DIREITOS FEMININOS: Onde está o PERIGO realmente?



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Por Sergio Viula


Olá, pessoal. Olá, olá. Aqui é Sergio Viula. Hoje é domingo, dia 5/10/25. É bem cedo ainda — 10 da manhã para um domingo — e eu quero conversar com vocês sobre uma questão que tem ocupado bastante o meu pensamento e a minha atenção, especialmente porque algumas pessoas têm provocado essa chamada maior para esse tema em função de posturas muito equivocadas.

A primeira delas — e eu já quero começar por aí — é essa história sobre a qual eu já falei em outro vídeo: “LGB sem T? Que desgraça é essa?” Lésbicas, gays e bissexuais sem pessoas trans? Isso é um absurdo ridículo. Já falei sobre isso no meu canal do YouTube, no Blog Fora do Armário. Não faz o menor sentido lutar pelos direitos de pessoas sexodiversas sem lutar também pelos direitos das pessoas que não se enquadram nos padrões de gênero, porque tudo está interligado.

Quem defende esse separatismo geralmente diz: “Nossa luta é por orientação sexual”. Só que pessoas trans também têm orientação sexual! Elas podem ser gays, lésbicas, bissexuais, pansexuais, assexuais, o que for. Uma pessoa pode ser trans e não gostar de sexo na mesma medida que outros gostam, ou gostar de um jeito diferente. Então, não faz sentido algum excluir. Esse tipo de pensamento só serve para dividir uma comunidade que já é pequena — embora numerosa — diante da sociedade.

E não deve haver hierarquização de pautas. É tão importante criminalizar a homotransfobia, como fez o Supremo Tribunal Federal, quanto garantir o direito conjugal de pessoas sexodiversas e transgêneras. Isso é tão relevante quanto assegurar direitos trabalhistas, inclusive com a possibilidade de criar cotas para obrigar empresas a contratarem pessoas trans. Porque, sejamos honestos, se depender só das empresas, elas jamais vão contratar, mesmo que sejam profissionais altamente qualificadas. Pessoas trans perdem oportunidades de emprego apenas por serem quem são, independentemente da sua competência. Isso é uma injustiça que precisa acabar.

Todas as pautas são importantes. A saúde das pessoas trans, com suas especificidades, é tão essencial quanto a saúde de mulheres lésbicas, que também têm necessidades próprias. Agora, imagina alguém que é trans e lésbica — ela acumula as duas demandas. Ou um homem trans gay: ele vai lidar com questões próprias da transgeneridade e também com as da homossexualidade. E quando esse casal trans e cis, por exemplo, estiver andando junto, ambos serão vistos como gays.

Por isso, essa discussão de separatismo é, minimamente falando, babaca. É a única palavra que me ocorre, mas também posso dizer que é estúpida, idiota, imbecil, contraproducente e fascista. Não tem absolutamente nada de libertária. Repito: nada! Porque quando você prega a liberdade para as pessoas se autodeterminarem e se expressarem, mas diz: “vamos batalhar só pela nossa patota, os outros que se danem”, você já está agindo de forma fascista, ainda que algumas pautas suas pareçam libertárias.

Se um movimento não busca, em última instância, liberdade e direitos para todo mundo, ele não é libertário. É claro que em determinados momentos vamos focar em uma pauta específica, e em outros, em outra. Mas dizer: “Eu só luto por essa e não por aquela” não faz sentido nenhum. Essa divisão só existe graças à burrice de quem defende esse separatismo e essa hierarquização.

Mas tem outra questão também que vem ocupando meu espaço mental — que é esse pensamento que eu digo aqui — que é essa coisa de algumas mulheres ditas feministas tentando excluir mulheres trans, cooptando outras mulheres não tão dedicadas a pensar sobre esse assunto, que são arrastadas por alguns slogans, por alguns chavões baratos, sabe, facilmente derrubados, mas que parecem muito verdadeiros. É o mesmo fenômeno que vimos com o bolsonarismo no Brasil, né? Uma estupidez completa, mas que apela a certas pessoas, e quando apela, apela muito. A pessoa vira uma fanática desse assunto. E é o que eu tenho visto aqui com algumas mulheres falando sobre pessoas trans, especialmente mulheres trans.

