Deus(es): A certeza da ausência

Deus(es): O fim de uma ilusão


"Vencido o véu da ilusão, a realidade se mostra mais fascinante do que qualquer mito."

(Sergio Viula)



Quando afirmo a inexistência de Deus, não o faço por palpite ou intuição. É a conclusão forjada por uma vida inteira de exame minucioso das evidências, de ponderação das alegações e da percepção de que a ideia de um ser divino simplesmente não resiste à análise. Não se trata de raiva da religião, nem de decepção com a fé, mas de uma clareza inabalável.

Pense no padrão cultural. Se alguém lhe dissesse que um dragão invisível mora em sua casa e se importa profundamente com o seu comportamento, você riria. Mas, se essa mesma afirmação fosse repetida por bilhões, ao longo de gerações e culturas, as pessoas subitamente a levariam a sério. A quantidade de pessoas que acreditam em algo não o torna verdadeiro.

Ao nos distanciarmos, o conceito de Deus perde o ar de mistério profundo e revela-se um artefato cultural. É uma narrativa transmitida por ter servido a funções sociais nos tempos antigos. Os humanos precisavam de explicações para tempestades, doenças, morte e moralidade. Na ausência da ciência, criaram seres para preencher essas lacunas: deuses da chuva, da guerra, da fertilidade. Com o tempo, em algumas tradições, esses deuses se condensaram em um só, mas o processo permaneceu o mesmo: humanizar o desconhecido.

O problema é que, à medida que a ciência avança, a necessidade de um deus desaparece. Não precisamos de explicações divinas para relâmpagos quando compreendemos a eletricidade, nem de um deus irado para explicar pragas quando sabemos como os germes se espalham. A cada século, a ciência corrói o terreno antes reservado à divindade.

Mas a ausência de Deus não se resume ao avanço científico. Ela se manifesta no silêncio d’Ele quando mais importaria. Guerras acontecem, crianças passam fome, inocentes sofrem, e o que acontece? Nada. Crentes tentam racionalizar, dizendo que o sofrimento é um teste ou que não podemos compreender a mente divina. No entanto, essas são desculpas que evitam a realidade: se existisse um ser todo-poderoso e todo-amoroso, o mundo não seria como é. Esse silêncio é uma evidência eloquente.

Se houvesse um ser que realmente desejasse se relacionar com a humanidade, que se importasse individualmente conosco, não seriam necessários profetas, escrituras ou igrejas. Esse ser se revelaria de maneira tão evidente quanto o sol no céu – inegável. Em vez disso, temos textos escritos há milhares de anos por pessoas que acreditavam que a Terra era plana e que as estrelas estavam presas a uma cúpula.

E quanto mais se reflete, mais estranha se torna a ideia de que o criador do universo – poderoso o suficiente para formar bilhões de galáxias – se importaria com o consumo de carne de porco, o trabalho em um sábado ou o uso de um certo tecido. Isso reduz o infinito ao papel de um pequeno chefe tribal obcecado por regras.

Bilhões mantêm essa crença porque ela lhes foi transmitida como verdade antes mesmo que soubessem como questionar, antes de entender o que é evidência. O que é plantado tão cedo pode parecer que sempre esteve lá, mas a familiaridade não é prova de veracidade.


Reconhecer a inexistência de deus(es): Arrogância ou honestidade intelectual?

Quando digo que não existe Deus, não falo com arrogância, mas com honestidade intelectual. Se exigirmos o mesmo padrão de evidência para os deuses que exigimos para todo o resto em nossa vida, os deuses falham no teste. Você não acredita em dragões invisíveis na garagem, em unicórnios nas florestas ou em Zeus e Apolo. Por que o deus de hoje deveria ser diferente?

O fascinante é que, em certo nível, as pessoas já sabem disso. Um cristão rejeita todos os deuses, exceto um. Um muçulmano rejeita todos, exceto um. Todo crente é ateu em relação a milhares de outras divindades. Eu apenas dou um passo a mais e rejeito um a mais.

O argumento, contudo, vai além da descrença. A própria presença e o funcionamento da religião se tornam evidência contra a verdade de Deus. Se o divino fosse óbvio, não seriam necessárias catedrais, dogmas ou guerras santas para impô-lo. Não exigiria doutrinação desde a infância, ameaças de inferno ou promessas de paraíso.

