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Por que essa obsessão pelo que os gays fazem na cama?

Por que essa obsessão pelo que os gays fazem na cama?


Chen Ching-hsueh e seu parceiro, Kao Chih-wei, mostram cartaz 
com a inscrição “devolvam meu direito de casamento”. 
Eles foram ameaçados de morte após tornarem pública 
a luta para se casarem em Taiwan. Foto: Sam Yeh / AFP


The Observer
Reproduzido pela Carta Capital
https://www.cartacapital.com.br/mundo/por-que-essa-obsessao-pelo-que-os-gays-fazem-na-cama/
17.01.2013



Por Nick Cohen

As discussões sobre a emancipação homossexual nos ensinaram, no mínimo, que o pênis ocupa um grande espaço na imaginação conservadora. Como a torre escura de Mordor, ele paira sobre tudo o mais, preenchendo a mente e obstruindo a luz. Os que tentam fingir que não, sempre tropeçam em seus próprios pés chatos.

Não é verdade que nós “só pensamos em sexo”, protestou a jornalista católica Melanie McDonagh em The Spectator. Sem corar, ela se dedicou a demonstrar que quase não conseguia pensar em outra coisa. A sociedade deveria tolerar homens e mulheres cuja atração pelo próprio sexo não é expressa em relações sexuais, ela explicou, ao iniciar uma discussão sobre os pintos dos vigários. Se um vigário usar seu pênis para fazer sexo “sem o objetivo de procriação”, porém, ele deve deixar a Igreja. Sua obsessão pública pelo que as pessoas educadas antigamente chamavam de “partes privadas” importaria menos se não fosse compartilhada por todas as religiões e por muitos membros da imprensa conservadora e do partido Tory.

A Igreja Anglicana é muito mais liberal que o judaísmo ortodoxo, o catolicismo e todas as versões do islamismo. Entretanto, acredita em uma versão modificada do credo de McDonagh. Um vigário pode ter uma parceria civil, admitiu a Igreja no início deste mês. Mas se ele desejar que seus superiores o elevem ao bispado, deve submeter sua vida sexual a um exame cruzado. Somente se puder lhes dizer que se abstém de sexo será promovido.
Essas questões envergonham o interrogador mais que ao interrogado. Imagine se você fosse procurar um emprego e o entrevistador dissesse que você era ideal para o cargo, mas tinha de lhes dizer com quem fez sexo e quando o ato sujo ocorreu pela última vez, para que pudessem contratá-lo. Por que alguém que não seja um voyeur perguntaria sobre isso? De maneira igualmente pertinente, diante da comoção sobre o casamento gay, quem desejaria insistir que os gays e as lésbicas devem ser os únicos grupos que não podem desfrutar plenos direitos civis?

A resposta sedutora que atraiu igualmente autores gays e héteros se resume na explicação que uma paciente do psicanalista Stephen Grosz deu para a reprovação de seu pai a seu relacionamento: “Quanto maior a frente, maiores as costas”. Ela havia descoberto que seu pai desfrutava secretamente o tipo de caso que ele a condenara por praticar abertamente. Estava escondendo sua culpa atrás de sua fúria.



O visconde Montgomery de Alamein, que comparava 
o casamento gay aos “feitos do diabo”, mas tinha 
relações apaixonadas e não consumadas com rapazes. 
Foto: Wikipedia


Muitos homófobos, que fazem uma grande exibição de repulsa diante das “práticas desnaturadas”, imitam esse senhor. Em 1965, o primeiro visconde Montgomery of Alamein tentou conter a abolição das penas criminais contra homossexuais berrando que “pode-se igualmente perdoar o diabo e todas as suas obras” quanto permitir o sexo gay. Fiel à forma, seu biógrafo, Nigel Hamilton, revelou que Monty tinha relacionamentos apaixonados, embora não consumados, com rapazes.

Nos Estados Unidos, o caminho do púlpito à casa de massagens gay é tão conhecido dos pregadores evangélicos, que é incrível que tenha sobrado nele uma folha de relva. Diante de mais um escândalo, um Christopher Hitchens cansado escreveu: “Sempre que ouço algum falastrão em Washington ou no território cristão martelar sobre os males da sodomia, mentalmente anoto seu nome em meu caderno e acerto meu relógio, satisfeito. Mais cedo do que tarde ele será descoberto sobre seus cansados e gastos joelhos em algum horrível motel ou banheiro”.

