O que houve com os shows de drag queens?

O que houve com  os shows de drag queens?


Drag queens sempre despertaram meu carinho e interesse. Lembro que, quando ainda era crente (urgh...), do tipo que evangelizava em parada gay, Miss Brasil Gay, etc., eu parava, conversava com elas e entregava meu folheto sempre com alguma gracinha simpática. Sim, porque eu não era desse tipo que entrega folheto dizendo "Jesus te ama" ou coisa assim. Sempre tinha uma tirada surpreendente, engraçada, simpática — o que não muda o fato de que era uma perda de tempo. Drag queens reinam!!!

Quando saí do armário, conheci pessoalmente várias drag queens. Saí com uma que fazia shows frequentemente e se vestia tão belamente que, quando estava de boy, não tinha o mínimo traço que fizesse lembrar a drag. Era deslumbrante montada e supergatinho quando estava desmontado. Cheguei a namorar por alguns meses dois outros caras que já tinham feito drag — um fez até na Espanha. O outro era mais por diversão e só raramente se montava. Portanto, não tenho qualquer preconceito contra drag queens, cross-dressers e afins. Já fiz até um vídeo com slides de drag queens famosas para homenageá-las. Está no YouTube.

No entanto, tenho uma séria e triste observação a fazer. Mas quero deixar claro que refiro-me ao contexto do Rio de Janeiro, e que as boates por onde tenho passado são basicamente três: Le Boy, 1140 e Papa G. Todas essas casas têm seus encantos, cada uma a seu modo. Porém, o que era para mim um prazer tem-se tornado há algum tempo um incômodo. Trata-se dos shows de drag queens que cada casa apresenta em seus respectivos horários.

Esses shows costumavam ser o ponto alto da programação artística dessas casas. Eu costumava me impressionar com as performances extraordinárias de algumas drag queens que exibiam figurinos esplêndidos, dublavam lindamente, dançavam perfeitamente e extraíam suspiros, aplausos e gritinhos da plateia. Até mesmo as caricatas faziam shows elaborados, engraçados e cheios de piadas e tiradas que eram, ao mesmo tempo, de bom gosto, inteligentes e inesperadas.

Porém, já faz bastante tempo que tenho visto o glamour desses shows perder o brilho. Há dias em que só fico na boate até o momento do show, porque depois já estou cansado e não tenho interesse em sair na hora em que a boate fechar, já com o dia claro e sem conseguir dormir direito por causa do barulho e claridade do dia já feito quando chego em casa. Foi o que aconteceu ontem.

Emanuel e eu havíamos ido ao Shopping Downtown, à noite. Saímos de lá por volta de meia-noite e decidimos ir à Papa G. A boate está muito mais bonita do que jamais foi. Jair tem talento para administração, sem dúvida. Esperamos perseverantemente o show da Rose Bombom, que demorou a começar. Finalmente, quando o show começou, sentimos aquele friozinho na barriga, típico de quem está para se surpreender (ou pensava que estava).

Rose colocou mais duas drags para contracenar com ela. Poderia ter sido engraçado, mas não foi. Aquelas piadinhas mais do que encardidas pelo uso. Palavrões e outras "chulices" que dispensam talento artístico, porque qualquer idiota da plateia pode dizê-los. Aliás, tinha um desses idiotas que não param de interromper o show gritando chatices para provocar respostas da drag no palco e conseguir seus próprios 15 segundos de (in)glória.

As drags que acompanhavam Rose, além de não terem atrativos "afroditianos" que as tornassem pelo menos agradáveis aos olhos, fizeram e disseram tanta coisa de mau gosto que eu fiquei enjoado. Literalmente enjoado — aquela sensação desagradável que vai do estômago à boca.

