma infância e adolescência muito ruins. Sofri abuso aos 8 anos, por um vizinho que era amante da minha tia, cujos filhos eram da minha idade. A família soube do abuso, mas após a comoção inicial, nada foi feito. Com o tempo, o abuso passou a ser praticado por outros vizinhos do prédio em que eu morava e progrediu também para os garotos do condomínio habitacional em que morava.

Não me preocupo mais em saber se eu sou gay por causa dos abusos ou se realmente desenvolveria minha homossexualidade de forma mais natural. Porém, a despeito disso, desde muito cedo fazia as famosas “meinhas” com os garotos do condomínio. Mas, em casa, eu era duramente reprimido através de vigilância de fala, gestos, postura, vestimentas e brincadeiras; ou seja, não pude ser uma criança “viada”, sobretudo porque eu tenho irmã mais velha que me vigiava e não me deixava brincar com as meninas, e os garotos não queriam ser meus amigos.


Cris Lacerda aos 12 anos


Então minha infância e adolescência eram fazer meinhas na rua ou ficar em casa a ver desenhos, ler quadrinhos e livros. Tive uma infância solitária.

Aos 15 anos comecei a trabalhar no McDonald’s, puxado pela minha irmã que entrou lá antes, mas com menos de um ano acabou saindo para trabalhar em outro lugar. Eu continuei lá por três anos. Na minha relação com os colegas de trabalho, comecei a me envolver com os gays – fosse como amigos ou namorados - que trabalhavam lá e passei a ser bem mais afeminado. Aos 17 anos, minha família vendo esta mudança, veio falar comigo e ameaçou me expulsar de casa. Com medo entrei no armário, de onde só tive coragem de sair aos 32 anos.

[Nota do BFA: "meinha" é uma gíria que significa brincadeiras sexuais entre garotos]

BFA: Quando foi que você decidiu que era hora de sair do armário? Qual foi a gota d'água para você dizer chega?

CRIS: Eu tinha 32 anos e estava casado há quase dois anos, quando comecei a me relacionar às escondidas com meu “irmão de santo”. A gente ficou saindo por uns dois meses. Então, a paixão aumentou e eu resolvi assumir o relacionamento com ele. Me separei, aluguei uma casa e fui morar com o rapaz.

BFA: O que mudou na sua vida a sua saída do armário?

CRIS: O processo de mudança foi um bocado complicado. Em primeiro lugar, a família mais uma vez tentou me empurrar de volta para o armário com aquele discurso de família e sociedade, mas que não colou mais. 

Em segundo lugar, saí do barracão no qual trabalhava como médium, e muitos dos amigos que  eu tinha se afastaram (cerca de 90% deles), de outros eu mesmo preferi me afastar. 

Em terceiro lugar, o relacionamento não deu certo e, após três meses, nos separamos; foi uma situação muito traumática para mim e como consequência da frustração acabou me afundando no vício do álcool e da cocaína, (comecei a usar drogas ilícitas com 20 anos e só consegui parar aos 42 anos de idade). 

Por último, mesmo me assumindo como gay, eu era o cara discreto e fora do meio, que reproduzia muito machismo, homofobia e transfobia (eu só me descontruí a partir do momento que comecei a militar no movimento LGBTI+ organizado).


Cris Lacerda aos 42 anos


As mudanças positivas só começaram na minha vida realmente, após eu buscar ajuda em Narcóticos Anônimos - o que me ajudou a ficar limpo e mudar a minha vida.


BFA: Você está fazendo uma pós-graduação que dialoga com as temáticas LGBT+. Fale-nos um pouco sobre essa nova realização.

CRIS: Eu tomei conhecimento do curso através de um grupo do WhatsApp. Fiz a inscrição para o processo seletivo, passei pelas etapas e fui aprovado em 12º lugar. 

O curso era Cidades, Políticas Publicas e Movimentos Sociais e foi promovido pelo IPPUR/UFRJ. 

Entrei no curso como ativista LGBTI+ e ao longo do curso percebi que havia muito pouca produção acadêmica na área de planejamento urbano que abordasse a relação de LGBTI+ com os espações da cidade. Então procurei fazer um trabalho que pudesse mesclar a minha experiência como ativista e as teorias hegemônicas da área do planejamento.

BFA: Atualmente, você está trabalhando com o Grupo Conexão G. O que exatamente esse grupo faz e quais são os principais projetos do grupo no momento?

CRIS: Eu conheço o Grupo Conexão G de Cidadania LGBT de Favelas há uns três anos, mas comecei a me aproximar do coletivo após a Parada LGBT da Maré, ano passado. Ao saber que tinha sido demitida da escola onde eu trabalhava, recebi o convite da Gilmara Cunha parar compor a equipe em janeiro deste ano.

O Conexão é a primeira ONG LGBT em território de favelas. Nosso trabalho busca dar visibilidade, formação, empregabilidade, informação e saúde às pessoas LGBTI+ que moram no Complexo da Maré e outras comunidades. Fazemos curso de capacitação, damos assistência social e encaminhamos demandas para órgãos públicos competentes. Atualmente, por conta da pandemia, estamos com campanhas de doação de recursos para distribuição de cestas básicas à nossa população, que é a mais atingida com a atual conjuntura de crise.

[Nota do BFA: As favelas que formam o Complexo da Maré, na cidade do Rio de Janeiro, são: Baixa do Sapateiro, Morro do Timbau, Parque Maré, Nova Maré, Nova Holanda, Rubens Vaz, Parque União, Conjunto Esperança, Conjunto Pinheiros, Vila do Pinheiro, Vila do João, 'Salsa e Merengue', Marcílio Dias, Roquete Pinto, Praia de Ramos, Bento Ribeiro Dantas.]

BFA: Como você vê a situação das pessoas LGBT+ em meio à crise causada pelo Covid-19, especialmente aquelas que moram em comunidades?

CRIS: Para os moradores de favelas, a pandemia, além da ausência de políticas de empregabilidade, educação, saúde, cultura e lazer - permeadas pela racionalidade da subalternização e da precarização - vem gerando um impacto brutal sobre a sua condição de subsistência, afetando a vida das pessoas no âmbito da direito à mobilidade, da diminuição da renda familiar, da fome, do duplo adoecimento e da dificuldade de acesso aos serviços de saúde que atendem estes territórios. Somado a tudo isso, existe um fator a mais, que é a negligência do poder público e a intensificação da violência que já acometia nossos territórios, uma vez que as operações policiais não pararam.

Para a população LGBTI+, sobretudo para a população trans, que compõe também o grupo de risco, basicamente por conta de sua dissidência do binarismo cis-heteronormativo (fazendo com que, muitas vezes, sequer possuam documentação que lhes permitiria acessar o auxílio emergencial “disponível” à população em geral), a ausência de políticas públicas de empregabilidade (o que força essas travestis e transexuais a continuarem nas ruas se prostituindo em meio à pandemia) e a estigmatização de acesso aos sistemas de saúde e proteção social. 

Assim, os corpos-subjetividades que estão à margem do modelo social normativo compõem significativa parcela de excluídos do reconhecimento do cidadão e das medidas de combate ao coronavírus. Além disso, a população LBGTQI+ está entre as mais vulneráveis aos riscos e danos à saúde provocados pela COVID-19 por terem menos acesso ao sistema de saúde de qualidade, além de constituírem-se em grupo alvo de uma variedade de doenças crônicas, sobretudo o HIV/AIDS.

BFA: O que tem sido feito para ajudar essas pessoas?

CRIS: Para tentar minimizar os impactos, os próprios moradores de favelas têm se mobilizado e criado alternativas de enfrentamento à proliferação da Covid-19. Essas ações se baseiam em algumas frentes como o compartilhamento e coleta de informações de prevenção e sintomas; recolhimento de doações para compra de alimentação e materiais de limpeza; medidas educativas sobre a importância do racionamento de água; monitoramento de pessoas que são consideradas do grupo de risco, entre outras ações coletivas que visam a garantir a vida e a dignidade dessas pessoas.

O Grupo Conexão G, também, logo no início do lançamento das medidas de contenção da epidemia, começou uma campanha de arrecadação de fundos para doação de cestas básicas com alimentos, materiais de limpeza e higiene e diversas outras ações no território da Maré. Trabalhando em parceria com as outras instituições do Complexo da Maré, o Conexão G conseguiu atender e entregar cestas básicas a cerca de 500 famílias LGBTI+ da comunidade, mas infelizmente ainda não foi possível alcançar todas.