Sei que é perigoso generalizar sobre um assunto tão vasto e complexo quanto a sexualidade humana, mas aprendi em minha vida confessadamente retirada que os homens que são, como dizem, “seguros” de sua heterossexualidade têm pouco interesse pelo que seus amigos homossexuais fazem na cama, e essa indiferença é recíproca. Sempre que ouvimos conservadores anunciarem que a igualdade para os gays “solapa o casamento”, pensamos: nossos casamentos podem suportar isso, então o que há de errado com os seus?

Assim como os antissemitas com suas fantasias de poder secreto judeu, existe uma nota de inveja na voz de muitos que condenam os direitos deles. O Journal of Personality and Social Psychology confirmou suspeitas quando publicou trabalhos com estudantes que diziam ser heterossexuais. Os pesquisadores mediram o abismo entre o que os estudantes diziam e como eles reagiam a imagens de casais gays ou pornografia gay. Os que sentiam mais atração tinham maior probabilidade de demonstrar um medo intenso dos homossexuais.

“Mas que droga, na verdade você é gay” não é uma reação adequada ao preconceito, por mais verdadeiro que possa ser em casos individuais. Ele recai na falácia dos argumentos tu quoque[você também]. Se um orador diz: “O assassinato é errado” e um membro da plateia diz: “Mas você é um assassino”, ele provou que o orador é um hipócrita, mas não que o assassinato seja certo. Do mesmo modo, mostrar que muitos conservadores desejam sexualmente os que eles condenam não remove o estigma da homossexualidade. Tampouco modifica as opiniões dos homofóbicos que não são casos de armário.

Michael McManus tem uma cena de arrepiar em Tory Pride and Prejudice, sua história sobre a longa luta dos conservadores liberais para modificar a mentalidade de seu partido. Jerry Hayes, um exuberante deputado conservador, entra em um bar dos Comuns em 1986. O Departamento de Saúde decidiu que a única maneira de lidar com a nova ameaça da Aids é falar ao público de maneira sexualmente explícita. Ser franco com os eleitores também significa que algum infeliz tem de ser franco com a senhora Thatcher.

Ele encontra Willie Whitelaw, parecendo exausto e entornando uísque puro. “O que há de errado?”, ele pergunta. “Eu tive de explicar para Margaret sobre sexo anal”, é a resposta.
Ninguém alegou que Margaret Thatcher reprimia seu lado lésbico. Mas nos dias de cão seu governo aprovou uma pequena medida horrorosa conhecida como Seção 28, a última lei anti-homossexual a ser aprovada por um Parlamento britânico. Você também não pode dizer que todo mundo que acredita nos anátemas cristãos, islâmicos e judeus esteja negando seus impulsos homoeróticos. Eles são apenas fiéis que obedecem à autoridade religiosa e desejam tirar vantagem de sua licença para perseguir.

Assim como Thatcher, seu desinteresse pela homossexualidade não os retém, o que apenas serve para mostrar que o ódio flui de muitas fontes. No caso da homofobia, pode ser voyeurista, mal-educada, hipócrita, banal e disfarçadamente invejosa, ou pode ser ignorante, agressiva e servil à autoridade. Afinal, não importa. Ninguém tem o direito de negar um tratamento igualitário a um cidadão, seja qual for o motivo. Não tenho dúvida de que é satisfatório para os gays e as lésbicas dizerem tu quoque, mas noli me tangere [não me toque] é a resposta mais decisiva.

Carta Capital: Gays, evangélicos e o direito à igualdade num Estado laico

Sociedade


Carta Capital

Associação LGBT
30.07.2012 16:46


Gays, evangélicos e o direito à igualdade num Estado laico

por Toni Reis*

Um deputado federal e pastor evangélico fez um chamado no mês de julho de 2012 a todas as denominações evangélicas do Brasil para que se unam contra a criminalização da homofobia e criticou as decisões do Supremo Tribunal Federal “de esquerda” a favor de “tudo que não presta”, incluída aí a “união estável homoafetiva”.
O pastor é longe de ser o único a fazer manifestações públicas desta natureza: basta fazer uma busca em alguns sites fundamentalistas na internet, assistir a determinados programas de televisão e ouvir discursos proferidos por certos parlamentares evangélicos fundamentalistas.


