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Como a história da vida familiar tem sido amplamente mal interpretada pelos conservadores


A história da vida familiar tem sido amplamente mal interpretada pelos conservadores.





Por George Monbiot, publicado no Guardian 15 de maio de 2012
Fonte: https://www.monbiot.com/2012/05/14/kin-hell/
Tradução: Sergio Viula



“Por toda a história e em virtualmente todas as sociedades humanas, o casamento tem sido a união de um homem e uma mulher.” Assim diz a Coalização para o Casamento (Coalition for Marriage), cuja petição contra as uniões entre pessoas do mesmo sexo no Reino Unido até agora atraíram 500.000 assinaturas (1). É uma alegação conhecida, e está errada. Dezenas de sociedades, por muitos séculos, têm reconhecido o casamento entre pessoas do mesmo sexo (2,3,4). Em alguns casos, antes do século 14, ele era até celebrado na igreja.

Esse é um exemplo de um fenômeno muito difundido: a produção de mitos por conservadores culturais sobre o passado dos relacionamentos. Pouco questionados, os promotores dos valores familiares têm conseguido construir uma história que é quase inteiramente falsa.

A natureza antibíblica e a-histórica da seita cristã moderna da família nuclear é uma maravilha de se ver. Aqueles que a promovem são seguidores de um homem nascido fora do casamento e supostamente gerado por alguém que não era parceiro de sua mãe. Jesus insistiu que “se um homem vem a mim, e não odeia a seu pai, e sua mãe, e sua esposa, e seus filhos, e seus irmãos, e irmãs... ele não pode ser meu discípulo”(5). Ele não fez qualquer injunção contra a homossexualidade: a ameaça que ele percebeu era o amor familiar e heterossexual, que competia com o amor a Deus.

Esse alvo foi agressivamente perseguido pela igreja por uns 1.500 anos. Em seu livro clássico Um Mundo de Sua Própria Autoria (A World of Their Own Making), o professor John Gillis destaca que até a Reforma o estado de santidade não era o matrimônio, mas uma vida inteira de castidade (6). Não havia santos casados nos primórdios da igreja medieval. Famílias piedosas nesse mundo eram estabelecidas não entre homens e mulheres, unidos no bestial matrimônio, mas por ordens sagradas, cujos membros eram irmãos e noivas de Cristo. Assim como a maioria das religiões monásticas (que se desenvolveram entre povos nômades (7)), o Cristianismo valorizava pouco o lar. Um verdadeiro lar cristão pertencia a outro reino, e até que fosse alcançado, através da morte, ele era considerado um exílio da família de Deus.

Os pregadores da Reforma criaram um ideal de organização social – a família piedosa – mas este mantinha pouca relação com a família nuclear. No meio de sua adolescência – às vezes, bem mais cedo – Gillis nos diz, “virtualmente todos os jovens viviam e trabalhavam em outras residências por períodos mais curtos ou mais longos”. Em grande parte da Europa, a maioria pertencia – como servos, aprendizes e trabalhadores – às casas de outros que não seus pais biológicos. Os pobres, em sua maioria, não formavam famílias; eles se juntavam às dos outros.

O pai da casa, que descrevia e lidava com suas tarefas como se fossem seus filhos, permanecia tipicamente desconectado da maioria deles. A família, antes do século dezenove, se referia a todos os que viviam na casa. O que a Reforma santificou foi a força de trabalho proto-industrial, que trabalhava e dormia sob o mesmo teto (8).

A crença de que sexo fora do casamento era rara em séculos anteriores também é infundada. A maioria, pobre demais para casar-se formalmente, escreve Gillis, “podia amar como desejasse desde que fosse discreta sobre isso.” Antes do século 19, aqueles que pretendessem se casar começavam a dormir juntos assim que tivessem estabelecido compromisso (declarado suas intenções). Essa prática foi sancionada com base em que permitia aos casais descobrirem se eram ou não compatíveis: se eles não fossem, podiam romper o compromisso. A gravidez pré-nupcial era comum e geralmente não controversa, desde que pudessem prover para as crianças (9).

A família nuclear, como idealizada hoje, foi uma invenção dos Vitorianos, mas tem pouca relação com a vida familiar que nos mandam imitar. Seu desenvolvimento foi direcionado por necessidades econômicas em vez de necessidades espirituais, à medida que a revolução industrial tornou a produção doméstica inviável. Por mais que os vitorianos tenham exaltado suas famílias, “assumia-se que os homens teriam casos extraconjugais e mulheres também encontrariam intimidade, até paixão, fora do casamento” (frequentemente com outras mulheres). Gillis conecta a tentativa do século 20 de encontrar intimidade e paixão apenas dentro do casamento – e as expectativas impossíveis que isso cria – com a elevação nas taxas de divórcio.

