Cristianismo e a opressão das mulheres na supreção dos seus direitos



Of the Necessity of Atheism  (Sobre A Necessidade do Ateísmo)

Autor: David Marshall Brooks.

Capítulo 17 – Religião e a Mulher.


Tradução: Sergio Viula

Para o Blog Fora do Armário

Essa obra é de domínio público.

Uma versão anotada (em inglês) pode ser encontrada no Amazon: https://www.amazon.com.br/Necessity-Atheism-Annotated-Marshall-Brooks/dp/B0BMSRJGVN/ref=sr_1_1



Religião e a Mulher


Ela foi a primeira na transgressão, por isso mantenha-a em sujeição. Feroz é o dragão e astuta a áspide, mas a mulher possui a malícia de ambos. (São Gregório de Nazianzo).

Tu és o Portão do Diabo, o traidor da árvore, a primeira desertora da lei divina. (Tertuliano).

Que importa, seja na pessoa da mãe ou da irmã, temos de nos precaver contra Eva em cada mulher. Quão melhor é que dois homens vivam e conversem juntos do que um homem e uma mulher. (Santo Agostinho)

Nenhum traje se torna pior a uma mulher do que o desejo de ser sábia. (Lutero)

A Bíblia e a Igreja têm sido os maiores obstáculos ao caminho da emancipação das mulheres. (Elizabeth Cady Stanton)


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Constata-se em muitos contagens sobre os frequentadores de igreja que as mulheres permaneceram ligadas às igrejas em uma proporção muito maior do que os homens. A proporção de mulheres nas igrejas é vastamente superior à sua proporção na população geral. A maioria dos homens que ainda comparecem passivamente às suas igrejas o fazem sob a pressão de interesses profissionais ou de influência social ou doméstica.

O grau de religiosidade sempre esteve associado ao livre jogo das emoções, e, sendo as mulheres mais imaginativas e emocionais que o homem, parece claro que esse forte fator emocional nas mulheres explica, ao menos em parte, a maior proporção de mulheres como frequentadoras de igreja. E isso, cabe notar, não reside em qualquer inferioridade inerente na constituição mental de uma mulher, mas sim nas influências ambientais que, até muito recentemente, moldaram a educação das mulheres de forma que era pouco adaptada a fortalecer sua razão, mas sim calculada para realçar seu emocionalismo.

Historiadores eclesiásticos têm o notório hábito de ver os tempos pré-cristãos com o propósito tendencioso de expor apenas os aspectos daquela civilização que julgavam inferiores aos exercidos pelo Cristianismo. Todavia, pesquisadores estabeleceram de forma bastante precisa a posição das mulheres na comunidade egípcia de 4.000 anos atrás. Não é exagero afirmar que ela era livre e mais honrada no Egito há 4.000 anos do que em qualquer país da terra até tempos recentes. Os estudiosos nos asseguram que, em um período em que a Bíblia afirma que a terra estava apenas se formando, a matrona egípcia era a senhora de sua casa; ela recebia herança em igualdade com seus irmãos e tinha pleno controle sobre sua propriedade. Ela podia ir onde quisesse e falar com quem quisesse. Ela podia ajuizar processos nos tribunais e até mesmo se defender em juízo. O conselho tradicional dado ao marido era: “Alegra o coração dela enquanto tens tempo.”

Contraponha-se essa posição das mulheres na comunidade e na sociedade em geral com a declaração dada na História do Sufrágio Feminino, de Mrs. E. Cady Stanton, na qual ela fala do status da fêmea da espécie em Boston, por volta do ano de 1850: As mulheres não podiam possuir propriedade, fosse ela adquirida ou herdada. Se solteira, era obrigada a entregá-la às mãos de um curador, à vontade do qual estava sujeita. Se contemplasse o casamento e desejasse chamar sua propriedade de sua, era forçada por lei a fazer um contrato com seu pretendente, pelo qual ela abria mão de todo título ou reivindicação sobre a propriedade que deveria ser sua. Uma mulher, casada ou solteira, não podia ocupar nenhum cargo, fosse de confiança ou de poder. Ela não era considerada uma pessoa. Não era reconhecida como cidadã. Não era um fator na família humana. Não era uma unidade, mas um zero na soma da civilização.