A decisão do STF de reconhecer a união homoafetiva foi uma afirmação da soberania da Constituição no País

Fico me perguntando por que tanto desprezo, tanto ódio, tanta agressão, tanto amedrontamento infundado dos fiéis, tanto anúncio da “catástrofe” por vir que representaria a proteção jurídica dos direitos humanos de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBT), e tanta perseguição até contra pessoas que não são LGBT mas que têm manifestado seu apoio à causa da diversidade, vide alguns ataques que já se iniciaram nessas eleições. Nestas posturas, onde está o espírito do cristianismo exemplificado e pregado pelo próprio Cristo? O que aconteceu com o mandamento pregado por ele: “amai-vos uns aos outros como eu vos amei”?
A homofobia é pecado, assim como o racismo. Vejam por analogia, quando Tiago relata “Todavia, se estais cumprindo a lei real segundo a escritura: “Amarás ao teu próximo como a ti mesmo, fazeis bem. Mas se fazeis acepção de pessoas, cometeis pecado, sendo por isso condenados pela lei como transgressores;” e também em Atos: “Então Pedro, tomando a palavra, disse: Na verdade reconheço que Deus não faz acepção de pessoas.” Mesmos fossemos utilizar argumentos de livros sagrados, o que não é o caso, está havendo – sim – acepção da comunidade LGBT.

Querer marginalizar segmentos da sociedade em nome de uma suposta verdade é uma prática perigosa, e também um erro no sentido original da palavra pecar (errar o alvo). A este respeito é impossível não fazer um paralelo com o extermínio nazista de todas as pessoas que – segundo o dogma deles – também “não prestavam”. O resultado disso foi o holocausto. O paralelo também se espelha no seguimento incondicional, cegamente e sem senso crítico, das pregações dos líderes fundamentalistas, até se chegar ao caos irreversível, o verdadeiro inferno na terra: o holocausto no caso do regime nazista; a intolerância e barbárie no caso do islã fundamentalista, por exemplo. Seria imperdoável a religião, no caso o fundamentalismo evangélico no Brasil, errar mais uma vez.

Os protestantes / evangélicos já sofreram muito no Brasil e em outros países católicos, chegando a ser uma minoria perseguida. Por que então perseguir outra minoria por causa de sua condição sexual? Não se aprendeu nada da triste lição de ser objeto de preconceito, discriminação e até de morte por serem “hereges”, ou terem uma religião diferente da predominante, assim como as pessoas LGBT sofrem hoje por terem uma sexualidade diferente da convencionalmente aceita. Apenas como exemplo, na semana passada publicaram-se os resultados de mais uma pesquisa que apontou que 70% dos gays de São Paulo já sofreram agressão, entre agressão verbal, física e sexual.

Temos plena consciência de que é um erro generalizar e sabemos – de primeira mão – que há muitas pessoas evangélicas que não seguem essas posturas fundamentalistas homofóbicas e, sim, procuram respeitar a todos na profissão e no exercício de sua fé.
Um exemplo é o bispo negro sul africano, Desmond Tutu, da igreja Anglicana, ganhador do Prêmio Nobel da Paz, que tem se posicionado inúmeras vezes contra a prática de fazer acepção às pessoas LGBT: “Discriminar nossas irmãs e nossos irmãos que são lésbicas ou gays por motivo de sua orientação sexual é para mim tão totalmente inaceitável e injusto quanto o apartheid… Opor-se ao apartheid foi uma questão de justiça. Opor-se à discriminação contra as mulheres é uma questão de justiça. Opor-se à discriminação por orientação sexual é uma questão de justiça. É improvável que o Jesus a quem louvo colabore com aqueles que vilipendiam e perseguem uma minoria que já é oprimida” (tradução minha, fonte).