Cris Lacerda, janeiro de 2020


Conheça essa iniciativa que visa à redução da incidência do Coronavírus no Complexo da Maré e dá início à construção da Casa da Diversidade: 

https://benfeitoria.com/lgbts-da-mare-unidos-contra-o-coronavirus-ff4



BFA: O que você gostaria de dizer que não tenha sido perguntado até aqui?

CRIS: Gostaria de falar um pouco da minha relação com o uso abusivo de drogas.

Comecei a usar maconha e cocaína com 20 anos. Usava de forma recreativa, mas, gradativamente, a droga foi tomando conta da minha vida até se tornar a única coisa que importava na minha vida. 

Após o término do namoro com o Rafael, me afundei muito mais no vício, o que me levou a ser morador de rua em 2010. 

Fui internado por duas vezes, entrei num grupo de ajuda mútua, mas foi só em 2015 que eu consegui manter a sobriedade e mudei a minha vida para melhor. Estou sóbrio e sem usar cocaína há 5 anos e 1 mês.

BFA: Que mensagem você gostaria de deixar para pessoas LGBT+, sejam elas engajadas ou não no ativismo pró-LGBT+?

CRIS: Por mais que o mundo seja contra você, não desista da vida. O mundo nos odeia, então não podemos lhe dar o gosto da vitória. Nós existimos e resistimos, apesar de tudo. Ame-se sempre em primeiro lugar.


LEIA TAMBÉM ESSE TEXTO DE CRIS LACERDA:

COVID-19: SOCIEDADE CIVIL DÁ SUPORTE A POPULAÇÃO LGBTI+ EM FAVELAS CARIOCAS

https://www.brasildedireitos.org.br/noticias/608-covid-19-sociedade-civil-d-suporte-a-populao-lgbti-em-favelas-cariocas

EXCLUSIVO: Lembra do garoto da tatuagem? Conheça o outro pai dele.

Por Sergio Viula


ENGLISH VERSION HERE: https://www.xn--foradoarmrio-kbb.com/2018/05/exclusive-remember-boy-whose-tattoo.html



No dia 27 de abril de 2018, o blog Fora do Armário publicou uma versão portuguesa(adaptada) da matéria do portal Pink News sobre um pai gay que ficou chocado quando soube que seu filho tinha feito uma tatuagem, mas só até ver que tatuagem ele tinha feito. 

Na matéria original, porém, não constavam informações sobre Vincent Levesque, o outro pai de Jonathan. Havia apenas informação sobre Richard, o pai que havia conversado com o site Gays with Kids sobre esse assunto. 

Gay with Kids: https://www.gayswitkids.com/when-his-son-got-a-tattoo-he-freaked-out-then-he-saw-what-it-was-2561223991.html

Um brasileiro que havia lido a matéria, e que conhecia o pai que havia ficado ausente do texto, colocou-me em contato com ele. A entrevista que você verá abaixo é foi concedida por Vincent Lesque ao blog Fora do Armário. Ela é exclusiva e inédita! 


Vincent Levesque, direita, é pai de Jonathan e ex-marido de Richard. Ele é americano, tem 48 anos, e mora em Mount Holly, Nova Jersey. Vincent trabalha como gerente de integração de sistemas. 


Fora do Armário: Quando foi que você decidiu adotar uma criança? Quais eram seus sentimentos sobre isso naquele momento?

Vincent Levesque: Meu parceiro Richard e eu estávamos juntos havia aproximadamente 6 anos quando ele chegou para mim e expressou interesse em ter filhos. Eu realmente nunca havia pensado sobre isso nem achado que seria possível que casais gays adotassem em Nova Jersey. Ele tinha conhecido um casal que trabalhava como farmacêutico e que adotou duas irmãs, e logo nos tornamos amigos. Mesmo então, eu ainda não tinha certeza que queria ser pai ou mesmo tentar, por medo de rejeição. Vários meses se passaram e um dia eu simplesmente acordei com um desejo irresistível de ser pai. Então, Rich e eu falamos sobre isso e decidimos tentar.

Richard, à esquerda, Vincent and Jonathan.


Fora do Armário: Como foi o processo? O Jonathan foi adotado com o nome dos dois pais ou com o nome de um só?

Vincent Levesque:  Primeiro, procuramos em agências particulares de adoção e pesquisamos online. Encontramos uma em Trenton. Marcamos um encontro para conversar com alguém de lá, mas não saímos com os sentimentos acalentados. Eles falaram sobre uma criança perfeita que eles tinham para nós, mas não podiam nos mostrar fotos ou qualquer histórico sobre ela. Mas, queriam que preenchêssemos a papelada referente às nossas finanças e sobre os custos para adotá-lo. Depois que saímos, falamos com nossos amigos que haviam adotado as irmãs, e eles nos falaram sobre como adotar através do estado de Nova Jersey, como eles haviam feito. Então, decidimos aceitar o conselho deles e procuramos o Departamento de Crianças e Serviços de Família (Department of Children and Family Services). Preenchemos a papelada e frequentamos aulas sobre paternidade, que são uma exigência, ministradas por uma fantástica assistente social.

Treinamos por vários meses enquanto buscávamos uma criança que melhor se encaixasse conosco. Era uma espera agoniante. Eles nos apresentaram algumas crianças como possibilidades, mas por causa das circunstâncias para além do nosso controle, nunca conseguimos encontrar com qualquer uma delas. Então, um dia, a assistente social nos contatou para nos falar de Jonathan que, naquele tempo, estava morando num orfanato havia quase quatro anos. A assistente social encontrou conosco em nossa casa e nos explicou tudo sobre a história de Jonathan. Ela não encobriu nada. Ouvimos sobre o que era bom e que era mau, e ela nos deu algumas fotos dele. Ouvir a história dele e ver que garotinho adorável ele era simplesmente derreteu nossos corações, e eu acho que soube naquele momento que eu queria seguir adiante e marcar um encontro com a assistente social dele para conhecer Jonathan.

O dia em que conhecemos Jonathan foi o melhor dia de nossas vidas. Ali estava esse lindo garotinho com um sorriso incrível precisando de alguém para amá-lo e tomar conta dele, e nós simplesmente nos apaixonamos por ele. Continuamos a nos encontrar com Jonathan e sua assistente social por alguns meses antes de marcarmos a transferência dele para a nossa casa. Tivemos que arrumar seu quarto, contatar escolas para matriculá-lo e preparar mudanças em nossas vidas para sempre. Jonathan foi oficialmente colocado conosco em meados de agosto de 2005. Recebemos outro assistente social para nos ajudar com sua acomodação, e depois de alguns atrasos no processo governamental, nós finalmente pudemos chamá-lo de nosso e adotá-lo em outubro de 2006.

Jonathan: Eu amo meus pais gays - Nova Jersey.


Fora do Armário: Como você descreveria a experiência de ser pai de um filho que tinha sete anos de idade no momento da adoção, depois se tornou um adolescente e agora é um jovem adulto? O que você diria que foi seu maior desafio? E as maiores recompensas?

Vincent Levesque:  Ser pai de uma criança não é fácil em qualquer idade, principalmente quando é seu primeiro filho. Tivemos muitos desafios. Quando se adota uma criança mais velha, perde-se todos aqueles estágios na vida da criança nos quais sua personalidade é formada, especialmente se a criança estava no sistema [de orfanatos]. Jonathan não confiava nas pessoas e representava muito. Porém, Richard e eu líamos uma tonelada de livros sobre paternidade e sobre paternidade de crianças adotadas mais velhas. Muitas crianças no sistema, quando são colocadas com uma família em potencial, passam pelo estágio inicial de uma lua-de-mel, quando agem como perfeitos anjinhos. Isso dura algumas semanas e até meses. No estágio seguinte, elas vão testar você até o seu limite. Você vai passar por uma onda de emoções muito maior do que tudo que já experimentou. Você vai se sentir como se estivesse fracassando como pai e vai derramar muitas lágrimas. Mas por fim, você terá que ser forte, definir suas fronteiras, e ainda mais importante, você terá que cumprir o que diz, das promessas até a disciplina. 

À medida que Jonathan se tornava um adolescente, alguns problemas foram superados, mas comportamentos adolescentes com os quais todo pai tem que lidar começaram. A única diferença era que Jonathan tinha pais homoafetivos e isso o tornava um alvo mais visível para seus colegas do ensino fundamental. Fomos do ponto em que tínhamos um adolescente orgulhoso de seus dois pais ao ponto dele se esconder um pouco. Era difícil para ele e era difícil para nós vermos que ele estava enfrentando algum tipo de bullying. Durante esse tempo, nós nos certificamos de que Jonathan pudesse se abrir sobre seus sentimentos e nos mantínhamos envolvidos com sua escola para ver se a questão estava sendo tratada. A partir dessas experiências, começamos a ver Jonathan defendendo crianças que estavam sendo alvos de bullying também. Eu creio que foram essas sementes plantadas que fizeram Jonathan querer se juntar às Forças Armadas.

