Por Sergio Viula
Che Guevara com aparência mais aceitável pela burguesia
Muitas pessoas ficam divididas entre o desprezo e a admiração por Che Guevara, o mais famoso revolucionário Cubano e latino-americano por extensão.
De um lado há os que condenam o sexismo extremamente homofóbico que caracterizava o movimento de Guevara. Do outro lado, há quem tente minimizar os horrores da violência homofóbica perpetrados por ele e seus seguidores, assim como por outros movimentos revolucionários inspirados em seu exemplo em toda a América Latina.
Recomendo muito a leitura integral do texto de James N. Green citado abaixo (em inglês).
"Quem é o Macho que Quer me Matar?" Homossexualidade Masculina, e a Luta Armada Brasileira das décadas de 1960 e 1970.
Masculinidade Revolucionária
“Who Is the Macho Who Wants to Kill Me?” Male Homosexuality, Revolutionary Masculinity, and the Brazilian Armed Struggle of the 1960s and 1970s James N. Green
Trecho a partir da página 456, com recortes. Para acessar o texto todo (em inglês) clique aqui.
"Se a masculinização de algumas mulheres militantes permitu que elas assumissem papéis de liderança nas organizações de luta armada, a feminização de homens revolucionários estava fora de questão. Noções culturais abrangentes rotulavam os homens homossexuais como efeminados, passivos, vacilantes e não confiáveis, enquanto os marxistas os viam como, inerentemente, pequenos burgueses e traidores em potencial. Essas duas tradições combinadas excluíam a possibilidade de homens homossexuais se tornarem revolucionários. Nada simbolizava mais a ideia de que um revolucionário masculino precisava de uma forma específica de masculinidade, as quais eram imagens e noções mais do que prevalentes em Che Guevara, a figura icônica do movimento de guerrilha latino-americano nas décadas de 1960 e 1970. 'El hombre nuevo' (o homem novo) promovido por Che e imitado por seus seguidores era viril, barbudo, agressivo e obstinado pelo sacrifício em favor da causa, adiando os prazeres mundanos no presente pelo glorioso futuro socialista."
[...]
"Ele era um rebelde com uma causa que estava disposto a abandonar seu país e amigos, pegar um rifle e oferecer sua vida pela revolução."
O retrato estilizado de Che que se tornou tão onipresente até o final da década de 1960 também se fundia com o símbolo mais velho, mais poderoso e mais abrangente da civilização Ocidental, notadamente o sacrifício, o sofrimento, e finalmente o martírio de Cristo. O corpo seminu do revolucionário assassinado estendido sobre uma maca rústica na Bolívia rural oferecia significados simbólicos e míticos adicionais. Essa imagem cristã, colocada como uma camada sobre a figura de um revolucionário marxista, também exercia forte apelo a centenas, senão milhares, de jovens brasileiros que havia se juntado à Esquerda através de suas experiências com a Juventude Universitária Católica e mais tarde com a Ação Popular. [...] Che Guevara tornou-se um símbolo ecumênico do tipo de revolucionário dedicado ao povo da América Latina em revolta.
A historiadora Florencia Mallon documentou o impacto da imagem de Che entre seus apoiadores, militantes e lideranças do MER (Movimento da Esquerda Revolucionária), que se engajou numa luta armada no Chile no final da década de 1960 e na década de 1970. [...] Mallon argumenta que a liderança central do MER cultivou uma associação entre suas personas como a encarnação do que eu chamo masculinidade revolucionária e as imagens de Che, 'e extraiu autoridade pessoal dela.'
[...] Além disso, como Mallon nos lembra, os imitadores de Che, enquanto cultivavam essa imagem revolucionária, impunham a heterossexualidade compulsória e rejeitavam o comportamento de gênero transgressor.
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Che Guevara criou o único programa de trabalhos forçados para gays na América Latina
Che Guevara montou o primeiro campo de trabalho forçado de Cuba para pessoas vistas pelo Estado como delinquentes.
Esse primeiro campo de trabalhos forçados foi erguido em Guanahacabibes (1960-1961). A inciativa foi de Ernesto "Che" Guevara, que acreditava na rejeição dos “crimes contra a moral revolucionária” através do trabalho. Essa experiência viria a inspirar a criação das Unidades de Assistência Militar à Produção (UMAP).
De acordo com a revista Época, em entrevista ao escritor Pedro Juan Gutiérrez, "a experiência da guerrilha, que dominava a estrutura política do movimento, conferiu à Revolução Cubana um forte sentido de masculinidade. Uma das muitas vítimas do agravamento da homofobia pós-revolução foi o poeta Reinaldo Arenas. Apesar de ter apoiado a revolução nos primeiros anos, ele não foi poupado. Sofreu com a censura e a repressão, sendo perseguido, preso, torturado e forçado a abandonar seu trabalho, como conta sua biografia Antes que anoiteça. Arenas só conseguiu uma autorização para sair do país nos anos 1970. Mudou-se para Nova York, onde foi diagnosticado com aids."
Destaco o seguinte trecho dessa matéria, agora referindo-se ao escritor peruano Mário Vargas Llosa:
"O escritor peruano Mario Vargas Llosa alega que um dos motivos que o fizeram desacreditar na Revolução Cubana e na ideologia socialista foram as Umaps e a repressão homossexual. Ele se deparou com as instituições de recuperação em suas muitas viagens à ilha na década de 1960. Chegou a manifestar seu espanto em uma carta a Fidel. O líder, então, o chamou para uma reunião com outros intelectuais queixosos. A reunião durou 12 horas, mostrando que ele não estava aberto ao diálogo."