Não queremos uma guerra santa ou uma guerra arco-íris, muito menos criar e impor uma “Ditadura Gay” ou um “Império Gay”. Não! Absolutamente! Não queremos ser excluídos das famílias e nem destruí-las, como se alega. Queremos ter a nossa vivência e construir a nossa família da nossa forma, em coexistência pacífica e harmoniosa com as já estabelecidas. A diversidade existe e isso há de ser reconhecido e respeitado. Uma sociedade se faz com toda a diversidade: “Quase sempre minorias criativas e dedicadas tornam o mundo melhor” (Martin Luther King). Não se deve discriminar ninguém, sejam 0,25%, 25% ou 90% da população. Respeitar as minorias é dever de todos, como já diz o grande pacifista Gandhi: “Uma civilização é julgada pelo tratamento que dispensa às minorias”.

Também há muitas pessoas LGBT que são cristãs e para as quais é dolorido serem taxadas de pecadores e desviantes dentro do seio das igrejas, ao ponto de se sentirem excluídas e desistirem de frequentá-las. Neste sentido, gostaria de citar o primeiro ministro do Reino Unido, David Cameron (partido conservador) em pronunciamento recente: “Eu sei que isso é muito complicado e difícil para todas as igrejas, mas acredito fortemente que as instituições devem redescobrir a questão da igualdade e as igrejas não devem ser oposição a pessoas que são gays, bissexuais ou transgêneros, que também podem ser membros plenos das igrejas, assim como muitas pessoas com visões cristãs profundamente enraizadas são homossexuais”.

A igualdade é uma das questões no cerne deste debate. O Brasil é um Estado laico – não há nenhuma religião oficial, as manifestações religiosas são respeitadas, mas não devem interferir nas decisões governamentais – e o País é regido por uma Lei Magna, a nossa Constituição Federal. E a Constituição garante que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, e que não haverá discriminação. Por isso as proposições legislativas que visem a restringir nossos os direitos se veem derrotadas uma a uma.
No caso da população LGBT no Brasil, ainda não temos igualdade de direitos em todos os quesitos, e ainda sofremos muita discriminação. Os dados oficiais do governo federal para o ano 2011, obtidos através do módulo LGBT do serviço telefônico Disque-denúncia, revelam que houve 6.809 denúncias de violações de direitos humanos de pessoas LGBT, representando 18.6 violações por dia. As violências mais denunciadas são as de ordem psicológica (42.5%), por discriminação (22.3%) e a violência física (15.9%).

Este quadro, e incluindo também o elevado nível de assassinatos, se repete todos os anos no Brasil. Apesar disso, o Congresso Nacional tem sido omisso e em 11 anos não aprovou nenhuma proposição em resposta a esta situação. Esta omissão é mais um sinal de desrespeito aos preceitos constitucionais da igualdade, da não discriminação, da dignidade humana, entre outros e, acima de tudo, um sinal claro do desrespeito e da indiferença quanto à situação vivida pela população LGBT. Diante disso, não podemos mais ficar de braços cruzados e aceitar o descaso. Buscamos junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) a possibilidade do reconhecimento de nosso direito à proteção jurídica contra a violência e a discriminação homofóbica, como já existe em 58 países.
Isso não é uma ameaça à liberdade de expressão, e nem à liberdade de crença. A nossa iniciativa não é um ataque frontal voltado para as igrejas. Defendemos intransigentemente essas liberdades, contanto que não sejam utilizadas como salvo-conduto para ataques à nossa cidadania, e nos defenderemos com todas as armas políticas e jurídicas disponíveis – incluídos aí o Ministério Público e o Judiciário, sempre.

O mandado de injunção apresentado ao STF é uma tentativa de reverter o comprovado quadro de violência e discriminação que nós, cidadãs e cidadãos LGBT brasileiros, vivenciamos nos mais diversos campos, mas que – ao contrário do racismo, por exemplo – não é punido por legislação específica, de modo a incentivar e perpetuar a impunidade de quem pratica esses crimes.