A vida das crianças era caracteristicamente miserável: entregues a amas de leite, às vezes postas a trabalhar em fábricas e minas, espancadas, negligenciadas, geralmente abandonadas pequenas. Em seu livro Uma História da Infância (A History of Childhood), Colin Heywood relata que “a escala de abandono em certas vilas era simplesmente espantosa”: atingindo um terço ou a metade de todas as crianças nascidas em algumas cidades europeias (10). Gangues de rua formadas por jovens selvagens causavam tanto pânico na Inglaterra do final do século 19 quanto causam hoje.

Os conservadores geralmente recorrem à idade de ouro dos anos da década de 1950. Mas em 1950, John Gillis aponta, as pessoas da mesma linha de pensamento acreditavam que elas haviam sofrido um grande declínio moral a partir do início do século 20. No início do século 20, as pessoas fantasiavam as vidas familiares dos vitorianos. Os vitorianos inventaram essa nostalgia, olhando para trás com saudade de vidas familiares imaginadas antes da Revolução Industrial.

No [jornal] Telegraph ontem, Cristina Odone defendeu que “qualquer pessoa que queira melhorar sua vida nesse país sabe que a família tradicional é a chave.” (11) Mas a tradição que ela evoca é imaginária. Longe de ser, como asseguram os conservadores culturais, um período de depravação moral sem igual, a vida familiar, e a criação de filhos é, para a maioria das pessoas, seguramente melhor no Ocidente hoje do que em qualquer outra tempo nos últimos 1.000 anos.

As preocupações supostamente morais dos conservadores vêm a ser nada mais que um exemplo do costume da idade de ouro de primeiro idealizar e depois santificar a cultura de alguém. O passado que eles invocam é uma fabricação de suas próprias ansiedades e obsessões. Não tem nada a nos oferecer.


Referências:

1. http://c4m.org.uk/

2. William N. Eskridge, 1993. A History of Same-Sex Marriage. Virginia Law Review Vol. 79, No. 7, pp. 1419-1513

3. Jim Duffy, 11th August 1998. When Marriage Between Gays Was a Rite. Irish Times. http://www.libchrist.com/other/homosexual/gaymarriagerite.html

4. http://www.randomhistory.com/history-of-gay-marriage.html

5. Luke 14:26.

6. John R. Gillis, 1996. A World of Their Own Making: myth, ritual and the quest for family values. Basic Books, New York.

7. See George Monbiot, 1994. No Man’s Land: an investigative journey through Kenya and Tanzania. Macmillan, London.

8. John R. Gillis, as above.

9. John R. Gillis, as above.

10. Colin Heywood, 2001. A History of Childhood. Polity, Cambridge.

11. http://blogs.telegraph.co.uk/news/cristinaodone/100157628/heterosexual-marriage-im-sorry-you-cant-discuss-that/


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COMENTÁRIO DESTE BLOGUEIRO


Vejam como a razão prevaleceu sobre as falácias desses conservadores moralistas que precisam fraudar, mentir e deturpar fatos históricos para sustentar suas teses contra a igualdade e as liberdades civis. O texto acima foi escrito em 2012, mas já em 2013, a Câmara dos Lords aprovou a lei que permitia o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Em julho daquele mesmo ano, a Rainha Elizabeth dava sua aprovação ao casamento entre pessoas do mesmo sexo. Em fevereiro de 2014, a Escócia que tem legislação separada, aprovou o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Isso significa que agora pessoas do mesmo sexo podem se casar na Inglaterra, no Pais de Gales e na Escócia.

Não apenas isso, mas o número de crianças abandonadas ou órfãs que foram adotadas em 2014, foi mais que o triplo do que teria sido se a lei da adoção não tivesse reconhecido a legitimidade da família homoparental.

Ficou difícil para os pinóquios do conservadorismo moralista. Suas mentiras não se sustentaram. Seu obscurantismo foi superado pela luz da razão humanista secularista. O que mais empolga os que defendem um mundo plenamente igualitário de direitos (porém, não uniforme em vivências) é que o Reino Unido, mesmo tendo uma rainha, uma igreja estatal e um parlamento conhecido por seu conservadorismo e tradicionalismo tenha avançado mais rapidamente nos direitos civis das pessoas LGBT que muita república presidencialista em regime democrático mundo afora.

ENQUETE NO CONGRESSO - O QUE MUITA GENTE NÃO SABE.

O portal do Congresso Nacional lançou a seguinte enquete 
com duas opções de respostas: SIM ou NÃO.