A certeza reside em reconhecer que os padrões não são exclusivos da religião, mas os mesmos vistos em todo sistema criado para controlar o comportamento humano: cultos, ideologias. A religião apenas teve milênios para aperfeiçoar essas ferramentas, fazendo a crença parecer natural e inquestionável. Mas, quando você se afasta, o feitiço se quebra.

Ao quebrar o feitiço, as contradições se revelam: textos religiosos que se contradizem, histórias que soam como folclore e mandamentos morais que não resistem ao tempo – como instruções para matar por infrações triviais. Vemos um Deus que se diz amor, mas afoga o mundo e ordena genocídios. Lidos sem a suposta auréola de santidade, esses textos seriam classificados como ficção.

As histórias de milagres também não se sustentam. Água em vinho, mares se abrindo – esses eventos nunca aparecem fora das páginas das escrituras, não constam nos registros das civilizações vizinhas. E quando as pessoas alegam milagres hoje, eles desaparecem sob investigação. São boatos, exageros ou truques que falham quando a evidência é exigida.

Pense na oração. Bilhões oram todos os dias, mas os resultados parecem exatamente fruto do acaso, indistinguíveis de um universo onde ninguém está ouvindo. Se a oração funcionasse, os hospitais veriam efeitos claros em pacientes alvo de súplicas.

E, novamente, o problema do mal. Quando uma criança morre sob escombros, o crente diz: “Deus tem um plano”. Mas um plano que envolve a morte esmagadora de uma criança, ignorando os gritos dos pais? Essa explicação desmorona. A verdade é que o mundo parece exatamente como se esperaria se não existisse Deus: um mundo natural, regido por leis da física e da biologia, indiferente aos desejos humanos.

Essa visão não é apenas mais coerente, é mais inspiradora. Um argumento comum para Deus é o assombro diante das estrelas ou do nascimento de um bebê. Mas o assombro é uma emoção, não uma prova. Confundir nossa psicologia com a verdade sobre o universo é um erro.


A gestação não é um milagre. Ela fantástica, mas é o que acontece todos os dias com milhões de humanos e outros animais no planeta. E muitas vezes, dá errado tanto para o bebê como para a mãe e até para ambos.

E a psicologia é crucial. Somos criaturas que buscam padrões e veem intenções onde não há. Essa detecção hiperativa de agência, que ajudou nossos ancestrais a sobreviver, também nos tornou propensos a inventar deuses. O mesmo cérebro que vê rostos nas nuvens vê propósito divino em eventos aleatórios.

Somado ao medo da morte — a ideia de deixar de existir apavora —, a religião se torna quase inevitável. Ela oferece uma fuga, prometendo eternidade, reencontro e justiça. Mas uma história reconfortante não é o mesmo que a realidade. Cada grande religião reflete as ansiedades e os valores da cultura que a criou, revelando mais sobre as esperanças humanas do que sobre o universo.

Uma vez que se enxerga isso, não há como “desver”. Você reconhece que todas as religiões, passadas e presentes, afirmam ter a certeza absoluta, mas nenhuma delas concorda. Percebe que os textos sagrados têm autores humanos, motivações políticas e necessidades culturais.

Entende que a moralidade não vem da religião. Ela emana da nossa humanidade compartilhada, da empatia e da necessidade de cooperação. Padres e profetas alegaram ser a voz da verdade moral, mas, na verdade, você não precisa de um mandamento para saber que a bondade é melhor que a crueldade. Essas coisas estão em nós.


Onde a Bíblia explicitamente aprova e regulamente a escravidão:

Êxodo 21:2–11 — Regras sobre servos hebreus: o escravo hebreu deveria ser libertado após seis anos de serviço, a menos que escolhesse permanecer voluntariamente.

Êxodo 21:20–21 — O texto estabelece punições brandas para o dono que ferisse um escravo, mostrando a desigualdade jurídica entre senhores e servos.

Levítico 25:39–46 — Diferencia entre servos hebreus (que deveriam ser tratados como trabalhadores assalariados) e escravos estrangeiros, que podiam ser herdados como propriedade.

Deuteronômio 15:12–18 — Reforça a libertação do escravo hebreu após seis anos e recomenda tratá-lo com generosidade ao libertá-lo.

Números 31:9–18 — Menciona a tomada de mulheres e crianças midianitas como prisioneiras e servas após uma guerra.

VALE DESTACAR QUE NEM JESUS NEM SEUS APÓSTOLOS JAMAIS SE PRONUNCIARAM PARA REVOGAR ESSAS PRÁTICAS ESCRAVAGISTAS, MAS GASTARAM MUITO TEMPO DISCUTINDO O SÁBADO E A CIRCUNCISÃO.