A decisão de 5 de maio de 2011 do STF em reconhecer a união estável homoafetiva foi uma afirmação da soberania da Constituição em nosso País e da indivisibilidade da igualdade dos direitos. Isto quer dizer que não há mais direitos para alguns setores da sociedade, e menos para outros, mas que os direitos são iguais, ou pelo menos deveriam ser, no dia-a-dia da sociedade brasileira. Enquanto o Legislativo Federal persiste em não reconhecer isso, a mais alta instância do Judiciário foi firme e unânime em fazer valer os preceitos constitucionais indiscriminadamente. Que o mesmo exemplo seja dado em relação à criminalização da homofobia.


* Toni Reis é doutor em educação e presidente da ABGLT – Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais

CARTA CAPITAL: Avon, Silas Malafaia e a propagação da homofobia

Silas Malafaia

Sociedade
Beatriz Mendes
07.05.2012 13:02


Preconceito

Avon, Silas Malafaia e a propagação da homofobia


Silas Malafaia é um velho conhecido da comunidade gay no Brasil. O pastor, líder da igreja Assembleia de Deus Vitória em Cristo, costuma protagonizar polêmicas a envolver intolerância e preconceito. Em 2006, foi ele o responsável por uma manifestação diante do Congresso Nacional contra a lei criminalizadora da homofobia. Na ocasião o pastor afirmou que relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo são a porta de entrada para a pedofilia. “Eu vou descer o porrete nesses homossexuais”, decretou, certa vez, em seu programa de tevê – em rede nacional, diga-se, valendo-se de seu direito de liberdade de expressão.

Leia mais na Carta Capital: https://www.cartacapital.com.br/sociedade/avon-silas-malafaia-e-a-propagacao-da-homofobia/

Entrevista com Jean Wyllys na Carta Capital

A trincheira de Jean Wyllys


Jean Wyllys


Leandro Fortes
20 de abril de 2011 às 18:10h


Na Câmara dos Deputados, Jean Wyllys, 36 anos, baiano de Alagoinhas, tornou-se a cara da luta contra a homofobia no Brasil, justamente num momento em que se discute até a criminalização do bullying. Por Leandro Fortes. Foto: Agência Câmara

Jean Wyllys de Matos Santos é um sujeito tranquilo, bem humorado, que defende idéias sem alterar a voz, as mais complexas, as mais simples, baiano, enfim. Ri, como todos os baianos, da pecha da preguiça, como assim nomeiam os sulistas um sentimento que lhes é desconhecido: a ausência de angústia. Homossexual assumido, Jean cerra fileiras no pequeno e combativo PSOL, a única trincheira radical efetivamente ativa na política brasileira. E é justamente no Congresso Nacional que o deputado Jean Wyllys, eleito pelos cidadãos fluminenses, tem se movimentado numa briga dura de direitos civis, a luta contra a homofobia.

Cerca de 200 homossexuais são assassinados no Brasil, anualmente, exclusivamente por serem gays. Entre eles, muitos adolescentes.

Mas o Brasil tem pavor de discutir esse assunto, inclusive no Congresso, onde o discurso machista une sindicalistas a ruralistas, em maior ou menor grau, mas, sobretudo, tem como aliado as bancadas religiosas, unidas em uma cruzada evangélica. Os neopentecostais, como se sabe, acreditam na cura da homossexualidade, uma espécie de praga do demônio capaz de ser extirpada como a um tumor maligno. O mais incrível, no entanto, não é o medievalismo dessa posição, mas o fato de ela conseguir interditar no Parlamento não só a discussão sobre a criminalização da homofobia, mas também o direito ao aborto e a legalização das drogas. Em nome de uma religiosidade tacanha, condenam à morte milhares de brasileiros pobres e, de quebra, mobilizam em torno de si e de suas lideranças o que há de mais lamentável no esgoto da política nacional.

Jean Wyllys se nega a ser refém dessa gente e, por isso mesmo, é odiado por ela. Contra ele, costumam lembrar-lhe a participação no Big Brother Brasil, o inefável programa de massa da TV Globo, onde a debilidade humana, sobretudo a de caráter intelectual, é vendida como entretenimento. Jean venceu uma das edições do BBB, onde foi aceito por ser um homossexual discreto, credenciado, portanto, para plantar a polêmica, mas não de forma a torná-la um escândalo. Dono de um discurso política bem articulado, militante da causa gay e intelectualmente superior a seus pares, não só venceu o programa como ganhou visibilidade nacional. De repórter da Tribuna da Bahia, em Salvador, virou redator do programa Mais Você, de Ana Maria Braga, mas logo percebeu que isso não era, exatamente, uma elevação de status profissional.

