Idosos e Gays, e Enfrentando Preconceito no Crepúsculo

Bruce Steiner, 76, à esquerda, ajudando a alimentar seu parceiro, Jim Anthony, 71, que sofre do mal de Alzheimer. - Foto por James Estrin/The New York Times


Idosos e Gays, e Enfrentando Preconceito no Crepúsculo


Aging and Gay, and Facing Prejudice in Twilight (título original)

Publicado pelo The New York Times em 09 de outubro de 2007

Traduzido por Sergio Viula para o Blog Fora do Armário


Mesmo agora, aos 81 e com sua memória começando a desvanecer, Gloria Donadello recorda seu doloroso encontro com o preconceito num centro de convivência assistida em Santa Fé, Novo México. Sentada com aqueles que ela considerava amigos, "as pessoas riam e faziam certos tipos de comentários, e eu disse-lhes: Por favor, não façam isso, porque eu sou gay."

O resultado de sua franqueza, diz a Sra. Donadello, foi afastamento e falta de misericórdia. "Todos olharam-me horrorizados", diz ela. Nunca mais incluída nas conversas nem bem-vinda às refeições, ela caiu em depressão. A medicação não ajudava. Com sua saúde emocional deteriorando, a Sra. Donadello mudou-se para uma comunidade de adultos, nas redondezas, que acolhe homens e mulheres gays.

“Eu senti-me como um pária”, disse ela, acomodada em seu novo lar. “Para mim, foi uma escolha entre vida e morte.”

Pessoas gays idosas como a Sra. Donadello, morando em asilos ou centros de convivência assistida ou recebendo cuidados domésticos, cada vez mais relatam que têm sido desrespeitadas, rejeitadas ou maltratadas de maneiras que vão do doloroso ao mortal, inclusive levando algumas a cometerem suicídio.

Algumas têm visto seus parceiros e amigos insultados e isolados. Outras vivem com medo do dia em que vão precisar depender de estranhos para a maior parte do seu cuidado pessoal. Esse medo, por si só, pode ser fisicamente e emocionalmente danoso, dizem os médicos geriatras, os psiquiatras e os assistentes sociais.

O clamor dos idosos gays tem sido engrossado por uma geração de homens e mulheres gays, preocupados com seu próprio futuro, os quais desencadearam uma campanha nacional para educar prestadores de serviço na área de cuidados especiais quanto ao isolamento social e à discriminação que clientes lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros enfrentam.

Diversas soluções estão emergindo. Em Boston, Nova York, Chicago, Atlanta e outros centros urbanos, os assim chamados Projetos de Terceira Idade L.G.B.T. estão brotando para treinar provedores de cuidados pessoais de longo prazo. Ao mesmo tempo, há um movimento para oferecer serviços extras, com o apoio emocional dos familiares.

Nos subúrbios de Boston, o Asilo Judeu Chelsea (Chelsea Jewish Nursing Home) entrará em obras em dezembro para criar um complexo que incluirá uma unidade para os idosos gays e lésbicas. E o Stonewall Communities em Boston começou a vender casas designadas para pessoas gays idosas com serviços de apoio similares aos dos centros de convivência assistida. Existem também gerentes de serviços geriátricos abertamente gays, que podem guiar clientes aos centros de compaixão.

“Muitas vezes as pessoas evitam buscar ajuda de qualquer modo por causa de seus medos sobre como serão tratadas", disse David Aronstein, presidente do Stonewall Communities. “A menos que eles vejam ações afirmativas, eles presumirão o pior.”

A homofobia dirigida aos idosos tem muitas faces.

Lares para idosos com assistência médica devem ser lembrados quanto a não usarem luvas em momentos impróprios, como por exemplo quando abrem a porta ou fazem a cama, se não há evidência de infecção por H.I.V., disse Joe Collura, enfermeiro da maior agência de assistência ao idoso em Greenwich Village.

Uma lésbica conferindo um quarto duplo num centro de reabilitação em Chicago foi recebida por um colega de quarto aos gritos: "Tirem esse homem daqui!" A paciente lésbica, Renae Ogletree, implorou a uma amiga que a levasse dali para qualquer outro lugar.