Então eu queria ler aqui um trechinho do meu blog e depois fazer alguns comentários também. Primeiro, é uma postagem que eu fiz sobre a mulher solidária com outras mulheres, todas as mulheres, incluindo as mulheres trans, né? Isso foi em 12 de junho de 2025, publicado no Blog Fora do Armário. Foi inspirado por um texto chamado The Woman Identified Woman — a mulher identificada como mulher, vamos dizer assim — de 1970. Um ano depois do meu nascimento — nasci em 1969. Imagina, isso aqui foi um ano depois de eu nascer. Isso aqui não é de ontem, não, gente. Mas foi atualizado para refletir as lutas contemporâneas das mulheres trans.

A primeira pergunta é: o que é uma mulher? Ainda hoje há muitas respostas a essa pergunta. Muitas delas continuam sendo moldadas por uma lógica patriarcal que define as mulheres pelo olhar dos homens ou por padrões biomédicos restritos. Algumas correntes dentro do próprio feminismo insistem em definir mulher exclusivamente com base em genitália ou biologia reprodutiva, excluindo assim as mulheres trans. Mas, como já afirmaram feministas radicais no passado, a mulher não deve ser definida por sua relação com os homens, nem pelos papéis que o patriarcado lhe impõe. Observe que as feministas radicais do passado são bem diferentes das hardfem de hoje. Bem diferentes, tá? Essas são bem fascistas comparadas com as outras. As outras eram muito libertárias.

A mulher deve ser definida por si mesma, por suas vivências, suas alianças e sua luta por libertação. Isso inclui todas as mulheres, cis ou trans, que vivem sob o peso da misoginia, da exclusão, da violência e da negação de sua identidade. No século XX, muitas mulheres heterossexuais rejeitavam as lésbicas como ameaças à causa. E tem muita lésbica que já esqueceu disso e hoje está fazendo esse discursinho antitrans. Mas elas esqueceram da pimenta que elas tomaram no próprio rego e agora estão achando graça na pimenta no rego dos outros.

Então, olha só: no século XX, muitas feministas heterossexuais rejeitavam as lésbicas como ameaças à causa. Hoje vemos esse mesmo erro se repetir: mulheres trans sendo tratadas como ameaças ou intrusas por outras mulheres que deveriam ser suas aliadas. Assim como as lésbicas desafiaram a estrutura patriarcal ao afirmarem sua identidade fora da normatividade heterossexual, as mulheres trans desafiam o mesmo sistema ao romperem com os papéis de gênero impostos desde o nascimento. Elas não apenas existem: resistem, e o fazem sob uma carga brutal de discriminação, violência, invisibilidade e rejeição, inclusive nos espaços que deveriam acolher mulheres em geral, os espaços feministas.

Uma mulher solidária com outras mulheres é aquela que não se limita à própria experiência para reconhecer o que é ser mulher. Ela não faz esse reconhecimento a partir do seu próprio umbigo exclusivamente. Ela sabe que a opressão assume formas diferentes, mas parte de uma mesma raiz: o controle dos corpos, das identidades, das vozes femininas, em todas as suas formas. Ela se recusa a ser cúmplice de sistemas que selecionam quem é digna de existir como mulher. Se o feminismo pretende ser libertador, ele precisa ser radical na inclusão e não na exclusão. Precisa rejeitar o essencialismo biológico que serve à misoginia e abrir espaço para a pluralidade das experiências femininas vividas por mulheres cis, mulheres trans, mulheres lésbicas, mulheres bissexuais, intersexuais e todas aquelas que são marginalizadas por desafiarem a ordem estabelecida. Hoje, como ontem, uma mulher verdadeiramente identificada com outras mulheres é aquela que escolhe a solidariedade em vez do medo, a escuta em vez do silenciamento, a acolhida em vez da exclusão. A revolução feminista ainda está por vir, mas ela só será possível se for feita por todas as mulheres juntas.

Então, minha gente, esse é o texto. Depois tem mais algumas coisas que pontuei, mas esse é o principal. E eu queria dizer que não há feminismo sem transfeminismo. Essa é uma das principais bandeiras do transfeminismo contemporâneo: dizer que não há feminismo sem transfeminismo. Por quê? Porque as mulheres trans merecem tanto respeito quanto as mulheres cis. Porque não é a biologia em si que define quem você é. Ela não é destino. Pode ser um ponto de partida, mas você é muito maior do que aquilo que vê de imediato quando olha para si mesmo ou quando as pessoas olham para você logo depois de nascer.

