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O que é gênero? (Judith Butler)

O que é gênero?
Judith Butler / Big Think 

Traduzido por 
Sergio Viula 



Judith Butler: O que é gênero?
Falando para o canal Big Think




Então, existem muitas teorias diferentes sobre gênero, e a minha é apenas uma delas. Às vezes, pessoas que realmente odeiam o gênero me apontam como a responsável por ter inventado isso, mas isso não é verdade. Na minha visão, todo mundo tem uma teoria sobre gênero, e o que quero dizer com isso é que todos têm certas suposições sobre o que o gênero é ou deveria ser. E, em determinado momento da vida, nos perguntamos: "Uau, de onde veio essa suposição?" (Judith ri).

Neste ponto, estou menos preocupada com qual teoria está certa ou errada, porque o ataque ao gênero também é um ataque à democracia. Temos o poder e a liberdade de criar vidas mais vivíveis para nós mesmos, onde os corpos possam ser mais livres para respirar, se mover e amar, sem discriminação e sem medo da violência.

Sou Judith Butler, professora distinta na pós-graduação da Universidade da Califórnia em Berkeley. Ensino literatura, filosofia e teoria crítica, e sou mais conhecida por meus dois livros sobre gênero: Problemas de Gênero e Corpos que Importam, do início dos anos 1990. Meu trabalho foi traduzido para mais de 27 idiomas.

Eu insisto que o que significa ser mulher, ou mesmo ser homem ou qualquer outro gênero, é uma questão em aberto.

Temos uma série de diferenças biológicas, então não as nego, mas não acho que elas determinem quem somos de uma forma definitiva. No centro dessas controvérsias está a distinção entre sexo e gênero. Mas qual é essa distinção? Como devemos pensá-la?

O sexo geralmente é uma categoria atribuída a bebês, que tem importância no mundo médico e jurídico. Já o gênero é uma mistura de normas culturais, formações históricas, influência familiar, realidades psíquicas, desejos e vontades. E nós temos voz nisso.

Minha vida foi influenciada pelos anos 1960 e pelos movimentos sociais que surgiram nessa época. Cresci no lado leste de Cleveland, em uma comunidade judaica, e, quando estava no ensino médio, já era politicamente ativa. Mas também fazia cursos universitários de filosofia.

Nos meus 20 anos, percebi que não foram apenas os judeus que foram capturados e exterminados pelo regime nazista. Foram pessoas queer, gays e lésbicas, pessoas com deficiência, pessoas doentes, trabalhadores poloneses, comunistas. Minha percepção era de que era preciso ampliar a lente e entender que muitas pessoas foram alvo de políticas genocidas e que há diferentes formas de opressão. Continuo convencida de que precisamos conhecer a história para garantir que ela não se repita e que devemos buscar justiça não apenas para o grupo ao qual pertencemos, mas para qualquer grupo que sofra de maneira semelhante.

Nos anos 1970 e 1980, fiz parte de um movimento de pessoas que estavam repensando o gênero naquela época. A teoria queer estava surgindo, em um diálogo complexo com o feminismo. Questões trans ainda não haviam se tornado parte da nossa realidade contemporânea, então era um momento em que fazíamos perguntas como: "O que a sociedade fez de nós e o que podemos fazer de nós mesmos?"

Havia algumas vertentes do feminismo às quais me opus. Uma delas defendia que as mulheres eram, fundamentalmente, mães e que a maternidade era a essência do feminino. Outra via o feminismo como uma questão de diferença sexual, mas definiam essa diferença sempre presumindo a heterossexualidade. Ambas me pareceram equivocadas.

Eu sempre acreditei que as pessoas não deveriam ser discriminadas com base no que fazem com seus corpos, em quem amam, em como se movem ou como se apresentam. O que eu estava dizendo era que o sexo atribuído ao nascimento e o gênero que lhe ensinam a ser não deveriam determinar como você vive sua vida.

Às vezes, as pessoas apontam Problemas de Gênero como o marco inicial da teoria de gênero, mas outras pessoas já trabalhavam nessa área antes de mim, como Gayle Rubin, Juliet Mitchell e Simone de Beauvoir.

Simone de Beauvoir foi uma filósofa existencialista e feminista que escreveu O Segundo Sexo na década de 1940. Seu argumento central era que "não se nasce mulher, torna-se mulher" – ou seja, o corpo não é um fato imutável. Ela abriu a possibilidade de uma diferença entre o sexo atribuído ao nascimento e o sexo que se torna ao longo da vida.

Gayle Rubin, uma antropóloga, escreveu um artigo extremamente influente chamado O Tráfico de Mulheres. Ela argumentava que a família era uma estrutura cuja função era reproduzir o gênero e que um de seus objetivos era manter a heterossexualidade como norma.

Outro aspecto interessante do trabalho de Rubin foi sua relação com a psicanálise. Ela sugeriu que havia uma enorme repressão envolvida no processo de "tornar-se" homem ou mulher e que, para se conformar às normas de gênero, era necessário reprimir diversas possibilidades de ser, sentir, agir e amar que não se encaixavam nesses padrões.

Então, a antropologia, a psicanálise – tudo isso já fazia parte do debate antes de Problemas de Gênero.

Quando escrevi Problemas de Gênero, muitas pessoas tratavam o gênero como um fato natural ou uma realidade sociológica, mas não como algo que poderia ser construído e reconstruído.

A performance é importante nesse sentido: nós encenamos quem somos. E qualquer pessoa que estude performance sabe que existem performances em nossa vida que não são meras imitações, não são falsas.

Quando o filósofo J.L. Austin cunhou o termo "performativo", ele tentava entender enunciados legais. Por exemplo, quando um juiz diz "Eu os declaro marido e mulher", isso não é uma ficção – isso aconteceu de fato.

Agora, e se disséssemos que, ao vivermos nossas vidas como um determinado gênero, estamos realmente tornando esse gênero real, fazendo algo acontecer?

Quando pessoas gays e lésbicas começaram a se assumir, ou quando pessoas trans começaram a viver abertamente, algo mudou no mundo. Ao aparecer, falar e agir de certas maneiras, a realidade mudou. E continua mudando.

Estamos vendo os termos mudarem. Não falamos mais de família, mulher, homem, desejo e sexo da mesma maneira. Até mesmo o Cambridge Dictionary reconhece que algo mudou (Judith ri).

O performativo é um ato que faz algo existir ou um ato que tem consequências reais. Ele muda a realidade.

Mesmo entre pessoas progressistas e liberais que conheço, às vezes há resistência em relação aos direitos trans, direitos gays e lésbicos ou mesmo aos direitos das mulheres. Dizem que são questões secundárias ou que os incomodam.

Mas, nos EUA, aprendemos a falar de forma diferente sobre pessoas negras e sobre mulheres. E sim, pode ter sido difícil aprender a usar uma nova linguagem. Talvez tenhamos tido que ajustar nossos hábitos. Mas errar faz parte do aprendizado, especialmente quando estamos aprendendo algo novo.

Hoje, estou menos interessada em defender uma teoria sobre gênero e mais preocupada em encontrar formas criativas e eficazes de combater os ataques ao gênero.

Muitas pessoas que se recusam a permitir que pessoas trans se definam temem que sua própria auto definição seja desestabilizada.

Mas será que o gênero de alguém é realmente necessário e universal, ou é algo que emerge de maneira complexa em cada um de nós?

A liberdade é uma luta porque há muitas forças no mundo que nos dizem para não sermos livres com nossos corpos.

Vivemos em uma democracia e assumimos que vivemos de acordo com princípios como igualdade, liberdade e justiça. Mas estamos sempre aprendendo o que esses conceitos realmente significam.

Precisamos ocupar esses conceitos e mostrar que as lutas por justiça racial, igualdade e liberdade de gênero são parte essencial de qualquer luta democrática.

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Via Big Think

Traduzido por Sergio Viula

Vídeo fonte: https://youtu.be/UD9IOllUR4k?si=q6EVfV-K3v0mOaBs

Fechando Maio com Foucault

Por Sergio Viula



Perfil do professor Marcus Gomez:
https://www.instagram.com/chilenogomez_marcus/



Tive o privilégio de ser convidado pelo professor Marcus Gomez (também conhecido como Chileno) para participar de uma live sobre a História da Sexualidade como apresentada e analisada por Foucault. Claro que não nos restringimos a essa maravilhosa obra Foucaultiana, mas também não nos afastamos totalmente dela. Como resistir aos encantos do pensamento de Foucault? E como não falarmos sobre coisas que nos mobilizam também no próprio cotidiano ou em nossas curtas histórias de vida?