O status de uma mulher casada era pouco melhor do que o de uma serva doméstica. Pelo direito comum inglês, seu marido era seu senhor e mestre. Ele detinha a custódia exclusiva de sua pessoa e de seus filhos menores. Ele podia puni-la com um bastão, não maior que seu polegar, e ela não podia reclamar contra ele.

O direito comum do estado de Massachusetts considerava homem e esposa como uma só pessoa, mas essa pessoa era o marido. Ele podia, por testamento, privá-la de toda parte de sua propriedade, bem como do que lhe pertencia antes do casamento. Ele era o dono de todos os seus bens imóveis e de seus ganhos. A esposa não podia fazer contrato nem testamento, nem, sem o consentimento do marido, dispor do interesse legal de seus bens. Ela não possuía sequer um trapo de suas roupas. Não tinha direitos pessoais e dificilmente podia chamar sua alma de sua. Seu marido podia roubar seus filhos, despi-la de suas roupas, negligenciar o sustento da família. Ela não tinha recurso legal. Se uma esposa ganhava dinheiro com seu próprio trabalho, o marido podia reivindicar o pagamento como sua parte dos proventos.

Com tal contraste em mente, é de fato difícil compreender onde reside a verdade da afirmação de que o status das mulheres era lastimável até que o Cristianismo exercesse sua influência para sua melhoria. E é curioso notar, novamente, que após um período de quase 2.000 anos de influência cristã, coube a uma cética como Mrs. Stanton e a seus colegas céticos promover uma melhoria na posição degradante das mulheres na sociedade cristã.

O retrato degradante da humanidade feminina, conforme descrito no Antigo Testamento, é bem conhecido por quem já folheou esse estoque de mitologia. Seria proveitoso para a multidão de devotas adeptas de todas as crenças reservar um pouco do tempo que dedicam à situação dos pobres pagãos ignorados e ler alguns dos trechos do Antigo Testamento que tratam de seu destino. Toda a história das mulheres sob a administração dessas leis celestiais é um registro de sua servidão e humildade.

No vigésimo quarto capítulo do Deuteronômio, encontramos o direito do divórcio concedido ao marido. Que ele lhe escreva uma certidão de divórcio, a entregue em sua mão e a mande embora de sua casa. A esposa descartada deve aceitar a justiça divina. Mas se a esposa estiver descontentada, existe alguma justiça? Sob nenhuma cláusula da lei do divórcio poderia a esposa obter o divórcio por iniciativa própria. Somente o marido poderia separá-la dele.

No vigésimo segundo capítulo do Deuteronômio é promulgada a lei do Teste de Virgindade, que dispõe que se algum homem tomar uma esposa e se decepcionar dela, declarando “Não a achei virgem”, então seu pai e sua mãe deverão apresentar os sinais da virgindade da donzela perante os anciãos da cidade e o portão. Os anciãos ginecológicos então participam de uma conferência voyeur e, se não for encontrada virgindade na donzela, conduzirão a donzela até a porta da casa de seu pai, e os homens da cidade a apedrejarão, até que morra. Muito provavelmente, o parceiro masculino em seu delito foi o primeiro a lançar a maior pedra.

A lei estabelecida no décimo-segundo capítulo de Levítico pode ter sido concebida para fins higiênicos, mas é cruel e degradante para as mulheres, pois pressupõe que a mulher que pariu uma filha é duas vezes mais impura do que aquela que pariu um filho. A Lei dos Ciúmes, conforme descrita no quinto capítulo de Números, é um bom exemplo da mentalidade dos escritores desta revelação divina. Deus, em Sua infinita sabedoria, determinou que se escrevesse para Ele que, para testar se uma mulher se deitou carnalmente com outro homem, o sacerdote deveria tomar água sagrada em um vaso de barro e, do pó que se encontrava no chão do tabernáculo, o sacerdote tomaria e colocaria na água – a água amarga que causa a maldição – e faria com que a mulher a bebesse.

A revelação divina então prossegue com: “Se ela for contaminada, seu ventre inchará e sua coxa apodrecerá.” Mas, afinal, Deus não sabia que no pó do tabernáculo se espalhavam os germes da disenteria, do cólera, da tuberculose e de algumas outras infecções leves. Ou será que o Divino Pai sabia que mesmo um germe que tenha respeito próprio não habitaria o chão imundo do tabernáculo?

