Austrália: Igrejas poderão ser responsabilizadas por abusos cometidos por padres — mesmo retroativamente
Austrália: Igrejas poderão ser responsabilizadas por abusos cometidos por padres — mesmo retroativamente

17 de junho de 2025
Fora do Armário
O governo do estado de Vitória, na Austrália, anunciou que apresentará ainda este ano um projeto de lei que permitirá responsabilizar, de forma indireta e retroativa, igrejas e outras instituições religiosas por abusos sexuais cometidos por seus padres.
A medida surge após uma decisão controversa da Alta Corte da Austrália, em 2024, que livrou a Diocese Católica de Ballarat da responsabilidade legal pelos crimes do padre Bryan Coffey, um pedófilo notório. A Corte alegou que Coffey não era tecnicamente um “empregado” da Igreja, abrindo um perigoso precedente que ameaçou dezenas de processos movidos por sobreviventes.
Diante da revolta de vítimas, advogados e defensores dos direitos humanos, o governo estadual decidiu agir. A procuradora-geral de Vitória, Sonya Kilkenny, afirmou nesta semana que a legislação será apresentada ao parlamento até o final de 2025 e terá efeito retroativo — uma mudança considerada essencial para restaurar os direitos dos sobreviventes.
“Estamos ouvindo. Este governo está ouvindo”, disse Kilkenny à ABC. “Vamos desenvolver uma legislação que será apresentada ao parlamento o mais rápido possível.”
Campanha por justiça
A pressão por mudanças ganhou força com a atuação da deputada Rachel Payne, do partido Legalise Cannabis, que já apresentou um projeto de lei pronto para votação. O texto, endossado por sobreviventes, advogados e especialistas do setor jurídico, permitiria que instituições fossem responsabilizadas mesmo nos casos em que os autores dos crimes não tivessem vínculos empregatícios formais.
“Tempo é essencial”, afirmou Payne. “Sobreviventes de abuso sexual infantil institucional já estão esperando há tempo demais.”
Advogados como John Rule, da firma Maurice Blackburn, celebraram a iniciativa, chamando-a de “movimento positivo e necessário”. Já a advogada Judy Courtin, com histórico de enfrentamento a instituições abusivas, afirmou que a demora do governo é perigosa. “Sete meses críticos já se passaram desde a decisão da Alta Corte. Vítimas estão perdendo seus processos e sofrendo danos psicológicos inimagináveis”, alertou.
Riscos de mais sofrimento
Sobreviventes têm denunciado um agravamento de traumas, sensação de injustiça e até pensamentos suicidas por conta da insegurança jurídica causada pela decisão da Alta Corte. Casos como o das irmãs Trish e Bernie, abusadas por um padre nos anos 1970, foram diretamente impactados: elas descobriram tardiamente que tinham o mesmo agressor e, agora, veem seu processo em risco.
Além disso, o projeto de lei do governo de Vitória também reacende um debate nacional: a maioria dos estados australianos já possui leis sobre responsabilidade indireta, mas nenhuma com efeito retroativo. A decisão de Vitória pode abrir caminho para mudanças legislativas em toda a Austrália.
Reflexão necessária
O caso evidencia mais uma vez como estruturas religiosas historicamente se protegeram da responsabilização por crimes cometidos em seu seio. Legislações como a que está sendo proposta em Vitória não são apenas reparações jurídicas, mas ações morais urgentes que reconhecem o sofrimento das vítimas e a necessidade de justiça.
No Fora do Armário, reforçamos nosso compromisso com a visibilidade das vítimas de abusos institucionais — e especialmente com as muitas vítimas LGBT+ que enfrentaram violência e silêncio em ambientes religiosos.
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