
Eu tenho me perguntado por que é que minha paciência anda tão curta ultimamente. Não sei se sou eu que estou mais impaciente ou se as pessoas andam mais chatas. Talvez seja simplesmente o fato de que lembramos mais do que nos incomoda do que daquilo que nos agrada.
Esta semana, já ouvi tanta coisa chata que nem sei. Por exemplo, o modelo chamado Miro Moreira, participante do reality show "A Fazenda", apresentado pela Rede Record, foi eliminado esta semana. Ele é um deus em termos de beleza. Também parece ter uma índole muito boa. É muito simples para alguém tão bonito e que tem feito sucesso na Europa, graças a essa mesma beleza. A maioria das informações sobre "A Fazenda" eu vi no "Hoje em Dia", que é apresentado pela manhã. Geralmente, estou preparando aulas ou praticando algum exercício e deixo a TV ligada para fazer companhia.
Foi no "Hoje em Dia" que vi Miro sendo entrevistado. Ele ficou no programa a manhã toda. Uma das últimas coisas que perguntaram a ele foi o que ele achava do comentário da mãe da Babi. Fiquei chocado quando mostraram o comentário dela sobre o rapaz. Ela foi cruel, esmagadora, mas o golpe mais baixo foi ter colocado a questão da sexualidade dele em pauta. Ela deixou claro que achava que ele era gay e colocou isso de uma forma que parecia que ser gay tirasse o mérito do jovem de alguma forma. Ela alegou que ele tentava se passar por heterossexual para ganhar espaço como ator futuramente. Ela chegou a dizer que a carreira de modelo tinha vida curta e que ele devia já estar se preparando para esse momento, tentando mostrar-se viril. Quem disse que gay não é viril? Precisa ter muita virilidade para encarar outro homem na cama, seja de costas ou de frente.
Senti nojo dela.
Pensei em como isso deve ter ferido o rapaz. Não por dizerem que ele é gay. Se for, não há nada de errado nisso; e, se não for, nada de meritório nisso também. Ser gay não é melhor nem pior do que ser heterossexual. Foi o tom com que ela colocou a questão, e seu óbvio intento: humilhar o moço. Bem, sendo esse o tom e essa a intenção, claro está que ela despreza os homossexuais como tais. E nisso ela revelou seu sórdido preconceito. E tão óbvia ficou a intenção que o apresentador e jornalista Geraldo, que também estava presente, criticou o preconceito e disse que há ricos extremamente pobres, referindo-se ao comentário da "dita cuja".
No mesmo dia, ao chegar ao trabalho, ouvi uma colega dizer: "O Miro saiu, né?" Uma outra respondeu: "Ah, aquele viado!" Fiquei puto, mas fiz de conta que não ouvi, porque não estava na mesma sala; estava numa sala ao lado. No entanto, fiquei puto o dia todo. E a razão é simples: ninguém diz "O Fulano fez isso ou aquilo, né?", tendo como resposta: "Ah, aquele heterossexual!" Veja que nem existe um palavrão ou apelido para heterossexual. Viado é para homossexual, e para heterossexual? Qual é o animal para heterossexual? Não há. O que existe é "piranha" para mulher heterossexual promíscua, mas por ser promíscua, não por ser heterossexual. Existe a palavra "garanhão" (que é considerada positiva) para o homem heterossexual promíscuo. Agora, para qualquer homossexual, seja ele monogâmico ou promícuo, a palavra do dia é viado. Ele é viado por ser gay, não por ser promícuo. Se for promícuo, é duplamente rotulado como "viado rodado".
Hoje, dois dias depois desses acontecimentos, alguém estava falando sobre Shakespeare, depois que eu fiz uma pergunta sobre um de seus sonetos. Uma pessoa que geralmente faz colocações que beiram o suicídio político disse que o mais famoso dramaturgo e poeta britânico batia na mulher — o que, aliás, parece ser apenas boato. Uma outra chega e diz: "Ah, mas ele era viado." Desta vez eu estava na sala, e eu mesmo havia puxado o assunto do soneto, então disse francamente na mesma hora, na cara de minha colega: "E o que tem uma coisa a ver com a outra? Eu sou viado e não dei porrada na minha mulher quando era casado. Talvez devesse ter dado. Houve momentos em que ela até mereceu. Mas não dei porrada nela. Talvez, se fosse um homem, eu tivesse dado. A maioria dos gays que eu conheço nunca bateu em mulher. Então, qual é a relação?"