Jonathan se juntou ao programa das Tropas de Treinametno de Oficiais da Reserva (ROTC - Reserved Officer Training Corps) no ensino médio, seguindo os passos de meu pai que serviu por 26 anos na Marinha. Eles tinham um relacionamento muito próximo e Jonathan adorava suas histórias e o admirava. Infelizmente, meu pai faleceu e nunca pôde ver Jonathan crescer e amadurecer para se tornar o homem que ele é hoje


Vincent Levesque (direita), Richard e Jonathan.


Fora do Armário: Você e o Jonathan são próximos hoje? O que vocês geralmente gostam de fazer juntos em seu tempo livre?

Vincent Levesque:  Jonathan e eu somos muito próximos. E sempre incentivei uma comunicação aberta com ele, e ele sabe que pode me pedir conselho sobre qualquer coisa. Agora que ele é um homem, é difícil deixar de ser um pai super protetor mas, mesmo assim, eu o encorajo a fazer e a ser o que ele desejar. Infelizmente, eu não fui o pai divertido, então eu não posso dizer que fui à praia ou que andei de montanha-russa. Eu deixei isso para o Richard. Nós tivemos e ainda temos nossas longas conversas sobre a vida, visitamos parentes, vamos a exibições de automóveis, e rimos muito. Eu ainda sou um garoto bobo de coração - piadas sobre puns ainda me fazem rir.

Vincent Levesque e Jonathan


Fora do Armário: Seu relacionamento com Richard chegou ao fim, mas vocês dois são pais do Jonathan. Essa é a experiência de muitos casais, especialmente casais heterossexuais, quero dizer, pais se separam e têm que seguir adiante com sua paternidade. Como vocês lidam com o tempo juntos e outros aspectos da paternidade depois do seu divórcio? 

Vincent Levesque:  Uma das decisões mais difíceis que eu já tive que tomar foi terminar nosso relacionamento. Como muitos casais, gays ou heterossexuais, você descobre que suas esperanças, desejos e sonhos não se alinham mais. Trabalhamos em muitos desses problemas juntos, mas descobrimos que não éramos mais felizes. Você nunca deve sacrificar sua felicidade ou pedir que alguém sacrifique a dele/dela. Então, quando eu decidi sair, quando eu senti que Jonathan não precisava mais de mim tanto assim, eu fiz isso e continuei por perto. Eu me mudei para um apartamento de dois quartos a apenas cinco quilômetros de distância. Jonathan tinha a certeza de que eu estava próximo. Juntos, Richard e eu ainda cuidávamos dele da melhor maneira que podíamos. Sua responsabilidade como pai nunca acaba depois de uma separação ou divórcio. Você ainda tem que estar lá e mostrar que você se preocupa e ama seu filho. O principal é se certificar que seu filho saiba que ele não foi a causa e que você não está se divorciando dele.

Talvez, tenhamos tido sorte. Não tivemos muito drama depois disso e ainda apoiamos um ao outro como amigos. Mantivemos as coisas na maior normalidade possível e ambos estávamos lá para o Jonathan. Compartilhamos responsabilidades e fizemos coisas juntos como fazíamos antes. Eu simplesmente não estava mais morando na mesma casa.

Da esquerda para a direita: Richard, Jonathan e Vincent Levesque em Roma.



Fora do Armário: Aliás, há quanto tempo você se divorciou? Como o Jonathan reagiu a essa nova realidade? 

Vincent Levesque: Jonathan tinha 16 anos quando Richard e eu nos separamos e já se passaram 4 anos. Nossa parceria doméstica foi dissolvida dois anos depois de nos separarmos. Foi difícil principalmente para o Jonathan, mas ele estava maduro o suficiente para ver e entender as mudanças em nosso relacionamento. Conversamos extensamente sobre isso e respondemos todas as perguntas da melhor maneira que podíamos. Infelizmente, houve alguma encenação da parte de Jonathan, mas apenas do mesmo jeito que havia acontecido quando o adotamos. Tivemos que assegurar-lhe que ainda estávamos ali para ele.

Vincent Levesque e Jonathan.


Fora do Armário: Quais são os traços de personalidade mais especiais em Jonathan na sua opinião?

Vincent Levesque: Jonathan é um jovem engraçado e carismático. Apesar de ter sido adotado, eu acho que ele tem meu senso de humor e o carisma de Richard. Ele sabe conversar com qualquer pessoa e fazer amigos instantaneamente. Eu admiro muito isso nele, especialmente porque eu fico meio desconfortável em situações sociais.

Fora do Armário: Quais são seus planos para o futuro próximo, digamos, cinco anos ou coisa assim?

Vincent Levesque: Para mim, eu estarei "leve" depois de me aposentar em julho próximo. Desde minha separação, eu comecei a viajar muito para a América do Sul. Estive na Colômbia, no Peru, na Guatemala, na Argentina, e no Paraguai, mas eu me apaixonei pelo Brasil. Eu estive lá oito vezes em sete cidades diferentes. Uma vez que Jonathan se juntou às Forças Armadas e que estou solteiro, não havia nada me prendendo aqui. Então, na primavera de 2017, eu decidi mudar minha vida. Vendi minha casa e aluguei o quarto de um amigo, vendi meu carro e poupei o máximo que pude para que pudesse me mudar para São Paulo, Brasil, em agosto de 2018 para aprender português e, eventualmente, espanhol em outro país. Fiz alguns amigos maravilhosos lá e conheci alguém especial que eu espero que desabroche como meu próximo relacionamento maravilhoso.  Para os próximos 5 anos, eu ainda não tenho planos definidos. Eu só quero aproveitar a vida e sentir o aroma das rosas ao longo da jornada da vida. E desde que eu esteja feliz, isso é tudo o que importa.

Jonathan em seu aniversário de 19 anos. Camisa do Brasil!


Fora do Armário: Você pode deixar uma palavra para os leitores do Fora do Armário?

Vincent Levesque: Eu passei algum tempo pensando em algumas palavras de sabedoria, mas sou terrível nisso. A primeira coisa que eu direi é que se você quer adotar, você deveria. Haverá desafios e não serão fáceis. Mas é tão recompensador ver e saber que você ajudou a moldá-los na pessoa que eles se tornaram. A segunda coisa é: Seja quem você for, tenha orgulho. Viva a vida ao máximo, mas sempre confie nos seus instintos mais do que em seu coração ou mente. Eles nunca vão te deixar mal na vida.

Jonathan e Vincent - Instagram

Transexual Luiz Fernando conversa com os leitores do Fora do Armário

Luiz Fernando Prado Uchoa

Por Sergio Viula
Com Luiz Fernando Prado Uchoa


Luiz Fernando Prado Uchoa, 32 anos, nascido em São Paulo, capital, residindo em Guarulhos atualmente, é um homem transexual que marca presença nas redes sociais divulgando temas de interesse da comunidade transexual e de lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros de um modo geral.


O Blog Fora do Armário traz a seguinte entrevista com Luiz Fernando, que está se formando agora e anda às voltas com seu TCC (trabalho de conclusão de curso). Nosso desejo é que esse bate-papo inspire muitas pessoas transgêneras ou não.

Luiz Fernando no FB: https://www.facebook.com/sergio.viula


Luiz Fernando falando sobre registro civil e nome social para pessoas trans.


F.A.: Conte-nos como foi sua infância e adolescência, Fernando, especialmente no que se refere à transexualidade?

Luiz Fernando: Vivia dentro de um corpo e uma socialização que não era a minha. Em minha infância sempre brinquei com lousinha, caderno e livros, pois sempre desejei ser professor e com o passar do tempo passei a ter Barbies e outras bonecas para me aproximar de outras meninas, mas em todas as brincadeiras desejava o tempo todo ser o pai da família.

Na adolescência, meu primeiro beijo foi horrível acabei vomitando sobre a pessoa que beijei. A a primeira transa foi meio que tardia e me senti horrível como se alguém tivesse tentando me machucar.

Vivenciei por um tempo, a experiência de ser lido como lésbica masculinizada para me sentir homem em algum instante de minha trajetória, só que isso me frustrava, e muito. Nunca desejei o corpo feminino e a vivência social desse gênero. Sonhava com a possibilidade de uma masculinidade até que descobri a transmasculinidade em sites, vídeos e livros e descobri que não era só eu que habitava em um corpo estranho e que lutava para ser homem apesar de todas as barreiras.

F.A.: Quando foi que você começou a fazer a transição e quais foram as reações dos familiares e amigos a esse respeito?