Consequentemente, não é de se admirar que, nos bons e velhos tempos da mulher antiquada, o auge da hospitalidade consistisse em oferecer a esposa ou a filha a um visitante para a noite. Não foi a religião que pôs fim a esse costume bárbaro. Foi o avanço da civilização, não a força religiosa, mas o lugar que o pensamento racional passou a ocupar na vida das pessoas.

Segue a descrição de um tumulto religioso que ocorreu em Alexandria, nos primórdios da Igreja.

Entre as muitas vítimas desses infelizes tumultos esteve Hipátia, uma donzela não mais distinta por sua beleza do que por seu conhecimento e suas virtudes. Seu pai foi Teão, o ilustre matemático que precocemente iniciou sua filha nos mistérios da filosofia. As tradições clássicas de Atenas e as escolas de Alexandria a aplaudiram igualmente por suas conquistas e escutaram a pura música de seus lábios. Ela recusou respeitosamente as ternas atenções dos amantes, mas, elevada à cadeira de Gamaliel, suportou a juventude e a velhice, sem preferência ou favor, sentar-se indiscriminadamente a seus pés.

Sua fama e crescente popularidade despertaram, por fim, a inveja de São Cirilo, então Bispo de Alexandria, e sua amizade com o antagonista deste, Orestes, o prefeito da cidade, acarretou para sua dedicada pessoa o esmagador peso de sua inimizade. Em sua passagem pela cidade, sua carruagem foi cercada por suas criaturas, lideradas por um fanático astuto e selvagem chamado Pedro, o Leitor, e a jovem e inocente mulher foi arrastada ao chão, despida de suas vestes, desfilada nua pelas ruas e então desmembrada nos degraus da catedral. A carne ainda morna foi raspada de seus ossos com conchas de ostra, e os fragmentos ensanguentados foram lançados em um forno, de modo que nenhum átomo da bela virgem escapasse à destruição. Assim se revelou a crueldade dos homens, incitados pela mania do zelo religioso.

Em tempos mais históricos, há inúmeros exemplos da tirania exercida sobre as mulheres pelo sistema feudal. O feudalismo, composto por ideias militares e tradições eclesiásticas, exercia os bem conhecidos direitos senhoriáis. Esses direitos compreendiam uma jurisdição que hoje é indescritível e tinham até o poder de privar a mulher da própria vida.

Uma história da licenciosidade dos monges e dos primeiros papas preencheria um grande número de volumes, e de fato, muitos são os volumes dedicados a esse tema. Bastará apontar alguns incidentes representativos. Em 1259, Alexandre IV tentou interromper a vergonhosa união entre concubinas e o clero. Henrique III, Bispo de Liège, era um indivíduo de caráter tão paterno que teve sessenta e cinco filhos naturais. William, Bispo de Padreborn, em 1410, embora bem-sucedido em subjugar inimigos tão poderosos quanto o Arcebispo de Colônia e o Conde de Cloves com fogo e espada, foi impotente perante os desmandos morais de seus próprios monges, que estavam, sobretudo, envolvidos na corrupção das mulheres.

De fato, o clero suíço em 1230 afirmou francamente que eram de carne e osso, incapazes de viver como anjos. O Concílio de Colônia, em 1307, tentou em vão oferecer às freiras uma chance de viver vidas virtuosas para protegê-las da sedução sacerdotal. Conrad, Bispo de Würzburg, em 1521, acusou seus sacerdotes de gula habitual, embriaguez, jogos de azar, contendas e luxúria. Erasmo advertiu seu clero contra a concubinação. O abade de St. Pilazzo de Antialtarin foi provado por testemunhas competentes a ter nada menos que 70 concubinas. A antiga e rica Abadia de St. Albans não era mais do que um antro de prostitutas, com as quais os monges viviam abertamente e sem disfarces.

O Duque de Nuremberg, em 1522, estava preocupado com a imunidade clerical dos monges, que, dia e noite, se aproveitavam da virtude das esposas e filhas dos leigos. A Igreja promovia abertamente a venda de indulgências em luxúria para os eclesiásticos, que acabou se formalizando como um tributo. O Bispo de Utrecht, em 1347, emitiu uma ordem proibindo a admissão de homens em conventos de freiras. Na Espanha, as condições tornaram-se tão intoleráveis que as comunidades forçavam seus sacerdotes a escolher concubinas, para que as esposas e filhas ficassem a salvo dos estragos do clero.