A matéria pode ser lida na íntegra aqui.
O Castrismo e sua perseguição aos gays
O site do El País publicou matéria sobre um projeto de reforma da Constituição que acabaria com a discriminação sexista contra casais do mesmo sexo. Infelizmente, como ficou demonstrado posteriormente, essa tentativa foi frustrada, tendo sido rejeitada pelo governo depois de pressão exercida por igrejas evangélicas no país. Veja na Carta Capital.
El País: "Uma das páginas mais obscuras do castrismo foi a existência, entre 1965 e 1968, das Unidades Militares de Ajuda à Produção, campos de trabalhos forçados para a “reeducação” de indivíduos que o regime do Fidel Castro considerava extraviados com relação à moral revolucionária. As tenebrosas UMAP recebiam delinquentes comuns, dissidentes políticos, religiosos e homossexuais, entre outros. Estima-se que nelas foram encerrados cerca de 30.000 cubanos, sendo 800 deles especificamente por serem gays."
"O historiador Abel Serra Madero, estudioso das UMAPs, conta ao EL PAÍS que os detentos chegavam a ser torturados nesses centros, e critica o fato de o Governo cubano nunca ter pedido perdão por isso, e muito menos indenizado as vítimas. 'Sempre tentaram demonstrar que as UMAPs foram um erro, e Fidel Castro se isentou das responsabilidades dizendo que estava muito ocupado governando e não sabia o que acontecia ali. Mas não foram um erro isolado. As UMAPs foram um fenômeno sistêmico da revolução'."
"Emilio Izquierdo, diretor da associação UMAP Miami, que denuncia o ocorrido nos campos de trabalhos forçados, considera que eles foram 'um crime contra a humanidade que deveria ser julgado como tal'. Izquierdo, de 70 anos, passou dois anos preso numa UMAP da província de Camagüey por ser dissidente político e recorda a crueldade especial com que os detentos homossexuais eram tratados. 'Eram separados do resto e faziam equipes de trabalho composto só por gays, dividindo-os em grupos diferentes os ativos e os passivos e submetendo-os a todo tipo de insultos, surras e trancamento em calabouços'."
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Comentário deste blogueiro
E Cuba, considerada revolucionária por tanta gente e tendo Che Guevara como um ícone (discutível) de libertação, continua sendo homofóbica e transfóbica apesar do rosto supostamente inclusivo que Mariela Castro, filha o ex-presidente Raúl Castro, vem dando ao regime ao reivindicar igualdade de direitos para a comunidade LGBT no país.
Verdade é que nem Che Guevara e nem os irmãos Castro (Fidel e Raúl) deveriam ser considerados dignos de apreço pela comunidade LGBT. Talvez, a única que mereça apreço até o momento seja Mariela Castro, mas é preciso ver que posturas ela vai manter ou abandonar em relação à luta pelo reconhecimento da cidadania plena aspirada por pessoas LGBT naquela controversa ilha.
Felizmente, no Brasil, muitos setores da esquerda se abriram para considerar a diversidade sexual como parte de sua pauta, mas isso ainda é muito pouco. A maior parte da conversa não vira ação concreta. É preciso que a esquerda realmente se comprometa com essas pautas. Os direitos das pessoas LGBT não podem ser moedas de troca úteis na hora de negociar votos com os que criminosamente transforma igrejas em currais eleitorais.
De qualquer modo, o que você nunca verá: Sergio Viula com uma camisa ou outra bugiganga qualquer com a cara de Che Guevara e seus fantoches homofóbicos. Vale para quaisquer outros, não importando suas linhas políticas, filosóficas ou religiosas.
Leia também:
A comunidade LGBT sob governos destros e canhotos
Olá, Sergio,
ResponderExcluirDe fato, já tem um tempo, que essa denúncia da moralidade no campo das esquerdas brasileiras tem sido enfrentado por alguns pesquisadores como o James Green. Eu já li esse texto dele, se não me engano tem uma versão em português.
Outro texto que toca nessa temática é o do Douglas Pinheiro da UnB ( referência abaixo).
Também tenho minhas reservas quanto uma defesa da figura de Che Guevara por parte da população LGBT, principalmente a militância.
Não é + novidade que as sociedades que se reivindicam socialistas como Cuba, tenha praticas pouco efetivas para essa população. Os evangélicos de Cuba impediram uma mudança na lei em favor do casamento igualitário (https://www.cartacapital.com.br/mundo/igrejas-evangelicas-de-cuba-fazem-campanha-contra-o-casamento-gay/).
A própria Rússia (EX URSS), com legislação proibindo o que eles chamam de "propaganda gay", tem uma aliança com a igreja ortodoxa, dificultando a vida de lgbts em seu território.
Infelizmente, usam a nossa pauta como moeda de troca e não é de hoje. Tenho apoiado candidaturas lgbts, mas, atento a coerência dos próprios candidatos/as.
PINHEIRO, Douglas. Autoritarismo e homofobia: a repressão aos homossexuais nos regimes ditatoriais cubano e brasileiro (1960-1980). Cadernos Pagu, p. 1-30, 2018. http://www.scielo.br/pdf/cpa/n52/1809-4449-cpa-18094449201800520013.pdf
Obrigado pelo seu comentário, Natanael. Adorei!
ResponderExcluirPor falha minha, custei a ver o comentário na moderação. Não deixe de comentar sempre que desejar. Contribui muito. Beijos.