Luiz Fernando: Comecei o processo aos 28 anos devido ao meu desconhecimento sobre o processo de transição. Inicialmente, perdi muitos amigos e emprego devido a essa etapa da minha vida. Em relação aos familiares, muitos estranham até hoje, e isso para mim é irrelevante. E que apesar de tudo, minha mãe me apoia no que consegue, mesmo que, às vezes, confunda pronomes e me chame pelo antigo nome.


Luiz Fernando falando na Av. Paulista - ativista empenhado.


F.A.: Você está se formando e isso o coloca no seleto mundo das pessoas transexuais com ensino superior no Brasil, qual foi a carreira que você escolheu e qual é o assunto do seu TCC (monografia)?

Luiz Fernando: Comunicação Social – Habilitação em Jornalismo. Transmasculinidades.

F.A.: Por que você escolheu esse tema para o seu trabalho de conclusão de curso?

Luiz Fernando: Para trazer às pessoas heterossexuais cisgêneras e também lésbicas, gays e bissexuais cis a realidade dos homens trans brasileiros, entendendo quais são suas demandas sociais e anseios pessoais através de um livro-reportagem que abordará como funciona o processo transexualizador, vários perfis de homens trans, o que existem de leis para este segmento e quais políticas públicas existem ou não.

Luiz Fernando, Laerte e João W. Nery: pessoas trans são lindas!


F.A.: Você começou uma "vaquinha online" para quitar despesas com sua graduação. Poderia nos falar mais sobre isso? De que maneira, as pessoas podem ajudar e a que se destina o dinheiro arrecadado exatamente?

Luiz Fernando: Comecei uma “vaquinha online” para quitar os débitos das mensalidades da universidade em que estudo devido a ter ficado um ano desempregado. Por isso, impossível seguir arcando com os pagamentos do curso. As pessoas podem ajudar clicando nos seguintes links:

https://www.catarse.me/pt/quitacao_de_dividas_do_ultimo_ano_de_graduacao_9728 
ou 
https://www.vakinha.com.br/vaquinha/pagar-o-ultimo-ano-de-graduacao

F.A.: Falando um pouco mais sobre intimidades, como vai a vida afetiva? Está namorando, está casado ou está solteiríssimo?

Luiz Fernando: Estou solteiro devido à transfobia existente no meio homossexual em que um pênis é mais valorizado do que a pessoa em si. Mas, nesse momento prefiro estar só para reconstruir a minha autoestima.

F.A.: Hummm... interessante. É bom fazer lembrar ao nosso público que um homem transexual pode ser heterossexual (gosta de mulheres), homossexual (gosta de homens) ou bissexual (gosta de um ou do outro). Identidade de gênero é uma coisa e orientação sexual é outras, seja homem transexual ou homem cisgênero. O mesmo valendo para as mulheres.

Como você vê a situação das pessoas trans no Brasil hoje, especialmente em termos de políticas públicas?

Luiz Fernando: Hove alguns avanços com a criação do programa transcidadania em SP, o uso do nome social no Exame Nacional do Ensino Médio, minisséries com Orange is the new black dando um papel de destaque para Laverne Cox, e a visibilidade de Buck Angel em espaços para falar sobre transmasculinidade, algumas travestis, mulheres transexuais e homens trans presentes na vida acadêmica. Mas, essa é a realidade de poucas pessoas do segmento de travestis, mulheres transexuais e homens trans. Temos de ter politicas públicas que assegurem e garantam o acesso à educação e ao trabalho para este grupo que, infelizmente, é tão marginalizado e vítima de preconceito e violência dentro e fora do meio LGB cis.

F.A.: Quais seriam as prioridades do movimento trans atualmente?

Luiz Fernando: Ao meu ver é garantir saúde, além do processo transexualizador ofertado em algumas capitais, e acesso ao mercado de trabalho e a educação em todos os níveis, sendo assegurando o respeito à identidade de gênero de travestis, mulheres transexuais e homens trans.


Luiz Fernando (foto de perfil no FB no momento dessa publicação)


F.A.: Que palavra você deixaria para a comunidade trans?


Luiz Fernando: Lutem para serem quem são, apesar dos obstáculos existentes. Viver em um armário é ruim demais em um tempo de vida tão curto que temos nesse planeta.

F.A.: E para a comunidade LGB cisgênera?

Luiz Fernando: Se unam às travestis, mulheres transexuais e homens trans na luta por um mundo sem preconceito. Pois, se não nos unirmos, nada irá mudar.

F.A.: E para as pessoas cisgêneras que não são LGBT?

Luiz Fernando: Somos todos humanos que merecemos amar, ser quem somos independente de padrões impostos e criados para nos moldar. Masculinidade e feminilidade nunca estão relacionadas a orientação sexual e identidade de gênero. Seja, quem você é sem rótulos e, se os tiver, nunca os imponha a ninguém.

Criador e criatura: Vilser Vaittim em entrevista e novas tirinhas

Vilser Vaittim - foto do perfil no YouTube


Vilser Vaittim: cartunista


Conheci o trabalho do Vilser através da divulgação do blog dele e depois continuei curtindo e compartilhando pelo Facebook.

Agora, ele preparou uma minissérie muito fofa que começa com um pai e seu filho gay conversando sobre o namorado do filho ir jantar com eles. Fiquei tão empolgado que solicitei essa entrevista e ele carinhosamente a concedeu. Espero que os leitores do Blog Fora do Armário curtam e compartilhem.

E ao Vilser, meu muito obrigado e torcida por sucesso nesse trabalho tão gostoso de ler e tão necessário para abrir mentes fechadinhas e divertir aquelas que um dia se abriram para nunca mais voltarem ao velho formato hermético e diminuto.

Com vocês, Vilser e seus quadrinhos: criador e criatura juntos aqui.

Fora do Armário: Como surgiu a ideia de fazer tirinhas com temática LGBT e há quanto tempo você tem realizado esse trabalho?

Vilser Vaittim: Eu sempre fui fã de quadrinhos de todos os tipos, desde os de humor, passando pelos mangás, até os de super-heróis. Faço rabiscos e quadrinhos de temáticas variadas desde os 14 anos, e já fui premiado por alguns quadrinhos, mas comecei a fazer tiras com temática específica LGBT em 2005, quando quis contar histórias super-resumidas sobre meus amigos e da minha própria vida. Era um fofoqueiro que inventava histórias sórdidas sobre mim mesmo.

Fora do Armário: Você também lançou um livro com tirinhas pelo Amazon, certo? Fale-nos mais sobre ele e qual tem sido a reação do público.

Vilser Vaittim: Agora é você que está fofocando! Ainda não lancei um livro de tirinhas pela Amazon: embora eu esteja planejando realmente lançar uma coletânea de tiras até o começo do ano que vem, ainda não consegui juntar a quantidade necessária que eu considero que um livro desse tipo deveria ter.

Mas já que você perguntou, vou vender meu peixe! O que eu já tenho disponibilizado na Amazon é meu trabalho de escritor: um livro de contos chamado Delicioso Desenfreio, que é uma coletânea de contos curiosos e divertidos de temática LGBT e um romance, também gay, super bem-humorado, mas ainda assim cheio de ação e paixões chamado O Coração de Mosaico, inspirado numa fase curiosa da minha própria vida. Devo dizer que os livros têm a cara dos quadrinhos que costumo fazer, por serem leves e divertidos, uma característica da maioria dos meus trabalhos.

Fora do Armário: Nossos leitores adorariam conhecer mais sobre o homem por trás das tirinhas. Fale-nos um pouco sobre si, sua família, seu trabalho, se está namorando, e outras curiosidades pessoais.

Vilser Vaittim: Eu sou um cara tímido como a maioria dos escritores e desenhistas. Sou de uma família super fofa e simpática que, embora viva cada um à sua maneira, apoia meu trabalho e minha vida pessoal. Estudei muito para trabalhar como servidor público, mas só consegui passar em um concurso que paga pouco, então, trabalho sim, por isso a parte da arte ficou só como hobby, para fazer em casa mesmo. Estou namorando um cara que não é gay (aquelas). E... curiosidades pessoais? Deixe de ser atrevido, vai cuidar da sua vida! Cadê meu Rivotril? Ôchi... E ah, sim, sou um cara super controlado.

Fora do Armário: A internet parece ser uma excelente ferramenta para a divulgação do seu trabalho. Você acredita que as redes sociais têm sido úteis na construção de um mundo menos preconceituoso ou tem ocorrido o contrário?