A experiência de troca foi tão prazerosa que o professor Marcus Gomez me pediu que começássemos outra logo após encerrássemos aquela para que não quebrássemos alguma linha de raciocínio eventualmente. 

Foi o que fizemos, e deu super certo! Duas horas de papo super (des)construtivo pensando vários aspectos de nossa sociedade e de sua história e contemporaneidade.

Convido a todas a todos os meus leitores aqui do blog a que se inscrevam no canal do professor Marcus Gomez e assistam esse bate-papo super descontraído.

Veja as duas lives no YouTube logo abaixo.

Para vê-las no Instagram, clique nos seguintes links:

Live 1: https://www.instagram.com/tv/CA38O9uBlFD/?utm_source=ig_web_copy_link

Live 2: https://www.instagram.com/tv/CA4DMbvBnRq/?utm_source=ig_web_copy_link


LIVE 1



LIVE 2

Alegrias que as redes sociais me proporcionam

Por Sergio Viula



É fantástico ver o poder de um livro, mas é preocupante também. Digo isso, porque, se por um lado, um livro emancipador pode fazer muito bem, por outro lado, um livro com conteúdo opressor pode causar muito estrago.

Entre domingo e segunda-feira, mais precisamente falando, em menos  24 horas, recebi comentários de pessoas que leram o meu livro Em busca de mim mesmo (https://www.amazon.com.br/Busca-Mim-Mesmo-Sergio-Viula-ebook/dp/B00ATT2VRM). E, para a minha alegria, todas elas tiraram proveito da leitura.

Curiosamente, cada comentário chegou por meio de uma rede social diferente: WhatsApp, Facebook e Instagram. Foi por esse último que um leitor, com quem eu nunca tivera contato, pôde falar comigo pela primeira vez. Fiquei lisonjeado com o que ele disse e esperançoso, pois constatei que  mesmo estando esgotado em sua versão impressa, meu livro continua alcançando pessoas em seu fornato e-book pelo site Amazon.

Esse leitor me disse a mesma coisa que já ouvi de outras pessoas, isto é, que uma vez iniciada a leitura, não conseguiu mais abandoná-la. E acrescentou que vai reler o livro com mais calma agora para absorver detalhes que possam ter escapado à sua atenção na primeira leitura. Fiquei duplamente honrado.

As falas desses queridos leitores me estimularam a fazer esse post para incentivar você que porventura não tenha lido Em busca de mim mesmo ainda a aproveitar o distanciamento social para ter novos encontros consigo mesmo através dessa leitura.

O livro inspira pessoas das mais diversas trajetórias na vida. Uma das reações mais extraordinárias que recebi até hoje veio de um casal heterossexual.  Marido e esposa se revezavam lendo várias páginas do livro em voz alta, um para o outro, antes de dormirem. Depois, discutiam a leitura. 

Quem me contou isso foi a esposa depois de me reconhecer e me parar numa rua da Ilha do Governador, bairro pitoresco do Rio de Janeiro. Fiquei muito grato, agradeci e nunca esqueci daquele momento deliciosamente inusitado.  Seu abraço afetuoso confirmava suas palavras entusiasmadas.

Então, querido(a) leitor(a) desse blog, fica a dica de leitura para essa semana: Em busca de mim mesmo.

Para ler o livro agora mesmo em seu computador, tablet, laptop ou smartphone, basta acessá-lo aqui: 
https://www.amazon.com.br/Busca-Mim-Mesmo-Sergio-Viula-ebook/dp/B00ATT2VRM

À medida que for lendo ou depois de concluir a leitura, não deixe de me enviar suas impressões, sejam elas quais forem. Será um prazer ouvir sobre sua experiência de mergulho. 😍

Clara Averbuck e Magô Tonhon: Visibilidade Trans - como não se apaixonar por essas mulheres fantásticas?

Por Sergio Viula

Clara Averbuck (esquerda) e Magô Tonhon


Gente, gente, gente! Pára tudo!!! 

Eu já conhecia Magô Tonhon, a quem considero uma das mulheres mais inteligentes e bem articuladas que já conheci pessoalmente, mas agora ela me apresenta a outra mulher fantástica - Clara Averbuck!!! 

Depois de assistir os vídeos de Magô e de Clara, confirmo a sensação de que, definitivamente, nem tudo está perdido no reino da Internet!!! hehehe

Essas duas YouTubers deram um show nesse vídeo sobre gênero e sexualidade! Recomendo esse bate-papo a todos os meus leitores. 

Ah, e não se esqueçam: Inscrevam-se nos canais de ambas. Colocarei os links abaixo.

Divulguem essa postagem também, seus lindos, lindas e lindes!

Considero absolutamente inebriantes a inteligência e articulação postas a serviço da autonomia humana e do pluralismo de subjetividades, constantemente em construção e transformação.

Um brinde às duas e a tudo o que elas disseram nesse vídeo, então.


Canal da Clara Averbuck: 
https://www.youtube.com/channel/UCRY1ZXNFwRxjXrJrhwdj-ew

Canal da Magô Tonhon (Canal Voz Trans): 
https://www.youtube.com/channel/UCmorqc1W1wgLasI3whzpxeQ (

Inscrevam-se. :)

Careca de Saber: Leandro Karnal fala sobre gênero e diversidade sexual


Via Band/UOL:


Karnal: mudança de gênero é natural da variedade humana

Para Leandro Karnal, a discussão sobre esse tema é essencial nas escolas, para que as crianças não cresçam como adultos angustiados e evitem ser segregadas dentro da sociedade.

Assisti esse programa anteontem na BandNews, canal a cabo da Bandeirantes, e adorei. Graças ao site UOL, pude capturar o vídeo o colocá-lo aqui para vocês também.

http://bandnewstv.band.uol.com.br/videos/colunistas/leandro-karnal/16050828/karnal-mudanca-de-genero-e-natural-da-variedade-humana.html

Assistam, amigas e amigos. Vale muito a pena.

SSEX BBOX: Flashes dos meus primeiros momentos neste sábado

Buck Angel e Sergio Viula

 Alexandra, Beto, Indianara e Tatiana Lionço

Beto

Priscila Bertucci, Beto, Indianara e Tatiana

Indianara, Sergio e Katia Viula

Alexandra e Sergio Viula

João Nery e Sergio Viula

Sergio, Beto e Katia

João Nery, amiga e eu

Esses foram alguns dos gostosos encontros depois da minha chegada ao SSEX BBOX no Centro Cultural São Paulo neste 21 de novembro. Amanhã, participarei de uma mesa às 10 horas. Apareça. Senhas gratuitas uma hora antes.

SSEX BBOX: Sergio Viula confirmado. Veja quem mais aqui.


Divulgue e compareça. Será simplesmente phodástico!

PROGRAMAÇÃO COMPLETA

DA 1ª CONFERÊNCIA INTERNATIONAL [SSEX BBOX] & MIX BRASIL DE SÃO PAULO: http://migre.me/rQeRT

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DESDE DOMINGO, 01/11/15, VOCÊ JÁ PODE SE INSCREVER NA 1ª CONFERÊNCIA INTERNACIONAL [SSEX BBOX] & MIX BRASIL.

A CONFERÊNCIA É GRATUITA E AS VAGAS SÃO LIMITADAS.
CLIQUE NO LINK E INSCREVA-SE!
http://www.ssexbbox.com/primeira-conferencia/


Vamos nos encontrar nessa sexta, dia 18/09/15?



Vamos nos encontrar nessa sexta, 18/09/15, às 18h, no auditório Paulo Freire


1ª Opção: Utilizar os ônibus CENTRAL–SEROPÉDICA ou CASTELO–SEROPÉDICA, da Viação Real Rio. O primeiro sai do Terminal Américo Fontenele, na Central do Brasil, e o segundo do Terminal Menezes Cortes, no Castelo.

2ª Opção: Pegar o trem saindo da Estação Dom Pedro II (Central do Brasil). Nesse caso, deve – se desembarcar em Campo Grande e tomar, próximo a Estação Ferroviária (Rua Campo Grande), um dos seguintes ônibus da Empresa Real Rio: Campo Grande – Seropédica.

3ª Opção: Da Rodoviária NOVO RIO tomar os ônibus CENTRAL–SEROPÉDICA ou CASTELO–SEROPÉDICA, da Viação Real Rio no ponto de ônibus próximo a passarela em frente as DOCAS do RIO DE JANEIRO

De onde vem essa história de que a carne é fraca?

Um dos muitos mitos de origem


A prisão de Cristo (1598), Caravaggio


Por Sergio Viula


De onde vem essa história de que a carne é fraca?


