O que elas enfrentam - Mês da Visibilidade Lésbica

Parada LGBTI de Porto Alegre. Foto: Renata Fetzner




Por Sergio Viula



Agosto, 2019: A comunidade lésbica brasileira está comemorando o mês da visibilidade lésbica.



Desde 1996, o Dia da Visibilidade Lésbica é comemorado em 29 de agosto. A escolha foi feita durante o 1° Seminário Nacional de Lésbicas (antigo Senale, hoje Senalesbi), para destacar a existência e a resistência da mulher lésbica.

A palavra lésbica vem do nome de uma ilha grega que ficou famosa por ter sido o local de nascimento da poeta Safo (c.624 a 569 a.C.), cujos textos celebravam o amor entre mulheres. Lesbos, terra-natal da lésbica mais conhecida do mundo, localiza-se no nordeste do mar Egeu, sendo a terceira maior ilha grega e a sétima maior do Mediterrâneo. Atualmente, a ilha é um dos destinos favoritos de turistas lésbicas.

Trecho de um poema de Safo para Átis, uma de suas discípulas e grande amor:


Colares atei para o tenro
Pescoço de Átis; os perfumes
Nos cabelos, os óleos raros


Da sua pele em minha pele!
[…]
Cama macia, o amor nascia
De sua beleza, e eu matava
A sua sede” […}


Portanto, o termo lésbica vem de Lesbos, e o termo lesbofobia indica o preconceito por orientação sexual direcionado às mulheres que amam mulheres.

Como se dá a lesbofobia?



Fetiche machista


A lesbofobia manifesta-se de muitas maneiras. Uma das maneiras mais recorrentes é a fetichização ou objetificação do relacionamento entre mulheres, especialmente por parte de homens machistas que associam o amor entre duas mulheres ao entretenimento sexual apresentado em sites pornôs, ignorando que uma relação afetiva entre duas pessoas, seja qual for o sexo delas, não tem nada a ver com suas esquisitices secretas.

Saúde


Mulheres lésbicas ainda enfrentam dificuldades quando se trata de atendimento médico. Muitos ginecologistas ignoram as especificidades da mulher lésbica no tocante à saúde feminina.


Minha irmã conta que uma vez foi atendida por um ginecologista que a examinava como se ela tinha vida sexual ativa com homens. Ela precisou dizer-lhe: "Doutor, eu nunca transei com homens. Eu sou lésbica." O médico, depois dessa informação, não sabia exatamente o que dizer, mas se ele estivesse melhor instruído, certamente teria sabido o que dizer e o que fazer com essa informação.

Violência


Entre as manifestações mais graves de lesbofobia, encontram-se as agressões físicas e psicológicas, sofridas muitas vezes dentro da própria casa. Em muitos casos, desde a infância.

Sou testemunha de quantas vezes minha irmã foi criticada simplesmente por gostar de brincadeiras geralmente atribuídas aos meninos - o que não é a experiência de todas as lésbicas. Tenho amigas lésbicas que adoram brincar de boneca e detestam qualquer coisa que inclua a competição com base em habilidades físicas. Porém, no caso da minha irmã, eu costumava ouvir parentes e até nossos pais dizendo que isso ou aquilo era brincadeira de menino, que ela devia se comportar como menina, que ela parecia um moleque, etc.

Esse tipo de coisa tem forte impacto negativo sobre a psique de uma criança e inviabiliza qualquer diálogo que ela queria iniciar sobre sua própria sexualidade. Enquanto as meninas que gostam de meninos compartilham com suas mães (ou pais) seus pequenos romances, a menina lésbica se sente clandestina dentro de seu próprio lar e uma estranha para aqueles que deveriam ser seus amigos mais íntimos e confiáveis - os pais.

A falta de diálogo esclarecido e acolhedor coloca a criança ou adolescente em estado de perigosa vulnerabilidade, mas as coisas podem ser ainda piores, pois há famílias que espancam suas meninas lésbicas.