Às vezes, isso resulta em tragédia. Em um asilo, um homem abertamente gay, sem família ou amigos, foi recentemente transferido de seu andar para silenciar protestos de outros residentes e seus familiares. Ele recebeu um quarto entre pacientes com deficiências severas ou demência. O asilo chamou Amber Hollibaugh, agora estrategista sênior na Força-Tarefa Nacional Gay e Lésbica (National Gay and Lesbian Task Force) e autora do primeiro currículo de treinamento para asilos. A Sra. Hollibaugh garantiu ao homem com 79 anos de idade que uma solução mais humana seria encontrada, mas ele enforcou-se, conforme informa a Sra. Hollibaugh. Ela não quis identificar o asilo ou mesmo a cidade em que fica, na Costa Leste, porque ela ainda oferece consultoria lá e em outros lugares.

Se por um lado esse resultado é raríssimo, mudar gays residentes de lugar para aplacar outros é comum, disse Dra. Melinda Lantz, chefe da psiquiatria geriátrica no Centro Médico Beth Israel (Beth Israel Medical Center) em Nova York, que passou 13 anos num posto semelhante no Lar Judeu e no Sistema Hospitalar Assistencial (Jewish Home and Hospital Lifecare System). “Quando você fica preso nessa situação e tem que mudar alguém de lugar porque ele está sendo ameaçado pelo grupo, você coloca essa pessoa com gente que está muito confusa", disse Dra. Lantz. “Esta é uma terrível e muito louca realidade.”

A reação mais comum, numa geração acostumada a viver no armário, é retirar-se à invisibilidade que era necessária durante a maior parte de suas vidas, quando a homossexualidade era considerada tanto crime como doença mental. O parceiro é identificado como um irmão. Nenhuma foto ou livro com temática gay é deixado ao redor.

Heterossexuais idosos também sofrem as indignidades da velhice, mas não com a mesma extensão, diz Dra. Lantz. "Há algo especial sobre ter que esconder essa parte de sua identidade no momento em que toda a sua identidade está sob ameaça", diz ela. "Este é um caminho rápido para a depressão, para o fracasso em desenvolver-se e até mesmo para uma morte prematura."

O movimento para aprimorar as condições dos idosos gays é influenciado pela demografia. Estima-se que existam 2,4 milhões de gays, lésbicas ou bissexuais americanos acima da idade de 55, disse Gary Gates, um colega de pesquisa no Williams Institute na Universidade da Califórnia, Los Angeles. Esta estimativa foi extrapolada pelo Dr. Gates usando dados do censo, que contam somente casais homossexuais, em combinação com outros dados governamentais, que contam tanto solteiros gays quanto casais gays. Entre esses casais gays, o número de homens gays e mulheres gays acima de 55 quase dobrou entre 2000 e 2006, disse o Dr. Gates, isto é, saltou de 222.000 para 416.000.

A Califórnia é o único estado com uma lei que afirma que os idosos gays possuem necessidades especiais, assim como outros membros de grupos minoritários. Uma nova lei encoraja o treinamento para empregados e contratados que trabalham com idosos e permite que o estado financie projetos como centros de idosos gays.

A lei federal não provê proteção a pessoas gays contra discriminação. Vinte estados explicitamente criminalizam tal discriminação em abrigos e acomodações públicas. Mas nenhuma solicitação em termos de direitos civis tem sido feita por gays residentes em asilos, de acordo com o Fundo de Defesa Legal do Lambda (Lambda Legal Defense Fund), que litiga e monitora tais casos. Queixas em potencial, diz a organização, são frágeis demais ou medrosas para provocar ação de fato.

O problema é complexo, dizem os especialistas, porque a maioria dos gays idosos não declara sua identidade, e as instituições raramente fazem algum esforço para descobrir quem são eles e preparar os membros da equipe e residentes para o que poderia ser uma situação com a qual não estão familiarizados.

Então, é aí que entra Lisa Krinsky, diretora do Projeto de Envelhecimento L.G.B.T. (L.G.B.T. Aging Project) em Massachusetts. Ela realiza sessões de treinamento sobre "competência cultural". A última foi no mês passado, para os "Serviços para Idosos do Litoral Norte" (North Shore Elder Services) em Danvers.