Diversos fatores passíveis de exame crítico/histórico podem servir de plataforma para explicar como a morte de um homem que nasceu num dos lugares mais distantes do centro de poder da época (Roma), viveu numa região das mais pobres (Nazaré), e veio a se tornar um ícone tão poderoso e mobilizador de tanta energia mental em tantas partes do mundo ao mesmo tempo, acabou se tornando esse messias que tanta gente adora.

Basta que chegue uma data como a semana santa ou o natal para que vejamos a força que essa tradição exerce até sobre aqueles que vivem o ano inteiro como se ela fosse tão importante quanto qualquer outra crença. De seres fantásticos integrados e dependentes da floresta até um deus acima de tudo e todos, que não depende de nada para ser, a religião passou por uma tremenda evolução - ou involução, dependendo do ponto de vista.

É interessante ver como tanta gente que se deleita com um bom churrasco, seja de carne de frango, de gado bovino ou suíno, ou alguma de origem mais exótica, é capaz de deixar tudo isso de lado para comer peixe e frutos do mar, sem sequer estabelecer qualquer conexão necessária entre isso e a morte de Jesus.

Dizer que isso é feito em respeito ao corpo torturado de Cristo não parece ser uma boa razão, visto que nas próprias escrituras cristãs não há qualquer passagem que sugira tal coisa.

Bem, para mim isso não é problema, porque há três anos parei de comer carne, exceto pelo peixe. Então, comer peixe hoje ou no carnaval não é nada que fuja da minha rotina.
Mas, não é dessa carne que eu quero falar. O que quero pensar aqui é de onde as pessoas tiraram essa contraposição entre a ” carne” e o “espírito”.

Quando algum cristão (ou seu mímico, sem qualquer vínculo com a fé no nazareno) pensa que a “carne é fraca”, ele geralmente tem em mente o corpo decaído. Decaído, porque em Adão todos caíram, conforme apregoa a maioria das teologias cristãs. Assim, o corpo já nasce contaminado pelo pecado e com uma tendência intrínseca para pecar sempre, devendo, portanto, ser meticulosamente cerceado. Daí, as dietas religiosas, as indumentárias da santidade, o controle do sexo, entre outras técnicas de repressão e condicionamento.

Como supostamente disseram Paulo e Tiago, respectivamente, nas passagens abaixo, o corpo deve ser subjugado:

Antes subjugo o meu corpo, e o reduzo à servidão, para que, pregando aos outros, eu mesmo não venha de alguma maneira a ficar reprovado. 1 Coríntios 9:27

Porque todos tropeçamos em muitas coisas. Se alguém não tropeça em palavra, o tal é perfeito, e poderoso para também refrear todo o corpo. Tiago 3:2

Não é de admirar que os castigos corporais e restrições aos prazeres mais banais façam parte do imaginário e da prática da cristandade. As orações prolongadas em jejum, as vigílias, as penitências, a autoflagelação e outras formas mais agressivas de subjugação (só que não subjugam coisa alguma) são também algumas dessas “técnicas”.

Contudo, o convento, o mosteiro, as sacristias, os gabinetes pastorais, e outros ambientes onde o controle do corpo é uma neurose constante, negam a eficácia dessas “técnicas” repressivas. Há coisas que acontecem ali que fariam as/os profissionais do sexo duvidarem de seus próprios olhos se pudessem vê-las.

Na verdade, não haveria razão para reprovar a maioria desses “atos pecaminosos”, caso fossem experiências vivenciadas por outros que não os mesmos que condenam tais coisas na vida alheia. De fato, não fosse a pedofilia, tão comum nesses ambientes, as outras relações seriam absolutamente inofensivas em quaisquer outros contextos, fosse o relacionamento entre homens e mulheres, o relacionamento entre homens e homens, ou o relacionamento entre mulheres em mulheres. Só que essas experiências corporais ganham contornos bem diferentes quando desfrutadas por padres, freiras, pastores e pastoras. E por que isso? Justamente porque esses clérigos e essas “noivas de Cristo”, que é como as freiras geralmente se denominam, são a representação de toda essa repressão supostamente justificada por uma busca de santidade, mas que é – ela sim – absolutamente contra a natureza. O antagonismo se revela em pares: céu x terra, corpo x alma, santidade x prazer, e por aí vai.

Mas o pior é sempre a repetição irrefletida, desprovida de crítica, e de averiguação. Um dos chavões mais repetidos entre os cristãos e – de novo – seus mímicos é: “a carne é fraca”. Trata-se de um recurso para quem se defende ou para quem tenta justificar o “erro” de alguém que lhe interessa de modo mais especial do que o restante da humanidade.

Entretanto, essa frase atribuída a Jesus nunca foi usada nesse sentido, nem no contexto de pecado, nem com ideia de que o “corpo do pecado” é mais forte do que alma. A contraposição que Jesus faz é bem outra. Veja a passagem (grifos meus):

36  Então chegou Jesus com eles a um lugar chamado Getsêmani, e disse a seus discípulos: Assentai-vos aqui, enquanto vou além orar.

37 E, levando consigo Pedro e os dois filhos de Zebedeu, começou a entristecer-se e a angustiar-se muito.

38 Então lhes disse: A minha alma está cheia de tristeza até a morte; ficai aqui, e velai comigo.

39 E, indo um pouco mais para diante, prostrou-se sobre o seu rosto, orando e dizendo: Meu Pai, se é possível, passe de mim este cálice; todavia, não seja como eu quero, mas como tu queres.

40 E, voltando para os seus discípulos, achou-os adormecidos; e disse a Pedro: Então nem uma hora pudeste velar comigo?

41 Vigiai e orai, para que não entreis em tentação; na verdade, o espírito está pronto, mas a carne é fraca.

42 E, indo segunda vez, orou, dizendo: Pai meu, se este cálice não pode passar de mim sem eu o beber, faça-se a tua vontade.

43 E, voltando, achou-os outra vez adormecidos; porque os seus olhos estavam pesados.

44 E, deixando-os de novo, foi orar pela terceira vez, dizendo as mesmas palavras.

45 Então chegou junto dos seus discípulos, e disse-lhes: Dormi agora, e repousai; eis que é chegada a hora, e o Filho do homem será entregue nas mãos dos pecadores.

(Mateus 26:36-45)

Qual foi a intenção de Jesus com essa fala, então? Foi simplesmente a de reconhecer que os três discípulos que ele havia levado para um ponto mais retirado do Getsêmani, a fim de que vigiassem e orassem, enquanto ele se afastava para orar sozinho, estavam dispostos (o espírito está pronto), mas não conseguiam se manter acordados (a carne é fraca), devido ao cansaço resultante das jornadas dos dias anteriores e das emoções que precederam sua prisão ali mesmo naquele horto. Ele chegou a reprovar Pedro por não ter conseguido ficar uma hora sequer velando com ele – o mesmo Pedro que teria dito ser capaz de morrer por ele, mas nunca nega-lo.

O significado dessa fala, se parafraseada, seria o seguinte:

Eu sei que vocês estão dispostos, não é por mal que vocês pegaram no sono, mas porque o corpo não aguenta mais ficar em pé. Então, durmam, porque não fará diferença. Serei entregue de qualquer modo nas mãos dos que me odeiam.”

Isso nada tem a ver com pênis, vagina, boca, ânus, seios, peitos, pelos, pele, orgasmo, ejaculação, ereção, contrações vaginais ou anais, e por aí vai. A ideia de associar a fala de que “a carne é fraca” às relações sexuais e ao erotismo do corpo humano, do qual a mente também é produto, vem de outro momento: vem dos apóstolos metidos a tradutores do pensamento de Jesus, os quais disseram, em suas cartas, coisas que ele nunca disse em seus sermões e conversas íntimas com os discípulos, conforme registrado.

Posteriormente, Santo Agostinho, querendo aproximar a teologia católica da filosofia grega, criando um híbrido perigoso, falou de sua própria juventude como um tempo de satisfação da “carne”, reforçando a ideia de que o corpo é desprezível e que tudo o que vem dele condenável. Ele reduz o homem a uma entidade espiritual, condenada a um invólucro que o arrasta para baixo (mais baixo do que o animal), mas tudo isso não passa de uma manobra realizada por uma consciência adoecida por culpas que ela mesma inventou para si. Agostinho, bem como alguns de seus antecessores e muitos de seus contemporâneos, padeciam dessa neurose que faz desprezar o corpo e incensar a alma.

