
Timmy - personagem de Padrinhos Mágicos
Tempos atrás eu compartilhava com meus leitores e amigos mais chegados muitas das lutas que eu travava com meus pais por causa da assunção de minha homossexualidade. Saber que o filho é gay não era algo com que eles estivessem acostumados e nem mesmo dispostos a aceitar. Respeitar e conviver tranqüilamente com essa realidade era impensável.
Eu saí do armário definitivamente há quase 7 anos. Isso é pouco tempo até para um cara de 20 anos, imagine para mim. Eu tinha 34 anos, era casado, tinha dois filhos, tinha 18 anos de conversão e 13 de ministério (contando o tempo como missionário e o tempo como pastor). Não era fácil compreender uma mudança tão grande e tão repentina - se bem que só foi repentina para eles, porque para mim foi demasiadamente demorada: 34 longos anos de auto-sufocamento!
No início, meus pais pensavam que eu fosse me tornar um desvairado. Eles devem ter pensado que havia enlouquecido, que estava possesso, ou coisa assim. Por isso, agiram muito injustamente comigo diversas vezes. Muitas das coisas que passei são do conhecimento de antigos leitores do blog. Mas, o que desejo fazer através deste post não é queixar-me dos meus pais, mas prestar-lhes tributo. Por quê? - pode ser a pergunta de muita gente. Minha resposta é: por diversos motivos. Vou enumerar alguns:
1. Porque, mesmo não compreendendo as dinâmicas psico-afetivas de seu filho (eu!!!) logo de início, eles deram a si mesmos a chance de me ouvir depois de uma crise que nos distanciou por muito tempo. Minha mãe me pediu desculpas e disse que não sabia como lidar com tudo isso, mas estava disposta a aprender. Eu disse que perdoaria, sim, mas só voltaria a conviver sob uma condição: que eles nunca mais me tratassem mal por ser gay, e que reconhecessem de uma vez por todas que tinham um filho gay. Ela assentiu e nos abraçamos. Depois foi a vez do meu pai. E de lá pra cá, as coisas só mudaram para melhor;
2. Porque meus pais sempre foram muito amáveis e zelosos com meus filhos. Sempre conviveram muito com eles, mesmo quando eu ainda era casado com a mãe deles; e quando eu separei, eles continuaram dando todo apoio aos dois. Quando a mãe deles casou de novo, eles optaram por morar com os avós, e meus pais receberam os dois de braços abertos. Desde então, eles têm sido muito mais do que avós para os dois. Tenho o privilégio de viver numa casa vizinha à deles - o que me permite conviver muito tanto com meus filhos quanto com meus pais;
3. Meus filhos estão lindos! Esta semana estava pensando em quanto dessa beleza e saúde é devido ao tratamento que recebem no dia a dia da parte dos avós. Esta noite, eu e Emanuel estávamos jantando na casa dos meus pais e colocando o papo em dia, quando eu abracei meu filho e disse que ele estava lindo, mas que muito dessa saúde maravilhosa que ele e a irmã dele desfrutavam era resultado do cuidado dos avós que agiam como muito mais do que avós! Agiam como verdadeiros pais! E como eu sou um pai super presente na vida deles, meus pais sabem que não estou dizendo isso como quem assume alguma omissão, pois não me omito de modo algum quando o assunto é meus filhos. Estava simplesmente reconhecendo o valor do amor deles para com os netos na prática.
4. O modo como eles acolheram o Emanuel também é outra coisa que eu gostaria de reconhecer nesse tributo aqui. Temos desfrutado de uma convivência maravilhosa! Algo que era impensável dentro do contexto em que vivi minha infância e adolescência tornou-se real em minha vida adulta: viver com meu parceiro e conviver com meus pais e ele na qualidade de parceiro. Meus pais demonstram carinho e respeito por ele. Tratam-nos com muito carinho, e se dependesse da minha mãe, nós gastaríamos muito pouco com o supermercado, porque ela nos convidaria para almoçar e jantar lá freqüentemente. Sou eu que coloco um freio nisso, porque não gosto de "viver na aba" de ninguém; nem mesmo dos meus pais. Porém, sempre que vamos lá, passamos bons momentos juntos.
É por essas e outras razões que decidi compartilhar essas experiências e meu orgulho por ter pais que, tendo sido injustos quando saí do armário, se dispuseram a aprender a conviver com as diferenças, respeitá-las e até admirar alguns aspectos delas - o que é um feito fantástico para pessoas que, como eles, vivem num ambiente eclesiástico que não admite a homoafetividade com naturalidade. Por isso mesmo, eles merecem ainda mais reconhecimento no quesito maturidade!