Vilser Vaittim: A grande vantagem da internet é que não é preciso gastar muito pra fazer ou divulgar meus trabalhos de quadrinhos e livros, mas graças à quantidade de coisas do tipo disponíveis gratuitamente, também é difícil receber alguma coisa por essa arte, e aí a gente tem que trabalhar em outras coisas e acaba fazendo bem menos trabalhos artísticos, ou acaba abrindo mão de colocar o nível de qualidade que realmente gostaria.

Quanto à pergunta sobre as redes sociais, acredito que elas são ferramentas que ajudam a combater o preconceito e que atrapalham ao mesmo tempo. Tomo pela minha experiência pessoal: Eu comecei a escrever sobre a temática LGBT em forma de contos sobre minha vida porque eu queria compartilhar como foi minha saída do armário de uma maneira engraçada e positiva, como se fosse uma sitcom. Na época, muito leitores adolescentes acharam o máximo, e se sentiram melhor consigo mesmos, o que me fez muito feliz. Ao mesmo tempo, sempre surgiam loucos protegidos pelo anonimato que surgiam para criticar gratuitamente qualquer coisa com que não concordassem. Passei a entender que vivemos no melhor e no pior dos mundos com a existência das redes sociais. Há mais pessoas com quem desabafar suas dores e dificuldades, mas há mais pessoas para te criticarem.

Fora do Armário: Você conhece trabalhos de outros autores cartunistas brasileiros que fazem tirinhas ou semelhantes? Quais são os seus favoritos? Conhece trabalhos estrangeiros? Como está o Brasil em relação a esses países em termos de publicações desse gênero?

Vilser Vaittim: Há sim, ainda bem, outros desenhistas brasileiros que fazem tirinhas LGBT. Já pude conferir as histórias em quadrinhos "Torta de Climão" do Kris Barz e "O Querido Armário" do Nill Witchimichen. Acho fantástica a existência deles e o estilo de engajamento social, mas no Brasil me inspiro mesmo no nonsense dos anos 80, Angeli, Laerte e Adão Iturrusgarai. Ao fazer meus contos, me inspiro no estilo de Luís Fernando Veríssimo, que eu amo, mas como ainda não conheço nenhum contista de humor especificamente gay, creio que ainda estou me inventando.

No exterior, acho fofas as tirinhas do "Adventures in Gay" que retrata coisas bizarras de como os gays enxergam as coisas e colocam regras sobre eles mesmos e "Oglaf", quadrinhos bizarros que se passam em uma espécie de universo alternativo onde tudo é curiosa e profundamente experimentado em termos de sexualidade.

Eu vejo que há uma quantidade imensa de publicações de quadrinhos e livros de contos LGBT no exterior, a maioria de temática erótica, claro, mas por lá já há uma tradição de consumo desse tipo de material. No Brasil, ainda parece haver pouco interesse nesse tipo de leitura.

Fora do Armário: Se o Vilser tivesse o poder mágico de realizar instantaneamente três desejos pessoais em sua vida pessoal, quais seriam eles?

Vilser Vaittim: Eu me considero feliz em muitas, muitas coisas. Se pudesse, queria ser capaz de deixá-las assim por muito mais tempo. Queria poder deixar outras pessoas felizes também, pois gente feliz não enche o saco... E eu queria pedir mais desejos...

Fora do Armário: E se pudesse fazer o mesmo em relação à diversidade sexual e de gênero no Brasil, quais seriam seus três desejos?

Vilser Vaittim: Eu jogaria pó de pirlimpimpim pra virar suruba geral. Dei até um suspiro aqui... Brincadeiras à parte, a gente só queria ficar em paz no nosso canto pra viver nossa vidinha de boas com quem se interessa pela gente. Quem a gente ama, beija ou vai pra cama só deveria ser da conta de quem usa o próprio corpo - da maneira que preferir - e pra quem queira usar esse corpo. O resto, não sei ao certo, pois a cada conquista, surgirá uma necessidade nova.

Fora do Armário: Há algo que você gostaria de dizer antes de caminharmos para a última pergunta?

Vilser Vaittim: Batata!

Fora do Armário: (Risos) Para finalizar, como é que os nossos leitores podem fazer contato com você? Qual é o link para aquisição do seu livro eletrônico com tirinhas fantásticas? Existe uma página no Facebook com seus trabalhos? Fique à vontade para dar todas as dicas.

Vilser Vaittim: Quem quiser pode encontrar trabalhos antigos meus no meu blog, que hoje em dia serve mais como um arquivo: https://vilser.blogspot.com/, pode me encontrar e atualizar-se das coisas novas seguindo minha página no Facebook: https://www.facebook.com/quadrinhosdovilser, ou pode interagir também sendo meu amigo ao me adicionar no Face: Vilser Vaittim. E tenho e-mail ainda pra quem é das antigas: vilser@gmail.com.

Meus livros já disponíveis na Amazon:

Delicioso Desenfreio - Contos - https://www.amazon.com.br/dp/B00YHUAQEY

O Coração de Mosaico - Romance - https://www.amazon.com.br/dp/B0D1YVYRNR

O Príncipe e o Fogo do Dragão - Conto - https://www.amazon.com.br/dp/B012923ZXK

Fora do Armário: Vilser Vaittim, obrigado por ter compartilhado um pouco de si e de sua obra com o Blog Fora do Armário e seus leitores. Desejamos sucesso e que sua obra avance em todos os sentidos. Então, nossa mensagem final para você é: KEEP CALM & ESCREVA MAIS TIRINHAS.















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Jovem ex-testemunha de Jeová e gay fala sobre sua emancipação




Maurício é um jovem nascido do amor entre um suíço, filho de italianos, e uma brasileira. Foi ensinado na religião de seus pais, Testemunhas de Jeová. Cresceu na Suíça, mas nunca perdeu a conexão com o Brasil, onde sua avó materna mora até hoje. Tive o privilégio de conhecê-lo em 2014. Ele havia deixado o Salão do Reino das Testemunhas de Jeová havia pouco tempo e pudemos trocar boas ideias sobre religião e emancipação. Ele leu Em Busca de Mim Mesmo. Disse que gostou, emprestou para a avó, e comprou outro para dar de presente. Logo em seguida, voltou para a Suíça, mas esteve no Brasil novamente há pouco tempo.

Jovem, inteligente e comunicativo, Maurício fala muito bem a língua portuguesa, mas sente-se mais à vontade para conversar em inglês. Ele carinhosamente concedeu ao Blog Fora do Armário a entrevista que você lerá abaixo:

Fora do Armário: Mauricio, você foi testemunha de Jeová, certo? Quando você nasceu sua família já pertencia à organização?

Maurício: Certo. Meus Pais se conheceram e se casaram dentro da organização. Meu pai nasceu na Suíça, de pais italianos, e minha mãe é carioca. Se conheceram na Assembleia Internacional das TJ no Rio de Janeiro e se casaram em 1992. Quando eu nasci, em 1994, aqui na Suíça, a minha família já fazia parte da organização.
 
Fora do Armário: Conte-nos sobre sua experiência no Salão do Reino.


Maurício: Desde infante, fui levado ao Salão do Reino pelos meus pais. A reunião costumava ser segunda-feira, à noite; sexta-feira, à noite; e domingo, pela manhã. Em 2009 a organização decidiu reduzir as reuniões para duas reuniões por semana. Porém, a segunda-feira tinha que ser reservada para estudar em família.

Como criança sempre tive amiguinhos no Salão do Reino. A gente brincava antes da reunião começar e depois dela terminar. Amizades fora da organização não são recomendadas e só surgiram depois que eu comecei a frequentar o jardim de infância, mas continuavam sendo muito limitadas. Nos cinco anos do meu ensino fundamental, o meu melhor amiguinho foi um menino que fazia parte da minha congregação.

Como criança era muito chato ter que me vestir formalmente, ir para o Salão do Reino, e me sentar por aproximadamente duas horas calado, quando eu não entendia nenhuma palavra. Mas acredito que foi muito enriquecedor para o meu vocabulário (risos).

A primeira atração pelo mesmo sexo da qual eu ainda me lembro foi em 2001 (eu tinha 7 anos), quando ganhei um CD do cantor Italiano Tiziano Ferro. Gostava tanto da foto dele naquela capa que fantasiava sobre beija-lo. Por sentir-me muito culpado, contei para minha mãe. Ela me disse que eu tinha que orar para Jeová, e ele ia me ajudar a lutar contra isso.


Às vezes me pergunto quando foi que ficou claro para mim o que que é a homossexualidade. Não lembro direito, mas se nessa época já via essa fantasia como algo errado, então acho que eu já estava bem doutrinado.

Decidi "dedicar minha vida" à organização em 2011 e fui batizado em julho do mesmo ano. Pensava que para mim aquela era a verdade e que não existia outra, então eu me sentia como se não tivesse nada a perder.