Que coisa me deleitava senão amar e ser amado? Mas, nas relações de alma para alma, não me continha a moderação, conforme o limite luminoso da amizade, visto que, da lodosa concupiscência da minha carne e do borbulhar da juventude, escalavam se vapores que me enevoaram e ofuscaram o coração, a ponto de não se distinguir o amor sereno do prazer tenebroso. (SANTO AGOSTINHO. Confissões. São Paulo: Nova Cultural, 2000. [Coleção Os Pensadores]. 2000, p. 63-64)

E não apenas na juventude, mas ele lamentava que suas concupiscências continuavam e continuariam atormentando sua “alma”, enquanto ele não morresse. A linguagem é rebuscada, mas é exatamente isso que ele diz:

[…] concluiremos, assim, as tentações da concupiscência da carne, que ainda me perseguem, fazendo-me gemer e desejar ser revestido pelo nosso tabernáculo que é o céu. Os olhos amam a beleza e a variedade das formas, o brilho e amenidade das cores. Oxalá que tais atrativos não me acorrentassem a alma! (SANTO AGOSTINHO. Confissões. São Paulo: Nova Cultural, 2000. [Coleção Os Pensadores]. 2000, p. 294)
Essa ideia de que a alma é superior ao corpo é uma reedição adaptada do platonismo. Para Platão, o mundo sensível era inferior ao mundo ideal (o mundo das ideias). Agostinho vai buscar essa premissa platônica para construir sua “antropologia teológica”. O céu é superior a terra, a alma é superior ao corpo, e Deus é o supremo bem – coisa que Platão nunca sonhou em dizer. Até porque os gregos nunca deixaram de usufruir dos prazeres que o corpo podia proporcionar: a degustação de bom vinho, boa comida, a camaradagem entre homens (o que incluía o relacionamento sexual), o conhecimento do mundo e de seu funcionamento como uma atividade emancipadora, e por aí vai. Agostinho e Tomás de Aquino conseguiram perverter isso. O primeiro o fez com o platonismo, e o segundo, com o aristotelismo.

Não admira que ainda haja tanta gente coxeando entre o pensamento de ser feliz e o pensamento de ser obediente. Mas obediente a quem? Obediente a neuróticos que ganharam renome com o tempo? Obediente a escrituras absolutamente questionáveis sob diversos aspectos? Obediente a homens e mulheres borrados de óleo e que portam chapéus engraçados ou vestimentas espalhafatosas? Obediente a ideias de “santidade” que nada mais são do que a negação de tudo o que é natural, prazeroso, tudo o que fomenta nossa criatividade, alegria e potencial para ser e para fazer feliz?

Não é exatamente essa obediência que se constitui a plataforma de todo o tipo de fundamentalismo? Não é dessa repressão que se faz toda sublimação que põe tanta gente a trabalhar incansavelmente por recompensas pós-mundanas? E quem ganha com isso? Os administradores dos dividendos da fé, é claro. Toda a riqueza das religiões que trabalham com essa “lógica” é incomensurável – da Basílica de São Pedro (no Vaticano) até a mais simples capelinha da mais nova igreja fundada por aquele pastor ex-traficante, que mal sabe escrever, ali na esquina.

Qual é a moral dessa história, então?

É preciso libertar-se dos fantasmas que têm assombrado o mundo, graças a um considerável número de homens e mulheres, mas principalmente homens, sexualmente mal resolvidos e dominados por ressentimentos contra a humanidade, contra o mundo, e contra tudo o que diga respeito às incríveis possibilidades, bem como as inegáveis limitações, de nossa existência.

Abandonemos ideias como recompensas ou castigos pós-mundanos ou intra-mundanos promovidos por uma divindade, ou lei estabelecida por uma força ou entidade superior aos seres humanos.

Desprezemos completamente o discurso dos desprezadores do corpo.

Como dizia Nietzsche no preâmbulo de seu Assim falou Zaratustra:

“Exorto-vos, irmãos meu, a permanecerdes fiéis à terra e a não acreditardes naqueles que vos falam de esperanças supra-terrestres. São envenenadores, quer o saibam ou não. São menosprezadores da vida, moribundos que estão, por sua vez, envenenados, seres de quem a terra encontra-se fatigada; vão-se de uma vez.”

O mais irônico é que os desprezadores do corpo não compreendem que a mente doentia, que nega sua própria corporalidade, continua sendo projeção desse mesmo corpo. Por mais que acreditem que possam se emancipar do corpo, nunca deixarão de ser corpo e de viver de acordo com aquilo que ele mesmo projeta, mesmo quando o negam. O corpo é a origem de tudo o que somos, pensamos e sentimos, inclusive aquilo a que chamamos de “mente” e aquilo a que chamamos de “ego”. Tudo isso é produzido pelo corpo, é projeção dele - de intrínsecas e incríveis combinações bioquímicas dentro de nós.

Os desprezadores viverão reprovando o corpo e negando seu potencial erótico/criativo, mas não sobreviverão à própria morte para descobrir que perderam tempo precioso e irrecuperável. Isso é lamentável, obviamente, mas uma coisa é fantástica: podemos viver nossa corporalidade, ou seja, não precisamos seguir o rebanho de corte, pastoreado por aqueles que vivem de suas mortes, podemos viver intensa e plenamente a despeito deles. Vivamos, então, sem qualquer restrição que não apenas a de vivenciar nossos prazeres com aqueles que espontânea e consensualmente desejam a mesma coisa. Nada mais é necessário.

Originalmente publicado em 19 de fevereiro de 2017. Atualizado em 18/08/17.

ATEU HOMOFÓBICO – UMA QUIMERA




ATEU HOMOFÓBICO – UMA QUIMERA

De um ateu para outros ateus ou a quem possa interessar

Por Sergio Viula



Muitas quimeras já foram idealizadas por esse mundo afora, mas nenhuma é mais paradoxal do que um ateu que cultiva pensamentos homofóbicos ou palavras e posturas desse feitio. Felizmente, essas pessoas são vistas em número cada vez menor por aí. Alguns são muito barulhentos, mas não perfazem a maioria dos ateus. Alguns dos maiores nomes do ateísmo moderno são realmente pró-diversidade em todos os sentidos. O que me deixa perplexo é ver como os desafinados com a diversidade sexual não percebem que todo esse fervor anti-gay é herança da religião (ou das religiões) a que foram submetidos desde pequenos, bem como das instâncias – também influenciadas por estas – que se ocuparam de sua educação. Uma vez acriticamente internalizados, tais preconceitos contra a homossexualidade, a bissexualidade, a transexualidade, etc nunca foram esquadrinhados com o mesmo zelo racional com que tais precipitados ateus puseram à prova outros preconceitos e dogmas religiosos. 



Metaforicamente falando, não adianta um ateu se livrar da cabeça (deus) e guardar o resto do cadáver (crenças preconceituosas e moralismo dogmático). É preciso se livrar do morto todo. Aliás, desse cadáver que tanta gente tenta conservar só se tira uma lição: a de que a vida não pode ser encaixotada por mandamentos, prescrições e ordenanças. 

A ciência, por sua vez, não dita comportamento sexual (ou outros). Em outro campo, um dos prediletos da filosofia, uma ética da felicidade rechaça tais preconceitos, uma vez que o amor entre pessoas capazes de decidirem por si mesmas é absolutamente digno de existir, qualquer que seja a orientação sexual ou a identidade de gênero dos envolvidos. Tal postura ética diante da vida entende que as pessoas são livres para realizarem suas biografias, e estimula cada uma delas a construir sua própria história visando à realização pessoal, ao mesmo tempo em que conclama cada indivíduo a respeitar o espaço do outro, bem como suas possibilidades e seus direitos, de modo que este também possa experimentar o máximo de felicidade na vida. E não me refiro a momentos de euforia; refiro-me àquela sensação de que se está vivendo o mais fielmente possível a si mesmo, somando-se a isto uma convivência politicamente correta com o outro. Tal vivência nos coloca anos-luz à frente de qualquer pessoa guiada por mandamentos. E que ninguém se precipite: "viver de maneira politicamente correta" nada tem a ver com esse arremedo debochado que alguns espalham por aí, como se fossem muito originais em sua rebeldia contra o que é justo, belo e bom no sentido em que os gregos entendiam a virtude. Quem assim faz demonstra sequer ter compreendido o que significa a frase "o homem é um animal político". Como esperar, então, que entenda o que é viver de modo politicamente correto? 