Agora, eu queria dizer o seguinte: enquanto algumas mulheres estão muito preocupadas com as mulheres trans que elas estão “roubando” direitos — o que é mentira; nenhum direito feminino foi excluído porque um direito trans foi reconhecido — essa é uma falácia. Segundo, as mulheres trans ocupando os lugares das mulheres são mulheres disputando esses lugares juntas. E quando se trata de esporte, que é a parte mais usada para atacar mulheres trans, é preciso lembrar: a população mundial tem mais ou menos 1% de pessoas trans. Incluindo homens trans em aparência, performance e identidade. Não entram nem na disputa com as mulheres. Então, desse 1%, um monte é homem trans, outras são mulheres trans. Imagina o que seria esse 0 e poucos por cento de mulheres trans competindo com mais de 50% da população formada por mulheres? Como essas mulheres ameaçam as mulheres cis? De que maneira?

Ah, porque no esporte tem mulher trans que estaria levando vantagem. Primeiro: inúmeras disputas aconteceram com mulheres cis e trans na mesma modalidade e competição, e inúmeras vezes as mulheres trans perderam. Ninguém falou: “Olha, então isso prova que o corpo feminino é biologicamente superior ao masculino.” Porque vencemos aquela mulher trans que elas gostam de dizer que é um homem vestido de mulher, né? E não é. Um homem vestido de mulher seria eu fazendo drag, por exemplo, ou alguém no carnaval: um homem vestido de mulher, ponto. Uma mulher trans não é isso. Uma mulher trans é uma mulher.

E aí você vai ter que analisar diversas coisas que compõem o feminino. E o que acontece? Quando essas mulheres trans perdem, ninguém fala: “Olha aí, a mulher cis provando que o homem biologicamente nascido não tem tanta força ou velocidade.” Mas se uma mulher trans ganha, depois de perder várias vezes para as mesmas mulheres, aí pronto: “Ah, é um macho de roupa feminina vencendo a gente aqui.” Eu acho engraçado, porque, com isso, essas mulheres já estão reconhecendo uma superioridade masculina nessa fase, coisa que feministas radicais do passado não gostavam de fazer. Apesar de sabermos que existem diferenças anatômicas — se você pegar um halterofilista masculino e um feminino no topo da força, o homem ainda é mais forte —, o que deve ser visto no esporte não é de que sexo você é ou que gênero você performa. O que importa é sua constituição física, sua capacidade em comparação com outras competidoras.

Então, vamos falar de quem realmente oprime vocês. Muitas vezes, vocês estão presas no saco da macharada, incensando ela. Vamos lá:

Catolicismo

Durante séculos, a Igreja Católica restringiu o papel das mulheres em todos os sentidos, inclusive no sacerdócio. Você já viu uma padra? Não, você nunca viu. Eu tô brincando com a palavra que você poderia falar: "Ah, mas aí se for o caso, vai ser madre." É, mas madre já existe. Só que madre não tem nada a ver com padre. Madre não é sacerdotisa. Madre é só uma serva, uma empregada doméstica — sem nenhum juízo de valor sobre o trabalho em si —, mas ela é empregada do Vaticano. Ela serve aos padres, estando totalmente sujeita ao mando de bispos, arcebispos, cardeais, padres paroquianos e à ideia de que, se não obedecer, será punida.

A moral sexual católica impõe forte controle sobre o corpo feminino, condenando o aborto, que deveria ser um direito feminino, porque há mulheres que morrem quando não lhes permitem abortar. A contracepção, você sabia que a pílula anticoncepcional que você toma é pecado para a Igreja Católica? Só por praticar contracepção, você já pode estar condenada. Agora, imagina engravidar e parir a cada ciclo menstrual? A Igreja Católica não permite qualquer contracepção — pílula, tabelinha, DIU, etc. — e também não permite autonomia sexual da mulher. Para a Igreja, o orgasmo feminino nem entra em discussão. Mulher não tem que sentir prazer. Ela é um vaso no qual o homem deposita sua semente. Para o homem, o orgasmo está totalmente liberado; para a mulher, o negócio é só engravidar, gerar e parir.