Na Câmara dos Deputados, Jean Wyllys, 36 anos, baiano de Alagoinhas, tornou-se a cara da luta contra a homofobia no Brasil, justamente num momento em que se discute até a criminalização do bullying. Como se, nas escolas brasileiras, não fossem os jovens homossexuais o alvo principal das piores e mais violentas “brincadeiras” perpetradas por aprendizes de brucutus alegremente estimulados pelo senso comum. Esses mesmos brucutus que, hoje, ligam para o gabinete do deputado do PSOL para ameaçá-lo de morte.

Abaixo, a íntegra de uma carta escrita por Jean ao Jornal do Brasil, por quem foi acusado, por um colunista do JB Wiki (seja lá o que isso signifique), de “censurar cristãos”. O texto é uma pequena aula de civilidade e História. Vale à pena lê-lo:

Em primeiro lugar, quero lembrar que nós vivemos em um Estado Democrático de Direito e laico. Para quem não sabe o que isso quer dizer, “Estado laico”, esclareço: O Estado, além de separado da Igreja (de qualquer igreja), não tem paixão religiosa, não se pauta nem deve se pautar por dogmas religiosos nem por interpretações fundamentalistas de textos religiosos (quaisquer textos religiosos). Num Estado Laico e Democrático de Direito, a lei maior é a Constituição Federal (e não a Bíblia, ou o Corão, ou a Torá).

Logo, eu, como representante eleito deste Estado Laico e Democrático de Direito, não me pauto pelo que diz A Carta de Paulo aos Romanos, mas sim pela Carta Magna, ou seja, pelo que está na Constituição Federal. E esta deixa claro, já no Artigo 1º, que um dos fundamentos da República Federativa do Brasil é a dignidade da pessoa humana e em seu artigo 3º coloca como objetivos fundamentais a construção de uma sociedade livre, justa e solidária e a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. A república Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos princípios da prevalência dos Direitos Humanos e repúdio ao terrorismo e ao racismo.

Sendo a defesa da Dignidade Humana um princípio soberano da Constituição Federal e norte de todo ordenamento jurídico Brasileiro, ela deve ser tutelada pelo Estado e servir de limite à liberdade de expressão. Ou seja, o limite da liberdade de expressão de quem quer que seja é a dignidade da pessoa humana do outro. O que fanáticos e fundamentalistas religiosos mais têm feito nos últimos anos é violar a dignidade humana de homossexuais.

Seus discursos de ódio têm servido de pano de fundo para brutais assassinatos de homossexuais, numa proporção assustadora de 200 por ano, segundo dados levantados pelo Grupo Gay da Bahia e da Anistia Internacional. Incitar o ódio contra os homossexuais faz, do incitador, um cúmplice dos brutais assassinatos de gays e lésbicas, como o que ocorreu recentemente em Goiânia, em que a adolescente Adriele Camacho de Almeida, 16 anos, que, segundo a mídia, foi brutalmente assassinada por parentes de sua namorada pelo fato de ser lésbica. Ou como o que ocorreu no Rio de Janeiro, em que o adolescente Alexandre Ivo, que foi enforcado, torturado e morto aos 14 anos por ser afeminado.

O PLC 122 , apesar de toda campanha para deturpá-lo junto à opinião pública, é um projeto que busca assegurar para os homossexuais os direitos à dignidade humana e à vida. O PLC 122 não atenta contra a liberdade de expressão de quem quer que seja, apenas assegura a dignidade da pessoa humana de homossexuais, o que necessariamente põe limite aos abusos de liberdade de expressão que fanáticos e fundamentalistas vêm praticando em sua cruzada contra LGBTs.