Ainda de olho em nossa espécie, quando penso naquele humano mais primitivo, que, já sendo um de nós, vez por outra, se divertia despreocupadamente com o outro macho, ou nas primitivas fêmeas de nossa espécie que transavam com outras fêmeas, exatamente como fazem centenas de outras espécies, que se relacionam esporádica ou fixamente com membros do mesmo gênero em nossos dias, sem qualquer problematização desse gozo, não posso evitar um sorriso ironicamente condescendente para com os que já se acham muito distantes do Pentateuco ou das Epístolas Paulinas, enquanto continuam sendo assombrados por fantasmas dali emanados. Será que esses ateus pela metade, que ainda sustentam discursos religiosos, fazendo malabarismos hermenêuticos para não soarem tão dogmáticos quanto os crentes assumidos, isto é, para não soarem “cristãos” demais, não percebem a armadilha em que caíram? Como ousam se gabar de fundamentos tão lodacentos na construção de sua moralidade? Mesmo que utilizem um termo ou outro falsamente científico, com alguma retórica aparentemente irrefutável, será que não percebem que enfeitar o cadáver não o torna menos morto ou – ainda pior – não diminui seu potencial de contaminação para quem o carrega continuamente sobre as costas? 

A relação sexual entre membros do mesmo gênero, dentro de uma mesma espécie, remonta aos primórdios da nossa história evolutiva e parece que vai permanecer entre nós enquanto esse bicho que a gente chama de humano não vier a ser outra coisa, alguma coisa que não transe, por exemplo. Porque, uma coisa se pode afirmar com base em nosso histórico: enquanto houver sexo, haverá bi/homo/heterossexualidade, como sempre houve. Antes, sem problematização de qualquer ordem. Não era sequer nomeado dessa maneira pelos primeiros homens, como não é pelos outros animais. A herança maldita imposta pelas religiões monoteístas à sexualidade humana, por meio de suas crenças castradoras, mortificadoras, desnaturalizantes, não pode ter outro destino senão o completo descarte por aqueles que desejam pensar e agir de modo plenamente racional. As interpretações desses fenômenos da afetividade e da sexualidade humanas poderão ganhar novas cores no futuro, mas o fato de dois indivíduos do mesmo gênero transarem, identificados ou não por certas “etiquetas”, é e sempre será um fenômeno (aquilo que aparece, aquilo que acontece) inerente à humanidade. E, a menos que nossa espécie se extinga por circunstâncias cosmológicas previsíveis ou jamais pensadas, o mundo ainda será palco de muitos orgasmos entre pessoas do mesmo sexo e de sexos diferentes, exclusiva, simultânea ou alternadamente. E que diferença faz para a ordem natural se fulano e sicrano entendem isso ou complicam tudo? A natureza, inclusive a nossa, abrirá passagem e seguirá indiferente.

Agora, uma coisa é certa: Os seres humanos e suas comunidades serão muito mais felizes se viverem sob o comado de uma razão a serviço da felicidade humana, começando pela sua própria. E vejam que já existem vários religiosos experimentando essa liberdade, a despeito de sua crença no divino ou até mesmo por causa dela. Deviam se envergonhar de sua superficialidade, esses ateus quiméricos muitos dos quais vivem ridicularizando as pessoas de fé tanto quanto ridicularizam os LGBT. 

Já deu. Se não deu, devia ter dado - se é que me entendem. ;)


P.S.: A Liga Humanista Secular do Brasil (LiHS), a Atheist Alliance International (AAI) e a International and Ethical Union (IHEU), só para citar três, são exemplos de organizações que agregam ateus, agnósticos, céticos, secularistas, humanistas e são francamente pró-diversidade com igualdade de tratamento e de direitos.

A Homofobia Internalizada - artigo por Pedro Sammarco

A Homofobia Internalizada





Artigo de Pedro Paulo Sammarco




Nossa sociedade é construída por nós e pelo outro por meio da intersubjetividade. O homem é ao mesmo tempo produto e produtor do social. A cultura envolve as crenças do ser humano. Não nascemos “humanos”; somos “humanizáveis”. O processo de objetivação social se dá por intermédio dos atos que se tornam hábitos e estes, por sua vez, criam padrões que se institucionalizam, tornando-se legítimos. Criamos algo que ao mesmo tempo nos cria, a sociedade. A ideologia existe porque nós a reconhecemos.

Determinadas ações são desejadas por todos. As crenças dão subsídios às instituições, prescrevendo papéis. As legitimações são justificadas nas instituições. Criada uma realidade objetiva, há mecanismos para mantê-la. Caso haja um “rebelde” que não se submeta à norma estabelecida, haverá a tentativa de aplicação terapêutica, com o objetivo de tratar para corrigir. Se não for possível corrigir, restará a prisão ou até mesmo o seu aniquilamento.

Portanto, cuidado com a homofobia internalizada pelas regras sociais. Elas impedem que você e os outros sejam felizes. A melhor forma de combatê-la é identificar seus “sintomas”, trabalhá-los e eliminá-los, para o bem da sua felicidade e dos demais. Alguns de seus indícios podem ser:

a) negação da sua orientação sexual (do reconhecimento das suas atrações emocionais e sexuais) para si mesmo e perante os outros.

b) tentativas de mudar a sua orientação sexual.

c) sentir que nunca se é “suficientemente bom” (por vezes tendência para o “perfeccionismo”).

d) pensamentos obsessivos e/ou comportamentos compulsivos.

e) fraco sucesso escolar e/ou profissional; ou sucesso escolar e/ou profissional excepcional, como forma de se sentir compensado e aceito.

f) desenvolvimento emocional e/ou cognitivo atrasado.

g) baixa auto-estima e imagem negativa do próprio corpo.

h) desprezo pelos membros mais “assumidos” e “óbvios” da comunidade LGBT.

i) desprezo por aqueles que ainda se encontram nas primeiras fases de assumir a sua homossexualidade.

j) negação de que a homofobia, o heterossexismo, a bifobia, a transfobia e o sexismo são de fato problemas sociais sérios.

l) desprezo por aqueles que não são como si mesmos; e/ou desprezo por aqueles que se parecem consigo mesmo.

k) projeção de preconceitos num outro grupo alvo (reforçado pelos preconceitos já existentes na sociedade).

l) tornar-se psicológica ou fisicamente abusivo; ou permanecer num relacionamento abusivo.

m) tentativas de passar por heterossexual, casando, por vezes, com alguém do sexo oposto para ganhar aprovação social ou na esperança de “se curar”.

n) crescente medo e afastamento de amigos e familiares.

o) vergonha e/ou depressão; defensividade; raiva e/ou ressentimento.

p) esforçar-se pouco ou abandonar a escola; faltar ao trabalho/fraca produtividade.

q) controle contínuo dos seus comportamentos, maneirismos, crenças e idéias.

r) fazer os outros rirem por meio de mímicas exageradas dos estereótipos negativos da sociedade em relação aos homossexuais.

s) desconfiança e crítica destrutiva a líderes da comunidade LGBT.

t) relutância em estar a par ou em mostrar preocupação por crianças por medo de ser considerado “pedófilo”.

u) problemas com as autoridades.

v) práticas sexuais não seguras e outros comportamentos destrutivos e de risco (incluindo riscos de gravidez e de ser infectado/infectar com o vírus do HIV e demais DSTs).

w) separar sexo e amor e/ou medo de intimidade. Por vezes pouco ou nenhum desejo sexual e/ou celibato.

x) abuso de substâncias (incluindo comida, álcool, drogas e outras).

y) desejo, tentativa e concretização de suicídio.

z) isolamento, medo, fuga, alienação, depressão, ansiedade, tristeza, angústia, vergonha, ódio por si mesmo, revolta, falta de estímulo, falsidade, confusão, falta de concentração, timidez, etc.

Por que os fetiches sexuais são considerados anormais pela ciência? - artigo de Pedro Sammarco

Por que os fetiches sexuais são considerados anormais pela ciência?




Artigo de Pedro Paulo Sammarco



Parece natural perguntar sobre as causas daquilo que é considerado anormal em qualquer campo de estudo. Porém, apenas certa minoria de pesquisadores se pergunta sobre as causas daquilo que é considerado normal. Poucos se ocupam em saber como foi o processo de construção da “normalidade”. Por que será que certos fenômenos e manifestações são considerados normais? Quais são os critérios que definem o que é “normal”? Aquilo que é considerado normal muitas vezes é hierarquizado, naturalizado e essencializado, portanto é automaticamente livre de questionamentos sobre sua constituição.

A idéia de normalidade não é imposta. Seu poder se estabelece por intermédio da sedução do indivíduo, prometendo aceitação, saúde, felicidade, longevidade e beleza. Tais promessas aprisionam pessoas em um dispositivo de eterno exame e correção. A diferença que existe entre as expectativas idealizadas de corpo e a realidade possível de ser atingida gera frustração. Os ideais são aperfeiçoados e sofisticados para que sejam cada vez mais inatingíveis. Dessa forma a pessoa continuará consumindo na tentativa de atingir as metas impostas.

