LGB sem T? Que desgraça é essa?

O falso “fim do LGBTQIA+” e a armadilha da divisão




Por Sergio Viula

No dia 28 de setembro de 2025, a Gazeta do Povo publicou uma matéria assinada por Gabriel Sestrem com o título: “Fim do LGBTQIA+: novo movimento global promove união apenas entre LGBs e rompe com trans”. O texto trata da criação da LGB International, uma organização que tenta separar gays, lésbicas e bissexuais das pessoas trans, não binárias e outras identidades de gênero.

À primeira vista, pode parecer apenas mais uma sigla ou mais um debate sobre identidade. Mas, na prática, trata-se de um ataque direto à unidade que sempre foi fundamental para a conquista de direitos da comunidade LGBTQIA+.

A falácia da separação

O argumento central da LGB International é de que seria preciso “voltar às origens”, defendendo apenas a orientação sexual (L, G e B) e deixando de lado questões de identidade de gênero (T, Q, I, A e +). Essa narrativa, no entanto, é contraditória e perigosa.

Pessoas trans também podem ser gays, lésbicas ou bissexuais. Não há como traçar uma linha divisória entre sexualidade e identidade de gênero que não caia em arbitrariedades. Excluir pessoas trans é, portanto, excluir parte de nós mesmos.

A retórica do “sexo biológico”

Outro pilar desse movimento é a defesa de um “sexo biológico imutável”, acompanhado da negação da identidade de gênero. Esse discurso não é novo: ecoa ideias usadas historicamente por setores religiosos fundamentalistas e políticos conservadores para negar a diversidade humana.

A ciência já demonstrou que sexo não se resume a um binarismo rígido entre macho e fêmea. Há variações cromossômicas, hormonais e anatômicas que provam a complexidade biológica. Ignorar isso para impor uma visão simplista é uma escolha política, não científica.

O uso de mentiras e pânicos morais

A LGB International também recorre a falácias que já conhecemos bem. Afirma que a pauta trans “apaga” a pauta LGB, quando, na realidade, pessoas trans também têm orientação sexual e sua luta não anula a de gays, lésbicas e bissexuais. Pelo contrário: nossas bandeiras se complementam.

Outro exemplo é a difusão da mentira de que crianças trans seriam submetidas a cirurgias irreversíveis. Isso não existe. O que há é acompanhamento psicológico e, em alguns casos, bloqueadores de puberdade — que são reversíveis e usados justamente para dar tempo ao jovem de amadurecer sua identidade.

Esse tipo de desinformação não é ingenuidade: é estratégia. Assim como no passado se espalhavam falsas acusações de que gays eram “predadores” ou “ameaças às crianças”, hoje se tenta criar pânicos morais em torno das pessoas trans.

Importando o discurso do ódio

Não é coincidência que esse movimento repita narrativas semelhantes às de figuras como J.K. Rowling na Europa e políticos conservadores nos Estados Unidos. Trata-se de uma importação de discursos transfóbicos que tentam se instalar no Brasil para dividir e enfraquecer nossa luta.

O mais irônico é que, ao tentar se separar, parte desses gays, lésbicas e bissexuais da LGB International esquece que sempre foram alvo da mesma intolerância que agora reproduzem. Para fundamentalistas e extremistas, pouco importa se somos gays “respeitáveis” ou pessoas trans: todos continuamos sendo “viados”, “anormais”, “pecadores”.

A verdadeira luta

Dizer que os direitos das pessoas trans ameaçam os direitos LGB é falso. Nenhum direito conquistado por gays, lésbicas ou bissexuais foi perdido porque pessoas trans avançaram. O que realmente ameaça nossas vidas são a intolerância religiosa, a violência política e a ignorância deliberada.

A luta é pela liberdade plena da expressão sexual e de gênero, desde que não envolva abuso. Dois adultos têm o direito de amar, se identificar e se expressar como quiserem. O que deve nos unir é a busca por respeito, dignidade e cidadania.

Conclusão

A tentativa de fragmentar o movimento LGBTQIA+ com a sigla “LGB” é uma armadilha que só interessa a quem nos quer de volta ao armário. A história mostra que nossa força está na unidade, não na divisão.

Gays, lésbicas, bissexuais, trans, travestis, não binários, intersexuais, assexuais e todas as outras identidades temos algo em comum: a luta pelo direito de ser quem somos. E é juntos que conquistaremos um futuro de liberdade e respeito.


Conheça a cartilha TODAS AS MULHERES - Dignidade, Cidadania e Direitos Humanos para Travestis e Mulheres Trans: 


AQUI: https://bit.ly/42oqVLX?r=lp&m=Mn7ihJymBIR


RESUMO Celebrando os 30 anos da Declaração e Plataforma de Ação de Pequim e o ano do 50º aniversário do Dia Internacional da Mulher, marcos globais pelos direitos humanos das mulheres em todo o mundo, o Ministério das Mulheres e a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA) apresentam o guia “Todas as Mulheres: Dignidade, Cidadania e Direitos Humanos para Travestis e Mulheres Trans”. 

O material é decorrência do princípio fundamental da igualdade e da não- discriminação, sinal do reconhecimento, de que travestis e mulheres trans são mulheres e, portanto, devem ter seus direitos humanos plenamente reconhecidos e garantidos. É urgente assegurar participação política, reconhecimento social e acesso às políticas públicas de forma equitativa. Em um cenário marcado pela exclusão e pela violência, valorizar sua presença, ouvir suas vozes e garantir seus direitos é um passo fundamental para uma sociedade mais justa, diversa e verdadeiramente democrática. 

Este guia, elaborado com o apoio da Entidade das Nações Unidas para a Igualdade de Gênero e o Empoderamento das Mulheres (ONU Mulheres) e da campanha do Alto Comisssariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ONU Direitos Humanos) Livres & Iguais, apresenta os fundamentos legais da proibição da discriminação contra travestis e mulheres trans, delineia parâmetros de direitos humanos para protegê-las dessa discriminação, em diversos âmbitos da vida, e sistematiza algumas das principais conquistas recentes e recomendações de mecanismos internacionais de direitos humanos aplicáveis ao Brasil. 

Esperamos que este material possa ser usado como referência para inspirar a produção de uma série de publicações temáticas que discutam e apresentem a diversidade de Mulheres, suas lutas e desafios. Esperamos, também, que este conhecimento influencie empresas, legislativos, o sistema de justiça, movimentos sociais, tomadores e tomadoras de decisão, enfim, todas as pessoas, a agir - e continuar agindo - pelo reconhecimento, proteção e fruição dos direitos humanos das travestis e mulheres trans, em linha com o direito internacional dos direitos humanos e o ordenamento jurídico brasileiro. 

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