Assim como o trecho da Carta de Paulo aos Romanos que diz que o “homossexualismo é uma aberração” [sic] são os trechos da Bíblia em apologia à escravidão e à venda de pessoas (Levítico 25:44-46 – “E, quanto a teu escravo ou a tua escrava que tiveres, serão das gentes que estão ao redor de vós; deles comprareis escravos e escravas…”), e apedrejamento de mulheres adúlteras (Levítico 20:27 – “O homem ou mulher que consultar os mortos ou for feiticeiro, certamente será morto. Serão apedrejados, e o seu sangue será sobre eles…”) e violência em geral (Deuteronômio 20:13:14 – “E o SENHOR, teu Deus, a dará na tua mão; e todo varão que houver nela passarás ao fio da espada, salvo as mulheres, e as crianças, e os animais; e tudo o que houver na cidade, todo o seu despojo, tomarás para ti; e comerás o despojo dos teus inimigos, que te deu o SENHOR, teu Deus…”).

A leitura da Bíblia deve ensejar uma religiosidade sadia e tolerante, livre de fundamentalismos. Ou seja, se não pratica a escravidão e o assassinato de adúlteras como recomenda a Bíblia, então não tem por que perseguir e ofender os homossexuais só por que há nela um trecho que os fundamentalistas interpretam como aval para sua homofobia odiosa.

Não declarei guerra aos cristãos. Declarei meu amor à vida dos injustiçados e oprimidos e ao outro. Se essa postura é interpretada como declaração de guerra aos cristãos, eu já não sei mais o que é o cristianismo. O cristianismo no qual fui formado – e do qual minha mãe, irmãos e muitos amigos fazem parte – valoriza a vida humana, prega o respeito aos diferentes e se dedica à proteção dos fracos e oprimidos. “Eu vim para que TODOS tenham vida; que TODOS tenham vida plenamente”, disse Jesus de Nazaré.

Não, eu não persigo cristãos. Essa é a injúria mais odiosa que se pode fazer em relação à minha atuação parlamentar. Mas os fundamentalistas e fanáticos cristãos vêm perseguindo sistematicamente os adeptos da Umbanda e do Candomblé, inclusive com invasões de terreiros e violências físicas contra lalorixás e babalorixás como denunciaram várias matérias de jornais: é o caso do ataque, por quatro integrantes de uma igreja evangélica, a um centro de Umbanda no Catete, no Rio de Janeiro; ou o de Bernadete Souza Ferreira dos Santos, Ialorixá e líder comunitária, que foi alvo de tortura, em Ilhéus, ao ser arrastada pelo cabelo e colocada em cima de um formigueiro por policiais evangélicos que pretendiam “exorcizá-la” do “demônio”.

O que se tem a dizer? Ou será que a liberdade de crença é um direito só dos cristãos?

Talvez não se saiba, mas quem garantiu, na Constituição Federal, o direito à liberdade de crença foi um ateu Obá de Xangô do Ilê Axé Opô Aforjá, Jorge Amado. Entretanto, fundamentalistas cristãos querem fazer uso dessa liberdade para perseguir religiões minoritárias e ateus.

Repito: eu não declarei guerra aos cristãos. Coloco-me contra o fanatismo e o fundamentalismo religioso – fanatismo que está presente inclusive na carta deixada pelo assassino das 13 crianças em Realengo, no Rio de Janeiro.

Reitero que não vou deixar que inimigos do Estado Democrático de Direito tente destruir minha imagem com injúrias como as que fazem parte da matéria enviada para o Jornal do Brasil. Trata-se de uma ação orquestrada para me impedir de contribuir para uma sociedade justa e solidária. Reitero que injúria e difamação são crimes previstos no Código Penal. Eu declaro amor à vida, ao bem de todos sem preconceito de cor, raça, sexo, idade e quaisquer outras formas de preconceito. Essa é a minha missão.

Jean Wyllys (Deputado Federal pelo PSOL Rio de Janeiro)


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Leandro Fortes

Leandro Fortes é jornalista, professor e escritor, autor dos livros Jornalismo Investigativo, Cayman: o dossiê do medo e Fragmentos da Grande Guerra, entre outros. Mantém um blog chamado Brasília eu Vi. 
https://brasiliaeuvi.wordpress.com/

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