Fiquei até o final achando que pior não podia ficar, e porque não queria formar nenhum juízo sem todas as evidências. Quando a Rose (que tem talento para muito mais do que isso) começou a dar avisos sobre outras programações, saí sem perda de tempo. Emanuel também estava decepcionado. Havíamos ido da Barra a Madureira para ver o show. Não foi para dançar, beber ou conversar. Tudo isso tínhamos à nossa disposição no Downtown e em alto estilo. Era para ver um show que, no mínimo, fizesse rir, já que era de drag queens caricatas. Mas perdemos tempo.

Pensando em retrospecto, percebi que não foi a primeira vez que me senti mal diante de um show desses. Tudo por causa do indiscutível mau gosto das apresentações.

Comecei a me perguntar: onde estão os shows glamourosos de alguns poucos anos atrás? Onde estão as piadas inteligentes e as tiradas surpreendentes? Onde estão aquelas deslumbrantes drag queens que fariam inveja a muita modelo famosa? E aquelas caricatas que realmente se produziam para fazer rir? Rir do inusitado, do realmente caricato. Não essa coisa chula que vem sendo confundida com o cômico. Comédia não é nojeira, não é sujeira. Comédia é paródia, é remedo, é pegar o cotidiano e tornar o chato, o trágico e o rotineiro em graça, em coisa para rir. Isso é terapêutico do ponto de vista do estresse que nos atinge através das experiências do dia a dia (ou falta delas).

Essa decepção já aconteceu tantas vezes nas três boates que citei acima, que cheguei à conclusão de que não vale a pena perder tempo. Se eu quiser ir à boate, não vai ser mais por causa dos shows. E não vou esperar até poder vê-los. Aliás, como o que mais me motivava eram os shows, isso significa que irei muito menos do que tenho ido. Levando em conta que minha média de frequência já estava baixa, isso significa que praticamente não irei, salvo raras exceções.

Enquanto isso, espero que as drag queens consigam renovar seus shows para melhor. Talvez isso passe pela questão financeira. Essas boates pagam uma miséria. E, uma vez que maquiagem, figurino e outras coisas custam o olho da cara, é possível que parte do que está acontecendo seja por falta de verbas. Drag queens precisam ser valorizadas, inclusive, e especialmente, financeiramente. Está na hora de esses gerentes e donos de boates acordarem para o fato de que um cachê de drag não pode ser menor do que o pagamento de muitas diaristas da Zona Sul e da Barra da Tijuca. Todo carinho às diaristas que trabalham duro. Mas elas não gastam um centavo para limpar, arrumar, dar brilho. Já uma drag queen precisa gastar uma fortuna em produção se quiser fazer um show digno de um público inteligente.

Será que o público não tem percebido a mesma coisa? Que algumas pessoas curtam tudo isso do jeito que está, não há dúvida. Tem gente que gosta de levar choque transando, de ser furado e pendurado em ganchos. Então, tem gente para gostar de tudo. Mas não acredito que pessoas com um mínimo senso artístico e até erótico (do ponto de vista do belo, lógico) possam achar que está tudo bem no mundo dos shows drag. Ficar em casa e assistir ao show de transformistas do Sílvio Santos tem sido muito mais interessante — e não custa nada.

Espero que as boates paguem melhor (muito melhor).

Espero que as drag queens se produzam melhor (muito melhor), sejam mais criativas (queremos shows de fato, piadas de fato), belas (vamos emagrecer, fazer um penteado digno, colocar uma peruca escândalo, maquiagem que embeleze — borrar qualquer idiota borra), hábeis na dança (não pode ser só bate-cabelo), e por aí vai.

Espero que o público seja mais exigente, mas que também saiba se comportar como quem vê um show, e não como quem quer dar vexame e estragar o trabalho alheio.

Enquanto isso não acontecer, não quero, tão cedo, ver outro show de horrores como os que tenho assistido ultimamente!!!! E, como o circuito Le Boy–1140–Papa G é praticamente idêntico, não adianta nem variar.

P.S.: Este post foi enviado por e-mail para as três boates citadas acima. Esperança de ver mudanças a partir de quem tem poder para fazer a diferença.

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