Em 2012, conheci uma garota que pertence à organização e mantivemos contato. Eu gostava muito dela, mas de uma forma muito platônica, e depois de algumas semanas começamos a nos encontrar com mais frequência. Quando ela mostrou interesse, achei uma boa oportunidade para conhecê-la também, porque minha intenção ainda era viver uma uma vida dentro do armário.

Mas, assim que ela exprimiu os sentimentos afetivos dela, eu caí numa fase depressiva, e um dia, ao voltar do trabalho, contei para os meus pais e me assumi gay. Eles falaram que a decisão era minha: escolher entre a aprovação de Deus ou viver uma "vida homossexual". Por mais um tempo, fiquei dentro da organização.

Já sabia que depois de me formar em farmácia, eu não quereria mais morar na Suíça. Morar no Rio com meus parentes ainda não era uma opção, porque eles não pertenciam à organização, e viver com eles significaria um alto risco de eu perder meus princípios e eventualmente abandonar a organização. Porém, no início de 2012, eu conheci um grupo de Testemunhas de Jeová num ônibus turístico em Roma. Eles também eram turistas, missionários que se mudaram dos EUA e Canadá para o México, porque a organização precisava de pessoas que falassem inglês para divulgar a Palavra lá. Estava considerando me mudar para o México para sustentar a obra.

Então, em outubro de 2012, visitei o México por duas semanas e estava determinado a me mudar depois da minha formatura.

Assim que voltei, conheci pela Internet (ainda tinha 18 anos na época e uma visão sobre relacionamentos bem distorcida) um homem que, assim como eu, é um fã dedicado da Madonna e comecei a conversar com ele. Com o tempo, o contato ficou muito mais frequente. A gente se falava muito. Tinha dias em que eu acordava 1 hora antes do trabalho para conversar com ele pelo Skype, e me apaixonei por ele. Sonhava em viver em Los Angeles com ele depois de me formar.

Mas tudo isso pra mim era um peso, porque eu estava vivendo uma vida dupla. Sabia que nunca ia poder dar-lhe o amor e a atenção que ele merecia.

Pensei em escrever uma carta assinada e abandonar a organização de vez, mas acho que para os meus pais teria sido um choque e muito mais pesado para "aceitar" (coisa que até hoje não aconteceu). Começou mais uma fase muito difícil pra mim.

Fora do Armário: Em que ano você deixou a Sociedade Torre de Vigia?

Maurício: Deixei a Sociedade em Março de 2013. Em fevereiro de 2013, tinha viajado sozinho para visitar um amigo e conheci um homem com o qual decidi me relacionar. Quando voltei para casa recebi uma visita dos anciãos da congregação e fui questionado. Não tinha escondido a minha viagem "mundana" e tinha publicado fotos dela nas redes sociais, coisa que chamou a atenção deles.

Contei tudo: que não tinha mais vontade de continuar, que sou gay e também confessei o meu "pecado".



Sede das TJ nos EUA: Sociedade Torre de Vigia

Sete dias depois fui chamado para responder a uma comissão judicativa, um tipo de tribunal religioso. Lá, ficou decidido que eu seria desassociado, ou seja, excomungado da congregação, porque não tinha me arrependido do pecado.

Foi ao mesmo tempo um choque e um grande alívio. Uma parte da minha mente me dizia que eu nunca ia ser feliz fora da organização, mas por outro lado, eu sabia que todas as possibilidades estavam agora abertas para mim e que poderia fazer o que quisesse.

Fora do Armário: Qual foi a reação dos seus pais, parentes e amigos TJ?

Maurício: Meus pais ficaram devastados e não entendiam o porque de todo isso. Tivemos muitas discussões e momentos difíceis, porque, a partir daquele momento, cada um queria fazer a sua opinião valer, tanto eu como eles.

Os outros parentes e amigos simplesmente cortaram relações comigo imediatamente.

Fora do Armário: Quando você começou a pensar em deixar a organização, você recebeu apoio de outros TJ que saíram também ou fez essa transição sozinho? Como se sentiu nesse período? Maurício: No início comecei a visitar sites "apóstatas", tais como jwfacts.org, taze.co, jwsurvey.org e aawa.co.

Quando entrei em contato com minha tia que não é TJ, contei a situação pra ela e ela me deu o contato de um amigo dela que também deixou a organização por conta da sexualidade. Graças a ele, ficou claro pra mim que a vida e a felicidade não acabam depois de largar a organização. Pelo contrário, começam de verdade. Essa foi uma fonte de esperança pra mim. Hoje em dia ainda o vejo como um bom irmão e sou grato pelas coisas que ele me ensinou.

Porém, só procurei esse apoio um mês antes de deixar a congregação. Antes disso, os pensamentos sobre deixar a organização vinham da leitura do material "apóstata".

Fora do Armário: Qual é a visão da Sociedade Torre de Vigia sobre a homossexualidade? O que você acha dessa visão?

Maurício: "A Bíblia não fala diretamente dos fatores biológicos envolvidos nos desejos homossexuais, embora reconheça que todos nós nascemos com a tendência de ir contra os mandamentos de Deus. (Romanos 7:21-25) Mas, em vez de focalizar a causa dos desejos homossexuais, a Bíblia simplesmente proíbe as práticas homossexuais."

JW [site oficial da Sociedade Torre de Vigia]: https://www.jw.org/pt/ensinos-biblicos/perguntas/biblia-diz-sobre-homossexualidade/#?insight[search_id]=9900c557-647b-4da2-8300-a6dfeab715de&insight[search_result_index]=1

Um Testemunha de Jeová homossexual dedicado tem duas escolhas: ou continua solteira para o resto da vida ou se casa com uma pessoa de sexo diferente do seu.

Um homossexual nunca vai poder viver um Amor verdadeiro dentro da congregação.

Essa visão é a mesma visão que a maioria das religiões cristãs têm. Como não acredito que a Bíblia seja um livro inspirado por alguma entidade espiritual, não tenho uma opinião sobre essa visão. Ela é simplesmente tão irrelevante pra mim quanto qualquer outra doutrina bíblica.

Fora do Armário: Como é vista pela congregação do Salão do Reino das Testemunhas de Jeová a pessoa que abandona a organização?

Maurício: O Corpo Governante proíbe o contato dos membros da congregação com qualquer pessoa que foi batizada na organização e depois abandonou a congregação ou foi excomungada.

Qualquer pessoa que não concorda plenamente com os ensinamentos e as doutrinas do Corpo Governante é considerada apóstata.

"Suponha que um médico lhe recomendasse evitar contato com alguém que está infectado com uma mortífera doença contagiosa. Você entenderia as palavras do médico, e você seguiria estritamente o seu conselho. Bem, os apóstatas estão "mentalmente doentes", e tentam contaminar outros com seus ensinamentos desleais. Jeová, o Grande Médico, nos diz que devemos evitar o contato com os apóstatas." (Edição de Estudo da Sentinela, 15 de Julho de 2011 pág. 16)

Fora do Armário: Comparando o tempo em que você viveu nesse círculo religioso - e dentro do armário - com o momento que você vive agora, quais foram os ganhos do ponto de vista pessoal ao deixar a organização? Houve perdas? Se tivesse que fazer essa transição para fora do armário e do Salão do Reino de novo, faria algo diferente?

Maurício: Ganhei uma liberdade pessoal que nunca tinha tido antes. Foi uma emancipação completa.

Cinco meses depois de deixar a organização, fui pro Rio de Janeiro e passei 15 meses lá. Foi uma experiência maravilhosa. Tive uma família que me aceitou do jeito que eu sou, e experimentei muito mais liberdade pessoal. Consegui desconstruir o preconceito em relação aos LGBTs conhecendo muitos LGBTs maravilhosos que hoje em dia são ótimos amigos.

Tive o meu primeiro relacionamento maravilhoso. Hoje, apesar de não sermos mais namorados, somos ótimos amigos.
 
Não consigo pensar em nenhuma perda que tive deixando a organização, por que as coisas que parecem ser perdidas na verdade nunca existiram. Por exemplo: várias pessoas cortaram o contato comigo depois de deixar a organização.

Uma pessoa desassociada poderia lamentar que perdeu amizades. Mas pra mim, isso não tem nada ver com amizade. Não foi um Amor incondicional. Durou enquanto tínhamos as mesmas visões sobre a vida e sobre deus; assim que isso mudou, a amizade se dissolveu. Não lamento.

Se tivesse que fazer essa transição de novo, faria muito mais cedo. Diria bem cedo para as pessoas e para os meus pais que sou gay, lutaria muito mais contra o preconceito, contra as doutrinas com as quais não concordo. Não teria me batizado.