O enunciado sobre algo nem sempre reflete o mundo real, mesmo porque a realidade também é construída por meio de enunciados advindos daqueles que os emitem. A questão sempre é abordada e definida conforme o ponto de vista teórico adotado. O indivíduo considerado doente não é naturalmente dado. A doença é o resultado de um conjunto de enunciados de poder que a define como tal.

É interessante perceber que aquilo que é dito emite determinado efeito de “verdade” que não existe fora de determinada relação de poder. Não há discurso isento de qualquer relação de poder que o produz. Para isso é preciso compreender o regime de “verdade” da época e local em questão. Portanto, nenhuma “verdade” é neutra, soberana e imutável.

O processo de urbanização ocorrido na Europa durante a ascensão da burguesia e a revolução industrial gerou pressão, anonimato e a criação dos chamados “desviantes” que não se adequavam às normas reguladoras do funcionamento social que se definia nas cidades. Em geral, aquele que não fosse economicamente produtivo e biologicamente reprodutivo, era considerado “anormal”.

As práticas sexuais que não estivessem de acordo com a norma da procriação e de gênero foram sendo observadas, descritas e catalogadas. Com o passar do tempo, já por volta do século XIX, o tipo de atividade sexual que antes era considerada pecaminosa e anormal, começa a ser controlada e incorporada pelas ciências biológicas, representadas principalmente pela medicina e psiquiatria. Manuais médicos foram sendo escritos contendo a forma “normal” e “anormal” de como a recém “criada” sexualidade “deveria” ser praticada. Quanto mais liberada por meio da fala, mais seria visível, categorizada e disciplinada.

A antropóloga norte-americana Gayle Rubin (nascida em 1949) discute o conceito de estratificação sexual vigente em nossa sociedade ocidental. Ela propôs uma espécie de pirâmide valorativa com as seguintes categorias a seguir: no topo está a sexualidade considerada boa, normal, natural e abençoada pela religião, ou seja, heterossexual, conjugal, monogâmica, procriadora, não comercial, somente entre os dois membros do casal, relacionamento estável, mesma geração, em local privado, sem pornografia, somente entre os dois corpos, (sem nenhum objeto de fetiche envolvido no ato), pasteurizada, mesma classe social e étnica.

Em seguida vem a sexualidade heterossexual do não casado, monogâmica, para procriação, não paga, somente entre os dois membros do casal, em um relacionamento, inter-geracional, em local privado, sem pornografia, somente entre os dois corpos envolvidos, pasteurizada, entre classes sociais e étnicas.

No meio da pirâmide está a sexualidade homossexual em relacionamento estável, em pecado, promíscua, não procriativa, por dinheiro, sozinho ou em grupo, ocasional, mesma geração, em público, com objetos fetichistas e sadomasoquista.

Na base da pirâmide estão os excluídos: sexualidade considerada má, anormal, patológica, não natural e condenável, ou seja, sexo homossexual solteiro, fora do casamento, promíscua, não-procriativa, comercial, sozinho ou em grupo, ocasional ou compulsiva, entre gerações, em público, pornográfica, entre fetichistas, sadomasoquistas, transexuais e travestis.

Auxiliando nossa compreensão, os estudos queer se propõem a compreender as práticas sociais que organizam a sociedade como um todo através da “sexualização,” “heterossexualização”, “homossexualização” de corpos, desejos, atos, identidades, relações sociais, conhecimentos, cultura e instituições. São interrogados os processos sociais normatizadores que criam classificações gerando a ilusão de que existem sujeitos estáveis, identidades naturais e comportamentos regulares.

A teoria queer desafia a sociologia a não estudar mais aqueles que rompem as normas, nem os processos sociais que os criaram como desviantes. Ao invés disso, insiste em focar nos processos normatizadores marcados pela produção simultânea do hegemônico e do subalterno. Tais estudos se preocupam em criticar os processos normatizadores. Portanto, os estudos queer procuram desvelar mecanismos de naturalização e essencialização dos termos e relações por eles significados.



Referência bibliográfica:


ANTUNES, Pedro Paulo Sammarco Travestis envelhecem? São Paulo: Dissertação de mestrado em Gerontologia. PUC - SP, 2010. Disponível em: http://www.sapientia.pucsp.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=11719

Acessado dia 07/01/2013.

Controle, vida e preconceito - artigo de Pedro Sammarco

Controle, vida e preconceito




Artigo de Pedro Paulo Sammarco



A vida tem um valor muito grande. Tudo gira em torno dela. É a partir dela que damos sentido a ela mesma. O instinto de sobrevivência é muito forte. Sempre acompanhamos por meio da mídia receitas de como viver bem, mais e melhor. Quem vive mais, consome mais, por mais tempo. Necessitamos de organização. As religiões auxiliaram nesse processo desde os tempos mais antigos. Os modos de vida eram regrados e as pessoas começaram a se organizar em nome da salvação e a continuação de uma possível vida “do lado de lá”.

Simultaneamente ao domínio das religiões, surgem os códigos penais e civis dos povos. Mais tarde surgem as ciências. A principal, que nos interessa compreender é a medicina. Juntamente com a religião, códigos legais e jurídicos formam um conjunto poderoso de controle sobre nossas vidas. Além disso, procuram extrair dos corpos que controlam obediência e um alto potencial de consumo e multiplicação dos lucros financeiros. O sistema financeiro é outra grande forma de controle e poder, não é? A família nuclear burguesa (papai, mamãe e filhinhos) vai se tornando a célula de funcionamento fundamental desse imenso complexo social. Pois bem, o conceito de família tem mudado muito ao longo dos séculos de acordo com o local e a época.

Na nossa sociedade ocidental, a igreja, os códigos legais e jurídicos, a medicina, os sistemas econômicos e políticos têm formatado muito nossas famílias ao longo dos tempos. O sexo vai ser vigiado e regrado para que garanta a geração de mais vida, de maneira segura e de acordo com “o correto”.

As leis que regravam a vida em família e a “monogamia” garantiam o funcionamento social que estava de acordo com as normas do direito, religião e medicina. A condição da mulher de dependência fazia com que essas ficassem mais restritas ao lar. Porém, de forma geral, os homens sempre viveram mais livres. Podiam praticar o sexo fora do casamento o quanto quisessem.

Com o avanço dos tempos as mulheres conquistaram seu espaço e não dependiam mais tanto dos homens. O sexo passou a ser mais livre e os divórcios mais comuns. A família se reinventava. Com o advento de uma doença que surgiu no início da década de 1980, chamada AIDS, todos se assustaram devido ao seu grande poder de ameaça à vida. O bode expiatório da vez foram aqueles que não praticavam o sexo de forma “santa” e de acordo com as regras. A AIDS passou a ser julgada sob o ponto de vista moralista. Afinal, se contaminar com o vírus do HIV passou a revelar a promiscuidade que sempre existiu de forma velada. Outro aspecto revelado foi que a orientação sexual muitas vezes pode ser bissexual e até mesmo oscilar.

No início da descoberta do HIV, os homossexuais foram os primeiros acusados de disseminarem o vírus. Foi chamado de câncer gay, pois suas atividades sexuais não estavam de acordo com as normas da procriação cristã, médica e jurídica. Logo, os que se contaminavam eram acusados de estarem sendo castigados por Deus.

Aqueles que contavam que eram soropositivos eram condenados à solidão e ao preconceito. Afinal quem os aceitaria? A carga moral que permeia o HIV é muito grande até os dias atuais. Os casais sorodiscordantes enfrentam muitos preconceitos, os deles próprios e os da sociedade.

Felizmente existem grupos de auto-ajuda. A internet proporciona trocas maiores de informações e apoio. O tema está lançado. Convido a pensarmos sobre esse assunto que também é discriminado e silenciado. Não queremos pensar sobre doenças e qualquer ameaça à vida. Ela é considerada nosso bem supremo. Porém, como será que é se envolver e se relacionar com uma pessoa soropositiva? Quais são os principais desafios? Como superar os preconceitos milenarmente construídos? Como permitir o amor fluir e não se deixar levar pela exclusão e a condenação? Como não excluir mais ainda aqueles que já estão excluídos? Só vejo um meio: o amor, por si próprio e pelo outro. Essa é uma das melhores proteções que existem para todos. Afinal, amor também é igual a cuidado, não é mesmo?

O que acontece que não acontece? - artigo de Pedro Sammarco

O que acontece que não acontece?