ACESSE AQUI PARA VOTAR.
VOTE NÃO

http://www2.camara.leg.br/agencia-app/votarEnquete/enquete/101CE64E-8EC3-436C-BB4A-457EBC94DF4E



ACESSE AQUI PARA VOTAR: http://www2.camara.leg.br/agencia-app/votarEnquete/enquete/101CE64E-8EC3-436C-BB4A-457EBC94DF4E


Até o momento em que escrevi esse post, as respostas NÃO à pergunta "Você concorda com a definição de família como núcleo formado a partir de um homem e uma mulher, prevista no projeto que cria o Estatuto da Família?" estavam na frente. E é muito simples entender porquê: As famílias não são APENAS constituídas de pai/mãe/filho. Na verdade, esse modelo nem é mais o da maioria. O Jornal O Globo captou essa mudança no censo do IBGE e faz matéria. Veja:

RIO - A família brasileira se multiplicou. O modelo de casal com filhos deixou de ser dominante no Brasil. Pela primeira vez, o censo demográfico captou essa virada, mostrando que os outros tipos de arranjos familiares estão em 50,1% dos lares. Hoje, os casais sem filhos, as pessoas morando sozinhas, três gerações sob o mesmo teto, casais gays, mães sozinhas com filhos, pais sozinhos com filhos, amigos morando juntos, netos com avós, irmãos e irmãs, famílias “mosaico” (a do “meu, seu e nossos filhos”) ganharam a maioria. O último censo, de 2010, listou 19 laços de parentesco para dar conta das mudanças, contra 11 em 2000. Os novos lares somam 28,647 milhões, 28.737 a mais que a formação clássica.

Outra coisa que chama atenção é que em dez anos, subiu de 132 mil para 400 os lares com não parentes (pessoas sem qualquer relação de parentesco consanguíneo). Fonte: O Globo.


Além disso, o IBGE identificou 60 mil famílias homoafetivas pelo Brasil. A maioria, 53,8%, é formada por mulheres (fonte: O Globo). Depois da legalização do casamento homoafetivo direto no cartório em 2013, esse número deve ter se tornado ainda mais expressivo. 

E ainda existem as crianças que moram em duas casas diferentes. Segundo O Globo, esse tipo de família ainda não é alvo do IBGE. Uma falha, obviamente. E os filhos sob a guarda só do pai ou só da mãe perfazem 10 milhões de lares (Fonte: O Globo).

O Globo: https://oglobo.globo.com/economia/maes-pais-que-valem-por-dois-em-10-milhoes-de-lares-pelo-brasil-5898504

Então, a pergunta da enquete no Portal do Congresso soa, por si só, despropositada e ofensiva. A única coisa que essa enquete está conseguindo fazer é movimentar um bando de fundamentalistas (muitos deles divorciados e casados de novo, e com filhos fora do casamento) para votarem em massa, inclusive usando programas que permitem a inclusão de vários votos a partir do mesmo computador (fraude), a fim de fazer parecer que a maioria das pessoas na sociedade brasileira ainda pensa como os burgueses do século 19. 

Tudo isso é uma grande palhaçada. Mas, para não me omitir, coloquei o nariz vermelho e votei. E meu voto é NÃO. Família não é constituída por pai, mãe e filho. Ela TAMBÉM pode ser constituída assim, mas isso não esgota o conceito ou a definição de família. Como diz o site do próprio IBGE: Essa unidade doméstica pode ser de três tipos: unipessoal (quando é composta por uma pessoa apenas), de duas pessoas ou mais com parentesco ou de duas pessoas ou mais sem parentesco entre elas. (grifo meu)

Façamos um favor ao Congresso Brasileiro, geralmente surdo para as mudanças e as novas demandas da sociedade brasileira, VOTEMOS NÃO na enquete.

Vale ressaltar que o surgimento de novas famílias em nada prejudica a família tradicional. E entenda-se por tradicional aquilo que diz respeito a uma tradição. Ninguém pode ser obrigado ou impedido de seguir uma tradição. Consequentemente, nenhuma família pode ser discriminada por não se encaixar no enquadramento do que veio a ser chamado de família tradicional. Até porque a família tradicional aqui pode ter se consolidado como sendo homem/mulher/filho, mas em outros lugares do mundo a família tradicional é bem diferente. Vide os povos de tradição poligâmica (um homem e várias mulheres ou uma mulher e vários homens) ou aqueles povos em que os filhos não são criados por pai e mãe, mas enviados para uma residência comunitária e postos sob os cuidados de outras pessoas, como acontece em algumas tribos. Em cada um desses lugares, a família tradicional é de um tipo bem diferente. 

De novo, vote NÃO à imposição de modelos. TODAS as famílias devem ser respeitadas como tais.

ACESSE AQUI PARA VOTARhttp://www2.camara.leg.br/agencia-app/votarEnquete/enquete/101CE64E-8EC3-436C-BB4A-457EBC94DF4E

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