A tortura, a mutilação e o assassinato de Elgira, por Dunstan, ilustram ainda, entre milhares e milhares de feitos sangrentos semelhantes, a brutalidade diabólica da superstição perpetuada em nome do Cristianismo sobre as mulheres nos séculos anteriores de nossa época. De fato, a superstição religiosa sempre conseguiu roubar, atormentar, enganar e degradar as mulheres.

Bell – Mulheres: Da Escravidão à Liberdade.

Durante a Idade Média, os tempos em que a Igreja dominava completamente todas as formas de empreendimento, o status das mulheres não era melhor do que as condições gerais da época. Essa era da fé é caracterizada pela violência e pela malandragem que cobriam todo o país, pelas pragas e fomes que dizimavam cidades e vilarejos a cada poucos anos, pelo dilúvio de relíquias espúrias e indecentes, pela degradação do clero e dos monges, pela escravidão dos servos, pelas brutalidades diárias dos julgamentos e das torturas, pelos passatempos grosseiros e sangrentos, pela insegurança da vida, pelos devastadores avanços das doenças, pela censura da investigação científica e por cem outras características da vida medieval.

Joseph McCabe, RELIGIÃO DA MULHER.

 A Igreja foi a principal responsável pelas terríveis perseguições infligidas às mulheres sob a acusação de feitiçaria, e isso deve ser levado em consideração quando se analisa o que a mulher deve à religião. A Reforma reduziu a mulher à posição de mera geradora de filhos. Durante o domínio do puritanismo, a mulher era um pobre ser ignorante, um sapo humano sob o jugo de uma piedosa imbecilidade.

As pioneiras do movimento moderno da mulher neste país foram, evidentemente, a Sra. Stanton, a Sra. Gage e a Srta. Susan B. Anthony. Em sua História do Sufrágio Feminino, elas comentam sobre a vil oposição que os primeiros ativistas encontraram em Nova Iorque. Ao longo desse prolongado e vergonhoso ataque à feminilidade americana, o clero batizava cada novo insulto e ato de injustiça em nome da religião cristã, e uniformemente pedia a bênção de Deus sobre procedimentos que teriam envergonhado uma assembleia de hotentotes. E, enquanto o clero nem permanecia em silêncio nem despejava abusos contra esse movimento inicial, pensadores livres como Robert Owen, Jeremy Bentham, George Jacob Holyoake e John Stuart Mill, na Inglaterra, entraram de cabeça na luta em favor da emancipação das mulheres. Na França, foram Michelet e George Sand que lhes prestaram auxílio. Na Alemanha, foram Max Stirner, Buchner, Marx, Engels e Liebknecht. Na Escandinávia, foram Ibsen e Bjornson. A batalha foi iniciada por pensadores livres em desafio ao clero, e foi somente quando a conquista inevitável desse movimento se manifestou que um número considerável de eclesiásticos veio em auxílio desse movimento progressista. A correção dos erros impostos à humanidade feminina, portanto, começou não apenas sem a ajuda das igrejas, mas diante de sua determinada oposição. Não foi o clero que descobriu a injustiça cometida contra as mulheres ao longo dos séculos, e quando finalmente lhes foi apontada pelos céticos, foi raro o eclesiástico que pôde percebê-la e tentar corrigir o erro.

R. H. Bell, ao traçar essa luta das mulheres em sua publicação, Mulheres: Da Escravidão à Liberdade, tem esta pertinente observação a fazer: se há algum direito pessoal neste mundo sobre o qual igreja e estado não devam ter controle, é o direito sexual de uma mulher de dizer sim ou não. Esses e direitos semelhantes estão tão profundamente enraizados na moralidade natural que nenhuma pessoa lúcida e de coração limpo deveria desejar contestá-los. A maternidade forçada, por meio do casamento ou de outra forma, é uma forma mista de escravidão. A maternidade voluntária é a glória de uma alma livre. Na longa luta pela liberdade, o antagonista mais rigoroso da mulher sempre foi a Igreja.

Fim do Capítulo 17.

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