Como isso não é visto por essas feministas com a mesma paixão com que criticam mulheres trans, que não colocam em perigo os direitos de ninguém? A moral sexual católica, além disso, reforçou papéis de gênero rígidos, exaltando a mulher pura como modelo — a imagem do mito da Virgem Maria — e demonizando a mulher associada ao desejo. Eva é detratada, Maria Madalena é desvalorizada; algumas interpretações populares dizem que Maria Madalena só terá valor ao servir Jesus. Até hoje, mulheres donas de si, que conhecem seu corpo e valorizam seu prazer, são demonizadas pela Igreja. Historicamente, a Inquisição perseguiu mulheres como bruxas, associando feminilidade e desobediência a pecados e possessões.

Protestantismo

Embora algumas denominações protestantes modernas ordenem mulheres como pastoras ou bispas, ainda existem várias correntes que consideram a mulher submissa ao marido. Mesmo onde mulheres são pastoras, ideias conservadoras ainda as controlam. Nos Estados Unidos, pastores evangélicos têm papel ativo em sustentar políticas que restringem a liberdade das mulheres — a bancada evangélica faz isso direto. Onde está o feminismo combatendo isso? Quando algumas manifestações feministas são radicais demais, envolvendo nudez ou profanação de objetos sagrados, isso fortalece o discurso conservador de que essas mulheres são do demônio. Então, parem de perseguir pessoas trans e comecem a focar no que realmente ameaça todas vocês.

Judaísmo Ortodoxo

No judaísmo ortodoxo, muitas regras rígidas limitam o que a mulher pode fazer. A maioria das sinagogas não ordena rabinas; uma ou outra é mais progressista. Existe um documento chamado get, que o marido pode conceder à esposa para se livrar dela, mas a mulher não pode pedir divórcio. A tradição valoriza a maternidade como papel central da mulher, mas limita sua autonomia social e religiosa. Correntes reformistas ou conservadoras já ordenaram mulheres rabinas e promovem mais igualdade, mas enfrentam resistência e são minoria.

Islamismo

No islamismo tradicional, muitas práticas reforçam a submissão feminina: vestuário restritivo, separação de espaços, punições severas em casos de adultério, dificuldade de divórcio e limitações sobre trabalho e educação. Mulheres não podem dirigir em alguns países, e seu testemunho vale metade do de um homem. No entanto, há muçulmanas feministas que reinterpretam o Alcorão e desafiam tais práticas, em lugares mais liberais, como a Turquia.

Hinduísmo

O hinduísmo venera o feminino, mas costumes tradicionais ainda reforçam submissão da mulher ao marido e à família. Meninas são casadas contra a própria vontade, práticas de sati ainda ocorrem em algumas regiões, e casamentos arranjados prevalecem, muitas vezes por causa de dote. A mulher é tratada como objeto, vendida, muitas vezes forçada a cumprir papéis que desrespeitam sua autonomia.

Budismo

Embora pregue igualdade espiritual, o budismo tradicional limitou as mulheres. O Buda permitiu monjas, mas com regras muito mais rígidas que as dos monges. Em alguns países, templos ainda excluem mulheres de áreas sagradas. Mulheres trans e cis enfrentam misoginia igualmente; mulheres trans podem até sofrer dupla opressão. Recentemente, movimentos por igualdade dentro do budismo têm ganhado força, com mestres e monges reivindicando liderança feminina. A Monja Coen é um exemplo visível, mas ainda é exceção.

Conclusão

Então, quero fechar dizendo: parem de perseguir mulheres trans. Mulheres trans não praticam feminicídio — parceiros e ex-parceiros, homens cis, são os responsáveis. Mulheres cis e trans sofrem tráfico e exploração sexual, mas o envolvimento direto de mulheres trans é muito menor. Assédio moral e econômico não é cometido por mulheres trans; quem discrimina no trabalho, reduz salários ou limita licença-maternidade são outros, principalmente homens cis.

Que babaquice é essa de perseguir mulheres trans? Eu sou um homem gay, cisgênero, aliado das mulheres trans e cis, lutando pela comunidade sexo-diversa. Meu discurso é coerente: liberdade e igualdade para todos, focando nos mais vulneráveis, porque eles não podem se defender sozinhos. É isso, minha gente. Bom domingo para vocês.

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