Ao longo da história, os maiores avanços morais raramente vieram da religião, mas sim de pessoas que a desafiaram. A escravidão foi defendida pelas escrituras; somente o apelo à razão e à humanidade compartilhada a derrubou. O mesmo vale para os direitos das mulheres e os direitos LGBT. O progresso acontece quando a compaixão humana ultrapassa os limites rígidos da doutrina.

Pessoas religiosas podem ser boas, é claro, mas sua bondade é humana, não divina. Isso fica evidente quando elas escolhem e descartam trechos de suas próprias escrituras, ignorando passagens cruéis e apegando-se às amorosas. Isso não é obediência a um deus; é o julgamento humano silenciosamente substituindo os comandos divinos. Se um livro precisa ser filtrado pela consciência humana, é essa consciência que está fazendo o verdadeiro trabalho.


Se tudo aponta para a inexistência de deus(es), por que a religião sobrevive?


A crença persiste porque a religião sobrevive em sistemas: estruturas familiares que a ensinam antes da crítica, comunidades que atrelam pertencimento à crença, rituais que dão significado, medo da punição e promessas de recompensa. Não sobrevive com base em evidências, mas em pressão social.

Quando as evidências falham, os crentes recorrem à experiência pessoal: "Sinto a presença de Deus" ou "Minha oração foi atendida". Mas sentimentos não são indicadores confiáveis de verdade. Pessoas em todo o mundo sentem a presença de diferentes deuses, e todos não podem estar certos. O que essas histórias provam é o poder da mente humana em se convencer.

O viés de confirmação entra em ação: notamos e lembramos apenas os eventos que confirmam nossas crenças. Se você ora por cura e melhora, é prova. Se ora e nada acontece, é “a vontade de Deus”. O teste é manipulado. Na ciência, se um remédio não funciona, concluímos que não funciona. Na religião, a crença é preservada apesar das evidências.

No cotidiano, as pessoas confiam o tempo todo no raciocínio baseado em evidências. Ninguém embarcaria em um avião cuja engenharia se baseasse apenas na fé. Mas, quando se trata de Deus, os padrões desaparecem.

Eis a ironia: se Deus quisesse que acreditássemos, seria fácil. Bastaria deixar a evidência clara: uma mensagem na Lua em todas as línguas, a cessação de desastres naturais sob oração, a cura verificável de amputados. Em vez disso, temos livros antigos, milagres disputados e sentimentos subjetivos. A explicação mais simples não é que Deus esteja escondido, mas que Deus não existe.

Quando você se permite essa conclusão, o mundo se abre. Em vez de um propósito imposto de fora, você vê um significado criado de dentro. A vida se torna mais frágil, sim, mas também mais preciosa. Saber que esta é a única vida que temos faz com que ela importe mais, não menos.

O mundo não desaba sem Deus; ele se esclarece. O sentido vem de nós – das relações que construímos, dos projetos que seguimos, da arte e da bondade humana. A alegação de que moralidade ou propósito desabam sem Deus é ofensiva, pois supõe que os humanos são incapazes de cuidar uns dos outros sem a ameaça do inferno. Mas cada ato de bondade desmente isso.

A ausência de Deus é libertadora. Você não precisa desperdiçar a vida tentando interpretar a vontade de um ser invisível ou conciliar contradições nas escrituras. Você pode se concentrar em viver de forma plena, honesta e compassiva.

Essa perspectiva está em harmonia com a realidade. Em vez de forçar tudo através de um filtro religioso, você vê a complexidade dos ecossistemas, o poder da evolução, a vastidão do espaço. E o assombro é honesto; não exige suspensão da descrença, mas cresce quanto mais você aprende.



A religião não foi o motor do progresso; muitas vezes, foi o freio. A verdade avança quando as pessoas se libertam do dogma. A resistência não é acidental: a religião depende da estabilidade, da repetição de regras e histórias, e resiste à mudança porque ela ameaça sua autoridade. Hereges foram queimados e cientistas silenciados, não porque a verdade ameaçasse Deus, mas porque ameaçava as instituições que dependiam de Deus para manter o poder.

O padrão é claro: a religião não é sobre Deus, é sobre controle. Ela dita o que fazer, com quem casar, como vestir. É uma ferramenta humana para controlar pessoas. É por isso que a certeza se torna necessária. Hesitar deixa a porta aberta para que esses sistemas retomem a autoridade. Mas quando todas as evidências apontam contra a existência de Deus, a porta se fecha. A clareza liberta.