Artigo de Paulo Sammarco




Em geral, o ser humano busca o prazer e evita o desprazer. Podemos perceber isso facilmente em nossas vidas, não é mesmo? Uma sociedade que estimula a competição, o narcisismo e o individualismo favorece a solidão e hostilidade entre as pessoas. Estamos cada vez mais pensando em nosso próprio sucesso e prazer. O que importa é que cheguemos lá. Mas o que adianta chegar lá, olhar ao redor e ver que estamos absolutamente sozinhos? Outro fator que contribui para tanta solidão é o instantâneo e o descartável. Eles são aspectos próprios da sociedade atual que é imediatista, capitalista e globalizada. Vivemos de maneira fragmentada e utilitária. O volume de informações é muito alto. Seu fluxo é rápido. É difícil processar tantos estímulos ao mesmo tempo.

Da mesma forma que tratamos os bens que consumimos, tratamos as pessoas com as quais nos relacionamos. Tempo é dinheiro. Não há tempo de construir. Temos que comprar tudo pronto e consumir imediatamente. Conhecemos alguém e logo esperamos que essa pessoa também esteja pronta para “consumirmos”. Afinal, temos que aproveitar ao máximo. O prazer deve ser extremo. O êxtase deve aplacar o estresse diário de nossas vidas que seguem um estilo absolutamente voltado para produção e o consumo. Somos tão consumidos por isso que não há tempo para curtir o que consideramos realmente importante. Até para nos divertirmos, há hora marcada, roteiro, controle, estresse, etc.

Quando conhecemos alguém, esperamos que tudo já esteja organizado de maneira prática, para que apenas desfrutemos, assim como em um pacote turístico. Porém, volto a dizer que as relações ainda seguem outro tipo de lógica que não combina com o mundo capitalista globalizado. Exige tempo, conhecimento e construção. Ainda esperamos que essa pessoa irá se encaixar perfeitamente com aquilo que desejamos. Esperamos que ela seja uma fonte de êxtase e felicidade constantes.

Não temos absoluta certeza de como surgimos aqui nesse mundo, porém, temos que dar sentido para tudo o que existe. Muito do que achamos que sabemos, não passa de especulações. Poucas certezas de fato. Até que ponto os conceitos e teorias que acreditamos são eternas, imutáveis e universais? Será que elas não estão a serviço de dispositivos de controle? Necessitamos de segurança e estabilidade. Precisamos de um amparo, mesmo que teórico, nos assegurando como se configura e funciona a realidade ao nosso redor. Porém, tudo é desprovido de sentido. O que nos permeia é o vazio de sentido. As rochas e as plantas são quase ausentes de mundo. Os animais são pobres de mundo. O homem é formador de mundo.

Criamos as diversas formas de relações e organizações sociais nos diferentes locais e tempos históricos. Acreditamos que eles sempre existiram. Esquecemos que fomos nós mesmos que as convencionamos da forma que as convencionamos. Elas nos servem como uma tábua de salvação para o mar de mistério e incertezas que nos rodeia. Achamos que tudo é real. Então vivemos como se fossemos programados para concretizar tais convenções. Tentamos encaixar os ideais com a nossa vida.

Perdemos a naturalidade do que acontece, em nome de protocolos que nos darão a garantia da certeza, de um conceito construído de felicidade. Não sabemos mais deixar fluir naturalmente. Estamos sempre sendo controlados ou controlando. Precisamos desses construtos teóricos que nos dizem como tudo deve ser em nossas vidas. Como é difícil deixar simplesmente a vida acontecer, sem ansiedades e controle. Mesmo com tanto planejamento estruturado, o que nos angustia é que não temos garantia que os nossos ideais se concre
tizarão.

É errado ser gay? Sim é errado ser gay! - Artigo de Pedro Sammarco

É errado ser gay? Sim é errado ser gay!



Artigo de Pedro Paulo Sammarco




Pelo menos isso nos foi ensinado pela cultura, não é mesmo? Acontece que essa “verdade” foi construída para atender a determinados fins que organizassem o funcionamento de nossa sociedade em determinada época e local, certo?

O tempo passou, muitos aspectos mudaram e continuam mudando bem rápido. O ser humano em geral não gosta de mudanças, fica preso a conceitos, pois deseja ter a sensação de segurança e solidez. Vivemos em tempos que é como se estivéssemos patinando sobre uma superfície fina de gelo. A segurança está justamente na alta velocidade. Evitamos afundar, pois as bases que nos sustentam são muito frágeis. Elas estão mudando o tempo todo, bem rapidamente.

É difícil assimilar todas as mudanças. A homofobia interna, a pior de todas, ainda persiste. Muitos homossexuais não acreditam que podem viver relações saudáveis, pois afinal aprenderam que é “errado ser gay”. Um lado trabalha contra e outro a favor. É um grande conflito que implica muita luta contra si mesmo e a sociedade. Por mais que estejamos no século XXI, ainda é complicado demonstrar afeto homoerótico em certos lugares. Porém, não são somente os lugares que contam, há também a família, os amigos, os colegas de trabalho, e todos os valores compartilhados pelas instituições que nos regem e nos controlam.

Em busca de alívio, muitos se fecham ao contato mais profundo e acabam vivendo suas experiências de forma intensa. Tentam fugir por meio de drogas, álcool, sexo anônimo, etc. Vivências extremas e intensas que possam aliviar a dor e tapar o buraco na alma. Mas o efeito disso tudo logo passa e sobra o quê? Mais vazio e necessidade de se preencher novamente. Um ciclo sem fim de autodestruição.

Se aprendemos que “é errado ser gay” ou haverá a correção por meio da “cura mágica” ou auto-aniquilamento por meio da autodestruição. Será? Pelo menos agimos como se fossem esses, os únicos caminhos a serem seguidos.

Outra fantasia que existe, é que encontraremos nossa tampa de panela de um minuto para o outro. Para citar apenas alguns aspectos, os relacionamentos exigem tempo, construção diária, afinidades, doação, reciprocidade, respeito, amor, conhecimento de si e do outro, companheirismo, amizade, convivência.

Esperamos que além de se conectar a alguém, esse encaixe se dará de forma perfeita, assim como duas peças de um quebra-cabeças se encontram. Além disso tudo, o outro ainda irá nos preencher em todas as nossas necessidades. Assim teremos uma vida zen com ele, até que a morte nos separe. Quanta fantasia baseada na lei do mínimo esforço!

Para se relacionar é preciso paciência, muito trabalho e autoconhecimento. Para começar um dos principais pontos que nos atrapalham é a homofobia internalizada. Ela dificulta todo o processo. Infelizmente lutar contra ela não é tão fácil assim. É um processo que pode durar anos. Caso isso não seja feito, confirmaremos para nós mesmos que realmente é “errado ser gay”! Afinal, constataremos que nossas vidas são sempre infelizes, marcadas por instantes isolados de fuga e êxtase passageiros. Vamos assumir nossas homofobias internas! Ela é difícil de identificar, pois se manifesta silenciosamente por meio da auto-sabotagem em relação aos nossos empreendimentos amorosos. Preferimos então ser preconceituosos, negar, projetar e ser sarcásticos com as demais bichinhas afeminadinhas, travecas, transexuais, sapatonas, bissexuais e enrustidos.

Bears versus Barbies - artigo de Paulo Sammarco


Bears versus Barbies



Artigo de Pedro Paulo Sammarco




Atualmente, o mercado associa valores subjetivos a valores estéticos quando desenvolve e dissemina a seguinte mensagem: a beleza externa aparente em músculos bem torneados e definidos, nada mais é do que o reflexo direto da existência de uma beleza interna correspondente. Já a obesidade é associada à preguiça, lentidão, acomodação, falta de saúde, baixa agilidade, pequena produtividade, falta de cuidado, desleixo, dificuldade de adaptação, falta de flexibilidade, predisposição à outras doenças fatais, exigência de cuidados especiais adaptados, problemas emocionais e falta de beleza estética. No final o que importa para o mercado da saúde e estética é que muitas pessoas tenham sempre uma vida longa e saudável. Quanto mais tempo todas elas viverem, mais lucros geram. Cuidar da saúde virou um negócio.

A disciplina corporal cria corpos padronizados e subjetividades controladas. Quem não tem um corpo jovem, bronzeado, malhado, magro, lipoaspirado e siliconado, é visto como alguém que fracassou inclusive em outras dimensões da vida, como finanças, profissão, família, vida sentimental, amizades, dentre outras.

Dois grupos bem distintos existem entre os vários “tipos” de homossexuais masculinos: os bears (ursos) ebarbies (malhados). Interessante que são opostos. Um valoriza o cuidado excessivo com a saúde e estética. O outro valoriza a naturalidade de ser dos corpos. Pois bem, quando o movimento homossexual se tornou público principalmente por causa da revolução sexual da década de 1960, surgiu uma estética que combatia os estereótipos do homossexual conhecida até então.