Felizmente, não houve, que eu me lembre, esse tipo de violência doméstica contra minha irmã. Não tenho qualquer memória dela apanhando por não se encaixar nos "padrões" que a família acreditava serem os femininos. Porém, já conversei com adolescentes que sofreram castigos físicos, "exorcismos" e cárcere privado porque suas famílias descobriram que elas estavam apaixonadas por outras meninas.

Uma das formas mais terríveis de violência é o estupro, especialmente aquele praticado contra lésbicas sob o pretexto de "corrigir" seu desejo. Além dos traumas irreparáveis que uma violência dessas causa na psique feminina, a garota ou mulher lésbica vítima de um canalha desses ainda pode engravidar do estuprador, sendo obrigada a escolher entre o aborto e a maternidade indesejada de um filho que carrega o DNA de seu violador. Doenças sexualmente transmissíveis (algumas incuráveis) também podem ser contraídas durante o estupro. Essas mulheres precisam ser protegidas pela família, a sociedade e o Estado, sendo a família sua principal aliada, mas esta muitas vezes é sua maior inimiga, especialmente quando envenenada por crenças religiosas fundamentalistas.

A violência contra lésbicas pode culminar em assassinato.


Dossiê sobre Lesbocídio no Brasil


Em 2017, um grupo de pesquisa da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) criou o Dossiê sobre Lesbocídio no Brasil. Os pesquisadores explicam o que entendem por lesbocídio:

“Definimos lesbocídio como morte de lésbicas por motivo de lesbofobia ou ódio, repulsa e discriminação contra a existência lésbica.”

O nome do grupo de pesquisa é “Lesbocídio – As histórias que ninguém conta”. O dossiê abrange casos que ocorreram no Brasil entre 2014 e 2017, obtidos através do monitoramento de redes sociais, jornais eletrônicos e outras formas de mídia. Os trabalhos são coordenados pela docente Maria Clara Marques Dias e desenvolvidos pela professora Suane Felippe Soares, além da graduanda Milena Cristina Carneiro Peres. A publicação ressalta o crescimento do lesbocídio no Brasil.


Crescimento assustador



Enquanto foram registrados apenas dois casos de lésbicas assassinadas no Brasil no ano 2000, esse número saltou para 54 assassinatos de lésbicas em 2017.

57% dos lesbocídios referem-se a lésbicas muito jovens, ou seja, até 24 anos;
65% dos assassinatos foram praticados no interior do país;
83% dos assassinos são homens.

O relatório aponta que:

Em três anos (2014-2017), 126 lésbicas foram assassinadas no país, sendo 54 casos apenas no ano de 2017 — um aumento de mais de 237% em relação a 2014.

O maior número de suicídios de mulheres lésbicas também foi registrado em 2017. Foram 19 no total.

O descaso para com esse tipo de violência fica evidente ao constatar-se que 71% dos crimes aconteceram em espaços públicos - o que parece apontar para uma conivente indiferença por parte da sociedade e do Estado.

Em 57% dos casos, a vítimas conheciam os agressores.

De cada 100 lésbicas assassinadas, 83 foram mortas por homens.

O grupo de estudos destaca que esses números estão longe de refletir a violência lesbofóbica com precisão, isto é, estão abaixo do número real, pois o levantamento foi feito a partir de dados coletados em redes sociais, sites e jornais e outros veículos de mídia, acarretando sub-notificação.

Além disso, as delegacias resistem em registrar os casos de lesbofobia como tal, geralmente enquadrando os crimes em latrocínio, crime passional, assassinato por motivo fútil, entre outros, especialmente antes da decisão do Supremo Tribunal Federal (2019) de equiparar a homofobia e a transfobia ao crime de racismo.

Faça sua parte para a conscientização da sociedade, compartilhe conteúdos sobre o Dia da Visibilidade Lésbica e participe dos eventos realizados em sua região. Isso é o mínimo que toda cidadã e todo cidadão devem fazer.


Acesse o dossiê completo aqui: 

https://dossies.agenciapatriciagalvao.org.br/fontes-e-pesquisas/wp-content/uploads/sites/3/2018/04/Dossi%C3%AA-sobre-lesboc%C3%ADdio-no-Brasil.pdf

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