Uma das razões mais fortes para a certeza é que o deus de que nos falam muda dependendo de onde e quando você nasce. Se você nasce em uma parte do mundo, Jesus é o salvador. Em outra, Maomé é o profeta. Se houvesse um deus real, óbvio e universal, essas contradições não existiriam. As pessoas descobririam a mesma verdade, assim como descobrimos o fogo ou a matemática. Em vez disso, os deuses refletem a geografia e a cultura, não a realidade.

Observe a história: todo deus que um dia foi adorado com absoluta certeza acabou virando mito – os deuses do Egito, da Grécia, de Roma. Olhamos para trás e os vemos como produtos da imaginação. É apenas uma questão de tempo até que os deuses de hoje se juntem a eles.

Há outro ponto revelador: os erros nos textos sagrados. Eles estão cheios de imprecisões que refletem a ignorância humana antiga: a Terra criada em seis dias, o Sol parando no céu. Essas não são as palavras de um ser onisciente, mas os palpites de pessoas limitadas pelo conhecimento de sua época. Se as escrituras contivessem uma única informação inegável de conhecimento avançado, isso seria impressionante. Mas não contêm.

A moral atribuída a Deus também desmorona sob exame. Dizem que, sem Deus, tudo é permitido, mas, na leitura das escrituras, percebe-se que com Deus, quase tudo é permitido – genocídio, escravidão, poligamia, execuções por ofensas triviais. A única forma de os crentes modernos se distanciarem disso é ignorando, reinterpretando ou tentando explicar.

Isso mostra que a moralidade vem dos humanos, que gradualmente rejeitaram a crueldade desses textos à medida que evoluímos socialmente. O progresso moral surge fora da religião, e só depois as instituições correm atrás.

Em suma: tudo na religião parece feito por mãos humanas – os deuses refletem suas culturas, as escrituras refletem seu tempo e a moralidade evolui independentemente. As impressões digitais da humanidade estão por toda parte.


O que seria da humanidade - e de você - sem a crença em deus(es)?


A ausência de Deus não tira o encanto da vida. As estrelas são belas por si mesmas; ajudar alguém importa porque reduz o sofrimento; o amor importa porque transforma a vida. A ausência de Deus remove as ilusões e nos deixa com a realidade, que é suficiente.

A percepção mais poderosa que vem dessa rejeição é a responsabilidade. Quando se acredita em um plano divino, a responsabilidade pelos problemas é entregue a esse poder. Mas, ao reconhecer que não há mão superior puxando as cordas, o peso recai sobre nós. Se nenhum Deus vai acabar com a fome, então nós devemos acabar com a fome.

A história mostra o que acontece quando as pessoas confiam no esforço humano: vacinas vêm da ciência, tratados de paz vêm da negociação, direitos civis vêm do ativismo. O progresso acontece quando os humanos assumem a responsabilidade.

A ideia de Deus também encolhe sob o peso do universo. Um ser poderoso o suficiente para criar o cosmos, mas preocupado com restrições alimentares e hábitos sexuais, soa como a mente de um chefe tribal, não a mente que arquitetou galáxias. A discrepância é gritante.

O conceito de justiça divina também é falho: a punição infinita do inferno por ações finitas é crueldade amplificada. Essas ideias exploram o medo da morte, a incerteza e o desejo de justiça, mas conforto não é prova.

A própria linguagem sustenta a ilusão. Dizer "Deus respondeu à minha oração" quando algo bom acontece, ou "Deus age de maneiras misteriosas" para encobrir contradições, transforma coincidências em divindades. A linguagem disfarça a realidade.



Eis um fato revelador: as sociedades mais seculares não entraram em colapso. Muitos dos países mais seculares aparecem no topo em medidas de felicidade, educação e igualdade. As pessoas encontram significado, propósito e moralidade sem religião, porque nunca precisaram de Deus para essas coisas desde o começo.

A certeza não vem da arrogância, mas da coerência. Não é um salto de fé. É a conclusão que surge naturalmente ao remover as ilusões e olhar honestamente para as evidências.

A ausência de Deus não é apenas uma possibilidade. É a explicação que faz todo o resto se encaixar. E nessa verdade, há liberdade, clareza e, mais importante, a vida – real, desvelada, inegável, aqui e agora.

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