Fora do Armário: Que mensagem ou conselho você deixaria para as pessoas LGBT que vivem no armário?

Acho que não tem nada que uma pessoa possa dizer para alguém que vive dentro do armário que vá fazer a pessoa mudar o pensamento ou que possa dar a coragem para sair. É um processo interior, pessoal e que acontece dentro da própria pessoa.

Infelizmente ainda existem muitas pessoas que não tem a coragem de lutar contra o preconceito e assumir a homossexualidade, continuam vivendo uma vida de mentira. Mas que bom que tem muitas pessoas que acordam e enxergam que esconder a verdadeira identidade é um ato que derrota a pessoa por dentro, uma vida de sofrimento todos os dias. E eu tive que questionar as doutrinas para ver como tudo isso é injusto, que eu não posso ter a mesma liberdade de viver a minha identidade como têm as pessoas heterossexuais na organização. Depois disso, você vai juntando e juntando mais e mais força, e quando essa força é suficiente, você consegue dar o passo necessário para se libertar.

Acredito que esse seja o processo pelo qual a maioria das pessoas LGBT passa antes de se libertar. Mas a decisão de acordar tem que ser da pessoa mesmo, e essa decisão é muito mais difícil quando a pessoa é doutrinada.

Posso dizer com certeza absoluta que VALE A PENA todo o esforço e sofrimento. Viver a própria verdade/identidade não tem preço. Inclusive, esse é um dos motivos pelo qual eu dei essa entrevista tão abertamente: não tenho nada a esconder. Quero que as pessoas me amem pela pessoa que eu realmente sou, e essa história faz parte da minha vida, de quem eu sou hoje.

Esses sites fornecem mais informações sobre a Organização da Torre de Vigia:

Site oficial da Sociedade Torre de Vigia: https://www.jw.org/pt/ 

Ex-testemunhas de Jeová:
https://extestemunhasdejeova.net/forum/app.php/portal

Fora do Armário: Obrigado pela atenção e pelas respostas, Maurício. Certamente, serão palavras de estímulo e inspiração para muitas pessoas que leem esse blog ou que virão a lê-lo no futuro. Forte abraço, queridão.

Brasileiro homossexual e autista fala ao Blog Fora do Armário - homem fascinante!

autismoediversidade.blogspot.com.br


O Blog Fora do Armário entrevistou neste domingo um jovem brasileiro que se identifica como homossexual e autista. Pessoa fascinante, foi ele quem traduziu o texto de um outro jovem gay e autista chamado Derek, escrito originalmente em inglês. Foi a partir da leitura desse texto e de um comentário que deixei na versão portuguesa e na versão inglesa que nos aproximamos. Washington Ferreira, esse jovem brasileiro que se coloca com tanta clareza, inteligência e orgulho é quem fala ao Blog Fora do Armário na entrevista exclusiva que você lerá a seguir.  Simplesmente imperdível!


1.       Você se identifica como gay e autista. O que é ser autista? Qual é o seu tipo de autismo?


Quando digo que sou autista, isso significa que eu fui diagnosticado com Transtorno do Espectro Autista ou TEA. O autismo, de forma bem simplificada, é um distúrbio do desenvolvimento neural caracterizado pelo prejuízo na comunicação e na interação social e pelo comportamento restrito e repetitivo. O meu tipo de autismo é chamado de autismo de alto funcionamento e algumas pessoas chamam de autismo leve. Eu não apresento déficit cognitivo, mas tive algum atraso no desenvolvimento da linguagem. Apresento dificuldades de interação social, dificuldades comportamentais, convulsões, crises nervosas e movimentos repetitivos ou estereotipias. Atualmente, comunico muito bem, embora ainda tenha dificuldade para falar com clareza em determinadas circunstâncias e momentos.



2.       Sair do armário pode ser um processo difícil para a maioria das pessoas. Como foi a sua experiência de auto reconhecimento e de emancipação? Em outras palavras, como foi que você foi entendendo que era gay e como foi que você saiu do armário?


Eu tive consciência da minha homossexualidade aos vinte e três anos. Na adolescência, eu não tive interesses sexuais ou afetivos. Quando comecei a conhecer outros homens homossexuais, eu tinha aquilo que chamam de “inveja do bem”. Eu gostaria de ter dado meu primeiro beijo na adolescência ainda. Acreditava que eu era reprimido. Os outros jovens passavam a ideia de que eles eram determinados e fortes. Só anos mais tarde, com muita terapia e leituras de textos sobre autismo, é que eu descobri que pessoas autistas têm um desenvolvimento emocional mais lento e que algumas permanecerão inclusive assexuadas para o resto de suas vidas. A partir daí comecei a aceitar-me mais e saber que tudo tem seu tempo.



3.       Quantos anos você tem hoje e como é sua rotina diária? Você estuda? Trabalha? O que faz no seu tempo livre?


Tenho trinta e quatro anos atualmente e eu tenho um emprego. Sou graduado e também faço pós-graduação. Eu gosto muito de rotinas. Autistas detestam quando algo sai da rotina. Quando perco o controle de algo, fico com um sentimento enorme de frustração e incompetência. Para mim, as coisas têm que funcionar de acordo com o script. O mundo real é caótico e não tem lógica para uma pessoa autista. No meu tempo livre, eu gosto de jogar jogos eletrônicos e ir à casa dos meus familiares. Não vou a lugares com muitas pessoas, como bares, casas noturnas e espetáculos. Mas tenho amigos e encontro esporadicamente com eles.





4.       Geralmente, os pais e amigos de pessoas autistas esquecem que a pessoa autista também tem necessidades e potencialidades afetivas e sexuais.  Você já teve namorado? Está em algum relacionamento no momento?


Anos atrás, tinha-se em mente aquela ideia do autista como uma pessoa fechada dentro de sua realidade e mundo. Hoje autistas trabalham e muitos conseguem estabelecer relacionamentos prolongados e constituir família. Autistas também têm desejos românticos e sexuais. Não só os autistas, mas todas as pessoas que têm alguma necessidade especial. Atualmente, eu namoro. Na verdade, eu moro com meu companheiro. Ele é meu primeiro e único namorado (já fiquei com outros homens, mas sem estabelecer algum vínculo duradouro). Eu não consigo dormir com ele, na mesma cama. Então, cada um tem seu quarto. Gosto de ficar no meu quarto e ele me entende e respeita. Em alguns momentos, ele reclama da minha falta de afeto ou cuidado com ele. Temos alguns problemas de comunicação, mas as coisas se resolvem com o tempo. Ele é muito compreensivo e procura entender minhas limitações, sem cair naquele discurso de me ver como um coitado. Tenho minhas limitações e um funcionamento cerebral diferente da grande maioria, mas não sou incapaz.





5.       O que diria para os pais e amigos de pessoas autistas LGBT ou heterossexuais em relação à vida afetiva e sexual de seus queridos autistas?


Eu diria que o mais importante é educar seus filhos e filhas para a autonomia. Toda pessoa tem direito ao livre exercício de sua sexualidade e as pessoas autistas também devem ser incluídas. Crianças autistas crescem e tornam-se adultos autistas. É um equívoco achar que o autismo desaparecerá com o passar dos anos. Há melhoras sim e, quando se é devidamente acompanhado, o futuro adulto autista poderá levar uma vida próspera. É preciso cuidado e carinho com seus filhos, mas excesso de zelo prejudica o desenvolvimento. É algo até bobo, mas que preciso lembrar: mamães e papais de autistas não são eternos. Vocês não ficarão com seus filhos para sempre. Incentive-os a estudar, procurar amizades e ter uma fonte de renda. Um dado preocupante: estima-se que somente dez por cento de todos os adultos autistas encontram-se empregados. O acesso ao trabalho é restrito, a escola não está preparada para receber esses alunos autistas e até mesmo muitos profissionais ligados à saúde mental não sabem como lidar com as pessoas portadoras dessa síndrome.





6.       Você considera que as pessoas autistas heterossexuais e LGBT estejam cientes das práticas de prevenção às DST (doenças sexualmente transmissíveis), inclusive o HIV e o HPV? E da sempre possível gravidez no caso das relações heterossexuais? As campanhas de prevenção atingem as pessoas autistas da mesma maneira que as pessoas não-autistas?