Os formulários para admissão de cuidados a longo prazo possuem espaços para checar o estado civil e familiares. Mas nenhum dos espaços se encaixa nas circunstâncias de gays e lésbicas. A Sra. Krinsky sugeriu perguntas segmentadas como “Quem é importante em sua vida?”

Nos últimos dois anos, a Sra. Krinsky treinou mais de 2.000 empregados de agências de serviço aos idosos de um lado a outro de Massachusetts. Ela apresenta-lhes problemas comuns e conduz a soluções.

Um homem gay demitiu seu assistente de saúde pessoal. O gerente [responsável pelo profissional] perguntou por quê. O paciente podia estar recebendo leituras não solicitadas da Bíblia de alguém que pensa que a homossexualidade é pecado. E quanto à lésbica num centro de convivência assistida que recusava visitas? Talvez ela temesse que a aparência de suas amigas a entregasse para os colegas residentes.

“Precisamos estar abertos e sensíveis”, disse a Sra. Krinsky, “mas não embrulhá-los numa bandeira do arco-íris e fazê-los marchar numa parada.”

Alguns dos idosos gays escolhem a abertura como a mais rápida e menos dolorosa forma de encontrar cuidado compassivo. Este é o caso de Bruce Steiner, 76, de Sudbury, Massachusetts, cujo parceiro de 71 anos de idade, Jim Anthony, tem sofrido do mal de Alzheimer por mais de uma década e não pode mais alimentar-se ou falar.

O Sr. Steiner tem resistido à assistência de enfermagem para o Sr. Anthony, mesmo depois de várias hospitalizações no último ano. O cuidado foi desigual, disse o Sr. Steiner, e fica a dúvida sobre se a homossexualidade foi um fator. Mas o Sr. Steiner decidiu não se arriscar e contratou um gerente gay que o ajudou a "filtrar" a mão de obra.

Eles escolheram uma agência de assistência doméstica com reputação por tratar bem clientes gays. Preparando-se para um futuro desconhecido, o Sr. Steiner também visitou várias casas de apoio a idosos, "dando-lhes a oportunidade de encorajar-me ou desencorajar-me." Sua favorita "é uma dirigida por irmãs carmelitas, acima de tudo, porque elas tinham senso de humor."

Elas são a exceção, não a regra.

Jalna Perry, uma lésbica de 77 anos de idade e psiquiatra em Boston, é assumida, mas não alardeia o fato — o que seria estranho para alguém de sua geração. A Dra. Perry, que usa uma cadeira de rodas, tem passado tempo em centros de convivência assistida e casas de apoio ao idoso. Lá, disse ela, seu guarda estava permanecia vigilante o tempo todo.


Jalna Perry, 77 anos


A Dra. Perry saiu do armário para alguns outros residentes no centro de convivência assistida — gente com gosto artístico, mulheres profissionais que ela acreditava que fossem aceitá-la. Mas mesmo com elas, disse a Dra. Perry, "você não fala sobre coisas gays". A maior parte ela guardou para si mesma. "Você mede as pessoas", disse ela. "Você sabe pelas atitudes quem é lésbica; isso é fácil de ler."

Mais complicado foi um assistente que era gentil com os outros, mas impaciente e bruto quando ajudava a Dra. Perry em tarefas pessoais. Será que o assistente suspeitava dela e a reprovava? Com um enfermeiro que era gay, Dra. Perry disse que sentia-se extremamente confortável.

“Exceto por aquele enfermeiro, eu sentia-me só”, disse ela. “Teria sido bom se alguém mais fosse assumido entre os residentes.”

Tal solidão é fonte de medo para os membros do Prime Timers, um grupo social de Boston para homens gays idosos. Entre os frequentadores, que encontram-se para almoçar uma vez por semana, estão Emile Dufour, 70, ex-padre, e Fred Riley, 75, que tem um casamento heterossexual de 30 anos atrás de si. O par tem estado junto por duas décadas e casaram-se em 2004. Mas sua posição é a de esconder sua homossexualidade, caso precisem de cuidados de enfermagem, a fim de não enfrentarem cochichos e murmúrios.

“Tão forte como sou hoje", diz o Sr. Riley, “quando eu estiver à porta de uma casa de apoio aos idosos, a porta do armário vai fechar-se atrás de mim.”

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