Na mesma hora, o clima mudou. Todo mundo sentiu-se constrangido ante a minha reação. A minha colega tentou se explicar de todo jeito. A que comentou que ele batia na mulher veio, cheia de dedos, tentar explicar que não era nada disso, que não era o que ela queria dizer, e que a amiga também não... blá, blá, blá...
Continuei fazendo meu trabalho do mesmo jeito, mas sem gracinhas. A colega que fez a colocação infeliz ficou calada e envergonhada. Depois de um tempo, tentou se explicar novamente comigo, em particular. Disse-lhe que ela podia explicar tudo o que pensava quando disse isso, mas o modo como foi colocado apenas ventilava aquele preconceito internalizado que a maioria das pessoas (e infelizmente até alguns gays), de vez em quando, deixa escapar.
E se eu dissesse que fulana fez merda porque é mulher? E se eu dissesse que sicrano é mau-caráter porque é negro? As pessoas não ficariam chocadas? Não iriam querer me processar por discriminação de gênero ou racismo? Eu não sou — e nunca fui — idiota o suficiente para dizer uma coisa dessas. E fico, fico muito chocado quando alguém associa este ou aquele ato de quem quer que seja à homossexualidade, assim como ficaria se associassem as falhas de outro ser humano a qualquer outra característica natural e individual.
Fico puto, porque essa gente não é pobre e nem ignorante. Se fosse, alguém poderia dizer: "Ah, é por falta de recursos." Ou: "Ah, é porque não estudou." E isso também já seria um preconceito, pois há gente pobre e sem estudo formal que sabe viver melhor do que gente rica e cheia de canudos. Mas se esse povo é culto, "viajado", cheio de amigos gays, qual é a desculpa para tanta burrice?
É por isso que não tenho paciência mais com merda desse tipo! E, se depender de mim, o clima vai fechar para quem disser esse tipo de coisa perto de mim, especialmente sabendo que eu sou gay. E eu não faço a mínima cerimônia para dizer o que penso, se penso que devo dizer o que penso...

Infelizmente ainda vai levar muito tempo até que as pessoas se livrem desse preconceito que, de tão automático, nem percebem que tem até que alguém chame atenção ao fato.
ResponderExcluirMas quanto mais pessoas levantarem a voz pra fazer isso, mais rápido a conscientização virá.
Grande abraço
Åsa Heuser
Asa Heuser, obrigado pelo comentário! Vc tem toda a razão. E, minha esperança é que minha resposta e reação colaborem para essa reflexão, mas não há garantias.
ResponderExcluirObrigado mais uma vez.
Abração,
Sergio Viula
Oi...qto tempo nao passo por esse espaço que eu adoro!...mas a falta de tempo infelizmente impede que eu visite com mais frequencia...mas hje depois de ler esse comentário nao pude deixar de comentar, pois eu vi esse dia a tv e realmente tudo o que vc disse é a mais pura verdade, ela foi SUPER preconceituosa mesmo com o seu comentario, deu realmente nojo de ouvir algo do genero, e cada vez q ouço comentarios como esse dá vontade mesmo de retrucar, mas infelizmente isso nao e possivel ou nao seria conveniente pela ocasião.
ResponderExcluirSuadades de saber noticias suas!!
bjsssss
Obrigado, Roberta, pelo comentário carinhoso. Fico feliz em saber que vc viu, porque não estou exagerando nem um pouco. E entendo que há momentos em que não dá para retrucar. Vc é sábia. Em outros momentos, não dá para não dizer nada. É difícil discernir o momento mais adequado.
ResponderExcluirDeixo um beijo carinhoso e cheio de saudades também.
Sergio Viula
amei seu post..
ResponderExcluirvoce é professor de que?
abraços
Obrigado pelo apoio. Sou professor de inglês e de filosofia, mas estou trabalhando somente com inglês no momento. ;)
ResponderExcluirAbração,
Sergio