É difícil dizer, já que não costumo falar muito sobre isso com meus contatos. Mas o pouco que já ouvi, há um desconhecimento geral sobre os métodos contraceptivos e as formas de contágio entre autistas. Eu não posso falar por todos, mas noto que as primeiras experiências sexuais em pessoas autistas ocorrem entre os vinte e trinta anos. Conheço casos de abuso e violência sexual com crianças, jovens e até adultos autistas, que é algo desprezível. Sei da existência de autistas que são pais, mas não conheço nenhum pessoalmente. Quanto às campanhas de prevenção, como um homem que está dentro do espectro do autismo, posso dizer que elas não têm muito impacto. Autistas são conhecidos pela sua interpretação literal de expressões. E abstrações, linguagens figuradas e metáforas não funcionam conosco. Um exemplo que vejo como idiota hoje, mas que acreditei na adolescência. No ano de 1993 assisti a um comercial do Ministério da Saúde sobre o uso do preservativo no Carnaval. Eu tinha treze anos na época. E, num dado momento, a atriz disse que era necessário usar camisinha para prevenir-se contra a Aids. Eu refleti sobre essa declaração e não entendia como o uso de uma camisa pequena ou curta poderia prevenir o contágio. Eu conhecia o nome “preservativo”, mas a educação sexual que tive na escola era muito precária. E, como não tinha interesse em namoros e sexo, não era relevante para mim. Só depois, aos dezessete anos, aprendi que camisinha é sinônimo de preservativo. Para mim, até hoje, esse nome não tem a menor lógica. É preciso tomar cuidado com termos que dão margem para um “duplo sentido” ou que deixe algo subentendido.  O autista sempre interpretará pelo seu significado literal. Não existe “mais ou menos” ou “talvez”. É sim ou não.



7.       Você mantém um blog chamado Autismo e Diversidade. Como surgiu a ideia? Está filiado a algum grupo especificamente voltado para esse segmento populacional?


Eu faço parte de um grupo internacional denominado “LGBT Adults with Asperger's/Autism Group” no Facebook. Ele é voltado a pessoas LGBT que têm Transtorno do Espectro Autista, também conhecido pela sigla TEA. A maioria é formada por pessoas de países anglófonos (Reino Unido, Canadá, Estados Unidos, Austrália e África do Sul) e há alguns que são de países como França, Portugal, Japão, Espanha e Filipinas. Eu sou o único sul-americano no grupo. Consigo escrever um pouco em inglês e comunico-me bem com eles. Há alguns sites e blogues em língua inglesa que são escritos e editados por autistas LGBT. Eu percebi a inexistência de páginas na nossa língua sobre autismo e sexualidade. Por isso, tive a ideia de criar o blog e com dois objetivos principais: Queria primeiramente alcançar e atingir os adolescentes e jovens adultos autistas LGBT e suas famílias. Saber da existência de outras pessoas que são iguais a eles e que não precisam sentir-se estranhos e esquisitos. Falar um pouco da minha experiência. Saber que o bullying algum dia diminuirá ou mesmo cessará. Que eles precisam ser fortes e que ser autista não é motivo de vergonha ou limitação. E tentar diminuir um pouco o estigma da homossexualidade presente ainda em muitas famílias de pessoas autistas. Recentemente, tivemos um caso de um pai conhecido na comunidade autística (como chamamos o grupo heterogêneo formado por pessoas autistas, suas famílias e profissionais que trabalham com essas pessoas) que fez comentários homofóbicos. Isso é horrível. Se nós trabalhamos para a inclusão das pessoas autistas em todos os espaços, por que o preconceito?


Quanto ao meu segundo grande objetivo, eu pretendo alcançar a comunidade LGBT neurotípica (ou não-autista, se preferir). É uma forma de dizer: “nós existimos”. Não podemos estar em casas noturnas ou nos bares, mas estamos aqui. Aliás, estamos em todos os lugares. Existe portador da Síndrome de Down que é gay, existe lésbica que é cadeirante... Citei esses dois exemplos, pois eles são reais e eu os conheço. Muitas vezes, nos sentimos negligenciados por nossas famílias e comunidade. É como se não tivéssemos direito à existência plena.



8.       O que você acha que o governo precisa urgentemente fazer para viabilizar a realização pessoal dos cidadãos autistas, seja no nível acadêmico, profissional, legal, médico, cultural, esportivo, de lazer, etc?


São muitas coisas. A primeira, preparar os profissionais para o diagnóstico de autismo. Eu recebia diferentes diagnósticos. Já recebi até um falso diagnóstico de esquizofrenia. Quanto mais cedo o autismo for diagnosticado – e hoje temos técnicas que permitem diagnosticá-lo já nos dois primeiros anos de vida – mais tempo a família e os profissionais poderão trabalhar a síndrome. Preparar as
escolas e capacitar as professoras e professores que recebem o aluno com autismo no espaço escolar. Trabalhar o tema da inclusão com as crianças e adolescentes. Falta um projeto que vise inserir o autista adulto no mercado de trabalho. Há empresas no exterior que possuem funcionários autistas e sabem que eles são produtivos e independentes. Muitos autistas adultos são medicados excessivamente e há uma cultura ainda persistente de internações desnecessárias. A família, os amigos, a escola e a comunidade devem buscar oportunidades para o crescimento das pessoas autistas. Se esses problemas forem trabalhados já na infância e na adolescência, podemos inferir que a qualidade de vida dos adultos autistas será melhor.





9.       Como pessoa autista, você já foi vítima de preconceito? E como homossexual? Como você lidou/lida com isso? Que conselho você daria a outros autistas LGBT?


Não fui vítima de atos e comentários homofóbicos, mas tinha aquilo que chamamos de homofobia internalizada. Achava-me feio, fora do padrão e estranho aos olhos das outras pessoas. Ser homossexual ainda... “É muito azar para uma pessoa só”, pensava assim. Isso está trabalhado. Minha família, colegas e vizinhos sabem. Não sou de falar sempre da minha sexualidade, mas não me considero um enrustido. Quanto ao autismo, já fui vítima de ataques verbais e físicos. O primeiro foi aos dezoito anos e eu tive uma convulsão na rua. Passei mal e, ao contrário de receber ajuda das pessoas, ganhei chutes e socos. O argumento das pessoas foi de eu parecia drogado e ficaram com medo. Este ano, no mês de junho, tive também uma convulsão em público novamente ao receber uma notícia ruim e me seguraram fortemente pelos braços, sem uma agressão mais violenta. E sou, com relativa frequência, chamado de retardado por pessoas próximas e desconhecidas. No início, eu não sabia o significado dessa palavra e minha postura era de indiferença. Hoje, ela me deixa triste. É lamentável que as pessoas desconheçam sobre autismo. Durante toda minha vida, eu fiz um esforço quase sobre humano para entender as pessoas – mesmo que ainda eu não saiba compreender muitas emoções alheias e fazer uma leitura adequada de expressões faciais – e aí me chamam de “retardado”, sem saber como é meu funcionamento. Tento ignorar e relevar ao máximo quando isso acontece.



10.   Qual é o seu maior sonho na vida?


Vou falar de dois: um sonho enquanto indivíduo e outro sonho enquanto portador de TEA. Meu maior sonho pessoal é aprender a dirigir e tirar minha carteira de habilitação. Eu tenho que aprender muito ainda, preciso desenvolver minha coordenação motora e terei que fazer uma autoescola especializada, mas pretendo realizar esse sonho. Minha realização enquanto autista é que todas as crianças e adolescentes autistas possam ter uma vida melhor.



11.   Se outras pessoas autistas lésbicas, gays, bissexuais ou transgêneras precisarem de apoio para lidar com conflitos externos ou internos relacionados à sua sexualidade ou identidade de gênero, onde elas poderão obter apoio?


Creio que os mesmos lugares que são procurados por LGBT típicos. Os diversos escritórios da AMA (Associação de Amigos do Autista) possuem atendimento psicológico especializado e voltado a autistas e podem ajudar muito. Caso isso não seja possível, a última alternativa é procurar algum apoio psicológico na rede pública ou na rede privada.



12.   Há alguma outra coisa que você queira dizer ao público do Blog Fora do Armário?



Eu agradeço o espaço que me foi oferecido pelo Sergio Viula. Falo muito pouco sobre mim e vi com muito proveito. Peço aos leitores e leitoras do Blog Fora do Armário que procurem se informar sobre autismo e visitem o meu blog também. Posso estar antecipado, mas desejo um 2015 de muitas realizações a vocês. Muito obrigado.

Eu é que me senti honrado, Washington Ferreira, com o privilégio de ouvi-lo. Tenho certeza que o público do Blog Fora do Armário também. Espero que nossa amizade cresça a cada dia. Um abraço para você e para seu namorado. 



Amigas e Amigos do Blog Fora do Armário, visitem o site do Washington e vejam que trabalho fantástico ele faz: autismoediversidade.blogspot.com.br

autismoediversidade.blogspot.com.br
 

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