
Via Delas / IG
Muito se fala sobre a transexualidade e a operação de mudança de sexo. Por causa da popularização do tema, um fenômeno está tomando conta do cenário social e midiático: a operação de mudança de sexo como bem de consumo.
Aqui há que se fazer uma clara distinção entre aqueles que desejam a operação para adequar corpo à mente (tomando-se a mente como centro emocional, sensorial, etc). Neste caso, o transexual é genuinamente alguém que não se reconhece e jamais se reconheceu como sendo do gênero que se atribui a seu sexo genital. O genuíno transexual precisa da operação para adequar seu físico à imagem que tem de si mesmo, sua identidade.
Todavia, existem aquelas pessoas que, movidas pela mídia e toda a propaganda que se faz em torno da operação de mudança de sexo, pensam ser esta a solução para uma questão de outra ordem. Nestes casos, não se trata de transexualidade. Muitas vezes, essa é uma questão de insatisfação com sua orientação sexual. A pessoa é gay, mas não aceita o fato, e pensa que se fosse mulher (o homem) ou homem (a mulher), as coisas poderiam ser mais fáceis. Se pudessem passar como do sexo oposto, seu desejo não seria mais "gay", uma vez que essa pessoa e seu parceiro ou parceira constituiriam um casal misto (homem e mulher). Trata-se de homens que gostam de homens e mulheres que gostam de mulheres, mas não aceitam que são homossexuais, uma vez que sentem-se premidos por diversos preconceitos internalizados ao longo da infância e da adolescência. Essas pessoas acabam vendo a operação de mudança de sexo como uma via de fuga dos problemas que enfrentam, em consequência de não gostarem de transar com pessoas do outro sexo. Pensam que se mudarem a genitália estarão finalmente livres do preconceito que as persegue desde sempre, pois seriam visto como do outro sexo, finalmente. Neste caso, a operação é mera amputação e pode gerar inúmeros problemas futuros, inclusive arrependimento de ter operado.
A operação, porém, é irreversível.
Poucos são os profissionais dispostos a questionar esse estado de coisas, O Dr. Henry Frignet, psiquiatra e psicanalista, em seu livro "O Transexualismo", editado pela Companhia de Freud Editora, fala muito claramente sobre essa questão. Vale a pena conhecer seu trabalho, que conjuga o empírico e o teórico muito acertadamente.
É lógico que, graças aos avanços médicos e científico-tecnológicos, é possível modificar a anatomia humana até o certo ponto de obter resultados muito satisfatórios do ponto de vista estético-funcional. Há muitos transexuais hoje que são absolutamente femininos ou masculinos, conforme o tipo de adequação a que tenham sido submetidos e aos tratamentos hormonais. Isso, porém, não elimina a existência daqueles que, havendo se arrependido, porque não eram transexuais de fato, não puderam reassumir seu "corpo anterior", porque a cirurgia (hoje) é irreversível e a suspensão dos hormônios não devolve o corpo antigo.
Por isso, apesar do clamor de alguns segmentos por dispensar-se qualquer avaliação psiquiátrica, endocrinológica, psicológica, etc., é preciso tomar muito cuidado com o arrastão emocional que, muito semelhantemente ao marketing de qualquer produto, faz a operação tornar-se um "bem de consumo" para qualquer "consumidor" interessado.
Por outro lado, a questão dos pseudo-transexuais que buscam a operação para fugir do mal-estar que sua homossexualidade lhes impõe não elimina a existência dos verdadeiros transexuais. Estes, sim, precisam da operação para adequarem seu sexo anatômico à sua identidade, construída ou não, de acordo com as dinâmicas psíquicas do outro sexo.
Existem também aquelas pessoas que mesmo operando, porque não identificam a si mesmas com o sexo biológico, surpreendem por ter uma orientação sexual diferente do que a maioria espera. Sim, há pessoas que operam, mas desejam o igual. O que eu quero dizer é o seguinte: há mulheres que operam para construírem uma anatomia masculina, mas gostam de homens, ou seja, existem homens transexuais gays! Também existem homens que operam para tornarem-se mulheres, mas amam as mulheres. São transexuais lésbicas! Isso só demonstra como o campo das identidades sexuais e das orientações sexuais não permite que falemos de sexualidade, mas de sexualidades (no plural!). É muita diversidade até para a linguagem que costumamos usar e para os conceitos que costumamos construir.
Resumindo, ninguém deve se submeter a uma castração, a menos que esteja absolutamente seguro do que está fazendo. É preciso levar em consideração que essa cirurgia não o tornará numa mulher (ou um homem), em toda acepção do termo, e nem poderá ser revertida daí em diante. A transformação de uma vagina em pênis não é uma cópia perfeita. Pelo contrário, existem diversos contratempos, tais como a impossibilidade de uma ereção espontânea. Além disso, o tamanho do pênis implantado geralmente é o de um clitóris um pouco mais desenvolvido e não tem ereções perfeitamente naturais como a de um pênis "original".
De novo, a pessoa operada jamais será um homem na plena acepção do termo. Sua genética ainda é a do sexo de nascença e os orgãos modificados assemelham-se aos "originais", mas não são perfeitamente iguais. Por isso, a operação de mudança de sexo deve ser realizada somente em pessoas que sejam realmente transexuais. E para essas pessoas, ela deve realmente ser acessível e estar garantida como um direito, pois trata-se de uma cirurgia de adequação num nível psicossocial realmente essencial ao bem-estar físico e mental da pessoa transexual. Isso, porém, é só uma parte da processo. Documentação de acordo com a adequação da genitália também se faz importante. Manter nome masculino tendo anatomia feminina ou nome feminino tendo anatomia masculina é extremamente constrangedor e perpetua o sofrimento do indivíduo já operado.
As pessoas transexuais devem ser plenamente aceitas e respeitadas em todos os sentidos. A discriminação e o constrangimento por causa da identidade e da orientação sexual devem ser corrigidos por meio da lei se preciso.
Neste aspecto, o Brasil está de parabéns, pois o SUS (Sistema Único de Saúde), mantido pelo Ministério da Saúde, oferece o procedimento cirúrgico aos paciente que passem pelo processo de avaliação estabelecido pelo Ministério da Saúde.
De acordo com o site "Delas", a cada 16 dias, o procedimento cirúrgico é realizado em um paciente do Sistema Único de Saúde (SUS). A chamada cirurgia de mudança de sexo foi um dos últimos atos cirúrgicos reconhecidos pelo governo brasileiro e entrou para a lista de procedimentos gratuitos só em 2008. De lá para cá, 57 cirurgias foram realizadas, sendo 10 no primeiro ano, 31 em 2009 e 16 até junho de 2010. A estatística é crescente, mas ainda irrisória perto da fila de espera formada por pessoas que sentem ter nascido no corpo errado.
Interessados no livro podem contatar a editora Companhia de Freud na Rua da Candelária, 86 - 6º andar - Centro - Rio de Janeiro - Tel. 21-2263-3960 ou 2263-3891
Nossa, adorei!!!
ResponderExcluirNunca havia pensado na pressão para que o gay se normatizasse em um gênero, e sobre a falta de aceitação propria o pressionasse a ser homem ou mulher!!!
Adorei o seu texto!!!
Vou refletir bastante
Obrigado, Bruno.
ResponderExcluirBom saber que o post colaborou para sua reflexão.
Abração, querido.
Sergio Viula