E para quem lê isso e pensa: "assim é fácil" - faço lembrar que minha saída do armário pode ter sido tudo menos fácil. O que eu colho agora foi plantado com muito esforço e dor, mas volto a dizer que é melhor sentir dor uma vez só ou por um curto período a ficar se escondendo e sofrendo a vida inteira enfiado no armário.
Cada um terá que encontrar seu próprio tempo e seu próprio jeito. Não existe receita, bula ou cartilha com uma fórmula única e final, mas vale a pena. Tem que ter disposição, firmeza, doçura, teimosia, amor a si mesmo, respeito por si mesmo para encarar as adversidades, mas o mundo só respeita quem se ama e sabe o que quer. E poderia ser diferente? Cabeça erguida não pode ser pisada. Agora, se o cara é o primeiro a deitar e dizer pisa, não vai faltar gente para dar mais uma pisadinha.
Meus pais também entenderam isso. Eles tinham muito do que se orgulhar de cada filho que tiveram. São três: eu e duas irmãs. Agora têm também dois netos dos quais se orgulharem. Quem vai ousar dizer o contrário quando eles mesmos adoram os filhos que têm???
O segredo é amar! E o amor não exige que você seja outro. O amor lida com o ser, não com o dever-ser, e nem com o vir-a-ser. Quem ama, ama o que é, ou então não ama aquele de modo algum; ama uma ficção - o que faz desse suposto amor mera imaginação sentimentalista. Meus pais aprenderam a amar-me como sou, não como gostariam que eu fosse. Eu os amo como são, e eles são muito melhores hoje do que antes. Por isso, eles demonstram amor pelo Emanuel, porque sabem o quanto ele me faz bem. Por isso, a mãe do Emanuel demonstra amor por mim, porque ela sabe o quanto faço bem ao filho dela. E por quê isso? Porque, como dizia minha avó: "quem a meus filhos beija, a meus lábios adoça." É o amor pelos filhos que motiva o amor de seus pais pelos que os fazem mais felizes. ;)
Tomara que muitos filhos gays sejam mais autênticos e amorosos com seus pais. Tomara que muitos pais de homossexuais sejam mais amorosos e compreensivos com seus filhos. Tomara que muitos pais gays cativem seus filhos com amor e honestidade. Tomara que muitos filhos de pais gays compreendam e amem seus pais incondicionalmente. Eu estou tendo o privilégio de ser ao mesmo tempo filho e pai gay vivendo em amor e paz com pais e filhos heterossexuais. Não é fantástico? ;)
Sim, eu sei como é que é! Mais uma coisa é certa:
ResponderExcluirSem os nossos pais seria muito dificil todos nós termos os pés no chão!
Concordo plenamente! Mas os pais só contribuem para nos tornar seres humanos melhores quando são amáveis e acolhedores. Há filhos cujos pais são seus maiores carrascos e eles ainda se culpam pelo que sofrem. Isso é o que acontece com filhos que são espancados pelos pais, agredidos verbalmente, abusados sexualmente, etc.
ResponderExcluirMeus pais são maravilhosos! E mesmo quando estavam confusos e desorientados, eles ainda continuavam me amando. Não podemos esquecer que muita gente sofre ou já sofreu calada como prisioneiro dentro da própria casa. Eu mesmo tenho a infelicidade de ter vizinhos que maltratam os filhos de forma tão cruel fisica e verbalmente que meus próprios pais já os denunciaram à polícia por causa disso.
Há pais e pais, como há filhos e filhos, mas você tem razão. Sem pais (eu acrescento: amáveis e acolhedores) é muito difícil manter os pés no chão.
Beijo, Love and Glamour!
Sergio Viula
Querido sérgio gostei desse seu singelo e doce depoimento sobre seus pais e seus filhos; sobre como apesar de arduo é extremamente proveitoso para o Gay e seus entes mais queridos assumir a sua homoafetividade!
ResponderExcluirObrigado pelo comentário carinhoso, Bruno.
ResponderExcluirUm abraço forte, querido.
Sergio Viula
Sergio, querido
ResponderExcluirEu gosto da palavra "tributo". Ela me parece ter mais peso que homenagem ou reconhecimento. Ela provoca um sentimento de respeito com muito mais responsabilidade até para quem ouve ou lê.