A construção dos gêneros é algo social, porém as tradições religiosas, demandas sociais e econômicas contribuíram para que a heterossexualidade fosse considerada a única orientação sexual “verdadeira”, “correta”, “natural” e “possível”. As normas de gênero estabelecem a seguinte equação matemática aplicável a todos os homens: pênis = identidade de gênero masculina compulsória = desejo afetivo sexual exclusivo por mulheres.

Por causa disso, durante séculos, as ciências médicas acreditavam que para um homem gostar de outro homem, deveria haver necessariamente uma “mulher” que habitasse seu interior. Logo, todos os homossexuais deveriam ser sempre afeminados. Por volta da década de 1970, surgiu nos EUA os homossexuais que reforçavam os estereótipos considerados masculinos. Usavam couro, fumavam charutos, tinham corpos bem peludos, barba, bigode, barriguinha, costeleta e cavanhaque. Isso funcionava como forma de mostrar que o homem para gostar de outro homem não precisava ter uma “mulher” dentro de si. Com o advento das academias de ginástica, que surgiram aos montes na década de 1980, outra estética foi se construindo: a do homem bem musculoso, eternamente jovem, sarado, depilado, simétrico, bronzeado e obcecado pelos cuidados com a saúde.

Os dois grupos são formas peculiares e opostas de ser, porém há algo em comum: rejeitam os estereótipos de feminilidade que são associados ao desejo homossexual masculino. Sabemos que quanto mais o desejo for oculto, maior a aceitação social. Quanto mais masculino na aparência, seja bear, ou seja barbie, ele estará de acordo com as normas de gênero estabelecidas. Para a sociedade, seu desejo não aparece. Então, a maioria deduz que seu desejo é automaticamente heterossexual. Ele está “livre” de preconceitos! Será?!

Porque o culto ao corpo está exagerado atualmente? - Artigo de Paulo Sammarco

Por que o culto ao corpo está exagerado atualmente?



Artigo de Pedro Paulo Sammarco




O culto ao corpo tem tido o objetivo de corporificar “identidades” pautadas em modelos inalcançáveis, onde cada um se torna individualmente responsável pelo corpo que tem. Quanto mais considerado apropriado, maior atribuída será sua capacidade de autodisciplina e cuidado.

A disciplina corporal cria corpos padronizados e subjetividades controladas. Na atualidade, quem não tem um corpo jovem, bronzeado, malhado, magro, lipoaspirado e siliconado, é visto como alguém que fracassou inclusive em outras dimensões da vida, como finanças, profissão, família, vida sentimental, amizades, dentre outras.

Políticas preventivas de saúde em nome do bem estar e da beleza são desenvolvidas e disseminadas em alta escala, gerando altos lucros. A busca obsessiva pela estética perfeita, que envolve investimento financeiro e disciplina é apresentada ao público como sinônimo de amor próprio e aumento da auto-estima. Porém, a proliferação de produtos de beleza se tornou um mercado altamente promissor e lucrativo. O sujeito é estimulado pela propaganda a sentir prazer ao cuidar do próprio corpo. Pois à medida que isso é feito, ele é impelido a acreditar que qualidades espirituais da sua alma estão sendo automaticamente desenvolvidas e aprimoradas.

O mercado que explora o corpo associa valores subjetivos a valores estéticos quando desenvolve e dissemina a seguinte mensagem: a beleza externa aparente em músculos bem torneados e definidos, nada mais é do que o reflexo direto da existência de uma beleza interna correspondente. Influenciados por Platão, tendemos a pensar que se é considerado belo, é automaticamente bom. Entretanto, sabemos que muitas vezes, as aparências são apenas aparências. A associação feita pela propaganda entre o cuidado com o corpo e a sexualidade humana, provoca nas pessoas excesso de auto-erotismo, narcisismo, individualismo, competitividade, sensualidade e hedonismo.

A energia sexual, quando estimulada, torna-se muito poderosa e principalmente rentável financeiramente. Tal estratégia publicitária movimenta cifras bilionárias, especialmente na indústria do sexo e suas ramificações indiretas. Além disso, o corpo bem cuidado vai receber atenção, elogios e aprovação do outro que está sempre examinado e avaliando se ele se enquadra ou não nas normas impostas.

As ciências médicas associam a obesidade à preguiça, lentidão, acomodação, falta de saúde, baixa agilidade, pequena produtividade, falta de cuidado, desleixo, dificuldade de adaptação, falta de flexibilidade, predisposição à outras doenças fatais como derrame e enfarte, exigência de cuidados especiais adaptados, problemas emocionais e falta de beleza estética. As indústrias relacionadas ao emagrecimento, principalmente as que pertencem ao ramo da saúde e moda, movimentam cifras bilionárias no mundo inteiro em nome da “saúde e estética física ideal”.


Bibliografia Consultada:

MANSANO, Sonia Vargas Sociedade de controle e linhas de subjetivação. São Paulo: Tese de doutorado em Psicologia Clínica. PUC - SP, 2007

SANT’ANNA, Denise Bernuzzi Corpos de passagem. São Paulo: Editora Estação Liberdade, 2001

Sub-divididos dentro das próprias divisões estabelecidas - Artigo de Paulo Sammarco

Sub-divididos dentro das próprias divisões estabelecidas



Artigo de Pedro Paulo Sammarco



Ao longo da história o homem foi estabelecendo regras para poder se organizar “melhor” em grupo. Tradições religiosas, demandas sociais e econômicas contribuíram para que a heterossexualidade se tornasse a única orientação sexual “verdadeira”, “correta”, “natural”, “fixa” e “possível”. Por causa da revolução industrial, as cidades européias ficaram muito populosas a partir do século XVIII. Era preciso estabelecer regras para o controle da população.

Disciplinar, para tornar as pessoas obedientes, produtivas e lucrativas era a palavra de ordem da época. A família nuclear (papai, mamãe e filhinhos) vai se tornando a célula fundamental e funcional que sustentava a burguesia capitalista industrial que surgia. A religião e a ciência, financiadas principalmente pelos novos burgueses, endossavam todas as formas de disciplina e controle que os favorecessem. Aqueles que não se adequavam às normas eram submetidos a tratamentos para se tornarem “normais” e “funcionais”. Caso não adiantasse, poderiam ser até mesmo mortos ou mandados para instituições isoladas de confinamento.

Séculos antes, influenciados principalmente pelas idéias dos filósofos gregos Sócrates (469 – 399 a.C.) e Platão (428 – 328 a. C.), acreditava-se que era justamente na alma que se localizava a verdadeira identidade da pessoa. Por meio da confissão religiosa, descobriu-se que o corpo iria manifestar na carne, os desejos que estavam na alma. Portanto, para saber quem a pessoa era, bastavam saber quais eram seus desejos. Baseados nas tradições, normas e costumes estabelecidos, os sacerdotes faziam um minucioso levantamento de todos os tipos de desejos e os classificavam em “normais” e “anormais”. Quaisquer práticas sexuais que não obedecessem às leis da procriação, casamento e família, eram consideradas anormais imediatamente.

Aquilo que parece estranho e anormal sofre preconceito instantaneamente. Então, o grupo de excluídos acaba reproduzindo o que foi feito com eles. Padrões de “superioridade” e “inferioridade” serão criados dentro do próprio grupo. No caso dos homossexuais, por exemplo, os principais subgrupos criados são: os leathers, os ursos, os intelectuais, as barbies, os alternativos, os fashions, as poque-poques, as finas, os pães com ovos, os fora do meio, os andróginos, enfim...

Para se proteger, diante de tantas diferenças, o ser humano tem a necessidade de se sentir mais forte em relação ao outro. Elege seu grupo como sendo o único possível, digno, natural, superior e verdadeiro. Ataca e hostiliza os demais, pois sente vontade de se colocar superior, por meio de uma hierarquia fantasiosa, que ele mesmo convenciona. No fim, ele não percebe que quer queira quer não, depende e está conectado a todos os seres que existem. É preciso mudar nossa mentalidade COMPETITIVA para uma mentalidade COOPERATIVA. Possivelmente, assim haverá maior crescimento, harmonia, paz, solidariedade e união entre todos nós.


Bibliografia Consultada:


FOUCAULT, Michel História da sexualidade I – a vontade de saber. São Paulo: Graal Editora, 2010.

NIETZSCHE, Friedrich Vontade de Potência. São Paulo: Editora Vozes, 2011.

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