Com certeza seus pais merecem esse tributo. Mesmo de longe, acompanhei, as vzs sofrendo com eles ou com vc e em muitos episódios, com os dois. Mas valeu a pena esperar. Me lembro daprimeira foto q vi de vcs juntos, num encontro amistoso, familiar... Fiquei muito feliz!
Isso é amor! E o perfume desse amor chegou até aqui!
Beijos!
Obrigado, Sylvia!
ResponderExcluirQue bom que vc tem acompanhado a evolução dos fatos! Isso me encoraja muito.
Obrigado mais uma vez pelo seu amor!
Beijo,
Sergio Viula
Fico mto feliz mesmo por saber q vcs estão felizes e bem!! Vc merece!!! torço por vc! super beijoo
ResponderExcluirObrigado, Betinha!!!
ResponderExcluirBeijoca,
Sergio Viula
Fiquei feliz ao ler seu depoimento, e senti uma inveja branquinha, ja que temos algumas coisas em comum, como voce tambem fui casado, tive 02 filhos, e me separei aos 37 anos para viver o amor da minha vida, me apaixonei, e dentro de 3 meses, me separei de minha ex mulher para viver este grande amor., fui exposto pela minha decisão, tanto no trabalho como para toda a minha familia., Meus pais tambem me deram as mãos e me disse que continuariam me amando , independente da vida que escolhi para mim, eles tambem me ajudam na criação de meus filhos, porem, não aceitam qualquer tipo de contato com meu companheiro., embora tenham se passado 4 anos, meus pais ainda não aceitam meu companheiro, nem mesmo conversam com ele, isso me deixa muito triste, pois nunca estou junto com todas as pessoas que eu amo., porém respeito a posição deles, por outro lado tem meu companheiro que embora me ame,, não tem um bom relacionamento com meus filhos, praticamente nem conversam entre eles.. Amo todos, porém nunca me sinto plenamente feliz por não ter conseguido ter a felicidade que voce tem em ter sua familia toda em harmonia. Peço a Deus que um dia me de esta graça de poder estar juntos com meus pais, meus filhos e meu companheiro, todos em harmonia. Parabens por ter essa benção em sua vida.
ResponderExcluirGrande abraço
14 de outubro de 2010 22:19
Obrigado pelo comentário tão carinhoso, Reginaldo! Fiquei feliz em saber que vc está com a vida praticamente toda ajustada, exceto pela distância entre seus pais e filhos e seu parceiro. Espero que essa distância desapareça com o tempo.
ResponderExcluirNada justifica essa frieza de seus filhos, mas uma coisa pode explicá-la em parte: vc já estava apaixonado por ele quando se separou, então seus filhos podem pensar que ele foi causador da separação. A verdade é que vc se separou porque é gay. Se não fosse gay, não teria sequer se apaixonado por outro homem. Portanto, não foi parceiro a causa da separação, mas sua homoafetividade, que é a causa tanto da paixão quanto da separação. ;)
Bem, ninguém pode impor que outra pessoa receba em sua casa alguém que ela não deseja, mas você pode não ir a certos eventos se seu parceiro não for bem-vindo, e dizer isso claramente. E se for, e ele não for bem tratado, dê um boa noite a todos e saia. Isso vai fazer com que as pessoas percebam que amar você significa, no mínimo, respeitar quem você ama. Podem até não amar quem vc ama, mas precisam respeitá-lo. Pode parecer duro, mas geralmente funciona. Eu mesmo já usei esse artifício, e tem certas festas de família às quais não compareço, porque uma tia minha decidiu esconder de um tio meu que eu sou gay e separei por causa disso. Por isso, se a festa é dela ou na casa dela, eu não vou e sempre digo a quem pergunta o "por quê". Eu digo que não vou a um lugar onde eu não possa ser eu mesmo e levar meu parceiro. A questão é óbvia: que marido ou esposa iria a um lugar onde um deles não fosse bem-vindo?
Agora, vc deve deixar claro para seus filhos que sempre vai amá-los, que ninguém jamais tomará o lugar deles. Deixe claro que seu parceiro tem um lugar muito especial em sua vida e que seus filhos tem outro lugar muito especial, cada um de um modo diferente e que um não interfere com o outro. Um nunca vai vai perder seu lugar por causa de caprichos pessoais do outro. Casamentos acabam, pais morrerm, mas filhos serão sempre filhos, e pais serão sempre pais. Não existe ex-filho ou ex-pai; só ex-marido ou ex-mulher.
Abraço e boa sorte nessa empreitada, querido! Não é fácil, mas vale a pena!
Sergio Viula